Islamofobia na Europa: Desinformação propagada pela extrema-direita provoca violência contra imigrantes no Reino Unido

* Com a colaboração do Pastor da Igreja Metodista na Grã-Bretanha Rev. Paulo Bessa

O Reino Unido tem sido palco de intensas ações violentas organizadas pela direita radical desde a primeira semana de agosto com ênfase em xenofobia e intolerância religiosa contra islâmicos. Distúrbios ocorreram em diversas cidades, com relatos de saques a lojas, ataques a policiais e também imigrantes. Centenas de pessoas foram presas. 

Os protestos começaram após um ataque a faca em Southport, no noroeste da Inglaterra, que resultou na morte de três meninas entre seis e nove anos.  Informações falsas nas redes sociais alegaram que o suspeito, Axel Rudakubana, de 17 anos, era um imigrante radical islâmico. 

Uma análise da BBC revelou que influenciadores nas redes sociais incentivaram os protestos. Muitos manifestantes foram atraídos por publicações nas mídias sociais que continham desinformação sobre imigração ilegal e supostos crimes violentos praticados por imigrantes. A polícia esclareceu que Rudakubana, nascido no País de Gales, no Reino Unido, não tem ligações com terrorismo. 

Relatos da situação aparecem em várias mídias de notícias, o que foi objeto de checagem do Bereia.

Imagem: reprodução/UOL

Protestos organizados por um grupo ou ativismo descentralizado?

Forças policiais identificaram o grupo anti-imigração Liga de Defesa Inglesa (EDL) como uma influência significativa nos protestos e na desinformação divulgada. Entretanto, observadores de extrema direita disseram que os motins não estão sendo organizados por um grupo formal.

“O que estamos vendo é a ‘extrema direita pós-organizacional’”, disse o porta-voz do grupo de monitoramento da extrema direita Red Flare: “É uma mudança de organizações formais e hierárquicas de membros para uma situação mais informal, em rede e amorfa.”

“Você pode ser apenas um membro de um canal do Telegram ou Instagram. As pessoas conseguem se mover perfeitamente de uma formação para outra”, acrescentou.

Um canal do Telegram que surgiu após o ataque de Southport reuniu 13 mil membros. Ele compartilha conteúdo neonazista e se tornou um ponto de encontro central para os manifestantes.

Em 5 de agosto passado, o canal compartilhou uma lista de 39 instituições de caridade, centros de aconselhamento e advogados relacionados a imigração como alvos de ataques incendiários na noite de 31 de julho.. 

“Há guias em PDF sobre como cometer ataques incendiários sem ser pego. Há todo tipo de material terrorista sendo compartilhado neste chat. Essa mudança ‘pós-organizacional’ na organização da extrema direita não é nenhuma novidade”, disse Red Flare.

Quanto à Liga de Defesa Inglesa (EDL) que não exista mais formalmente, suas ideias continuam a ser promovidas por figuras como Stephen Yaxley-Lennon, conhecido como Tommy Robinson, e seus seguidores.

Em um vídeo de sete minutos postado, em 31 de julho, na sua conta do X, Robinson diz a seus 800 mil seguidores que “estão substituindo a nação britânica por migrantes hostis, violentos e agressivos. Seus filhos não importam [para o governo trabalhista]”. A legenda da publicação diz que: “há mais evidências que sugerem que o islamismo é um problema de saúde mental do que uma religião de paz”.

Em 2021, ele perdeu um processo por difamação causado por suas calúnias contra um estudante sírio que foi filmado sendo atacado na escola. Em um vídeo postado no Facebook, Robinson alegou que o garoto “ataca violentamente jovens garotas inglesas em sua escola”, comentários pelos quais ele foi processado.

A antropóloga e professora da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP Francirosy Campos Barbosa explica, em artigo publicado na seção Areópago do Bereia, que a islamofobia não é recente na Europa. De acordo com a professora, é um termo conhecido na França desde 1920, que reapareceu com força na década de 1970, “e que deixa claro o repúdio aos muçulmanos e ao Islam”

Alguns países europeus fazem “agora a expulsão destes por intermédio de discursos racistas e islamofóbicos. Muitos dos países africanos que foram colonizados por europeus são muçulmanos. Serviram para ser colônia, tiveram suas vidas expropriadas, violadas, mas não servem para gerarem homens e mulheres que escolham viver como cidadãos europeus, franceses e terem projeção social”, escreve a antropóloga. 

“A racialização dos muçulmanos é um fenômeno global muito por conta da supremacia branca, consubstanciado por religiões de brancos como o catolicismo e protestantismo, mas também, a xenofobia escancara a violência contra migrantes fruto de orientalismo que se impregnam nos discursos e valores da sociedade europeia. As diversas reações à não presença islâmica vêm sendo sentida por meio de várias proibições: de construções de minaretes ao uso do véu. Apagar a presença islâmica na Europa virou uma nova “cruzada””, diz Francirosy Barbosa.

A professora também escreve que compreender os aspectos que delimitam a islamofobia, como ódio e rechaço ao Islam e aos muçulmanos, deve fazer parte da descolonização necessária de um pensamento branco e ultraconservador que permeia o universo europeu atual. 

“Práticas racistas e islamofóbicas devem ser combatidas por uma Pedagogia antirracista e anti-islamofóbica que insira esses sujeitos na participação social, como qualquer cidadão com direitos e deveres”, defende a pesquisadora. 

Teorias da conspiração sobre “elites” que encobrem abusos de crianças britânicas também estão em circulação. Um influenciador no X, associado a Robinson, que usa o nome “Lord Simon”, foi um dos primeiros a convocar os protestos, com a promoção de falsas alegações de que Rudakubana seria um solicitante de asilo recente. Sua publicação alcançou mais de um milhão de visualizações, com o incentivo para que  os manifestantes  saíssem às ruas.

Outra figura conhecida por incentivar discursos de ódio, Matthew Hankinson, que deixou a prisão no ano passado após cumprir seis anos por sua participação na Ação Nacional, um grupo neonazista banido, afirmou no X que estava “documentando ao vivo” a manifestação em Southport.

Violência contra imigrantes e os grupos de extrema direita

Durante as últimas semanas, não tem sido incomum visualizar vídeos que mostram imigrantes surrados e xingados por extremistas no Reino Unido. 

Os ataques ocorreram em Londres, Liverpool, Manchester, Bristol, Hull, Stoke-on-Trent, Blackpool e Belfast. Em várias cidades, extremistas atacaram lojas, lançaram pedras e objetos contra a polícia, e ocorreram saques e incêndios. Em Liverpool, cerca de mil extremistas anti-imigração enfrentaram opositores e causaram distúrbios graves.

Um grupo de extrema direita atacou uma mesquita em Southport, com lançamento de objetos e destruição de  janelas. Outro grupo atacou um hotel que hospeda imigrantes que aguardam pedido de asilo. A disseminação de desinformação e a escalada de violência geraram um ambiente de medo e intolerância, especialmente entre as comunidades imigrantes e muçulmanas.

Como mostrou o jornal britânico Financial Times, são descentralizadas, mas, ainda assim, é possível identificar a presença de integrantes de grupos extremistas.

A onda de violência ocorre cerca de um mês após as eleições no Reino Unido, em que os Trabalhistas, do atual primeiro-ministro Keir Starmer, venceram e puseram fim a 14 anos de domínio do Partido Conservador.

No pleito, o partido de extrema direita Reform UK obteve apenas cinco das 650 cadeiras do Parlamento, mas com o melhor resultado eleitoral de sua história por larga margem – 14,3% dos votos.

Tema central na saída do Reino Unido da União Europeia em 2016, o destacado processo Brexit, a pauta anti-imigração foi uma das mais recorrentes durante os últimos debates presidenciais na região. O próprio Reform UK teve seu plano de governo com foco na política anti-imigratória.

Em conversa com a imprensa no País de Gales, o líder do partido Nigel Farage, reforçou seu compromisso em deportar imigrantes sem documentação e afirmou que estaria disposto a tirar o Reino Unido da Convenção Europeia de Direitos Humanos. 

A revista britânica The Economist mostrou que o Reform UK e os manifestantes xenófobos podem ambos ser enquadrados como extrema direita, mas pertencem a diferentes correntes dentro desse movimento mais amplo.

Em resposta aos recentes protestos violentos após o ataque em Southport, o primeiro-ministro Keir Starmer fez uma declaração em vídeo com destaque para as medidas que o governo está adotando para controlar a situação. 

Starmer enfatizou a necessidade de restaurar a ordem e proteger os cidadãos, e afirmou que a polícia terá mais poderes para lidar com manifestações violentas e disruptivas. Ele destacou a importância de combater a desinformação que tem alimentado esses protestos.

O primeiro-ministro também condenou a violência ocorrida nas manifestações e garantiu que os participantes dos distúrbios serão responsabilizados. O governo está implementando novas propostas para ampliar os poderes da polícia em situações de protestos, com vistas a garantir a segurança pública e prevenir futuros incidentes semelhantes.

Igreja e associações de combate a desinformação se unem contra a violência

Na última quarta-feira, a Igreja Metodista na Grã-Bretanha soltou uma nota em resposta aos transtornos violentos ocorridos no Reino Unido. A presidente da instituição, Rev. Helen Cameron, e a vice-presidente Carolyn Godfrey, afirmaram que a igreja celebra a diversidade como um presente e registraram uma oração de amor. 

“Assistir às notícias de vilas e cidades de nossas nações, onde pessoas motivadas pelo ódio causaram danos e medo, tem sido chocante e angustiante. A Igreja Metodista condena o uso de violência e intimidação contra pessoas deslocadas, marginalizadas e vulneráveis. Estamos horrorizados que o trágico assassinato de três crianças pequenas e os ferimentos de outras tenham sido usados como desculpa para tumultos e distúrbios. Honestidade e confiança estão no coração da vida cristã e o abuso das mídias sociais ao espalhar mentiras para despertar a raiva e o ódio é desprezível”, diz a nota.

Imagem: divulgação/Igreja Metodista da Grã-Bretanha

A Rede Nacional De Combate à Desinformação (RNCD), da qual o Bereia é membro, apoia um abaixo assinado, em formato de Carta aberta ao primeiro-ministro Keir Starmer,  junto de outras organizações da sociedade civil do mundo inteiro, que pede que as autoridades ajam rapidamente para prevenir que ocorra mais violência, proteger as comunidades em risco e responsabilizar as plataformas de mídias sociais, veiculadoras do conteúdo que promove ódio e violência, pelos danos que causaram. 

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Bereia avalia que a cobertura noticiosa da imprensa, que classifica as ações violentas que vem ocorrendo na Grã Bretanha, contra imigrantes e pessoas islâmicas, como intolerância extremista, que expressa xenofobia e perseguição religiosa. Bereia insta leitores e leitoras a dedicarem atenção e rechaçarem estratégias e campanhas políticas que promovem ataques a um determinado grupo religioso, com base em preconceito e discriminação, com negação ao direito e à liberdade de crença.

Referências de checagem:

BBC.

https://www.bbc.com/portuguese/articles/c25llg10082o Acesso em: 05 Ago 2024

https://www.bbc.com/news/articles/cjerxd00rlxo Acesso em: 05 Ago 2024

https://www.bbc.com/news/uk-england-leeds-57930901  Acesso em: 05 Ago 2024

https://twitter.com/Keir_Starmer  Acesso em: 05 Ago 2024

 https://www.bbc.co.uk/news/articles/cjerxd00rlxo Acesso em: 05 Ago 2024

Aljazeera.

https://www.aljazeera.com/program/newsfeed/2024/8/5/riots-spread-across-the-uk-in-anti-immigrant-protests Acesso em: 05 Ago 2024

https://www.aljazeera.com/news/2024/8/3/far-right-protesters-clash-with-police-in-uk-cities-as-unrest-spreads Acesso em: 05 Ago 2024

https://www.aljazeera.com/news/2024/7/31/far-right-protesters-target-southport-mosque-clash-with-uk-police Acesso em: 05 Ago 2024

https://www.aljazeera.com/news/2024/7/31/agitators-accused-of-islamophobia-for-linking-southport-attack-to-muslims Acesso em: 05 Ago 2024

The Guardian. https://www.theguardian.com/uk-news/2021/jul/22/tommy-robinson-loses-libel-case-brought-by-syrian-schoolboy Acesso em: 05 Ago 2024

The Times. https://www.thetimes.com/uk/crime/article/im-on-holiday-not-on-the-run-says-tommy-robinson-nlvnrck65 Acesso em: 05 Ago 2024

Middle East Eye. https://www.middleeasteye.net/explainers/uk-how-did-far-right-riots-unfold-and-what-triggered-them Acesso em: 05 Ago 2024

Red Flare.

https://redflare.info/ Acesso em: 05 Ago 2024

https://x.com/redflareinfo/status/1820430978810352101 Acesso em: 05 Ago 2024

https://x.com/redflareinfo/status/1820430972422144198 Acesso em: 05 Ago 2024

Coletivo Bereia https://coletivobereia.com.br/islamofobia-e-racismo-no-esporte-o-caso-do-tecnico-do-psg/ Acesso em: 05 Ago 2024

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Foto de capa: Alena Darmel/Pexels

Veículos de imprensa exageram ao divulgarem pesquisa sobre evangélicos e pautas de extrema direita

Veículos de jornalismo publicaram, no final de julho passado, matérias positivas sobre evangélicos, a propósito da pesquisa do Instituto Datafolha sobre eleições na cidade de São Paulo. As matérias apresentam tom que se coloca em direção contrária ao que é predominante, como Bereia já publicou em outras checagens, com troca do pejorativo para o valorativo.

O jornal O Globo afirmou, em 22 de julho, que “evangélicos se contrapõem ao bolsonarismo”. O Mídia Ninja publicou, na mesma data, matéria sob o título “Evangélicos abandonam agenda bolsonarista; maioria é contra prisão de mulheres que abortam”. A revista Fórum divulgou, em 20 de julho, que “evangélicos de São Paulo rejeitam bolsonarismo”. Bereia checou estas formas de chamar para o tema e a origem dos dados apontados pelos veículos de imprensa. 

Imagem: reprodução Instagram

Pesquisa ‘Perfil dos Evangélicos em São Paulo’

Perfil dos Evangélicos em São Paulo foi o título da pesquisa, realizada pelo Instituto Datafolha, entre os dias 24 e 28 de junho último, com 613 moradores da capital paulista. O relatório completo do estudo foi divulgado em 25 de julho, e a Folha de S. Paulo publicou uma sequência de quatro matérias, com diferentes abordagens: o perfil evangélico da capital paulista; como o grupo religioso enxerga o pertencimento à comunidade religiosa; o afastamento dos evangélicos de pautas bolsonaristas com o porte de armas e o homeschooling; e a recusa à indicação de votos por líderes religiosos.

A pesquisa traz informações como o partido político de preferência do grupo em tela: entre os evangélicos, 15% preferem o PT (Partido dos Trabalhadores) e 7% preferem o PL (Partido Liberal); enquanto 40% dos católicos preferem o PT, contra 4% que preferem o PL. Estes dados contrariam a visão predominante nas mídias, segundo a qual haveria um alinhamento político-ideológico dos evangélicos com a extrema direita.

A composição da renda familiar e o vínculo a diferentes denominações – classificadas entre pentecostal, neopentecostal e histórico/protestante – são apresentadas no início do relatório, que é dividido nas seções: perfil religioso, pauta de valores, igreja e política, eleições em São Paulo e perfil ideológico; cada uma trazendo dados pormenorizados da pesquisa feita a partir de 613 entrevistas.

Imagem: reprodução Folha de S.Paulo

Nas mídias digitais, o Instituto Datafolha destacou a informação de que “para 78% dos evangélicos, é fundamental que seu candidato acredite em Deus, mas apenas 22% consideram muito importante que o escolhido seja da mesma religião que a sua”. A pesquisa também foi divulgada na íntegra, com possibilidade de download e detalhamento em texto.

Participaram da concepção e desenvolvimento da pesquisa, como consultores, o antropólogo Juliano Spyer, a professora associada do Departamento de Sociologia e Metodologia das Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense (UFF) Christina Vital, o professor de Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Rodrigo Toniol, o doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) Vinicius S. M. do Valle e a repórter especial da Folha de S. Paulo e autora de “O Púlpito – Fé, Poder e o Brasil dos Evangélicos” (Todavia), Anna Virginia Balloussier. 

Imagem: reprodução Datafolha

Abordagem por veículos de jornalismo

O portal de notícias Mídia Ninja, a revista Fórum e o jornal O Globo divulgaram recortes da pesquisa relacionados às pautas defendidas pelo bloco político liderado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Estes veículos optaram por adotar títulos que relacionam os segmento evangélico ao chamado “bolsonarismo”, porém deixaram de apresentar outros dados relevantes sobre o perfil do grupo religioso.

A revista Fórum publicou, ainda em 20 de julho, texto em que afirma que dois temas são determinantes para a “rejeição” dos eleitores evangélicos dos candidatos ligados ao “bolsonarismo”: armas e “homeschooling” (educação escolar em casa). Na chamada, a revista apresenta a conclusão de que o evangélico paulistano “não concorda com a extrema-direita”.

Imagem: reprodução Revista Fórum

Os jornais O Globo e Mídia Ninja destacaram outros temas relacionados à extrema direita, abordados pela pesquisa. No título, O Globo também chamou a atenção para “armas” e ‘homeschooling’  e apresentou os dados da opinião de evangélicos de São Paulo sobre aborto, educação sexual e acolhimento a homossexuais.

Imagem: reprodução O Globo

Mídia Ninja, por sua vez, abordou os mesmos temas que O Globo, e acrescentou a opinião do segmento cristão sobre o Brasil apoiar todas as guerras de Israel. Em seu portal digital, porém, o Mídia Ninja utilizou como chamada os dizeres “Evangélicos abandonam agenda bolsonarista”.

Outros veículos de imprensa também repercutiram a pesquisa Datafolha. Entre eles, CNN, Metrópoles, Carta Capital, com diferentes abordagens da mesma pesquisa. 

Enquanto o canal de notícias CNN divulgou que a maioria dos evangélicos da capital do estado de São Paulo é contra porte de arma e ‘homeschooling’, o portal Metrópoles, a revista Carta Capital deram destaque à opinião do grupo religioso sobre pastores indicarem votos para fiéis.

Mídia religiosa

O site Folha Gospel também repercutiu os resultados da pesquisa e destacou, em título de matéria, que a maioria dos evangélicos de São Paulo é contra a indicação de voto por líderes religiosos. O portal abordou informações correlatas, como a importância de candidatos serem também evangélicos, mas omitiu os dados de opinião sobre porte de armas e aborto.

E abordagem semelhante, o portal O Fuxico Gospel não mencionou os achados da pesquisa que dizem respeito à opinião sobre aborto e sobre porte de armas. Já o portal Guiame enfatizou os dados sobre idade de conversão. O site Pleno News, que faz um grande volume de publicações diárias, ignorou a pesquisa.

Políticos com identidade religiosa, ativos nas mídias digitais e que costumam repercutir discursos religiosos, não repercutiram a pesquisa.

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A pesquisa Perfil dos Evangélicos em São Paulo, elaborada pelo Instituto Datafolha, divulgada no último 25 de julho, apresenta uma série de resultados que ratificam o que pesquisadores vêm mostrando há anos: evangélicos formam um bloco múltiplo e tentar homogeneizá-los é incorreto.

A pesquisa, feita com 613 entrevistados, traz números que não permitem concluir posicionamentos “dos” evangélicos enquanto grupo homogêneo, o que não se constitui. O uso de expressões como “rejeitam o bolsonarismo” e “abandonam o bolsonarismo” é, portanto, exagerado e e enganoso, como revelam os próprios dados da pesquisa.

Os resultados apresentados dão conta de que algumas parcelas do grupo pesquisado pensam de uma forma, e outras pensam de outra, tal como se desenha na própria sociedade brasileira. É um erro retratar qualquer grupo religioso como bloco indissociável, sobretudo quando questões de natureza político-ideológica são consideradas.

A correta veiculação de informações não permite disseminar a ideia de que evangélicos “abandonam” ou “rejeitam” o chamado bolsonarismo. O apoio e o alinhamento político ao bloco extremista existem de forma parcial, ao lado da rejeição e da dissidência que também são fato. O que a pesquisa revela, como bem expresso pela Folha de S. Paulo e pelo jornal O Globo, é uma dada maioria desse grupo religioso tem se afastado de um determinado conjunto de ideias defendidas pelo chamado “bolsonarismo”.

A relevância disso é comprovada, por exemplo, pelo fato de veículos relacionados à extrema direita não terem publicado sobre os números da pesquisa.

O uso de termos absolutos e chamativos por alguns veículos acaba por expressar um discurso participante de disputas na arena política que varia conforme a atmosfera que se deseja ressaltar. É preciso rever as abordagens sobre evangélicos que ora exageram no sensacionalismo negativista, ora exageram com pauta “positiva”,  e não favorecem processos informativos necessários na superação de polarizações nocivas. 

Informação digna é um direito humano e distorções como as que são observadas na repercussão publicada não colaboram na construção de um jornalismo a serviço dos cidadãos brasileiros.

Referências da checagem:

Folha de S.Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2024/07/mulheres-negras-sao-maioria-nas-igrejas-evangelicas-paulistanas-aponta-pesquisa-datafolha.shtml Acesso em: 31 jul 2024

https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2024/07/armas-e-homeschooling-afastam-evangelicos-em-sp-do-bolsonarismo-aponta-datafolha.shtml?utm_source=sharenativo&utm_medium=social&utm_campaign=sharenativo Acesso em: 31 jul 2024

https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2024/07/maioria-dos-evangelicos-paulistanos-e-contra-pastor-indicar-voto-mostra-datafolha.shtml?utm_source=sharenativo&utm_medium=social&utm_campaign=sharenativo Acesso em: 31 jul 2024

https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2024/07/evangelicos-paulistanos-veem-igreja-como-lugar-para-achar-amor-trabalho-e-amigos.shtml?utm_source=sharenativo&utm_medium=social&utm_campaign=sharenativo Acesso em: 31 jul 2024

CNN. https://www.cnnbrasil.com.br/politica/sp-maioria-de-evangelicos-na-capital-e-contra-porte-de-arma-e-homeschooling-diz-datafolha/ Acesso em: 31 jul 2024

Metrópoles. https://www.metropoles.com/sao-paulo/datafolha-maioria-evangelicos-contra-pastor-indicar-voto Acesso em: 31 jul 2024

Carta Capital. https://www.cartacapital.com.br/politica/maioria-dos-evangelicos-e-contra-pastor-indicar-voto-mostra-pesquisa-datafolha-em-sao-paulo/ Acesso em: 31 jul 2024

Fuxico Gospel. https://www.fuxicogospel.com.br/2024/07/datafolha-evangelicos-de-sp-sao-contra-pastores-indicarem-voto-em-candidatos.html Acesso em: 31 jul 2024

Guiame. https://guiame.com.br/gospel/noticias/maioria-dos-evangelicos-se-converte-apos-18-anos-e-nao-tem-familiares-crentes-diz-pesquisa Acesso em: 31 jul 2024

Datafolha.

https://media.folha.uol.com.br/datafolha/2024/24/hxnnvpz2mvs5msosj0is3ffozpmxdk-bqu3cnh1syz9bywlayjnflqy1e6nbuvqqlsys6mxesxdisrmugq9wlg.pdf Acesso em: 31 jul 2024

https://datafolha.folha.uol.com.br/opiniao-e-sociedade/2024/07/92-dos-evangelicos-paulistanos-concorda-que-a-igreja-muda-para-melhor-a-vida-das-pessoas.shtml Acesso em: 31 jul 2024

Folha Gospel. https://folhagospel.com/maioria-dos-evangelicos-de-sp-e-contra-pastor-indicar-voto-diz-datafolha/ Acesso em: 4 ago 2024

Fórum. https://revistaforum.com.br/politica/2024/7/20/evangelicos-de-sp-rejeitam-bolsonarismo-por-armas-homeschooling-diz-datafolha-162463.html Acesso em: 31 jul 2024

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Foto de capa: Shelagh Murphy/Pexels

Bereia e Casa Galileia participam de Seminário Internacional promovido pela Uerj

O XII Seminário Internacional sobre Redes Educacionais e Tecnologias, promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, realizou um debate essencial para a compreensão dos fenômenos contemporâneos na educação e na sociedade em geral, nesta sexta-feira, 5 de julho.  A editora-geral do Coletivo Bereia e pesquisadora do ISER Magali Cunha, e o sociólogo, assessor de Campanhas da Casa Galileia, Flávio Conrado, participaram da mesa de debate sobre as investidas de discurso neoconservadores em tempos de redes sociais, com destaque para a influência dos evangélicos nesse contexto.

Magali Cunha chamou atenção para a presença marcante de evangélicos nas mídias sociais e criticou o desconhecimento de parte da imprensa sobre a complexidade e a diversidade do segmento cristão. Segundo a editora, esta falta de distinção contribui para a disseminação de desinformação e para uma representação simplista dos religiosos na mídia. 

Como pesquisadora da Religião, destacou que o ativismo de evangélicos na política brasileira é consequência de processos antigos, entre eles, a Teologia do Domínio. “Há um desconhecimento quando se fala sobre o assunto  no momento que se coloca a Teologia do Domínio como algo novo, quando, na verdade, não é”. Ela explicou que teólogos do domínio são observados desde os anos 60, nos Estados Unidos, no ambiente calvinista, e chega ao Brasil muito antes do alto crescimento de evangélicos pentecostais, na década de 80. 

Sobre o dilema da identificação de evangélicos, a coordenadora do debate, professora Talita Vidal, da Faculdade de Educação da Uerj, criticou a generalização ao tratar do segmento e compartilhou um caso sobre a confissão religiosa evangélica de uma familiar que se transformou após o contato com diferentes leituras teológicas.

Para falar sobre o avanço de neoconservadores na militância digital, o cientista social Flávio Conrado apresentou uma série de dados coletados a partir do monitoramento de 450 perfis de influenciadores digitais do campo religioso. O trabalho da Casa Galileia gerou cerca de 90 relatórios, agrupados por temas, e apontou para um aumento significativo da radicalização dentro do campo conservador evangélico nas redes sociais. O sociólogo destacou o fenômeno do “orgulho conservador”, declarado por atores da extrema-direita. “É preciso desmobilizar o discurso de guerra e desarmar os lados para melhorar o ambiente democrático”, analisa.

O evento reforçou a necessidade de novas pesquisas sobre o avanço do conservadorismo em outros segmentos religiosos como as religiões de matrizes africanas. O professor Gustavo Oliveira, durante sua contribuição, celebrou iniciativas como Coletivo Bereia e Casa Galileia, pois, “foram as primeiras iniciativas a reagirem ao avanço da extrema-direita nos ambientes digitais”.

Foto da Capa: Luis Henrique Vieira/Bereia

Editora-geral do Bereia discute política e religião em programa da rádio CBN

A relação entre política e religião se baseia em um movimento de mão dupla em que ambas as instâncias se socorrem para legitimar seus objetivos e interesses. A opinião é da editora-geral do Bereia e pesquisadora Magali Cunha, que participou de programa jornalístico de entrevistas da Rádio CBN, em 19 de março.

Ela explicou que essa relação não é algo novo, pois o Brasil já foi colonizado com base na religião, o catolicismo ibérico. “Ao longo de muitos anos”, comentou, “tivemos a experiência de ver o catolicismo como a religião do Estado, e isso foi se transformando dentro do quadro de pluralidade religiosa”.

Magali Cunha destacou que desde os anos 2010 se observa no Brasil e em outros lugares do mundo a apropriação de certo populismo de extrema-direita que faz uso da religião. “É um fenômeno que estabelece uma ligação de mão dupla com a política, na medida em que em algum momento vamos ter a politização da religião, e em outro, a sacralização da política”.

Isso significa que a religião se vê legitimando determinado regime, comunidade política ou partidos contra inimigos que eles mesmos definem como tais e que são tidos também como inimigos de Deus. “Por outro lado, a política é sacralizada quando certos partidos ou certas lideranças são colocados como escolhidos de uma divindade”, acrescentou a editora-geral do Bereia. Na entrevista, Magali Cunha também alertou sobre o risco de tratar os evangélicos como um único grupo – “chega a ser uma irresponsabilidade considerá-los de forma homogênea” – e comentou sobre outros temas.

Controvérsias sobre filme “Som da Liberdade” são transformadas em pânico moral para propagação de desinformação

Além de ocupar muitas salas de cinema, o filme “Som da Liberdade”, cercado de polêmicas , tornou-se objeto de uma intensa discussão nas redes sociais digitais. 

Portais de notícias gospel e perfis de políticos e líderes religiosos nas mídias digitais elogiaram o filme e convocaram o público para comparecer aos cinemas de todo o país. 

Imagens: reprodução do X (antigo Twitter)

Aqueles que criticam “Som da Liberdade” – seja pela qualidade técnica da obra ou supostas ligações com teorias da conspiração – são acusados de apoiarem o abuso infantil e serem contra a família.

Seria o tráfico internacional de crianças uma guerra travada entre esquerda e direita, como afirmam alguns?

A maioria dos abusos infantis acontecem da maneira como o filme aborda?

Quem critica o filme é condescendente com o abuso infantil?

Bereia checou as informações e as informações oficiais sobre o tema abordado na obra.

Do que trata o filme “Som da Liberdade”?

Baseado em relatos de um ex-agente do governo estadunidense, Tim Ballard, o filme conta a história de um homem que decide combater uma rede internacional de tráfico e abuso infantil

O protagonista atua para resgatar um menino hondurenho separado da irmã por  traficantes de crianças. Na trama, o agente federal descobre que a irmã do menino ainda está em cativeiro e decide embarcar em uma missão perigosa para salvá-la. Com o tempo acabando, ele abandona o emprego e viaja para a selva colombiana, colocando sua vida em risco para libertar a menina.

O filme foi escrito e dirigido por Alejandro Monteverde e conta a história real de ex-agente federal norte-americano. A produção foi filmada em 2018, mas só saiu da gaveta cinco anos depois, sendo distribuída, em um primeiro momento, pela subsidiária latino-americana da 20th Century Fox. 

Após  ter sido vendido para a Disney, o projeto parou, mas foi recuperado por Eduardo Verástegui, um dos produtores do filme. Ele readquiriu os direitos do longa e o ofereceu à Angel Studios, distribuidora de produções cristãs, como The Chosen, que acolheu o projeto. 

O lançamento foi acompanhado de críticas ao filme, que, supostamente, seria promotor de  algumas teorias da Conspiração QAnon, que embasam grupos de extrema-direita.

Som da Liberdade e Teoria da Conspiração Qanon

Ao pesquisar sobre a suposta relação dos produtores do filme com teorias da conspiração extremistas, Bereia verificou que o  ator principal Jim Caviezel, que interpreta o papel do ex-agente, Timothy Ballard, tem histórico de afinidade com tais discursos. Caviezel,  que também atuou no filme “A paixão de Cristo”, de Mel Gibson, já participou de uma convenção da extrema direita política nos Estados Unidos, onde promoveu teoria da conspiração sobre suposta drenagem de sangue de crianças para rituais satânicos, tema recorrente nos fóruns de discussão dos adeptos da teoria QAnon.

O grande sucesso do filme entre o público conservador estadunidense, a campanha de compra de ingressos e posterior distribuição gratuita e os elogios recebidos pela obra da parte de personagens da direita americana, gerou análises em torno de “Som da Liberdade”  ser uma propaganda da QAnon.

No Brasil, o filme está lotando as salas de cinemas tendo como público policiais e fiéis cristãos. Os ingressos também estão sendo distribuídos gratuitamente por meio de publicidade em mídidas sociais, associações de policiais estão oferecendo ingressos aos seus filiados, líderes religiosos convocam fiéis para assistirem aos filmes e políticos, como a senadora Damares Alves (Republicanos-DF), fazem publicidade da obra.

O movimento ou teoria da conspiração QAnon surgiu no final de 2017, nos EUA, quando um usuário do fórum da internet que mantém os usuários anônimos , autointitulado “Q”, alegava ter acesso a documentos e informações sigilosas do Governo dos Estados Unidos. “Q” denunciava uma suposta rede mundial de pedófilos formada por políticos do partido democrata, como o ex-presidente Bill Clinton, celebridades de Hollywood, o magnata George Soros, a chanceler alemã Angela Merkel, apontada como neta de Adolf Hitler e até o Papa Francisco. Para os adeptos dessa teoria, a chamada operação STORM, liderada por Donald Trump, estaria em ação por todo o mundo, no combate à exploração sexual infantil. 

Tais teorias que aparentemente parecem piadas restritas a um pequeno número de seguidores sem crédito, atualmente, são difundidas em massa por apoiadores do ex-presidente Trump. Temas como a negação da pandemia de covid-19 ou a derrota de Trump ter sido uma fraude perpetrada pelas elites globalistas para beneficiar Joe Biden, também fazem parte do repertório QAnon. Em maio de 2019, o FBI declarou que o QAnon representa uma ameaça de terrorismo doméstico.

Como se dá a questão do abuso infantil no Brasil?

O anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022 produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) apresenta dados assustadores sobre o abuso infantil no país: ao contrário do que expõem algumas obras de ficção, a maioria dos estupros é cometida por pessoas próximas à família, geralmente no momento em que a mãe sai para trabalhar.

De 2020 para 2021 observa-se um  aumento no número de registros de estupro, que passou de 14.744 para 14.921. Já no que tange ao estupro de vulnerável, este número sobe de 43.427 para 45.994, sendo que, destes, 35.735, ou seja, 61,3%, foram cometidos contra meninas menores de 13 anos (um total de 35.735 vítimas).

As meninas são maioria nesta trágica estatística, mas os meninos também são vítimas. No primeiro caso, o número de registros aumenta conforme a menina cresce, já no caso dos meninos, o número de registros aumenta até os seis anos (com pico entre quatro e seis) e depois começa um processo de queda.

Quanto à característica do criminoso, esta continua a mesma: homem (95,4%) e conhecido da vítima (82,5%), sendo que 40,8% eram pais ou padrastos; 37,2% irmãos, primos ou outro parente e 8,7% avós e 76,5% dos estupros acontecem dentro de casa.

O anuário de Segurança Pública defende a escola como elemento estratégico fundamental para o enfrentamento do estupro de vulnerável. Como a violência acontece dentro de caso e muitas vezes é praticada por um parente,  a escola pode ajudar (e já ajuda) no processo de identificação e denúncia, mas, sobretudo, no processo de prevenção.

Muitas vezes o abusador se aproveita da ignorância da criança e, se ela tiver consciência, dependendo da situação, pode mesmo evitar que o abuso ocorra e denunciar o criminoso. Para aqueles que acham que o ambiente escolar é um risco para os filhos, vale lembrar que apenas 1% dos casos registrados ocorreu em estabelecimento de ensino.

Além dos dados sobre o abuso infantil, o relatóriochama atenção para os casos de exploração sexual e pornografia infantil na internet. Um mapeamento feito em 2020 pela Polícia Rodoviária Federal com a Childhood Brasil aponta que, só nas rodovias federais, há 3.651 pontos de exploração sexual infantil. Mesmo com o problema da subnotificação, este dado aponta que essa é uma questão a ser debatida no Brasil. 

O que se sabe sobre o tráfico internacional de pessoas?

O Relatório Global sobre o Tráfico de Pessoas produzido pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNDOC) explica que os alvos preferenciais dos traficantes são os mais vulneráveis, como migrantes que fogem de países em guerra, em grave crise econômica ou climática. Países em guerra, democracia precária e sem recursos para enfrentar o crime proporcionam aos traficantes um terreno propício para suas operações.

Isso é exacerbado por um maior número de pessoas em uma situação desesperadora, sem acesso às necessidades básicas. Em todos os conflitos analisados, populações deslocadas à força têm sido alvo de traficantes: habitantes de assentamentos de refugiados sírios e iraquianos a afegãos e rohingyas que fogem de conflitos e perseguições. 

A publicação alerta para milhões de mulheres, crianças e homens em todo o mundo que estão sem trabalho, fora da escola e sem apoio social. A previsão é que o risco de tráfico venha a piorar. 

O número de crianças vítimas deste crime triplicou nos últimos 15 anos. A proporção de meninos aumentou cinco vezes. Este grupo é o mais usado para trabalhos forçados. As meninas são mais traficadas para exploração sexual. 

As vítimas do sexo feminino continuam sendo os alvos principais. Quase metade delas identificadas em nível global eram mulheres adultas e 20% meninas. Outros cerca de 20% eram homens adultos e 15% meninos. Em geral, metade das vítimas detectadas foi traficada para a exploração sexual, 38% para trabalhos forçados e 6% envolvidas em atividades criminosas forçadas.

Os dados recolhidos em 148 países identificam 534 tipos de tráfico diferentes e cerca de 50 mil vítimas, embora as vítimas sejam normalmente traficadas dentro de áreas geograficamente próximas.

Num desses exemplos, meninas recrutadas em uma área urbana podem ser exploradas em motéis e bares próximos. Globalmente, a maioria das vítimas é resgatada no próprio país de origem. 

O Relatório aponta que o tráfico de crianças ‒ em especial de meninas ‒ continua sendo uma preocupação fundamental. Desta maneira, o texto indica que as escolas e os professores precisam fazer parte de uma abordagem holística para prevenir o tráfico e reduzir a vulnerabilidade das crianças a ficarem presas em padrões de exploração. 

Segundo o estudo, as intervenções contra o tráfico de crianças podem ser mais eficazes se forem incluídas em programas destinados a proporcionar educação de qualidade a todos, especialmente em contextos com risco acrescido de tráfico, como os campos de refugiados.

A apropriação da pauta da proteção a crianças por extremistas

No Brasil, o filme “Som da Liberdade” tem rendido polêmicas, uma vez lideranças políticas e grupos extremistas têm se apropriado do tema do tráfico infantil para criar pânico moral. Com a abordagem de que “algo está acontecendo sob os olhos das pessoas e nada está sendo feito”, a mensagem do filme é utilizada para alimentar práticas comuns da extrema direita, como a desinformação e o discurso de ódio. 

Para a pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião (ISER ) Magali Cunha, “há bastante repercussão sobre o filme nas redes sociais por causa das ações de líderes políticos e religiosos com identidade cristã afinada com a ideologia da extrema-direita”. Os portais de notícias gospel que se identificam com a linha ideológica tem repercutido os assuntos relacionados ao filme. “Todos enfatizam não só a importância de assistir ao filme mas também a conspiração em torno dela”, produzindo a ideia de que as esquerdas políticas se dedicam contra o filme, o que incita a indignação do público alinhado à lideranças que difundem conteúdos desinformativos. 

Para a pesquisadora, “Esse grupo político é notório por lançar mão de pautas relacionadas à defesa da família, das crianças e de jovens para promover pânico moral e teorias da conspiração sobre interesses de ‘um sistema’ que envolveria esquerdas políticas, o comunismo, alguns nomes de empresários, políticos e religiosos interessados na destruição das famílias, na depravação sexual e na exploração de crianças e jovens, inclusive com interesses políticos e financeiros.”

No Brasil, aponta Cunha, a distribuição do filme teve características semelhantes ao que ocorreu nos Estados Unidos. “Toda a publicidade do filme nos Estados Unidos foi construída com essas bases e a defesa dos heróis relacionados à extrema-direita. Nessa propaganda, esses seriam os únicos que estariam, de fato, empenhados em colocar um fim nesse mal.” Com isto, a propaganda omite as ações realizadas no Brasil em diversas frentes, governamentais e não-governamentais.

Bereia classifica como falsas as postagens que atribuem a críticos do filme “Som da Liberdade” uma atuação para que pessoas sejam impedidas de assistir à obra, não gostar de crianças ou comprometimento com pedofilia e tráfico de crianças. As críticas que vêm sendo publicadas ao filme dizem respeito à propaganda conspiracionista em torno dos temas trabalhados pelo filme e às suspeitas em torno dos objetivos da ampla distribuição gratuita de ingressos e da característica dos financiadores.

Bereia alerta leitores e leitoras para o conhecimento dos dados referentes à violência contra crianças e adolescentes no Brasil, na forma de abuso sexual e tráfico humano, e à necessidade de reconhecer as ameaças que existem no âmbito das próprias famílias. É um tema que deve ser tratado com responsabilidade.

Referências de checagem:

UOL.

https://www.google.com/amp/s/www.uol.com.br/splash/noticias/2023/09/22/angel-studios-a-plataforma-crista-por-tras-do-polemico-som-da-liberdade.amp.htm Acesso em 03 OUT 2023

https://cinebuzz.uol.com.br/noticias/cinema/som-da-liberdade-saiba-como-conseguir-ingressos-gratuitos-para-o-filme-mais-polemico-do-ano.phtml Acesso em 05 OUT 2023

Relatório  Global do UNODC de 2022 sobre o Tráfico de Pessoas. https://www.unodc.org/documents/data-and-analysis/tip/2021/GLOTiP_2020_15jan_web.pdf  Acesso em 02 OUT 2023

Relatório Nacional sobre Tráfico de Pessoas. https://www.unodc.org/documents/lpo-brazil/Topics_TIP/Publicacoes/relatorio-de-dados-2017-2020.pdf  Acesso em 02 OUT 2023

Fórum Brasileiro de Segurança Pública. https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/07/14-anuario-2022-violencia-sexual-infantil-os-dados-estao-aqui-para-quem-quiser-ver.pdf  Acesso em 02 OUT 2023

Childhood Brasil. https://www.childhood.org.br/pesquisa-mapear/ Acesso em 02 OUT 2023

Movimento QAnon e a religiosidade hackeada: big data, algoritmos e a captura da razão. https://pt.scribd.com/document/576925278/Apresentacao-Anais-Do-VIII-Seminario-Internacional-de-Pesquisas-Em-Midia-e-Cotidiano Acesso em 02 OUT 2023

Folha de São Paulo.

https://f5.folha.uol.com.br/colunistas/tonygoes/2023/09/a-quem-interessa-que-voce-veja-som-da-liberdade-de-graca.shtml  Acesso em 02 OUT 2023

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2023/09/som-da-liberdade-e-comercial-meloso-contra-a-sordidez-humana.shtml?pwgt=l4b44773r72po3ukeby0xu4q1l20v6cgcnvm79ngs2mx0b9e&utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_campaign=compwagift Acesso em 03 OUT 2023

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https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2023/09/som-da-liberdade-e-comercial-meloso-contra-a-sordidez-humana.shtml  Acesso em 02 OUT 2023

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2023/09/filhos-de-bolsonaro-damares-e-aliados-exaltam-filme-queridinho-do-qanon.shtml Acesso em 04 OUT 23

https://cinebuzz.uol.com.br/noticias/cinebuzzjaviu/som-da-liberdade-cinebuzz-ja-viu-critica.phtml  Acesso em 02 OUT 2023

Angel Studios. https://www.angel.com/pt-BR Acesso em 02 OUT 2023

Brasil Paralelo. https://www.brasilparalelo.com.br/ Acesso em 02 OUT 2023

Plano Crítico. https://www.planocritico.com/critica-som-da-liberdade/ Acesso em 03 OUT 2023 

Rotten Tomatoes. https://www.rottentomatoes.com/m/sound_of_freedom  Acesso em 03 OUT 2023

Brasil de Fato. https://www.brasildefato.com.br/2021/03/03/qanon-a-teoria-conspiratoria-que-mirou-a-politica-e-acertou-as-relacoes-pessoais Acesso em 03 OUT 2023

El País. https://brasil.elpais.com/internacional/2021-01-12/teorias-conspiratorias-do-qanon-varrem-o-mundo-e-sao-mais-perigosa-do-que-parecem.html Acesso em 03 OUT 2023

Observatório Evangélico. https://www.observatorioevangelico.org/som-da-liberdade-a-estreia-tao-aguardada/ Acesso em 04 OUT 2023

BBC. https://www.bbc.com/portuguese/articles/cxx6kl13w7po?ref=observatorioevangelico.org Acesso em 04 OUT 2023

Escreva Lola Escreva. https://escrevalolaescreva.blogspot.com/2023/09/o-som-das-teorias-da-conspiracao.html Acesso em 04 OUT 2023

Portal Making Of. https://portalmakingof.com.br/brasil-paralelo-fecha-parceria-para-o-lancamento-de-som-da-liberdade-no-brasil/ Acesso em 04 OUT 2023

Omelete. https://www.omelete.com.br/filmes/sound-of-freedom-entenda-a-polemica-do-filme#13 Acesso em 05 OUT 2023

Portal G1. https://g1.globo.com/mundo/noticia/2023/09/28/som-da-liberdade-a-mobilizacao-de-evangelicos-e-bolsonaristas-para-filme-ser-lider-de-bilheteria-no-brasil.ghtml Acesso em 05 OUT 2023

Twitter. https://twitter.com/DamaresAlves/status/1708266584437850222 Acesso em 05 OUT 2023

Coletivo Bereia. https://coletivobereia.com.br/q-anon-ou-o-novo-discurso-desinformativo/ Acesso em 05 OUT 2023

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Foto de capa: divulgação

Ações da extrema-direita no poder em Israel promovem perseguição a cristãos e outras minorias religiosas

A FEPAL (Federação Árabe Palestina do Brasil) reproduziu em sua página do Instagram notícia publicada originalmente pelo Vatican News que chama a atenção para o  “potencial agravamento das já severas restrições ao Cristianismo em Israel, que poderá levar, por nova lei, à prisão de quem pregar a fé cristã”, no que seria  mais uma “ofensiva anticristã do regime racista israelense”. 

Nesse mesmo portal, diz que os “proponentes da norma são dois membros do Knesset, Moshe Gafni e Yaakov Asher, próximos à ala judaica ultra-ortodoxa e membros do Judaísmo da Torá Unida.” O texto, cujo título “Proibição de solicitação de conversão religiosa”, modificaria a lei penal israelense de 1977, onde a pena chegaria a até “um ano de prisão”, se tratando de tentativa de “conversão”, cuja pena se elevaria a dois anos, em caso de menoridade.

De fato, a lei impede qualquer forma de evangelização na Terra Santa, das práticas de evangelismo já conhecidas, até publicações e compartilhamentos de conteúdos midiáticos.

Imagem: reprodução do Instagram

A situação dos cristãos em Israel

Bereia checou as informações e verificou que a situação política em Israel piorou a vida dos cristãos no berço do Cristianismo. Para compreender como Israel chegou a esta posição extremista e de perseguição, Bereia apresenta um retrato do parlamento do país, a coalizão que sustenta o primeiro ministro no poder, as conexões com o Brasil e o histórico de aliança com os EUA, país de maioria protestante.

Netanyahu e sua coalizão de extrema-direita

O Likud, partido de direita liderado por Netanyahu, foi o grande vencedor das eleições de 1º de novembro de 2022. O resultado da eleição geral de novembro, a quinta realizada no país em menos de quatro anos, levou à formação do governo mais à direita da História de Israel. No pleito, o bloco de forças próximas a Netanyahu ficou com o total de 64 das 120 cadeiras da Knesset, o Parlamento israelense, com 32 para o seu partido, o Likud; 18 para os partidos ultraortodoxos Shas e Judaísmo Unido da Torá; e o recorde de 14 assentos para os representantes do Sionismo Religioso.

Imagem: o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu,
no Fórum Econômico Mundial / Flickr WEC

A partir de então, o governo preparou uma grande reforma judicial – que ainda deve passar por votação no Parlamento, e enfrenta protestos pelo país, – e de acordo com diversos especialistas, coloca em risco a democracia no país. Dentre as medidas propostas, encarrega o partido que está no poder da nomeação de juízes e permite ao Parlamento anular decisões da Suprema Corte por uma maioria simples de 61 votos. Assim, deixará para o Legislativo controlado por radicais religiosos e de direita a decisão final sobre leis que prejudicam direitos da minorias religiosas, da imprensa e da comunidade LGBTQIA+.

Yuval Noah Harari: “Israel pode se tornar uma teocracia messiânica”

O professor Yuval Noah Harari, um dos pensadores mais importantes da atualidade, explica que a fundação de Israel, mesmo influenciada pela religião judaica e pela Bíblia, foi um movimento nacional secular e não um movimento religioso, que prometeu liberdade e igualdade para todos os seus cidadãos: cristãos, muçulmanos, ateus. 

“Durante décadas, Israel esteve dividido entre duas visões conflitantes de si mesma — seria uma democracia secular ou uma teocracia messiânica? Agora esse conflito está chegando ao auge. O governo de Netanyahu — que se baseia em uma coalizão de extrema direita de forças messiânicas — está tentando destruir a democracia israelense. Se vencer, se conseguir, transformará a natureza de Israel, do povo judeu e até da religião judaica. O judaísmo israelense se tornará uma seita messiânica intolerante que usa a violência para defender a supremacia judaica. Isso criará uma divisão com comunidades judaicas mais liberais em outras partes do mundo, destruirá a unidade do povo judeu, trará infâmia à religião judaica e incendiará todo o Oriente Médio. As forças seculares e democráticas em Israel estão fazendo tudo o que podem para impedir esta catástrofe histórica e salvar a democracia israelense”.

Michel Gherman: a tentativa de colonização do judaísmo pelo bolsonarismo

Pesquisador do Centro de Estudos do Antissemitismo da Universidade Hebraica de Jerusalém e assessor acadêmico do Instituto Brasil-Israel, Gherman explica que, para além do uso de Israel como inspiração para a extrema-direita, há ligações concretas também entre o bolsonarismo e a comunidade judaica brasileira, na formação de uma espécie de comunidade conservadora.

Uma Israel branca e fortemente armada. Uma muralha contra o Islã, os movimentos LGBTQIA+ e o avanço de culturas que contrariem o fundamentalismo religioso. Ultra capitalista, cristã e militarizada. Essa é a “Israel imaginária”, não necessariamente uma leitura ampla sobre a realidade do país, é definida pelo historiador Michel Gherman, autor do livro “O não judeu judeu: A tentativa de colonização do judaísmo pelo bolsonarismo”, como um modelo cultural que foi importado pela extrema-direita no mundo, inclusive a brasileira, e apropriado pelo bolsonarismo.

Israel e EUA – aliança histórica

A ocupação do território e posterior criação de Israel foi perpetrada por colonos e não por cidadãos de uma potência europeia que os enviou na sua missão colonizadora e os protegeu. Por esse motivo, ficou claro desde o início para os fundadores do sionismo político que era vital para o seu projeto obter o patrocínio de uma Grande Potência – qualquer que fosse a Grande Potência dominante no Oriente Médio – que lhes proporcionaria um ‘muro de aço”, atrás do qual a colonização sionista poderia prosseguir. Sem esse apoio – a que o discurso sionista inicial se referia como uma “carta” – a colonização da Palestina seria uma colonização ainda não iniciada.

Na década de 1930, as relações entre o movimento sionista e o seu antigo defensor britânico arrefeceram e  um processo de início de um novo vínculo: em vez da Inglaterra-sionismo, EUA-Sionismo – um processo que dependia do fato dos EUA estarem entrando no Oriente Médio como uma potência mundial decisiva.

Minoria Cristã em Israel 

Residentes milenares dessa região, os cristãos palestinos representam 1% da população. Para a maioria, a única saída é emigrar, deixar sua nação. Os que ficam, sofrem com os conflitos que atravessam o território.

No total, 48% dos palestinos cristãos pertencem à Igreja Ortodoxa Grega, 38% à Igreja Católica e os demais pertencem a Igrejas Protestantes, como as presbiterianas e ortodoxas de outros ritos (Síria e Armênia).

Nessas regiões estão alguns dos centros mais importantes de peregrinação de suas crenças religiosas: os lugares onde Jesus nasceu, pregou e morreu, de acordo com o relato bíblico e a tradição cristã.

De acordo com a matéria da BBC, os líderes cristãos da região criticam as ações do governo israelense, como parte de “uma tentativa, inspirada em uma ideologia extremista, que nega o direito de existir a quem mora em suas próprias casas”, como disse o bispo católico Pierbattista Pizzaballa de Jerusalém em uma declaração recente.

Assim, como os cristãos são minoria, essa ameaça velada os coloca em maior risco de desaparecer se o conflito perdurar.

Nesse contexto, a comunidade cristã, especificamente, é afetada por duas razões principais: a primeira, pelo crescente assédio por parte dos colonos israelenses às comunidades cristãs ortodoxas e seus representantes religiosos. Em segundo lugar, porque dos aproximadamente 16 mil cristãos que vivem em Jerusalém, cerca de 13 mil são palestinos.

Visto que a comunidade cristã em Jerusalém é muito pequena, tem um peso simbólico e uma forte presença religiosa, no entanto, sua capacidade de influenciar politicamente o conflito, é limitada.

Outro problema que afeta diretamente os cristãos que residem nos territórios palestinos, é o impacto sobre o turismo, atividade que envolve a maioria dos cristãos.

O governo de Israel é quem regula o turismo, assim é também ele, que determina quem entra, quem sai, os itens de consumo, chegando até a segmentar a vacinação contra o coronavírus, que nos territórios palestinos está em fase inicial.

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Bereia conclui que é verdadeiro o conteúdo divulgado pelo site católico  Vatican News que aponta o recrudescimento da perseguição a minorias religiosas por Israel, o que inclui cristãos palestinos. Tal ação resulta tanto de projetos de lei do Parlamento como de ações do governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. A reforma proposta pelo governo israelense, caso aprovada, coloca em risco não só a permanência de minorias religiosas no país como suas próprias instituições democráticas. 

Referências de checagem:

Federação Árabe-Palestina do Brasil. https://fepal.com.br/ Acesso em: 17 abr 2023 

Vatican News.

https://www.vaticannews.va/pt/mundo/news/2023-03/israel-shomali-lei-anti-evangelizacao-viola-liberdade-conscienci.html Acesso em: 17 abr 2023  

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Yuval Noah Harari. https://www.ynharari.com/pt-br/ Acesso em: 17 abr 2023 

Folha de S. Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2022/12/netanyahu-forma-coalizao-para-voltar-ao-poder-em-israel.shtml Acesso em: 17 abr 2023  

Instituto Humanitas Unisinos.

https://www.ihu.unisinos.br/categorias/626764-israel-para-os-cristaos-a-situacao-esta-piorando-a-direita-religiosa-nao-fala-conosco Acesso em: 17 abr 2023  

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O Globo.

https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2022/12/netanyahu-consegue-maioria-e-liderara-governo-mais-de-extrema-direita-da-historia-de-israel.ghtml Acesso em: 17 abr 2023  

https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2023/04/movimentos-de-extrema-direita-pelo-mundo-estao-conectados-diz-professor-israelense.ghtml Acesso em: 17 abr 2023  

https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2023/04/em-israel-tentam-evitar-a-catastrofe-e-salvar-a-democracia-diz-autor-de-best-sellers.ghtml Acesso em: 17 abr 2023  

G1. https://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/07/g1-explica-o-que-e-sionismo-judaismo-e-antissemitismo.html Acesso em: 17 abr 2023   

Agência Pública. https://apublica.org/2023/03/como-a-extrema-direita-brasileira-se-apropriou-de-simbolos-judaicos/  Acesso em: 17 abr 2023 

VEJA. https://veja.abril.com.br/mundo/perseguicao-onde-os-cristaos-sao-vitimas-de-opressao-e-violencia/ Acesso em: 17 abr 2023  

Brasil de Fato. https://www.brasildefato.com.br/2021/05/19/pesquisador-explica-conflito-entre-israel-e-palestina-nao-e-um-conflito-religioso Acesso em: 17 abr 2023  

BBC.

https://www.bbc.com/portuguese/articles/c03k6wr202eo Acesso em: 17 abr 2023  

https://www.bbc.com/portuguese/internacional-57143976  Acesso em: 17 abr 2023  

https://www.google.com/amp/s/www.bbc.com/portuguese/internacional-57143976.amp Acesso em: 17 abr 2023   

Outras Palavras. https://outraspalavras.net/geopoliticaeguerra/israel-e-eua-parceiros-na-geopolitica-da-barbarie/Acesso em: 17 abr 2023  

Youtube.

https://www.youtube.com/watch?v=SY2eNW6n0po Acesso em: 17 abr 2023  

https://www.youtube.com/watch?v=Olx3rZtUbug Acesso em: 17 abr 2023  

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Foto de capa: Flickr World Economic Forum

Retorno à normalidade?

O retorno à normalidade é o tema comum que tem aparecido entre os jornalistas, após a eleição de Lula e a posterior saída de Jair Bolsonaro da presidência. Obviamente, não há normalidade alguma retornando ou deveríamos repensar o que seria esse verdadeiro normal. Bem, se pensarmos em Collor, e temos todos os motivos de sobra para contestar sua idoneidade, seu mandato foi interrompido com um impedimento e, 22 anos depois, o Supremo Tribunal Federal inocentou o ex-presidente. Agora, no possível retorno à normalidade, Dilma foi “absolvida” e repete a mesma história que Collor – a despeito da diferença óbvia entre os dois políticos. Contudo, o que nossa história demonstra é que o normal é presidentes não terminarem seus mandatos: o primeiro, Deodoro da Fonseca renunciou; Washington Luís foi deposto; Vargas se matou; Café filho sofreu impeachment por pressão dos militares; Jânio renunciou. em uma atitude golpista que não deu certo, João Goulart foi deposto pelos militares. E aí entramos na nossa nova democracia onde os julgamentos de Collor e Dilma estão ainda vivos na nossa mente.

O que se quer dizer com isso? Ao que parece, o normal é haver presidentes que caem por pressão militar ou por golpismo qualquer – com alguma exceção que toda regra permite. Porém, é preciso compreender que força “normal” é essa que derruba presidentes. Dilma e Collor caíram pelo que foram inocentados. O que demonstra que o impeachment nada mais é do que uma vontade política, a despeito da participação da justiça e da acusação de crime de responsabilidade. Todo o rito ganha a aparência de legalidade, mesmo não o sendo. Diferente da frase de Júlio César, que dizia que “À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”, o rito do impeachment não precisa ser honesto, mas tem que parecer honesto. Mesmo em sua aparência, não se quer dizer que ele realmente seja visivelmente honesto, mas sim que não se possa questionar sua honestidade, ainda que sua desonestidade “salte aos olhos”. Há a pessoa honesta que aparenta honestidade e há o desonesto que alega honestidade para si, mas que ninguém consegue acusar de desonestidade, mesmo que todos saibam que assim o é. Desta forma o rito do impeachment deve parecer. Com que segurança se pode afirmar isso?

Bom, agora temos um ex-presidente que completou seu mandato e isso o coloca em uma condição que apenas alguns conseguiram, nessa República. Mas em que situação?  Temos um pedido de impedimento contra Bolsonaro que o acusa de 23 crimes de responsabilidade; A CPI da COVID o acusa de 10 crimes de responsabilidade. Na reunião que o presidente teve com embaixadores, juristas apontam outros crimes de responsabilidade. E o que aconteceu com tanta possibilidade de crimes? Nada. Bolsonaro seguiu cumprindo seu mandato e, inclusive, com toda a liberdade para deslegitimar a democracia e não entregar a faixa de presidente para Lula, tendo, inclusive, deixado seu vice-presidente terminar o mandato, sem sequer ter renunciado.

O que essa situação diz sobre o processo de impeachment? Que sem vontade política, sem interesse de alguém, ou alguns, um presidente pode destruir a nação. E, também, que se houvesse vontade política, destruiriam a nação para derrubar um presidente. Bolsonaro rebaixou não apenas o cargo da presidência, mas também a própria nação. Por outro lado, Lula nem havia assumido e o mercado ressuscitou, após quatro anos de silêncio. Esse é o jogo normal que mercado e oposição estavam acostumados a jogar e, para eles, tudo voltou à normalidade, com a volta de Lula. Não. Não gostam de Lula e não torcem por um governo bom. Não se trata disso. Trata-se de conseguirem jogar um jogo. É imperativo que o governo Lula seja o melhor governo que ele já exerceu. É importante que ele não falhe e é seguro que há muitos desejando essa falha. Há muitos de olho em um crime de responsabilidade, um gasto excessivo e a qualquer “pedalada” que justifique o que Collor e Dilma viveram.

**Os artigos da seção Areópago são de responsabilidade de autores e autoras e não refletem, necessariamente, a opinião do Coletivo Bereia.

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Foto de capa: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Desinformação, fake news e os caminhos do demônio

*Publicado no Observatório das Eleições 2022 e no site da Carta Capital

Em um culto em Belo Horizonte para homenagear um pastor, no começo de agosto, a primeira-dama Michelle Bolsonaro, ao lado do marido, disse que há no Brasil uma “guerra do bem contra o mal” e que o Palácio do Planalto já foi um lugar “consagrado aos demônios”.  

Também em agosto, o pastor bolsonarista Marco Feliciano disse que o PT é expressão do mal e que, se Lula ganhar, vai fechar templos e igrejas e calar os pastores.

O jornal Folha Universal, no ano passado, fez vários editoriais comparando o ex-presidente Lula ao demônio e ao mal.

Em janeiro deste ano, circulou pelas redes sociais um vídeo editado para simular que o ex-presidente Lula conversava com o demônio.

A ideia do demônio, como vemos, volta com força à cena nacional e ao processo eleitoral, por vários atores. Uma ideia forte que se alinha muito bem ao potente sistema de desinformação que sacode o Brasil com intensidade desde as últimas eleições, em 2018. Nesse contexto, eu quero convidar vocês a percorrerem o caminho da construção discursiva do demônio no escopo do ecossistema das fake news para entendermos por que, de fato, ele é um “personagem” importante.  

Um poderoso ecossistema

O Brasil vivencia, com as eleições de 2018, a intensificação de um processo de desinformação que se torna pouco controlável a partir de 2020, com a pandemia de Covid-19. É um processo bem estruturado, que não se restringe ao Brasil, um fenômeno mundial que solapa democracias de Norte a Sul. Nesse contexto, a desinformação precisa ser entendida como um fenômeno estruturado, intencional, que se consolida nas sociedades contemporâneas e que tem fortes impactos em vários contextos – social, político, econômico, de saúde –, o que compromete seriamente o funcionamento da esfera pública, como ressalta Carlsson (2019).

Partindo desse sistema macro, eu situo o ecossistema brasileiro de fake news, que tem características bem marcantes: aporte e sustentação do poder público e de setores do empresariado, grande financiamento, produção intencional e profissional de conteúdo falso envolvendo diversos atores (por exemplo, sites com estrutura de produção de conteúdo, influenciadores que recebem benesses, representantes do poder público, entre outros) e enorme capilaridade para disseminar o conteúdo. Esse ecossistema, que nada tem de aleatório ou casual – pois é muito bem estruturado –, encontrou no país um campo bastante fértil para se desenvolver (lembrando que a capilaridade envolve a interface com outros sistemas – portanto, não se trata somente de “espalhar conteúdo” pela internet).

É um ecossistema que, com essas características, tem conseguido causar enormes estragos ao Brasil, em vários setores. Recentemente, está contribuindo para tumultuar bastante o processo eleitoral, colocando em xeque instituições já consolidadas em sua atuação e processos exitosos, como é o caso do sistema eleitoral brasileiro, além de propagar ataques a atores institucionais, como ministros do STF e do TSE.  

O fenômeno das fake news, em seu ecossistema brasileiro, não se esgota, portanto, apenas na disseminação das notícias falsas ou falseadas – há um processo de produção profissional de conteúdo que envolve muitos atores e financiamento. Além disso, esse  ecossistema se retroalimenta e está em interface com outros sistemas, como o de informação (tradicional – mídia corporativa) e o religioso, numa capilaridade gigantesca.

E então voltamos ao demônio da primeira-dama e seu papel nas eleições. 

O demônio é o inimigo a combater

O demônio, como construção discursiva, liga-se à ideia de um inimigo poderoso e que precisa ser combatido. Nós, ao nos comunicarmos, não pronunciamos palavras somente – pronunciamos verdades ou mentiras, coisas boas ou más, certezas inquestionáveis, pois a palavra comporta valores e crenças e visões de mundo. Portanto, o demônio trazido à tona recentemente pela primeira-dama e por outros atores funciona muito bem nesse ecossistema de fake news, já que  o termo cristaliza a ideia de um inimigo a combater a partir de um apelo a valores cristãos e num cenário de disputas polarizadas.

Essa ideia se consolida e se espalha por várias instâncias, numa retroalimentação que envolve vários sistemas – o demônio como ideia não se restringe à fala de Michelle naquele momento no culto, mas se espalha pelas redes sociais, pelos sites bolsonaristas, pela pregação do pastor na igreja, pelos artigos no jornal de maior circulação no país (que é da igreja). Portanto, não é uma expressão aleatória e nem um demônio qualquer – é uma entidade capaz de provocar os eleitores religiosos ainda indecisos, ou que estavam migrando para outros candidatos que não Bolsonaro, e interpelar fortemente esse eleitor naquilo que é sua crença ou seu medo. 

As categorias religiosas não são levadas aleatoriamente para o discurso num país bastante religioso como o Brasil. Elas dialogam de perto com as crenças, os valores, os medos, as incertezas das pessoas, e por isso são tão presentes no escopo das fake news – vale lembrar que a visão de mundo dos indivíduos não é racional todo o tempo. E em tempos de incertezas, medo do futuro, precarização da vida, a ideia de um demônio a combater pode ser efetiva sim.    

E no bem estruturado ecossistema brasileiro de fake news, essas construções discursivas encontram um caminho para se consolidarem, para se dissiparem, para se reproduzirem, para alcançarem mais e mais pessoas, fortalecendo-se contra os desmentidos e provocando a manifestação apenas reativa e tardia dos atingidos.

Portanto, é imperioso entendermos o demônio de Michelle no contexto desse ecossistema brasileiro de fake news no cenário de um acachapante sistema de desinformação – estruturado e estruturante. Uma ideia de bem contra o mal, de combate ao inimigo que destrói famílias; ideia que é trazida por uma mulher jovem, que defende a família, que se posta ao lado do marido presidente, aquele que perdeu uma parte expressiva do eleitorado feminino exatamente por ser abertamente machista e misógino.

Sobretudo, o discurso que traz o demônio à cena nacional serve muito bem para consolidar a agenda ultra-conservadora da extrema-direita e para tirar o foco de temas e pautas que realmente interessam ao país e que deveriam estar sendo muito discutidas: fome, desemprego, economia estagnada, aumento acentuado da depressão na população, corte de verbas públicas para a educação e a saúde, entrega da Petrobras, privatização da Eletrobrás, entre tantos outros.  

Mas, por ora, metaforicamente ou não, o capeta está roubando a cena no Brasil de Bolsonaro.

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Foto: Marcelo Casal Jr./Agência Brasil

Mentes e corações: estratégias das narrativas neoconservadoras no Brasil

Parceria com Laboratório de Antropologia da Religião da Unicamp – Por: Eliane Brito

Quando observamos a construção das narrativas neoconservadoras – aquelas que respondem ao fenômeno atual, observado em democracias de vários países, caracterizado por uma ideologia conservadora, por alianças entre atores diversos (religiosos ou não), pela juridificação da moralidade e pela defesa do capitalismo mediante sua relação com o neoliberalismo – na América Latina, especialmente no Brasil, algumas características se destacam, tais como a utilização de emoções como ativo político, a atribuição de todas as mazelas sociais à desordem moral e a rápida assimilação das novas tecnologias de informação, assim como das novas formas de mensagem.

A utilização das emoções para determinado fim não é algo inédito, principalmente no meio político, e tem sido matéria de estudo desde a Grécia Antiga. Embora tenham sido objeto das reflexões de Platão, é o livro II da Retórica de Aristóteles, que ficou conhecido como A Retórica das Paixões, aquele que sistematizaria de modo mais completo as paixões (páthe), elencando as mais comuns e os pré-requisitos necessários para que um retor obtivesse sucesso. Segundo o filósofo grego, paixões são “todos aqueles sentimentos que, causando mudança nas pessoas, fazem variar seus julgamentos” (Aristóteles, 2000). Se consideramos que o objetivo final da Retórica é a persuasão, um bom retor será aquele capaz de encontrar ou suscitar em seu público as paixões disponíveis. Esse pré-requisito da disponibilidade é muito importante, pois “um auditório só irá sentir determinada paixão (afeição) se estiver aberto, de acordo com sua predisposição cognitiva, a sentir aquela emoção” (Figueiredo, 2019).

Pensando no contexto brasileiro, principalmente a partir de 2013, é possível afirmar que houve uma conjuntura favorável para que as ideias neoconservadoras fossem disseminadas e absorvidas. A crise pela qual passávamos não era apenas social, provocada pelo capitalismo neoliberal, mas também institucional. Com a espetacularização, pela mídia convencional, por meio da extensa cobertura da operação Lava Jato, a descrença com a política, com os “políticos profissionais” e com a própria democracia atingia o ápice. Além disso, a conquista de direitos por parte das minorias culminaria em uma reação por parte das classes altas, médias e também de milhões de desempregados que não se viam beneficiados por ações afirmativas e políticas voltadas aos direitos dos grupos minorizados. Por fim, mas não menos importante, a presença cada vez maior de atores religiosos na arena política representava um aumento das pautas morais, o que seria responsável pelo recrudescimento dos valores conservadores no espaço público.

É justamente como uma reação que o neoconservadorismo religioso se apresenta. Uma resposta a tudo aquilo que culpa pela desordem social.

Protesto pró-impeachment de DIlma Rousseff. Foto: Bruno Peres/Esp CB

Durante o Seminário (GREPO, 2021), duas falas evidenciaram quais atores políticos melhor perceberam as paixões disponíveis e como se utilizar delas. O sociólogo Juan Marco Vaggione destacou, como um dos fatores importantes para o crescimento do neoconservadorismo na América Latina, “a crescente e forte insatisfação com a política que, mesmo em alguns países, é insatisfação com a democracia” e que essa “construção de uma cidadania antipolítica foi facilmente cooptada pelos setores da direita, religiosa ou não”. A cientista política Flávia Biroli, por sua vez, ao tomar como parâmetro o Brasil, considerou “muito efetiva politicamente a mobilização de narrativas sobre uma certa correspondência entre ordem social e ordem moral desejável (…) em que se conectam temas que seriam muito apartados, não fosse o modo como a direita religiosa (…), situada numa relação com a extrema-direita no poder, conecta esses temas”. De sua fala também é possível recuperar a noção de “moralização das inseguranças”. Tal conceito, para ela, é “uma chave para o neoliberalismo como política”, pois

O apelo a inseguranças reais se faz no interior de um enquadramento no qual o suporte possível é o da família nuclear, heterossexual, responsável pelos seus (…) O problema, nas narrativas neoconservadoras, seria de ordem moral. Melhor dizendo, o desvio e a captura do tradicionalismo levariam à insegurança, à falta de referências, ao caos. (…) A família cristã seria o contraponto à corrupção moral – o que incluiria a moral sexual e a captura de bens públicos por políticos e empresários (Biroli; Machado; Vaggione, 2020).

Se a natureza do problema é moral, então, em nome de Deus, da Pátria e da Família, tudo é permitido para restaurar a ordem. A plataforma deixa de ser exclusivamente política e mais se assemelha a uma agenda de costumes. Portanto, a guerra é ideológica. Propõe-se, então, uma verdadeira cruzada contra fantasmas do passado (comunismo/marxismo cultural), contra ameaças vagas (ideologia de gênero), contra os direitos sociais e os direitos humanos; enfim, contra todos os inimigos que devem ser aniquilados. O discurso do bem contra o mal é expresso pela separação “nós” versus “eles”. Não à toa, temos o frequente uso da categoria “cidadão de bem” na retórica do neoconservadorismo. A não pertença a esse grupo define o “outro”, o adversário. A polarização é estimulada e não se governa para todos, e sim para aqueles que lhe são iguais, pois “(…) o jogo não consiste mais em unir as pessoas em torno de um denominador comum, mas, ao contrário, em inflamar as paixões do maior número possível de grupelhos para, em seguida, adicioná-los à revelia. Para conquistar uma maioria, eles não vão convergir para o centro, e sim unir-se aos extremos” (Empoli, 2019).

Recorrendo novamente a Aristóteles, podemos dizer que, à disponibilidade do auditório, une-se à identificação com o orador. Antes mesmo de se eleger, em 2018, o candidato à presidência da extrema direita, Jair Messias Bolsonaro, construiu uma figura anti-establishment, antissistema. Ainda que Bolsonaro fosse um político profissional, associou sua imagem à patente do exército, acionando no imaginário popular o saudosismo de um período próspero – que na verdade nunca existiu –, quando os militares estiveram no poder (1964-1980). Também rechaçou a velha política e se colocou “acima de qualquer suspeita”, por nunca ter se envolvido em nenhum episódio de corrupção. Quando se declarou contrário à “ditadura do politicamente correto”, desfilando inúmeras falas repletas de misoginia, homofobia, racismo e xenofobia, foi elogiado como alguém que “não tinha medo de dizer a verdade”. Quando levantou a bandeira contra a “ideologia de gênero”, apresentando-se como alguém a favor da família tradicional, acenou para os valores tradicionais cristãos. Assumiu, assim, a postura de “salvador da pátria”, de única pessoa capaz de livrar o Brasil da ameaça comunista. O “mito” foi construído sob os signos da austeridade, da honestidade e da moralidade. Seu maior feito, no entanto, foi passar a imagem de homem comum com o qual a maioria de seus eleitores se identificaram.

É preciso pontuar, também, que as redes sociais contribuíram de forma decisiva para a ascensão da extrema direita no Brasil. Se o que ficou conhecido por Jornadas de Junho, em 2013, foi a primeira demonstração do poder da internet, ao contribuir para a realização de manifestações apartidárias, não é erro afirmar que foram os atores neoconservadores que melhor souberam observar este fenômeno e posteriormente se aproveitar não apenas do alcance desta tecnologia, como também das novas formas de comunicação, tais como mensagens curtas, imagens e hashtags. O maior entendimento sobre as formas de mobilizar opiniões e criar engajamento também reforçou a imagem anteriormente criada de seu candidato à presidência – a de homem comum e mais acessível – ao parecer “mais próximo” de seus eleitores. O mais importante, porém, foi a rápida disseminação das mensagens com conteúdos falsos, errados ou duvidosos, que além de desinformar, conseguiram aumentar o clima de insegurança e acirrar ainda mais a polarização, por meio dos discursos de ódio; algo que o sociólogo Roberto Romano definiu como “a tecnologia a serviço da boçalidade” (Facchin; Machado, 2018). O uso de robôs e o disparo de mensagens em massa, seguindo o modelo norte-americano, tiveram um impacto inédito nas eleições de 2018.

A vitória do neoconservadorismo religioso no Brasil foi a da narrativa mais bem aceita, pois, a maioria das estratégias cumpriu as regras do jogo democrático. Uma política que flerta com o autoritarismo e com a violência angariou milhões de votos travestida de revolução, de mudança, quando, na verdade, representava uma série de retrocessos, a busca de refazer os abalos provocados à hierarquia tradicional.

Apelar às emoções perceptíveis na sociedade não é proibido, tampouco uma novidade. Se anteriormente o chamamento da esquerda foi à esperança, a extrema direita apostou nos ressentimentos e nas inseguranças, potencializando-os ao máximo e suscitando outras paixões igualmente poderosas como ativos políticos, tais como o medo e o ódio. Afinal, como já nos alertava o sociólogo espanhol Manuel Castells, “torturar corpos é menos eficaz do que moldar mentalidades” (Castells, 2013) e, como foi percebido pelo cientista político Henrique Costa, durante as primeiras análises da eleição de 2018, “[a] extrema direita, antes de ganhar o parlamento, ganhou corações e mentes e espalhou sua mensagem para todos os cantos do país” (Facchin; Machado, 2018).

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Eliane Brito é bacharel e licenciada em Letras pela Universidade de São Paulo (USP). Integra o Grupo de Pesquisa Gênero, Religião e Política – GREPO, sediado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP.

O GREPO – Grupo de Estudos de Gênero, Religião e Política da PUC-SP realizou, nos dias 31/03 e 01/04/2021, o Seminário Internacional Catolicismos, direitas cristãs e ideologia de gênero na América Latina. Esta crônica é a terceira de uma série que apresenta livres reflexões de suas autoras sobre os debates que reuniram pesquisadores de diferentes países da América Latina no seminário: Brenda Carranza (LARUNICAMP, Brasil), Flávia Biroli (UnB, Brasil), Juan Marco Vaggione (Universidade de Córdoba, Argentina), Lucas Bulgarelli (Comissão da Diversidade OAB/SP, Brasil), Maria das Dores Campos Machado (UFRJ, Brasil), Maria Eugenia Patiño (Universidade Aguas Calientes, México), Maria José Rosado Nunes (PUC-SP, Brasil), Olívia Bandeira (GREPO, Brasil) e Sandra Mazo (Católicas pelo Direito de Decidir, Colômbia).

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Foto de Capa: Protesto pró-impeachment de DIlma Rousseff. Por: Bruno Peres/Esp CB

Teorias QAnon ganham espaço em grupos antivacina no Facebook

* Publicado originalmente no site do IEA/Polo Ribeirão Preto/USP por Thaís Cardoso.

Conteúdos com teorias da conspiração QAnon que já haviam se espalhado em grupos com teor antivacina nos Estados Unidos estão ganhando espaço também no Brasil. Uma análise conduzida pela União Pró-Vacina com base em postagens ao longo de 2020 nos dois principais grupos antivacina brasileiros na plataforma confirmou essa disseminação.

O que é o QAnon?

O QAnon é um movimento que surgiu em fóruns de extrema-direita na deep web após a eleição de 2016 nos Estados Unidos. Ele se baseia em uma série de teorias da conspiração ligando políticos e personalidades a pedofilia e satanismo, mas também assume o perfil de um movimento social militarizado, incitando, inclusive, a violência em seus conteúdos. O FBI, departamento federal de investigação americano, chegou até mesmo a classificá-lo como ameaça terrorista doméstica.

As teorias do QAnon se espalharam pela internet e desde 2017 também invadiram as redes sociais. Somente em agosto de 2020, o Facebook anunciou que havia excluído páginas, grupos e contas diretamente ligados a ele, alegando que esse conteúdo viola suas políticas. No Brasil, a plataforma também realizou uma ação semelhante em setembro, derrubando grupos e páginas que totalizavam pelo menos 570 mil seguidores.

Com a demora em uma providência mais enérgica, o movimento foi capaz de se organizar e se espalhar por outros grupos com histórico em teorias da conspiração, como os de radicalismo político e comunidades antivacina. O Facebook agiu novamente e anunciou, em outubro, que removeria quaisquer páginas, grupos e contas do Instagram com algum tipo de ligação com o QAnon, mesmo que não fosse um conteúdo violento. Um dos resultados foi o recente banimento do maior grupo antivacina dos Estados Unidos nessa rede social, o Stop Mandatory Vaccination.

Apesar da situação ser a mesma nos grupos antivacina do Brasil, nenhuma medida foi tomada ainda. A União Pró-Vacina alerta que a demora do Facebook em adotar uma atitude assertiva pode produzir consequências desastrosas, principalmente pela associação dessas teorias da conspiração ao movimento antivacina no momento em que o País enfrenta novo crescimento na contaminação pela covid-19 e está às vésperas de uma vacinação que pode salvar milhões de vidas.

A pesquisa

Teorias QAnon ganham espaço em grupos antivacina no Facebook

A União Pró-Vacina vem monitorando as postagens dos dois grupos mais conhecidos com temática antivacina no Brasil desde o início de 2020. Os assuntos referentes ao QAnon começaram a aparecer em fevereiro e alcançaram picos em abril e julho. Ao todo, a análise encontrou 144 conteúdos, entre comentários e postagens incluindo vídeos, links, imagens e textos, que exibiam algum tipo de termo ligado ao movimento ou direcionavam os usuários para grupos ou sites específicos. Foram mapeados 16 termos tradicionalmente usados pelo QAnon nessas publicações.

No caso dos comentários – que representam 65% do conteúdo – os responsáveis incitam os usuários a pesquisarem sobre essas teorias conspiracionistas e fazem menções explícitas ao QAnon. Mesmo assim, não há qualquer tipo de moderação. Alguns perfis responsáveis por esses comentários também exibem imagens e conteúdos com clara ligação ao movimento e seguem ativos na rede. Apenas uma das publicações analisadas estava marcada pela plataforma como informação falsa. 

Assim como em outras análises realizadas anteriormente pela União Pró-Vacina, um padrão se repete: um número pequeno de usuários é responsável por um volume muito grande de postagens. Nesse caso, apenas 8 dos 73 autores das postagens geraram 55 publicações, mais de 38% do total.

Teorias QAnon ganham espaço em grupos antivacina no Facebook

O modus operandi do movimento pode produzir danos ainda maiores, pois, além de incitar os demais integrantes do grupo a pesquisarem termos relacionados ao QAnon na internet – o que acaba por direcioná-los a sites ligados a essas teorias da conspiração -, eles também agem de forma a sequestrar hashtags importantes e que fazem menção a assuntos reais. Em uma das postagens, por exemplo, são usadas as hashtags #fiqueemcasa, #usemascara, #vacinaréproteger, vinculadas a hashtags do movimento #QANONBRASIL e outras que incitam comportamentos de risco, como #filmeseuhospital.

Teorias QAnon ganham espaço em grupos antivacina no Facebook

Os pesquisadores da União Pró-Vacina destacam que esse tipo de ação direciona pessoas que buscam por esses termos e hashtags, procurando um conteúdo de confiança, para páginas e postagens conspiracionistas e recheadas de informações falsas. Um exemplo semelhante aconteceu nos Estados Unidos, quando o QAnon sequestrou a hashtag #SavetheChildren. Em vez de se referir à organização não governamental centenária que atua em prol dos direitos das crianças, o termo direcionava a uma das principais teorias da conspiração defendidas pelo QAnon, envolvendo o suposto sequestro e abuso de crianças por membros do Partido Democrata e celebridades de Hollywood.

Sobre a União Pró-Vacina

A União Pró-Vacina é uma iniciativa organizada pelo Instituto de Estudos Avançados (IEA) Polo Ribeirão Preto da USP em parceria com o Centro de Terapia Celular (CTC), o Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID), a Ilha do Conhecimento, a Vidya Academics, o Gaming Club da FEA-RP, o Instituto Questão de Ciência e o Pretty Much Science.

O objetivo é unir instituições acadêmicas e de pesquisa, poder público, institutos e órgãos da sociedade civil para combater a desinformação sobre vacinas, planejando e coordenando atividades conjuntas.

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Foto de capa: Pixabay/Reprodução