Tweets de Onyx Lorenzoni enganam sobre enfrentamento da pandemia e CPI da covid-19

No último dia 13 de abril, o ministro da Secretaria Geral da Presidência da República Onyx Lorenzoni fez uma sequência de posts em seu Twitter que desinforma a respeito das ações do Governo Federal no combate à pandemia de covid-19. De forma genérica, ele cita argumentos que vão dos repasses da União a Estados e municípios até decisões que teriam proibido “tratamento inicial” que médicos usariam para salvar vidas. Lorenzoni relaciona esses fatores a uma suposta tentativa da imprensa em defender que a CPI da Pandemia investigue somente o Governo Federal em detrimento de possíveis crimes que governadores e prefeitos podem ter cometido. Bereia verificou se os argumentos  do Ministro de Estado evangélico se sustentam.

Quais repasses do Governo Federal foram para combate à pandemia

A menção aos repasses de recursos de Brasília para estados e municípios para combate à pandemia não é nova. Em fevereiro de 2021, o Presidente Jair Bolsonaro postou no Facebook e no Twitter dados de envio de valores diretos e indiretos para cada estado da federação. Os dados foram retirados Portal da Transparência/Localiza SUS/Senado Federal, segundo o texto. 

Governadores de 19 estados contestaram em carta os valores informados pelo Planalto sob o argumento de que o montante citado por Bolsonaro incluíam repasses obrigatórios. Ou seja, de que nem todo o dinheiro enviado pela União aos outros entes federados são iniciativa do Governo Federal, mas obrigação constitucional.

Decorrentes dessas postagens, peças de desinformação a respeito do repasse federal e do gasto de estados para combater a pandemia passaram a viralizar nas mídias sociais. Um exemplo foi a verificação do Aos Fatos que classificou como falso que o Governo Federal teria mandado R$ 40 bilhões ao Rio Grande do Sul e o estado teria gasto apenas R$ 800 milhões.

Na verdade, R$ 46,6 bilhões foi o valor de verba federal no Rio Grande do Sul. Desse total, 15 bilhões são referentes a benefícios sociais a gaúchos e outros 9 bilhões são gastos diretos, como aqueles destinados a obras. Ambos não passam pelos cofres de governador e prefeitos. Restam R$ 21,8 bilhões que foram administrados diretamente por outros entes federados – 7,1 bilhões pelo Estado e 14,7 bi por Municípios.

A matéria explica também que esse montante tem destino determinado. Por exemplo, recursos do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação) são obrigatoriamente alocados na Educação. Já os 800 milhões citados na peça de desinformação tratam-se de uma aproximação dos recursos federais repassados para combate à covid destinados à saúde. 

Ou seja, dos mais de 40 bilhões de verbas federais no estado gaúcho, apenas parte é realmente administrado por governador e prefeitos. Destes, somente uma parcela estava destinada ao combate à pandemia porque há despesas com destino específico (como o Fundeb). E dos recursos destinados ao enfrentamento da covid-19, alguns estavam relacionados à pasta da economia e outras foram exclusivos da saúde (R$ 826 milhões). Tanto o Monitoramento de Gastos da União com a Covid-19 quanto o relatório do Governo do RS têm registros sobre os repasses federais (p. 9).

Mesmo antes da postagem do Presidente, outros conteúdos desinformativos a respeito de repasses federais a Estados viralizaram nas mídias sociais. O jornal O Estado de São Paulo dentro do Projeto Comprova (projeto no qual Bereia colaborou) verificou, por exemplo, que o governador do estado de São Paulo João Doria (PSDB) não recebeu R$ 19 bilhões da União para combate à covid bem como o repasse federal ao Amazonas para crise sanitária não corresponde a R$ 8,9 bilhões.

Atitudes do Governo Federal para emprego e vacinas

Em seus tweets, o ministro Lorenzoni reafirmou parte do discurso recorrente do Presidente de que seu governo preocupa-se com a saúde e com a economia, além de comprar todas as vacinas disponíveis. Ao verificar o pronunciamento de Jair Bolsonaro em 23 de março de 2021, Bereia classificou como enganosas falas do presidente em rede nacional. O Governo Federal recusou ofertas da farmacêutica Pfizer em 2020 e o próprio chefe do executivo afirmou que não compraria a CoronaVac (produzida pela chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, ligado ao Estado de São Paulo).

A matéria do Bereia também mostra que o presidente minimizou diversas vezes a gravidade da doença e implementou um auxílio emergencial de R$ 600 após pressões no Congresso Federal. Gastos com auxílios à população e às empresas concomitantes a implementação de medidas restritivas fizeram parte de países diversos como Nova Zelândia, Alemanha, Uruguai e Vietnã. No vizinho sul-americano, além de empréstimos ao Banco Mundial, até funcionários públicos com salários maiores ao correspondente a R$ 15 mil tiveram um imposto específico para ajudar no pagamento de auxílio à população, às empresas e investimento na saúde.

Ainda assim, os números da pandemia no Uruguai subiram até o país ter a maior taxa de contágios diários no mundo em meados de abril. O virologista Santiago Mirazo aponta que o excesso de confiança e perda da percepção de risco contribuíram para o aumento. Aliados do governo e cientistas pedem por medidas mais restritivas pelo presidente.

Autonomia dos médicos e os tratamentos sem comprovação

Outro ponto abordado pelo ministro evangélico é a autonomia dos médicos e a prescrição de medicamento do “tratamento inicial” (também chamado de tratamento precoce ou atendimento imediato por membros do Governo Federa)l. “[…]Proibiram tratamento inicial – passando por cima das decisões de médicos que tem o direito e o dever de fazer tudo para salvar vidas”, afirmou Lorenzoni.

A defesa do Governo Federal pelo uso de medicamentos do “kit covid” como cloroquina e ivermectina esteve envolvida em desinformação desde 2020. Em julho do ano passado , Bereia verificou como verdadeiro que a Unimed Brusque (SC) estava distribuindo “kit covid” como forma de prevenção apesar desse procedimento contrariar as recomendações da OMS e do Conselho Regional de Medicina.

A ascensão da cloroquina e da hidroxicloroquina no Brasil veio por meio da influência do então presidente dos EUA Donald Trump sobre Jair Bolsonaro (sem partido). Apesar do entusiamo de Trump em divulgar os medicamentos em março de 2020, sua insistência caiu ao longo do mês seguinte.

Já em julho, o Estadão Verifica tratou do tema da autonomia médica em matéria em parceria com o Fato ou Fake, UOL e Agência Lupa. À verificação o Conselho Federal de Medicina (CFM) explicou que nem médico é obrigado a prescrever qualquer medicação, assim como o paciente não é obrigado a tomar o receitado. Para o CFM o médico que prescreve remédio sem comprovação não incorre em infração ética ou médica, mas pede que o profissional informe ao paciente que não existe comprovação do benefício da droga.

No entanto, estudos publicado ainda em 2020 no renomado The New England Journal of Medicine (Revista da Nova Inglaterra de Medicina) demonstraram a ineficácia da hidroxicloroquina em casos leves ou moderados (publicado em julho) e também nos casos graves (publicado em outubro).

Em seguida, a ivermectina surgiu como outro remédio que poderia ajudar no tratamento. O principal problema com esse medicamento está nas limitações das pesquisas de eficácia, o que leva a resultados incertos. Por isso, o Instituto Nacional de Saúde (NIH, em inglês) dos EUA afirma que não pode recomenda o fármaco sem ter respostas definitivas. Em dezembro de 2020, o Coletivo Bereia verificou dentro do Projeto Comprova uma conta do mesmo status de não comprovação da eficácia da ivermectina para combate à covid. Entre os remédios testados para covid-19, a dexametasona conseguiu apresentar resultados positivos ao amenizar fortes reações inflamatórias de pacientes de casos graves. Mas não se trata de tratamento precoce nem deve ser usado por todos os contaminados.

Posicionamento da AMB contra kit covid e coquetel autorizado pela Anvisa

Em março de 2021, a Associação Médica Brasileira (AMB) mudou de posicionamento e passou a defender o banimento do uso de cloroquina e outros remédios sem eficácia no tratamento para covid-19. Ao G1, o presidente da entidade César Eduardo Fernandes afirmou que a autonomia médica não permite a prescrição de remédios ineficazes. “A meu juízo, se ele está sendo acompanhado por esse médico e recebeu essa orientação, eu creio que valeria ele ouvir uma outra opinião. Não me sinto nem confortável para dizer ‘não siga a orientação do médico que lhe deu’. A minha opinião é que ele não deve tomar essas medicações, mas eu não quero ser leviano”, afirmou. Ele também considera que prescrever remédios off-label (para fins que não estejam na bula) porque podem trazer benefícios não se sustenta no caso do kit covid justamente porque os estudos apontam a ineficácia.

O artigo 1º do capítulo 3 do Código de Ética Médica produzido pelo CFM diz que é vedado ao médico “Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência”. A entidade não respondeu ao G1 a respeito da relação do kit covid com esse trecho. O presidente do CFM Mauro Ribeiro respondeu ao Jornal Nacional: “o parecer do Conselho Federal de Medicina não dá suporte ao chamado ‘kit Covid’. Nós defendemos que o paciente com sintomas gripais tem que ser acompanhando pelo médico de forma precoce. Fazer o acompanhamento de forma precoce, que não quer dizer fazer tratamento precoce.”

Em 20 de abril, a Anvisa aprovou o uso emergencial de um coquetel para combater à covid-19 em pacientes com idade avançada e com comorbidades. Os medicamentos serão administrados em pessoas com sintomas leves a fim de evitar o agravamento da doença. Porém, a aplicação não é recomendada para tratamento precoce ou preventivo. O coquetel será utilizado apenas em hospitais sob prescrição médica e não será comercializado em farmácias. Os dados mostram uma redução de 70,4% na hospitalização ou morte relacionada ao coronavírus. O medicamento já foi autorizado nos EUA. Em março, a agência reguladora brasileira autorizou o antiviral Remdesivir.

O que a CPI vai investigar

Lorenzoni cita também afastamentos de governadores e prefeitos para afirmar que a “extrema-imprensa” seria contrária a uma CPI que investigasse as três esferas da federação brasileira em vez de apenas focar nas atitudes do Governo Federal.

Em fevereiro de 2021, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) protocolou requerimento para instalação de CPI para investigar ações e omissões do Governo Federal no combate à pandemia. O pedido ultrapassou o número mínimo de assinaturas (27) para sua abertura. Mesmo assim, o presidente do Senado Rodrigo Pacheco (DEM-MG) só a criou depois de uma liminar concedida pelo ministro do STF Luís Roberto Barroso em resposta a uma ação dos senadores do Cidadania Alessandro Vieira (SE) e Jorge Kajuru (GO).

Um dia antes que a liminar de Barroso fosse confirmada pelo plenário do Supremo, Pacheco leu o requerimento que cria a CPI. Nesse ato ele conjugou o pedido de Rodrigues ao requerimento do senador Eduardo Girão (Podemos-CE), apoiador do governo federal, que incluía investigação de estados e municípios, como Jair Bolsonaro desejava, para fugir às pressões de uma investigação sobre sua gestão. Porém, o regimento da casa impede uma CPI do Senado investigar conteúdo de competência da Câmara Federal, e atribuições do Judiciário ou dos estados. Dessa forma, a Comissão será restrita à fiscalização de casos envolvendo recursos federais.

Os Senadores membros da investigação já foram indicados e assim a Comissão já pode ser instalada. A CPI tem poder de, entre outras coisas, inquirir testemunhas e quebrar sigilo bancário, fiscal e de dados. Por outro lado, ela não julga nem processa investigados. Um relatório final é levado à Advocacia-Geral da União (AGU) e Ministério Público (MP) para promover responsabilidade civil ou criminal dos crimes apurados.

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Bereia classifica as postagens do ministro Onyx Lorenzoni em defesa do governo federal, no tocante à covid-19, como enganosas. Ele desinforma por meio da manipulação de fatos e dados para levar seguidores a crerem em situações que não correspondem à verdade. 

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Referências

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Jair Bolsonaro (Twitter), https://twitter.com/jairbolsonaro/status/1366100556918509580. Acesso em: 15 de abril de 2021.

UOL, https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2021/03/01/governadores-contestam-bolsonaro-por-dados-sobre-repasse.htm. Acesso em: 15 de abril de 2021.

Aos Fatos, https://www.aosfatos.org/noticias/e-falso-que-governo-federal-repassou-r-40-bilhoes-para-rs-aplicar-na-saude/. Acesso em: 15 de abril de 2021.

Tesouro Transparente, https://www.tesourotransparente.gov.br/visualizacao/painel-de-monitoramentos-dos-gastos-com-covid-19. Acesso em: 15 de abril de 2021.

Estado do Rio Grande do Sul, https://estado.rs.gov.br/upload/arquivos//er002221-cartilha-prestacao-contas-covid.pdf. Acesso em: 15 de abril de 2021.

O Estado de São Paulo, https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/ao-contrario-do-que-afirma-deputado-doria-nao-recebeu-r-19-bilhoes-da-uniao-para-o-combate-a-covid-19/. Acesso em: 15 de abril de 2021.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/bolsonaro-repete-mentiras-em-pronunciamento-com-tom-religioso/. Acesso em: 15 de abril de 2021.

UOL, https://www.uol.com.br/ecoa/reportagens-especiais/paises-resistem-a-covid-dando-dinheiro-para-empresas-e-cidadaos-/#page9. Acesso em: 15 de abril de 2021.

G1, https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/04/16/uruguai-vive-seu-pior-momento-da-pandemia-e-tem-a-maior-taxa-de-contagios-diarios-do-mundo.ghtml. Acesso em: 15 de abril de 2021.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/e-verdade-que-unimed-brusque-distribui-kits-covid-como-forma-de-prevencao/. Acesso em: 20 de abril de 2021.

Washington Post, https://www.washingtonpost.com/politics/2020/04/24/rise-fall-trumps-obsession-with-hydroxychloroquine/. Acesso em: 20 de abril de 2021.

O Estado de São Paulo, https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/medico-tem-autonomia-para-prescrever-tratamento-contra-a-covid-19/. Acesso em: 20 de abril de 2021.

New England Journal of Medicine, https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/nejmoa2019014. Acesso em: 20 de abril de 2021.

New England Journal of Medicine, https://www.nejm.org/doi/10.1056/NEJMoa2022926. Acesso em: 20 de abril de 2021.

National Institute of Health, https://www.covid19treatmentguidelines.nih.gov/antiviral-therapy/ivermectin/. Acesso em: 20 de abril de 2021.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/informacoes-sobre-ivermectina-divulgadas-por-silas-malafaia-sao-enganosas/. Acesso em: 20 de abril de 2021.

G1, https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2021/03/23/amb-diz-que-uso-de-cloroquina-e-outros-remedios-sem-eficacia-contra-covid-19-deve-ser-banido.ghtml. Acesso em: 20 de abril de 2021.

G1, https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2021/03/25/autonomia-do-medico-nao-da-direito-de-prescrever-remedio-ineficaz-diz-presidente-de-entidade-que-mudou-orientacao-sobre-kit-covid.ghtml. Acesso em: 20 de abril de 2021.

Código de Ética Médica, https://portal.cfm.org.br/images/PDF/cem2019.pdf. Acesso em: 20 de abril de 2021.

Agência Brasil, https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2021-04/anvisa-autoriza-uso-emergencial-de-coquetel-contra-covid-19. Acesso em: 20 de abril de 2021.

Senado Federal, https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/02/04/randolfe-protocola-requerimento-para-instalacao-da-cpi-da-covid. Acesso em: 20 de abril de 2021.

Senado Federal, https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/04/08/cpi-sera-instalada-mas-pode-coroar-insucesso-do-combate-a-pandemia-diz-pacheco. Acesso em: 20 de abril de 2021.

Folha de São Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/04/stf-confirma-decisao-de-barroso-que-mandou-senado-instalar-cpi-da-covid.shtml. Acesso em: 20 de abril de 2021.

Folha de São Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/04/pacheco-oficializa-criacao-de-cpi-da-covid-no-senado-apos-decisao-de-ministro-do-supremo.shtml. Acesso em: 20 de abril de 2021.

Senado Federal, https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/04/15/o-que-e-e-como-funciona-uma-cpi. Acesso em: 20 de abril de 2021.

Site gospel desinforma ao noticiar que cidades ignoram decreto presidencial sobre abertura de igrejas

O site de notícias evangélicas Gospel Prime publicou em 12 de agosto de 2020 a matéria “Cidades ignoram decreto e proíbem abertura de igrejas”.

De acordo com Gospel Prime, mais de 500 prefeitos desobedeceram o decreto federal assinado em março, que inclui templos religiosos na lista de atividades essenciais. A matéria ressalta que as autoridades desconsideram o fato de que as igrejas realizam atividades sociais.

Entre estes prefeitos, Gospel Prime cita Nelson Marchezan Júnior (PSDB), prefeito de Porto Alegre, que autorizou a reabertura do comércio durante a semana de Dia dos Pais, porém teria mantido os templos fechados, ignorando pedidos feitos por lideranças religiosas.

Situação semelhante se repetiu no estado de São Paulo, onde mais de cem cidades desrespeitariam o decreto mantendo as igrejas fechadas, como Ribeirão Preto, com o prefeito Duarte Nogueira (PSDB) não tendo autorizado a reabertura dos cultos.

No município de Franca, o prefeito Gilson de Souza (DEM) recebeu pastores em seu gabinete, mas manteve a proibição dos cultos.

O prefeito do município de Araquari (SC) Clenilton Carlos Pereira (PSDB) assinou decreto que proibia a flexibilização até 10 de agosto, prolongando o período de fechamento das igrejas, o que, segundo o Gospel Prime, prejudicaria as atividades sociais desenvolvidas pelas instituições.

Sobre o decreto

O Decreto n° 10.292/2020, do governo federal, com a lista ampliada de atividades e serviços essenciais que deveriam funcionar durante a emergência de saúde pública provocada pelo coronavírus, foi publicado em 26 de março de 2020 no Diário Oficial da União. A primeira lista foi definida pelo Decreto n° 10.282/2020, uma semana antes, com base na Lei n° 13.979/2020, que concedeu ao Presidente da República a prerrogativa de decidir sobre as atividades essenciais.

De acordo com o decreto, são atividades e serviços essenciais aqueles que não colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população, indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

Além de lotéricas e igrejas, o governo incluiu a fiscalização do trabalho, atividades de pesquisa relacionadas com a pandemia de covid-19 e as atividades jurídicas exercidas pelas advocacias públicas, relacionadas à prestação dos serviços públicos.

No entanto, a medida preocupou alguns deputados, como Alice Portugal (PCdoB-BA), que afirmou, à época, que trabalharia pela modificação do decreto:

“Protejam sua saúde! Proteja os profissionais da saúde que estão na frente de guerra em defesa da vida! Por isso nós entendemos que o decreto do presidente que dá abertura para atividades que ele julga essenciais-atividades em igrejas, em lotéricas- vai na contramão da necessidade da defesa da vida”.

A deputada Lídice da Mata (PSB-BA) também se manifestou:

“A experiência internacional demonstra que os países que tiveram essa vacilação, inclusive os Estados Unidos, hoje vivem um período de imensa dificuldade para conter o crescimento da doença. A ideia central da quarentena total é de você diminuir a curva e a velocidade de contaminação da população. Para que isso permita que o sistema de saúde dê conta do atendimento de todos. E possa efetivamente salvar vidas”.

O vice-líder do governo, deputado Sanderson (PSL-RS), ressaltou o objetivo do decreto:

“O objetivo é fazer com que o Brasil, mesmo num momento difícil, continue minimamente ativo economicamente sobretudo no que diz respeito à saúde, produção e transporte de alimentos, segurança pública. Além de funções que precisam continuar para que a nação não pereça”.

Em 27 de março de 2020 a Justiça Federal proibiu o governo federal de adotar medidas contrárias ao isolamento social como forma de prevenção da Covid-19. Também foi suspensa a validade dos dois decretos editados pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A medida teve efeito imediato e vale para todo o Brasil.

A decisão liminar atendeu a pedido feito pelo Ministério Público Federal (MPF). Nela, o juiz federal Márcio Santoro Rocha, da 1° Vara Federal de Duque de Caxias (RJ), determinou que o governo federal e a Prefeitura de Duque de Caxias “se abstenham de adotar qualquer estímulo à não-observância do isolamento social recomendado pela OMS”, sob pena de multa de R$ 100 mil em caso de descumprimento da decisão.

A decisão se baseou no argumento arguido pelo MPF, de que a inclusão de novos setores no rol de atividades e serviços essenciais é ilegal, já que essa lista foi definida pela Lei n° 7.783/1989.

O decreto do governo federal buscou atender às pressões da bancada evangélica no Congresso Nacional e de outras lideranças religiosas, que defendiam a realização de cultos religiosos mesmo durante a pandemia. Decretos ao redor do Brasil e decisões judiciais vinham impedindo igrejas de realizarem atividades com aglomeração de público.

Uma dessas liminares proibiu cerimônias na Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, do pastor Silas Malafaia, aliado de Bolsonaro. Em entrevista ao apresentador Ratinho, do SBT, em 21 de março de 2020, Bolsonaro criticou a proibição de cultos em igrejas:

“O que eu vejo no Brasil, não são todos, mas muita gente, para dar uma satisfação para o seu eleitorado, toma providências absurdas… Fechando shoppings, tem gente que quer fechar igreja, o último refúgio das pessoas”.

As medidas tomadas por estados e municípios

Em 06 de fevereiro de 2020, a União editou a Lei n° 13. 979 que autorizou as “autoridades competentes” a adotarem medidas como a quarentena, o isolamento social e a realização compulsória de exames e tratamentos médicos. As medidas recaem sobre pessoas infectadas, suspeitas e população de risco (idosos, portadores de doenças etc.), não se aplicando às demais pessoas. É o chamado “isolamento vertical”.

Devido à expansão da doença principalmente nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, estes foram os primeiros do país na adoção de medidas mais drásticas, implementadas com o crescimento do número de infectados e mortos, inspirando outros estados a tomarem suas medidas de combate ao coronavírus.

Estes estados suspenderam eventos e aulas na rede pública de ensino, o funcionamento de shoppings centers e de academias de ginástica e decretaram quarentena, com a suspensão do atendimento presencial em estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços.

O estado do Rio de Janeiro previu a possibilidade de suspender os meios de transporte intermunicipal, interestadual, aeroviário e portuário. Desse modo, os estados de São Paulo e Rio de Janeiro optaram pelo “isolamento horizontal”, buscando reduzir a circulação de pessoas, com o objetivo de evitar colapso na rede pública de saúde.

Em reação às normas estaduais, o Presidente da República editou, em março de 2020, a Medida Provisória n° 926, que determinou, principalmente, restrições à entrada e saída do país e à locomoção interestadual e intermunicipal sejam embasadas em normas técnicas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Essa determinação previu também que medidas restritivas somente poderiam ser tomadas com base em evidências científicas e em análises sobre informações estratégicas em saúde e autorizou decreto presidencial que definisse quais atividades devem ser consideradas essenciais, de modo que não sejam interrompidas durante a pandemia.

Desta forma, foram editados os Decretos de n° 10.282/2020 e 10.292/2020, designando as atividades tidas por essenciais, impedindo que os Estados determinassem a sua paralisação. Este fato aprofundou a diferença entre os pronunciamentos feitos pelo Presidente da República e aqueles por governadores, alinhados com os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com a maioria dos governantes mundiais e, sobretudo, com as recomendações da OMS e do Ministério da Saúde.

Nesta situação, as autoridades que representam os municípios, alinharam-se às orientações dos respectivos governos estaduais, ora seguiram as determinações do governo federal, como o município de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, que no início da epidemia não seguiu as medidas de combate ao coronavírus, determinadas pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro.

O caso foi parar no Supremo Tribunal Federal por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6341. De autoria do Partido Democrático Trabalhista (PDT), a ação argumentava que a redistribuição de poderes de polícia sanitária introduzida pela MP 926/2020​ na Lei Federal 13.979/2020 interferia no regime de cooperação entre os entes federativos, pois confiou à União as prerrogativas de isolamento, quarentena, interdição de locomoção, de serviços públicos e atividades essenciais e de circulação. Na sessão de 15 de abril, o Plenário da corte, por unanimidade, confirmou o entendimento de que as medidas adotadas pelo governo federal na MP para o enfrentamento do novo coronavírus não têm o poder de descartar a competência nem a tomada de providências normativas e administrativas pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios. Esta decisão passou a ser a orientadora para todos os procedimentos dos governos federal, estadual e municipal.

Bereia elencou os pontos levantados por Gospel Prime, para verificar a veracidade das informações.

  • 1. O prefeito de Porto Alegre (RS) Nelson Marchezan Júnior (PSDB) autorizou a reabertura do comércio na semana de Dia dos Pais

No Decreto n° 20.676, de 06 de agosto de 2020, o prefeito autoriza o funcionamento de estabelecimentos comerciais, incluindo centros comerciais e shoppings centers no período de 07 a 09 de agosto de 2020. A permissão é concedida sob a condição de que sejam observadas regras de higienização e de funcionamento referidas em artigos anteriores do mesmo decreto.

  • 2. O prefeito de Ribeirão Preto (SP) Duarte Nogueira (PSDB) não autorizou a reabertura de templos religiosos

A Prefeitura de Ribeirão Preto publicou no Diário Oficial de 12 de agosto, nota técnica autorizando a retomada de celebrações presenciais em templos religiosos das 8h às 21h. A Prefeitura recomenda que idosos, pessoas que fazem parte do grupo de risco do coronavírus ou que estejam com sintomas da doença, não frequentem os locais e continuem acompanhando as celebrações transmitidas via internet.

Segundo a nota, os templos devem implementar sistemas de controle na entrada das celebrações e limitar a ocupação do ambiente a 30% da capacidade determinada no alvará de funcionamento, de acordo com as regras estabelecidas pela Secretaria Municipal da Casa Civil.

A nota técnica também determina que é preciso usar máscara e que os fiéis devem manter distância de 1,5 metro com demarcações no piso ou reorganização dos móveis. As celebrações podem ter uma hora, com espaçamento de duas horas para higienização do ambiente.

De acordo com a normativa, durante as atividades está proibido o contato físico e a formação de fila entre os fiéis. Os espaços precisam ser mantidos arejados, com portas e janelas preferencialmente abertas, além de disponibilizarem álcool gel em pontos estratégicos para higienização das mãos.

  • 3. Prefeito de Franca (SP) Gilson de Souza (DEM) mantém a suspensão de cultos

O prefeito de Franca reconheceu as atividades religiosas como essenciais para a população do município. A Lei 8.919, de 29 de junho de 2020, foi publicada no Diário Oficial de 30 de junho de 2020, mas não garante a abertura dos templos por conta de determinação da Justiça.

Em 01 de junho de 2020, a Prefeitura publicou decreto autorizando a retomada de missas e cultos no município com apenas 30% dos fiéis que os templos comportam, segundo alvará de funcionamento.

A decisão foi alvo de ação civil pública do Ministério Público, que alegou riscos à saúde da população devido ao avanço da covid-19 na cidade. Posteriormente, o juiz da Vara da Fazenda Pública Aurelio Miguel Pena acatou o pedido da promotoria e suspendeu os efeitos do decreto municipal. A decisão foi cumprida pela Prefeitura.

  • 4. O prefeito do município de Araquari (SC) Clenilton Carlos Pereira (PSDB) assinou decreto que proíbe a flexibilização até 10 de agosto de 2020, prolongando o período de fechamento das igrejas

No Decreto 50/2020 publicado no Diário Oficial em 10 de agosto de 2020, o prefeito de Araquari revogou o artigo referente ao funcionamento de igrejas, templos e locais de culto:

Subseção VII

Do funcionamento de igrejas, templos e locais de cultos

Art. 26-H Estão suspensos por tempo indeterminado a realização de cultos religiosos, missas e afins que acarretem reunião de público, em ambientes públicos ou privados, inclusive em ambientes domiciliares.

Linha do tempo sobre atividades essenciais

Em 20 de março, o Governo Federal editou a Medida Provisória 926, que concentrava no Presidente da República a competência dispor, por decretos, sobre atividades e serviços essenciais. No mesmo dia, o Decreto-Lei 10.282 definiu por serviços públicos e atividades essenciais: “aqueles indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim considerados aqueles que, se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população” (Artigo 3º, parágrafo primeiro).

Três dias depois, o Partido Democrático Trabalhista (PDT) questionou o STF sobre a constitucionalidade da MP, argumentando que a medida interferia na cooperação dos entes federativos no que diz respeito à política sanitária.

Enquanto isso, a Presidência publicou no dia 25 de março o Decreto-Lei 10.292, estabelecendo como essencial “atividades religiosas de qualquer natureza, obedecidas as determinações do Ministério da Saúde” (Art. 3º, Parágrafo 1º, inciso XXXIX). Esse e outros trechos do decreto foram suspensos na primeira instância e reestabelecidos na segunda instância.

Foi somente no dia 15 de abril, que o plenário do STF decidiu em favor da ADI 6431 protocolada pelo PDT, reconhecendo a competência concorrente de estados, DF, municípios e União nas ações de combate ao coronavírus.

Em 11 de agosto, a MP editada pelo governo passou a ser a Lei 14.035. No entanto, o artigo que diz respeito às atividades essenciais reconhece a responsabilidade de cada ente federativo: “A adoção das medidas previstas neste artigo deverá resguardar o abastecimento de produtos e o exercício e o funcionamento de serviços públicos e de atividades essenciais, assim definidos em decreto da respectiva autoridade federativa” (Art 9º, § 9º). O presidente Jair Bolsonaro em seu Twitter destaca que a responsabilidade de fechamento do comércio, por exemplo, seria de governadores e prefeitos:

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O Coletivo Bereia classifica a matéria publicada pelo site Gospel Prime como falsa. O site evangélico esconde dos leitores e leitoras a decisão o Supremo Tribunal Federal (STF), do dia 15 de abril deste ano, pela competência concorrente dos estados e municípios para determinar o funcionamento dos serviços essenciais. A matéria do Gospel Prime manipula informações para colocar fiéis das igrejas em oposição a governadores e prefeitos, a quem foi garantido o poder de determinar o funcionamento de serviços essenciais definidos por lei para segurança da população. Portanto, é falso que cidades ignorem decreto presidencial, uma vez que o exercício desta competência deve sempre resguardar a autonomia dos estados e municípios, segundo a decisão do STF de abril.

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Foto de Capa: Pixabay/Reprodução

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Referências de Checagem

GOSPEL PRIME, https://www.gospelprime.com.br/cidades-ignoram-decreto-e-proibem-abertura-de-igrejas/ [Acesso em 13 de Agosto de 2020].

UOL, https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2020/04/02/para-combater-a-covid-19-o-governo-federal-vai-monitorar-o-seu-celular.htm [Acesso em 14 de Agosto de 2020].

AGÊNCIA BRASIL, https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-03/governo-define-lotericas-e-igrejas-como-atividades-essenciais [Acesso em 14 de Agosto de 2020].

CÂMARA FEDERAL, https://www.camara.leg.br/noticias/648609-decreto-que-libera-igrejas-e-lotericas-de-isolamento-repercute-na-camara/ [Acesso em 14 de Agosto de 2020].

VALOR ECONÔMICO, https://valor.globo.com/politica/noticia/2020/03/27/justica-proibe-bolsonaro-de-adotar-medidas-contra-isolamento-social.ghtml [Acesso em 14 de Agosto de 2020]

JOTA, https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/coronavirus-e-o-conflito-federativo-11042020 [Acesso em 13 de Agosto de 2020].

PLANALTO, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/decreto/D10282.htm [Acesso em 13 de Agosto de 2020].

PLANALTO, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/decreto/D10292.htm#art1. [Acesso em 13 de Agosto de 2020].

CONSULTOR JURÍDICO, https://www.conjur.com.br/2020-abr-01/desembargador-garante-lotericas-igrejas-servicos-essenciais [Acesso em 13 de Agosto de 2020].

JOTA, https://www.jota.info/justica/trf2-restabelece-decreto-que-definiu-lotericas-e-igrejas-como-servicos-essenciais-31032020. [Acesso em 13 de Agosto de 2020].

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA SEGUNDA REGIÃO, https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/03/suspensao-de-liminar-ou-antecipacao-de-tutela-no-5002992-50-2020-4-02-0000.pdf. [Acesso em 13 de Agosto de 2020].

PORTAL SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5880765 [Acesso em 13 de Agosto de 2020].

PORTAL SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI6341.pdf [Acesso em 13 de Agosto de 2020].

NOTÍCIAS STF, http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=441447 [Acesso em 13 de Agosto de 2020].

UOL, https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/04/15/stf-tem-4-votos-a-favor-de-autonomia-de-governadores-durante-a-pandemia.htm [Acesso em 13 de Agosto de 2020].

YOUTUBE. https://www.youtube.com/watch?v=ivLqXxTkP3M&t=1662s. [Acesso em 18 de Agosto de 2020].

Prefeitura de Riberão Preto, http://www.ribeiraopreto.sp.gov.br/diario-oficial/pesquisa.xhtml. Acesso em 18 ago 2020

Prefeitura de Franca, https://franca.sp.leg.br/pt-br/legislacao/lei-no-8919-de-29-de-junho-de-2020. Acesso em 18 ago 2020

Prefeitura de Araquari, https://leismunicipais.com.br/a/sc/a/araquari/decreto/2020/5/50/decreto-n-50-2020- Acesso em 18 ago 2020