Câmara Municipal de Cachoeiro do Itapemirim (ES) aprova lei que obriga prática cristã em escolas
A Lei nº 8186 /2025, que torna obrigatória a realização da oração do ‘Pai Nosso’ nas escolas de Ensino Fundamental da rede pública e privada do município, foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal de Cachoeiro de Itapemirim(ES), no último 4 de julho. O objetivo seria “promover valores cívicos, éticos e de respeito, reforçando o papel da escola na formação cidadã”, de acordo com o relato do autor da proposição, o vereador Coronel Fabrício (PL).
A lei, aprovada com emenda, também torna obrigatória o canto do hino nacional e o hasteamento das bandeiras nacional, estadual e municipal. Em perfi de mídia social. o parlamentar comemorou a aprovação do Projeto de Lei (PL 15/2025) e relatou que um dos objetivos da implementação é resgatar o respeito aos símbolos nacionais.

Foto: Reprodução/Instagram
A legislação em questão prevê que a oração do ‘Pai Nosso’ seja realizada diariamente antes do início das atividades pedagógicas, considerando o caráter voluntário da participação. O descumprimento da lei sujeitará a direção da unidade escolar, responsável por organizar e participar das solenidades, a penalidades administrativas.
Inicialmente, a Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Câmara do município l teve parecer contrário à aprovação do PL. Em abril passado, o Coronel Fabrício abriu um recurso pedindo que o parecer fosse reconsiderado, o que foi acatado em 1 de julho, 3 dias antes da promulgação da lei.
Bereia entrou em contato com o Ministério Público do Estado do Espírito Santo, que informou em nota que instaurou Notícia de Fato para verificar a legalidade da lei. O órgão desconsiderou a medida de imposição de uma oração ligada a uma única religião e concluiu que não há ilegalidade, alegando que a participação durante a oração do ‘Pai Nosso’ é voluntária.
Leia a nota na íntegra:
“O Ministério Público do Estado do Espírito Santo, por meio da Promotoria de Justiça Cível de Cachoeiro de Itapemirim, informa que instaurou Notícia de Fato para verificar a legalidade da Lei Municipal 8.186/2025.
Após análise, o Ministério Público concluiu que não há ilegalidade na norma, uma vez que a participação na oração é expressamente voluntária, preservando a liberdade religiosa e o princípio da laicidade do Estado.
Não foram encontrados ainda elementos que configurassem violação de direitos ou imposição religiosa. Diante disso, o procedimento foi arquivado.”
Estado laico
Segundo a Constituição do Brasil, o país funciona sob o sistema de Estado laico, o que significa que o instituições públicas não podem adotar ou promover religiões.
O Art.19 da Constituição Federal institui que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, incluindo no ambiente escolar. Já o Art.5, inciso VI, assegura a liberdade de crença e culto (o que garante o direito de crer e de não crer).
A Lei nº 8186 /2025 prevê o respeito à diversidade cultural e religiosa nas escolas e considera que o ‘Pai Nosso’ defende o caráter universal desta prática e o lugar desta oração na cultura. Porém, várias são as críticas a este tipo de proposição porque ela priviiegia prática de uma única religião, a cristã, e desconsidera outras crenças e práticas também presentes na cultura.
Em 13 de junho passado, o coletivo independente ‘Não só Mais um Silva’ publicou uma nota de repúdio ao PL 15/2025. O grupo considerou a proposta um “atentado aos princípios constitucionais que garantem o direito à liberdade religiosa e o Estado laico”. Foi denunciado ainda que a oração do ‘Pai Nosso’ nas escolas é um “desrespeito à pluralidade e aos direitos fundamentais dos cidadãos”.
Bereia fez reportagem sobre outros Projetos de Lei de igual teor
Bereia já verificou que, em diversas partes do país, PLs do mesmo teor têm sido apresentados por vereadores de partidos da direita política, com textos que revelam um padrão, na busca de inserir a leitura da Bíblia nas escolas. A questão tem levantado debates, visto que apoiadores da medida alegam se tratar de uma forma de preservação da “ética e de valores”, enquanto críticos avaliam os projetos como interferência indevida e ameaça à democracia e à laicidade do Estado.
O ensino religioso é previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) com caráter não-confessional, ou seja, educar sobre religiões sem que nenhuma seja favorecida em detrimento de outra. Quando uma crença é favorecida, alunos com crenças diferentes podem se sentir excluídos ou constrangidos no ambiente escolar, ainda que a participação seja voluntária.
A professora e pesquisadora de Educação e Religião Andréa Silveira reflete sobre este cenário: “O que está sendo disputado é o poder de estabelecer quais são as virtudes cívicas que, levadas às últimas consequências, são definidoras da própria identidade nacional”.
Andrea Silveira alerta que é “por isso, [que] vem crescendo a cada pleito a presença de atores religiosos na disputa da representação no Legislativo e no Executivo”. Para a pesquisadora, eles “não apenas acreditam que quem controla a escola governa o mundo, mas também, disputam o campo político como agentes desse controle por meio das políticas públicas para a educação.”
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Imagem de capa: Gabriel Jabur/Agência Brasil