Segregação contra crianças negras em Santa Catarina foi comprovada por vereador

O caso de crianças terem sido segregadas em salas de aula diferentes, por causa da cor da pele, no Núcleo Infantil Cebolinha, em São João Batista (SC, região metropolitana de Florianópolis), repercutiu intensamente em mídias sociais no final de fevereiro passado. O vereador mais votado da cidade Teodoro Adão (MDB) visitou a escola e produziu uma denúncia ao Ministério Público, pois afirma ter encontrado salas organizadas com crianças brancas em uma turma e crianças negras em outra. O parlamentar classificou a situação como “inadmissível” e disse que foi como “um tapa na cara”.

Na repercussão em mídias sociais de identidade religiosa, houve críticas e protestos, mas também houve negação do ocorrido. Bereia verificou o caso.

O que a visita do vereador levantou

Em vídeo produzido pelo canal TV Vip, que veicula notícias da região, o vereador Teodoro Adão descreve o que viu na escola: “Quando cheguei lá, vi todas as crianças branquinhas, de olho verde, de um lado, e os negrinhos do outro. Eu falo ‘negrinhos’ porque sou negro e não tenho vergonha da minha raça. Mas isso aí é um absurdo. “Se eu tivesse ido lá com um advogado ou com a polícia, isso viraria matéria do Fantástico, da Rede Globo! Essas coisas não podem acontecer no nosso município. Estamos no século 21! Não pode ter discriminação contra ninguém, todos devem ser respeitados”. 

Educadoras teriam dito ao vereador que a divisão já estava feita antes do início das aulas. Segundo Teodoro Adrão, uma professora afirmou que “quando chegou, já estava separado” e que “não poderia fazer nada”. Outra docente teria percebido a situação, mas evitou questionar para “não criar desgaste”. Após a denúncia, segundo o parlamentar, famílias relataram que não podiam mais entrar com as crianças na escola e precisavam deixá-las no portão com um segurança. “Isso é o que mais me dói. Tem pai me ligando dizendo que agora o filho chora e não pode mais ter a companhia do responsável nos primeiros minutos”.

O Ministério Público foi acionado para investigar o caso. A Prefeitura de São João Batista, liderada por Juliano Peixer (União Brasil) afirmou que a prática de racismo é crime inafiançável e que qualquer denúncia deverá ser apurada pelos órgãos competentes. O município garantiu estar à disposição das autoridades, porém divulgou uma nota, em 21 de fevereiro passado, pela qual afirma ter realizado “uma apuração interna dos fatos” e “não ter constatado “nenhuma evidência de que haja ou tenha ocorrido a separação de turmas por cor da pele no Núcleo Infantil Cebolinha”. A nota ainda informa que “os pais/responsáveis foram ouvidos e indagados se, de alguma forma, sentiram-se com algum direito desrespeitado ou gostariam que suas crianças trocassem de turma. Para ambos os questionamentos, as respostas foram negativas”.

São João Batista: Nova Itália, Capital do Calçado e Caminho do Louvor  

São João Batista tem 32 mil habitantes, faz parte da Grande Florianópolis e integra um percurso turístico que inclui as cidades de Brusque e Nova Trento.  A região é considerada o “berço da imigração italiana” e a cidade é hoje o que foi a Colônia Nova Itália, organizada em 1836, a mais antiga do país. Ela se tornou um pólo industrial e “Capital do Calçado”, atraindo muitos imigrantes e migrantes de outras regiões. 

São João Batista conta atualmente com 395 empresas de fabricação de calçados, que produzem em média 1 milhão e 600 mil pares de calçados por mês. O polo emprega diretamente nas linhas de produção mais de 10 mil trabalhadores.

Desde 2024 o município foi integrado a uma rota de peregrinação, romarias e turismo religioso – em uma articulação católica intermunicipal denominada “Caminho do Louvor”. Os peregrinos concentram-se no Complexo Nossa Senhora de Lourdes e do Louvor (Ituporanga/SC) e no Santuário Santa Paulina (Nova Trento/SC). 

O prefeito Juliano Peixer, que é católico, sancionou, em 19 de fevereiro de 2025, a Lei Municipal 4.333 que autoriza a inclusão de São João Batista na rota turística religiosa. 

Imagem: Juliano Peixer (União Brasil) em missa entre os atos de sua posse como Prefeito em janeiro de 2025 (Facebook)

Racismo em Santa Catarina – um problema maior?

Entre as críticas em mídias sociais, pessoas destacam que o caso de segregação nas escolas em Santa Catarina é apenas  “mais um”. Bereia constatou que o estado, de fato, tem um registro crescente de ocorrências de injúria racial e racismo, e que Ministério Público, Defensoria, Tribunal de Contas do Estado (TCE) e Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) lançaram programas para combater tal situação. 

Em evento recente, janeiro de 2025, o governador Jorginho Mello (PL), durante a abertura da 40ª edição da Festa Pomerana, em Pomerode — cidade conhecida como a mais alemã do Brasil — polemizou, ao amplificar um debate sobre racismo e supremacia branca. Ao elogiar os atrativos locais, Mello destacou a beleza turística, a arquitetura e a “cor da pele das pessoas”, afirmando que esses elementos fazem de Pomerode “um lugar especial e marcante para quem a visita”. 

Apesar de ter se desculpado, após críticas, e alegar não ter conotação racista em sua fala, a repercussão nacional revela que há um estranhamento entre os descendentes dos colonos (alemães e italianos) que insistem em celebrar “sua origem” e a mudança demográfica populacional, com a chegada de imigrantes estrangeiros e migrantes brasileiros. Segundo o IBGE, Santa Catarina é o estado que mais recebeu migrantes nos últimos dez anos.



Imagem: Tabela com dados do Ministério da Economia

Em 2024, um grupo formado por 50 pessoas representantes de diferentes organizações catarinenses com atuação na área da educação, direito, infância e antirracismo se reuniu para buscar saídas frente às diferentes formas de violência racial, no ambiente escolar, contra crianças e adolescentes. Várias organizações e instituições  (como o Ministério Público) criaram políticas e publicações educativas para o enfrentamento do racismo.

Em 2023, seis pessoas procuraram a polícia por dia, em média, para denunciar casos de injúria racial. Em 2024, 2.280 pessoas sofreram ofensas por conta da raça, cor, etnia, religião ou origem –  tais dados deram ao estado o primeiro lugar do país no ranking da violência em números absolutos. Os dados, do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, reportam  2.280 casos de injúria racial em 2023, superando o Rio de Janeiro, a segunda unidade da federação com mais episódios, que  2.021. Em um ano, o registro do crime cresceu 51%.

Imagens: Infográfico do Fórum Brasileiro de Segurança Pública 2024

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Bereia
verifica que é verdade que há tensões étnicas e religiosas em Santa Catarina e que o caso da separação de crianças brancas e negras em uma escola do estado, divulgado nas mídias sociais, têm farta comprovação. Como identificado, racismo e injúria racial são problemas que precisam ser enfrentados por meio de políticas públicas em Santa Catarina, especialmente no ambiente escolar. Até o fechamento desta matéria, não houve desdobramentos administrativos e judiciais do caso da cidade de São João Batista.

Referências:

Youtube TV Vip

https://www.youtube.com/watch?v=M7rhReoZCik – Acesso em 7 mar 25

Câmara Municipal de São João Batista SC

https://camarasjb.sc.gov.br/vereadores/teodoro-marcelo-adao – Acesso em 7 mar 25

Instagram Jornal O Estado Online

https://www.instagram.com/jornaloestado/reel/DGX3pTSxzwm/ – Acesso em 7 mar 25

Instagram Pretessências

https://www.instagram.com/pretessencias/p/DGV6oqsuG7X/ – Acesso em 7 mar 25

Site Vip Social

https://www.vipsocial.com.br/noticia/%E2%80%98brancos-numa-sala-negros-em-outra%E2%80%9D-nucleo-infantil-estaria-separando-criancas-pela-cor-da-pele-denuncia-vereador/50483 – Acesso em 7 mar 25

Uol

https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2025/02/22/tapa-na-cara-diz-vereador-sobre-suposta-separacao-de-alunos-por-cor-em-sc.htm – Acesso em 7 mar 25

Portal Geledés

https://www.geledes.org.br/apartheid-em-sc-vereador-denuncia-segregacao-racial-em-escola-publica/ – Acesso em 7 mar 25

https://www.geledes.org.br/sc-tem-alta-de-51-nos-casos-de-injuria-racial-e-lidera-denuncias-do-crime-no-pais/ – Acesso em 7 mar 25

Revista Fórum

https://revistaforum.com.br/brasil/2025/2/21/apartheid-em-sc-vereador-denuncia-segregao-racial-em-escola-publica-174536.html  – Acesso em 7 mar 25

Instagram do projeto “Caminho do Louvor”

https://www.instagram.com/caminhodolouvor/reel/C-eNP8DOQn5/ – Acesso em 7 mar 25

Site NDMais

https://ndmais.com.br/cultura/sao-joao-batista-berco-da-colonizacao-italiana-no-brasil/ – Acesso em 7 mar 25

https://ndmais.com.br/indicadores/santa-catarina-foi-o-estado-que-mais-recebeu-pessoas-de-outras-regioes-aponta-ibge/ – Acesso em 7 mar 25

https://ndmais.com.br/educacao/alunos-de-escola-de-sao-jose-denunciam-racismo-de-professora-em-atividade-de-aula/ – Acesso em 7 mar 25

Porta de Imigração – Ministério da Justiça

https://portaldeimigracao.mj.gov.br/images/dados/relatorio-anual/2020/OBMigra_RELATÓRIO_ANUAL_2020.pdf

Site O Município

https://omunicipio.com.br/entrevista-grosselli-imigracao/ – Acesso em 7 mar 25

Portal de Imigração Laboral do Ministério da Justiça e segurança Pública

https://portaldeimigracao.mj.gov.br/images/dados/relatorio-anual/2020/OBMigra_RELATÓRIO_ANUAL_2020.pdf – Acesso em 7 mar 25

Portal da Prefeitura do Município de São João Batista

https://sjbatista.sc.gov.br/nota-oficial-esclarecimento-sobre-a-denuncia-de-suposta-segregacao-racial-em-unidade-escolar/ – Acesso em 7 mar 25

D.O SC

https://www.diariomunicipal.sc.gov.br//atos/6953709 – Acesso em 10 mar 25

Portal NSC Total

https://www.nsctotal.com.br/noticias/sc-tem-maior-numero-de-registros-de-injuria-racial-do-pais – Acesso em 7 mar 25

https://www.nsctotal.com.br/noticias/denuncia-de-racismo-em-florianopolis-leva-a-pedido-de-afastamento-de-diretor-e-professora Acesso em 7 mar 25

https://www.nsctotal.com.br/noticias/policial-militar-e-investigado-apos-denuncia-de-racismo-e-agressao-contra-aluno-em-escola-de-sc – Acesso em 7 mar 25

Fórum de Segurança

https://publicacoes.forumseguranca.org.br/items/f62c4196-561d-452d-a2a8-9d33d1163af0 – Acesso em 7 mar 25

https://publicacoes.forumseguranca.org.br/handle/fbsp/259 – Acesso em 7 mar 25

https://forumseguranca.org.br/publicacoes/anuario-brasileiro-de-seguranca-publica/ – Acesso em 7 mar 25

https://fontesegura.forumseguranca.org.br/o-silencio-sobre-questoes-raciais-na-seguranca-publica/ – Acesso em 7 mar 25

Revista Exame

https://exame.com/esg/registros-de-injuria-racial-e-racismo-aumentam-na-maioria-dos-estados-brasileiros/ – Acesso em 7 mar 25

Portal Catarinas

https://catarinas.info/declaracao-de-governador-coloca-santa-catarina-no-centro-do-debate-sobre-racismo/ – Acesso em 7 mar 25

Site da Executiva Nacional de Estudantes de Pedagogia (ExNEPe)

https://exnepe.com/2025/02/28/sc-casos-crescentes-de-racismo-em-creches-e-escolas-catarinenses-devem-ser-combatidos – Acesso em 7 mar 25

Site da UFSC

https://noticias.ufsc.br/tags/politica-de-enfrentamento-ao-racismo-institucional/ – Acesso em 7 mar 25

Ministério Público de Santa Catarina

https://www.mpsc.mp.br/noticiass/necrim-intensifica-combate-aos-crimes-de-racismo-e-intolerancia-contra-populacao-mais-vulneravel-em-santa-catarina – Acesso em 7 mar 25

EBC

https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2023-07/registros-de-racismo-e-homofobia-disparam-no-pais-em-2022 – Acesso em 7 mar 25

Site do TCE/SC

http://www.tcesc.tc.br/tcesc-promove-reflexao-sobre-questoes-etnico-raciais-em-parceria-com-o-tjsc-e-o-tresc-nos-dias-28-e Acesso em 7 mar 25 

Ministério Público Federal/SC

https://www.mpf.mp.br/regiao4/sala-de-imprensa/noticias-r4/mpf-sc-recebe-relatora-especial-da-onu-para-o-racismo – Acesso em 7 mar 25

Defensoria Pública/SC

https://defensoria.sc.def.br/uploads/cartilhas/anexos/CartilhaDiaInternacionaldaLutapelaEliminacaodaDiscriminacaoRacial_62abb08acb226.pdf – Acesso em 7 mar 25

CUT/SC

https://sc.cut.org.br/noticias/caso-de-segregacao-racial-em-creche-de-sao-batista-sc-escancara-racismo-8f92 – Acesso em 7 mar 25

CNJ

www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2024/11/protocolo-para-julgamento-com-perspectiva-racial-2.pdf – Acesso em 7 mar 25

Perfil do Psicólogo Júlio Bittencourt

www.tiktok.com/@juliocriciuma/video/7473540492005756166 – Acesso em 7 mar 25

Site da Prefeitura de Florianópolis 

https://www.pmf.sc.gov.br/arquivos/arquivos/pdf/27_09_2019_7.20.09.e37692d403fcdcd97a84c5c7aa507172.pdf – Acesso em 7 mar 25

Nos EUA, igreja alega que Conselho negou construção de escola por perseguição religiosa

Circula em sites religiosos a notícia de que o governo estadunidense teria desaprovado um projeto de construção de uma escola privada cristã, ligada à Igreja hispânica Vida Real. O fato teria ocorrido na cidade de Somerville, em Massachusetts (EUA), e de acordo com as publicações, o impedimento para a abertura do colégio teve como base perseguição religiosa e étnico-racial. Ainda segundo a informação em circulação, o motivo do veto se deu por conta das crenças da igreja em relação a assuntos como ciência, sexualidade e saúde mental.

Os Estados Unidos proíbem escolas religiosas?

Nos Estados Unidos, escolas privadas podem, sim, ter ligações com instituições religiosas. A regulação e secularização do ensino se detêm apenas ao ensino público. O programa educacional público prevê autonomia para que cada estado possa construir sua base comum curricular, desde que siga os princípios legais estabelecidos pela Constituição estadunidense. Dentre eles, encontra-se a Primeira Emenda, que trata da separação entre Estado e religião:

 O Congresso não legislará no sentido de estabelecer uma religião, ou proibindo o livre exercício dos cultos; ou cerceando a liberdade de palavra, ou de imprensa, ou o direito do povo de se reunir pacificamente, e de dirigir ao Governo petições para a reparação de seus agravos. [p.07]

Seguindo essa Emenda, o Estado não deve intervir diretamente sobre o estabelecimento, ou mesmo proibição, do exercício religioso. Assim, o governo fica impedido de determinar uma religião oficial ou realizar interferências nas religiões, desde que sejam “privadas”. Em 1940 a Suprema Corte norte-americana decretou que não apenas o Governo Federal, como os estaduais e municipais devem acatar a decisão de um ensino público secularizado. De acordo com a decisão, o texto bíblico poderia continuar sendo lido nas escolas, se feito dentro de motivações seculares, sem o propósito de evangelizar: Defende-se que o objetivo primário de uma instituição deve ser aquele que não promova nem inibe a religião, e não devendo promover “envolvimento excessivo do governo com a religião”.

Contudo, escolas privadas se encontram fora das regularidades da primeira emenda, por se tratarem de instituições privadas. Elas podem, mesmo hoje, ter relações com instituições religiosas. Exige-se, no entanto, que o plano educacional da escola seja submetido e aprovado por órgãos educacionais regionais, a fim de manter a qualidade do ensino. Como resultado de pesquisa associada ao Pew Research Center, o pesquisador Gregory A. Smith, em seu livro  “Fé + Liberdade: religião nos EUA,  aponta que:

As escolas públicas formavam um número cada vez maior de jovens americanos, mas os cidadãos continuavam livres para enviar seus filhos — normalmente os meninos — para escolas dirigidas por denominações religiosas. Os católicos frequentemente construíam escolas paroquiais. Outras religiões seguiram o exemplo, fundando escolas que refletiam seus valores. Hoje, muitas congregações oferecem instrução religiosa suplementar para os alunos que frequentam a escola pública. As igrejas oferecem “escola dominical” ou aulas de catecismo. As mesquitas e as sinagogas oferecem oportunidades semelhantes para os americanos muçulmanos e judeus. Várias universidades americanas respeitadas começaram como faculdades religiosas. Entre as mais antigas está a Universidade de Princeton, fundada em 1746.  [p.38]

A decisão do Supremo Tribunal, 1940, se dirige majoritariamente para as escolas públicas. Ainda de acordo com o livro “Fé + Liberdade: religião nos EUA”, instituições de educação particulares podem exercer sua liberdade religiosa desde que respeitem os princípios constitucionais, como a defesa da liberdade de expressão individual e o direito ao culto e ao credo. Isto é, “Os alunos, no entanto, podem orar voluntariamente, sozinhos ou em grupos, desde que não obriguem outros a participar da oração e que não perturbem a escola” [p.39].

Escola cristã teve autorização negada

No último 30 de março, o Conselho Escolar de Somerville, Massachusetts, recusou que a Igreja Real Life International (Vida Real), formada majoritariamente por imigrantes e descendentes hispânicos, abrisse uma escola particular na cidade, com o nome de Real Life Learning Center (RLLC). Em carta aberta, publicada pela RLLC, a Igreja aponta que:

Apesar do desejo expresso da Vida Real de abrir o RLLC o mais rápido possível, o Comitê repetidamente impediu os esforços da Vida Real de fornecer educação religiosa privada para sua comunidade há mais de cinco meses. Ainda mais preocupante, o Comitê expressou hostilidade em relação às crenças religiosas de Vida Real, e vários membros do Comitê afirmaram que o desejo do RLLC de criar um currículo consistente com suas crenças religiosas é motivo para negar sua inscrição em escolas particulares.[p.02]

De acordo com o documento, os motivos para a não concessão do direito ao exercício educacional se deu graças à visão religiosa da escola, sua relação com as ciências e a psiquê humana. 

No entanto, segundo o pronunciamento municipal, a recusa se deu devido aos seguintes fatores:

Não há acomodações para alunos matriculados em educação especial, ou alunos não apresentem progresso acadêmico/cognitivo. Não há detalhes sobre avaliações ou como a escola usará avaliações para melhorar os resultados dos alunos. Não há detalhes sobre as formas como os funcionários serão apoiados. Não está claro como o processo de inscrição será resultar em um conjunto diversificado de candidatos. Não está claro se as instalações são adequadas para alunos mais jovens, e não está claro como são as instalações quando os alunos estão lá. A posição da escola sobre a homossexualidade e o criacionismo torna difícil ver como um currículo completo de ciências e saúde é possível. A abordagem da escola para serviços e aconselhamento estudantil parece desvalorizar a psicologia baseada em evidências e sua ênfase em abordagens enraizadas na crença de que a doença mental é causada pelo pecado e pelos demônios é não científico e nocivo. A escola não apresentou provas relacionadas com a segurança da planta física e solvência financeira. No geral, a escola foi totalmente contrária aos valores da SPS e à ideia de educar toda a criança como sendo inclusiva. [tradução livre, p. 03 e 04]

A decisão do Conselho de negar a criação da instituição de ensino se deu, portanto, com base na problemática relação que a instituição religiosa tem com questões ligadas aos direitos humanos, como destaca a carta, em questões como saúde mental, sexualidade e acessibilidade. Pode-se compreender que tal recusa alinha-se aos Direitos Humanos universais, sobre a preservação da qualidade de vida dos possíveis alunos matriculados.

1. Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. 2. Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.

Bereia classifica a informação como enganosa. A notícia insinua que a decisão do  Conselho Educacional se deve a perseguição religiosa, quando, na verdade, como exposto na própria carta publicada pela RLLC, a escola a ser construída teria seus processos pedagógico e metodológico norteados por uma visão religiosa, sob a negação princípios seculares previstos na Constituição dos Estados Unidos. Cai-se aqui em uma questão pertinente, isto porque o Estado não deve, de acordo com a Constituição, interferir na questão do ethos religioso de uma comunidade. Porém, em igual medida, não pode autorizar uma instituição educacional que se oponha aos direitos universais da vida e integridade humana.  

Bereia alerta leitores e leitoras para o uso de material enganoso, no Brasil, com o tema de “perseguição a cristãos”, com o objetivo de criar pânico moral com o público religioso. Este recurso que vem sendo utilizado em campanhas eleitorais no país, como já demonstrado em outras matérias aqui publicadas.

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Referências de checagem:

U.S. Senate: Constitution of the United States. https://www.senate.gov/civics/constitution_item/constitution.htm. Acesso em: 08 abr 2022.

Universidade Estadual de Londrina – tradução da Constituição dos EUA. http://www.uel.br/pessoal/jneto/gradua/historia/recdida/ConstituicaoEUARecDidaPESSOALJNETO.pdf. Acesso em: 08 abr 2022.

BBC. https://www.bbc.com/portuguese/geral-48336499. Acesso em: 4 abr 2022.

Novos Alunos. https://novosalunos.com.br/entenda-como-funciona-a-grade-curricular-americana-no-ensino-bilingue/ Acesso em: 4 abr 2022.

First liberty.

https://firstliberty.org/wp-content/uploads/2022/03/Somerville-School-Board-Demand-Letter_Redacted.pdf Acesso em: 4 abr 2022.

https://firstliberty.org/. Acesso em: 4 abr 2022.

Oyez. https://www.oyez.org/cases/1970/89#:~:text=The%20statute%20must%20have%20a,secular%20legislative%20purposes%20because%20they. Acesso em: 4 abr 2022.

Pew Research Center. https://www.pewresearch.org/about/  Acesso em: 4 abr 2022.

Livro: Fé+ Liberdade: religião nos Estados Unidos. https://share.america.gov/wp-content/uploads/2020/01/Faith-Freedom_Religion-in-the-USA_Portuguese-Lo-Res.pdf. Acesso em: 4 abr 2022.

Gestão Escolar. https://gestaoescolar.org.br/conteudo/728/as-leis-brasileiras-e-o-ensino-religioso-na-escola-publica. Acesso em: 4 abr 2022.

UNICEF. https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos Acesso em: 4 abr 2022.

Igreja Vida Real. https://vidareal.net/ Acesso em: 4 abr 2022.

Senado Federal. https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/181796/000433550.pdf?sequence=1&isAllowed=y Acesso em: 4 abr 2022.

Foto de capa: El País