Investigação de corrupção no Rio levanta questão: para onde vão as emendas de parlamentares das bancadas religiosas?
O telejornal RJ2 da Rede Globo divulgou, em 8 de junho, a investigação realizada pela Polícia Federal (PF) sobre o desvio de emendas parlamentares para a ONG Con-tato, que seria ligada aos irmãos deputado federal Chiquinho Brazão (União Brasil-RJ) e seu irmão, o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro Domingos Brazão, acusados de envolvimento com o crime no Rio de Janeiro, e com a morte da vereadora Marielle Franco (PSOL).
A matéria indica que a ONG tem contratos milionários com diferentes esferas do poder público e que, em material apreendido pela PF, foram encontrados indícios de que o Chiquinho Brazão e o ex-deputado federal católico Pedro Augusto (Partido Progressista-RJ), conhecido como Romeiro de Aparecida, usavam a organização para desviar dinheiro do orçamento público por meio de emendas parlamentares.
Imagem: Reprodução TV RJ2
Além do envolvimento do ex-deputado católico, a reportagem aponta que, desde 2019, a ONG Con-tato teria recebido mais de R$137 milhões em emendas parlamentares direcionadas por deputados cristãos de diferentes partidos e membros da Frente Parlamentar Evangélica. Entre os citados estão os deputados evangélicos do Rio Jorge Braz (Republicanos), Otoni de Paula (MDB) e Sóstenes Cavalcante (PL) e os católicos Carlos Jordy (PL) e Hugo Leal (PSD). Também estariam envolvidos os ex-deputados federais Clarissa Garotinho (União Brasil), João Carlos Soares Gurgel (PL), Ricardo da Karol (PDT), Roberto Sales (PSD) e Wladimir Garotinho (PSD).
A organização também estaria envolvida nos escândalos da Fundação Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos do Rio de Janeiro (Ceperj), um esquema de contratação ilegal de funcionários, entre 2021 e 2023. A Con-tato teria recebido R$ 26 milhões do órgão no programa “Mais Acesso”.
Por conta da menção a emendas parlamentares de deputados religiosos no caso, Bereia checou a história.
O que está sendo investigado?
Em 2023, a Con-tato fechou dois contratos com a Secretaria de Estado Intergeracional de Juventude e Envelhecimento Saudável que somam mais de R$ 30 milhões. O programa empenhado deveria desenvolver política de saúde preventiva na rede municipal de ensino e lideranças comunitárias, para prevenção de doenças. Entretanto, o convênio foi assinado em 10 de março de 2020, justamente quando as medidas de isolamento, devido à pandemia, já estavam em vigor em muitos lugares. Mais de 80% do valor do contrato, 20 milhões de reais, foram pagos na primeira de três parcelas previstas, no mesmo dia em que o governo do estado suspendeu as aulas por decreto.
De acordo com o TCE, esta antecipação de valores não foi justificada e há suspeitas de direcionamento na contratação, superfaturamento e não realização dos serviços. O tribunal deu um prazo de 30 dias, a partir de 11 de março deste ano, para que a entidade apresentasse defesa ou devolvesse R$ 26 milhões, em valores atualizados.
Apesar de estar sob suspeita, a ONG Con-tato firmou com a Secretaria Estado de Ambiente e Sustentabilidade o contrato de maior valor com o Estado. O documento foi assinado sem licitação, em 30 de dezembro de 2021, no valor total de R$ 96 milhões. Agora, a organização negocia uma renovação de contrato com a mesma secretaria de mais R$ 60 milhões.
A ONG nega todas as acusações. Em nota de esclarecimento, a entidade diz que as informações divulgadas, recentemente, por grandes veículos de comunicação não condizem com a realidade. “São completamente infundadas, acerca de um suposto envolvimento em desvio de verbas públicas ou ligação da organização com os deputados federais Chiquinho Brazão e Pedro Augusto, além de outras alegações”.
Ainda de acordo com a nota, a ONG Con-tato jamais executou projetos advindos de emendas destes dois parlamentares. Entretanto, conforme consulta ao Portal da Transparência, é possível verificar que há emendas do ex-deputado Pedro Augusto para a ONG.
Imagem: reprodução/site Con-tato
O que são e como funcionam as emendas parlamentares?
Atualmente, a Lei Orçamentária Anual Brasileira é definida pelo Poder Executivo, ou seja, pelo presidente, governadores e prefeitos. Contudo, a Constituição permite que os parlamentares façam emendas para modificar itens do projeto que, por fim, deve ser aprovado, enviado novamente ao Poder Executivo, para ser sancionado e executado no ano seguinte.
Por meio das emendas parlamentares os deputados federais podem acrescentar novas programações orçamentárias e influenciar no que o dinheiro público será gasto. Segundo o site Transfere Gov, é comum que as emendas sejam direcionadas para as bases eleitorais dos parlamentares, para atender as demandas das comunidades que representam.
Imagem: reprodução/Portal da Transparência da Controladoria Geral da União
Segundo o Portal da Transparência da Controladoria Geral da União (CGU), o Poder Executivo não é obrigado a dar cumprimento a todas as emendas parlamentares. As únicas emendas que devem ter execução orçamentária e financeira obrigatórias são as emendas individuais (propostas por cada parlamentar), limitadas a 2% da Receita Corrente Líquida (RCL), e as emendas de bancada (de autoria das bancadas estaduais no Congresso Nacional relativa a matérias de interesse de cada Estado ou do Distrito Federal), limitadas a 1% da RCL.
De acordo com a Agência Câmara de Notícias, em 2024, o total de emendas parlamentares atingiu a marca de R$44,67 bilhões, dos quais R$25,07 bilhões são emendas individuais e R$8,56 bilhões de emendas de bancadas estaduais. Do total, 66% das emendas foram destinadas para o ministério da Saúde e para transferências diretas para prefeituras. Isso acontece porque 50% do total das emendas individuais devem ser obrigatoriamente destinadas para a saúde.
Imagem: reprodução/Câmara dos Deputados
As emendas parlamentares são alvo de atenção pública desde o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Em 2020, foi criado, sob a liderança dele, um orçamento paralelo bilionário para conseguir o apoio do “Centrão” no Congresso Nacional contra possíveis processos de impeachment e para aprovação de projetos do governo. O jornal O Estado de São Paulo, expôs o escândalo. Documentos obtidos pelo veículo indicam que o esquema violava leis orçamentárias, já que ministros, não congressistas, deveriam decidir sobre a alocação de recursos.
O envolvimento da Frente Parlamentar Evangélica
Conhecida pela defesa de pautas conservadoras alinhadas à chamada “agenda moral”, com temas voltados à sexualidade na “defesa da família tradicional”, e na aliança com parlamentares do agronegócio e da pauta da segurança pública (Bancadas conhecidas como Boi e Bala), a Frente Parlamentar Evangélica (FPE) tem envolvimento com outras abordagens.
Entre os envolvidos no caso de desvio das emendas parlamentares para a ONG Con-tato, os parlamentares Sóstenes Cavalcante (PL), Otoni de Paula (MDB), Jorge Braz (Republicanos) e Hugo Leal (PSD) também fazem parte da FPE. Em busca no Portal de Transparência foi possível verificar que além do envolvimento na investigação, as emendas parlamentares dos quatro deputados citados foram direcionadas para a área de esportes, educação, direitos humanos e assistência social do Estado do Rio de Janeiro.
Em contrapartida, o ex-deputado católico Pedro Augusto (Progressistas), que assumiu como suplente da ex-deputada evangélica Flordelis dos Santos (PSD), presa pelo homicídio do marido, também foi citado na operação. O ex-deputado fazia parte da Frente Parlamentar Católica Apostólica Romana, e possui ligação com outras investigações como a Furna da Onça. A operação que investigou esquemas de corrupção que envolviam o senador Flávio Bolsonaro, apontou que funcionários do gabinete de Pedro Augusto na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) movimentaram R$4,1 milhões de reais entre 2016 e 2017.
Imagem: Reprodução do Site Poder360
Referências de checagem:
Poder360.
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https://www.poder360.com.br/poder-congresso/congresso/saiba-quem-comanda-e-quem-integra-a-bancada-evangelica-no-congresso/ Acesso em: 11 de junho de 2024.
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https://www.camara.leg.br/internet/deputado/frenteDetalhe.asp?id=54477 Acesso em: 11 de junho de 2024.
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https://portaldatransparencia.gov.br/. Acesso em: 11 de junho de 2024.
https://portaldatransparencia.gov.br/pagina-interna/605525-emendas-parlamentares#:~:text=Ou%20seja%2C%20por%20meio%20das,e%20munic%C3%ADpios%20quanto%20a%20institui%C3%A7%C3%B5es. Acesso em: 11 de junho de 2024.
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G1. https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2024/06/08/pf-investiga-desvio-de-emendas-parlamentares-via-ong.ghtml?utm_source=whatsapp&utm_medium=share-bar-mobile&utm_campaign=materias Acesso em: 11 de junho de 2024.
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Estadão. https://www.estadao.com.br/politica/leia-todas-as-reportagens-sobre-o-orcamento-secreto/. Acesso em: 16 de junho de 2024.
Youtube. CGU Explica: Emendas Parlamentares. Acesso em: 11 de junho de 2024.