‘Uma vez mais, numa democracia, a desinformação venceu’

O candidato republicano à Presidência dos Estados Unidos Donald Trump conhece profundamente o funcionamento da imprensa, e isso o tornou um dos maiores influenciadores da opinião norte-americana. Mas o que está em jogo agora é a democracia daquele país, com base em uma campanha de desinformação que não obedece a fronteiras nem provoca constrangimentos. O alerta é do jornalista e correspondente internacional Jamil Chade em artigo publicado no UOL em 20 de outubro.

Chade acompanha as eleições nos Estados Unidos e decidiu conhecer bem de perto o que os canais de comunicação de extrema direita, que não escondem a preferência por  Trump, estão noticiando. “O que eu descobri é que, para milhões de americanos, o que existe é uma realidade paralela, sem qualquer compromisso com os fatos”.

Segundo o correspondente, “o resultado é uma mistura de deboche contra opositores, difusão de teorias da conspiração, mentiras explícitas, ofensas e um princípio: jamais verificar com os atores envolvidos se aquela suposta notícia é verdadeira ou não”.

Nesse ambiente, ainda se mantém, por parte da campanha de Trump e alimentada por esse setor da mídia, a dúvida se a invasão do Capitólio por parte de apoiadores do republicano, em 6 de janeiro de 2021, após a decisão da vitória de Joe Biden, foi de fato uma tentativa de golpe. “Uma vez mais, numa democracia, a desinformação venceu”, comentou Chade.

Confira a íntegra do artigo no UOL.

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Foto de capa: Sinisa Maric / Pixabay


Mentira se tornou estratégia deliberada de campanha política, alerta editora-geral do Bereia

A mentira se transformou em estratégia deliberada de campanha política, alertou a editora-geral do Coletivo Bereia Magali Cunha durante entrevista ao Jornal GGN em 24 de setembro. O programa conduzido pelo jornalista Luis Nassif tratou das eleições municipais, com especial atenção a episódios de violência verbal e física, bem como da falta de propostas de grande parte dos candidatos.

A pesquisadora lembrou que apesar de a postura de mentir ser algo que sempre existiu no meio político e de que candidatos e políticos fazem promessas que sabidamente não vão ser cumpridas, a novidade está no fato de que tal comportamento é deliberado. “Capturar a atenção das pessoas, construir imagem, ocupar espaço na arena política [com base na mentira, na falsidade, no engano] é algo novo”, comentou.

De acordo com Magali Cunha, esse processo ganhou força em 2016 com o Brexit – movimento promovido na Grã-Bretanha para a retirada da Comunidade Europeia – e no mesmo ano na campanha de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos. “A partir daí, foi como uma bola de neve chegando ao Brasil em 2018 e por aqui se consolidando a ponto de haver pessoas vitoriosas nas urnas sem apresentar nem sequer propostas”.

A editora-geral do Bereia chamou atenção ainda para a midiatização da política. Na sua opinião, a política deixou de ser um espaço do contato, de colocação de ideias e se transformou em um processo no qual as mídias determinam o que deve ser dito, como e para quem. A consequência disso, aponta Magali Cunha, é a preocupação em performar nessas mídias, tendo em vista como vai sendo construída a imagem de quem está se candidatando ou discute alguma pauta na arena política.

Confira a íntegra da entrevista no YouTube.

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Foto de capa: Mohamed Hassan / Pixabay

Discurso desinformativo, enganoso e falso tem evangélicos como público preferencial, avalia a editora-geral do Bereia

O uso político da desinformação não é novidade, assim como não é algo novo no contexto das religiões, alcançando principalmente grupos evangélicos, ressaltou a editora-geral do Bereia, Magali Cunha, durante entrevista ao Programa Papo de Fé, da TV Fórum, em março de 2024.

Ela lembra que o ano de 2016 foi emblemático para essa estratégia, com o episódio do Brexit – movimento que defendia a saída da Grã-Bretanha da União Europeia – e com a campanha de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos.  Em ambas as situações, a escolha foi utilizar as ferramentas digitais para convencer as pessoas, introduzindo discursos que mexiam com a emoção e o sentimento delas para propagar o medo e o pânico.

“A experiência Brexit ensinou sobre a necessidade de formular discursos específicos, segmentando grupos, entre os quais os religiosos. Pesquisas científicas apontaram que estes têm maior suscetibilidade, maior vulnerabilidade à propagação desses conteúdos, pois trata-se de pessoas que acreditam, que estão ancoradas na fé”, analisou Magali Cunha.

A pesquisadora lembrou que particularmente os grupos cristãos evangélicos, têm forte vínculo comunitário e que o que ali circula é acolhido pela comunidade. Ela acrescenta que estudos revelam que, entre os grupos religiosos, os evangélicos são os mais presentes na mídia e os que mais fazem uso das ferramenta digitais. “Quem produz esses conteúdos sabe que ali existe um grupo que acredita, que está alicerçado nas suas crenças, e que, pela própria índole, têm um ímpeto missionário forte, levar adiante a fé, os conteúdos que recebem”.

Acompanhe a íntegra da entrevista no YouTube.

Atentados políticos não são praticados apenas contra conservadores

“Só os conservadores sofrem atentados”, foi a afirmação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) publicada, em 14 de julho, após o ex-presidente estadunidense e candidato, mais uma vez, ao cargo, Donald Trump (Partido Republicano) ter sido alvo de um atirador. O caso ocorreu em comício realizado no estado da Pensilvânia, em 13 de julho passado.

A afirmação de Bolsonaro, após o caso, é um extrato de vídeo, publicado em mídias sociais dele. Nele, o político responde a perguntas de jornalistas e compara o ocorrido com o atentado a faca que ele próprio sofreu na campanha eleitoral de 2018, no Brasil. No trecho divulgado, o ex-presidente também diz: “Os atentados são contra as pessoas de bem e conservadoras.”

Imagem: Reprodução Instagram

A fala de Bolsonaro foi repercutida em várias mídias de notícias como O Globo, Poder 360, Pleno News, Folha de São Paulo, Uol, entre outros. Perfis de mídias sociais de políticos e de seguidores também colaboraram com a viralização da fala. Algumas matérias apenas divulgaram a declaração de Jair Bolsonaro, como as do Pleno News, Poder 360 e Uol. Outras fizeram a apuração do conteúdo, como O Globo e Folha de S. Paulo.

Imagens: Reprodução: O Globo, Poder 360,Pleno News, Uol e Folha de São Paulo

Bereia checou a afirmação e fez um levantamento de casos no Brasil e no exterior para identificar se a violência política atinge personagens de diferentes espectros ideológicos.

EUA: atentados a presidentes republicanos e democratas

O atentado contra Donald Trump não foi um caso isolado na história estadunidense. Desde a fundação dos Estados Unidos da América como estado independente, em 1776, o país foi liderado por 46 presidentes. O último, em exercício, é Joe Biden do Partido Democrata. Quatro deles foram assassinados enquanto exerciam o cargo: Abraham Lincoln (Partido de União Nacional, 1865): James A. Garfield (Partido Republicano, 1881): William McKinley (Partido Republicano, 1901): John F. Kennedy (Partido Democrata, 1963).

Para além dos que foram mortos durante o exercicio do mandato, mais outros 16 atentados foram registrados contra presidentes e candidatos à presidência ao longo da história daquele país: Andrew Jackson (Partido Democrata 1835): Franklin D. Roosevelt (Partido Democrata 1933): Harry S. Truman (Partido Democrata 1950): Gerald Ford (Partido Republicano 1975):  Ronald Reagan (Partido Republicano 1981): 

Imagem: Reprodução Getty Images

Figuras políticas, durante o exercício de cargos e ativistas também foram alvo de violência armada: Theodore Roosevelt (Partido Republicano, 1912); Malcolm X (1965);  Robert F. Kennedy (Partido Democrata, 1968); Martin Luther King Jr. (1968); George Wallace (Partido Democrata, 1972).

Analistas avaliam que o livre porte de armas nesse país é um fator que colabora com a alta incidência de atentados a bala.  A Segunda Emenda da Constituição dos Estados Unidos da América, promulgada em 1791, garante o direito de manter e portar armas. Apesar do debate sobre a aplicação de uma lei do século 18 nos dias atuais, e as variações de interpretação sobre a emenda, o lobby em favor das armas de fogo, lideradas pela Associação Nacional de Rifles (NRA, na sigla em inglês), ainda prevalece. 

No Brasil: do Império aos dias atuais, atentados são relacionados a diferentes ideologias 

O Brasil também registra casos de violência política contra líderes governamentais ao longo de sua história. 

  • O imperador D. Pedro II, meses antes do golpe que inaugurou a República, em 1889, foi alvo de um atentado a tiros, por um português que protestava em prol da instauração do regime republicano. O monarca não foi atingido.
  • O terceiro presidente do Brasil, Prudente de Morais (Partido Republicano Paulista), foi o primeiro civil a ocupar o cargo da presidência. Em 1897, sobreviveu a uma tentativa de assassinato,  quando um soldado apontou uma arma em seu peito.
  • Em 1988, José Sarney (MDB) era o presidente do Brasil quando um Boeing 737 da Viação Aérea São Paulo (VASP) foi sequestrado por Raimundo Nonato Alves da Conceição. O objetivo do sequestrador era atingir o Palácio do Planalto para matar Sarney. Depois de nove horas de sequestro, o piloto da VASP conseguiu pousar no aeroporto de Goiânia e impediu a ação.

Para além desses casos, é muito extensa a lista de  políticos, governantes, parlamentares e candidatos a estes cargos, que sofreram atentados, fatais ou não. Uma simples pesquisa torna  possível observar que o fenômeno abrange uma gama ampla de situações, que envolvem personagens de  diferentes ideologias, o que descarta que conservadores ou progressistas sejam maior ou menor alvo. Alguns casos:

Em período mais recente são identificados dois casos que envolveram diretamente personalidades da esquerda e do campo progressista.

Marielle Franco 

O caso de maior repercussão,  com extensão internacional, ocorreu em 14 de março de 2018, quando a vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco (PSOL), 38 anos, e o motorista do carro em que viajava, Anderson Gomes, foram assassinados em uma emboscada, no centro do Rio. 

Imagem: Reprodução O Globo

Marielle Franco era uma ativista feminista e defensora dos direitos humanos, conhecida pela luta contra a violência policial e por apoiar famílias de vítimas, incluindo os próprios agentes do Estado. Ela presidia a Comissão da Mulher na Câmara Municipal e havia sido nomeada para participar da comissão que fiscalizaria a intervenção federal por agentes militares que ocorria no estado.

Após seis anos e muitas controvérsias, este crime ainda não foi solucionado, e está, desde 2023, sob investigação da Polícia Federal.

Caravana de Lula 

O segundo atentado de repercussão nacional recente ocorreu em 27 de março de 2018,  quando dois ônibus da caravana do então pré-candidato à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foram alvejados por três tiros. O atentado ocorreu  enquanto os veículos seguiam de Quedas do Iguaçu para Laranjeiras do Sul, no estado do Paraná. 

Os tiros não atingiram pessoas, porém o fato foi reportado para as autoridades. O Partido dos Trabalhadores (PT) solicitou policiamento às autoridades do Paraná, mas não recebeu resposta. A Polícia Civil abriu um inquérito para investigar o ocorrido e realizou uma perícia nos ônibus. O delegado responsável  afirmou que os tiros foram um ataque planejado. “Se foi uma só pessoa que fez [os disparos], a pessoa planejou o ataque, direcionou o tiro”, afirmou o delegado Hélder Lauria, em 2018.

Imagem: Reprodução g1

Outros casos de violência ocorreram durante a caravana de Lula pelos estados do Sul naquele ano. Às vésperas  do atentado, em 25 de março, em São Miguel do Oeste (SC), ovos e pedras foram lançados contra o palanque onde Lula estava. O ex-presidente não foi atingido, porém o ex-deputado Paulo Frateschi (PT), que estava ao lado dele, sofreu um ferimento grave na orelha. 

América Latina: casos marcantes de atentados a líderes de esquerda

A América Latina também tem uma história de violência política contra líderes, o que inclui  tentativas e conclusões de assassinatos. Muitos deles foram financiados ou apoiados pelos Estados Unidos. Bereia lista três casos notáveis que ilustram  a complexidade desse fenômeno na região.

  • Fidel Castro (Partido Comunista, Cuba): O líder cubano sofreu inúmeras tentativas de assassinato durante sua vida. Em um delas, ocorrida entre 1960 e 1961, a Agência Central de Inteligência (CIA, na sigla em inglês) forneceu pílulas com veneno para que fossem misturadas aos alimentos e bebidas de Fidel. Esta tentativa ocorreu pouco antes da fracassada invasão da Baía dos Porcos e foi posteriormente revelado dossiê divulgado pela própria CIA em 2007.  O atual presidente de Cuba Miguel Díaz-Canel Bermúdez se manifestou na rede X, no dia do atentado a Trump:

Imagem: Reprodução do X

Imagem: Reprodução X (Twitter)

Bereia classifica, a afirmação do ex-presidente Jair Bolsonaro de que “só os conservadores sofrem atentados” como FALSA. O atirador de Trump era vinculado ao partido dele, o que desqualifica acusações de um complô progressista contra conservadores. Além disso, as motivações ainda estão sendo investigadas. 

Como o levantamento feito pelo Bereia mostra, atentados contra presidentes, candidatos e outras personagens políticas têm ocorrido ao longo da história dos Estados Unidos, do Brasil e de outros países latinoamericanos, tendo afetado tanto conservadores quanto progressistas. 

No Brasil, os recentes assassinatos da vereadora Marielle Franco (PSOL), uma figura proeminente de esquerda, ataques à caravana do então candidato à Presidëncia da República Lula (PT), e atentado a faca  contra o também candidato Jair Bolsonaro (à época no PFL), todos no mesmo ano de 2018, evidenciam que a violência política não se restringe a um único grupo ideológico. 

Bereia indica que leitores e leitoras não assimilem afirmações simplistas utilizadas em campanhas políticas e busquem informações em fontes confiáveis sobre a história política brasileira, latino-americana e estadunidense. É importante também que promovam o diálogo pacífico entre diferentes posicionamentos e denunciem ameaças ou incitação de violência política às autoridades competentes.

Referências de checagem:

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Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/noticias/1083267-lira-condena-atentado-a-trump-e-diz-que-divergencias-se-resolvem-no-voto/. Acesso em: 15 de julho de 2024.

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Folha de S.Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft2706200703.htm. Acesso em: 17 de julho de 2024.

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R7. https://noticias.r7.com/record-news/video/conheca-os-quatro-presidentes-dos-estados-unidos-assassinados-enquanto-comandavam-o-pais-15072024/.  Acesso em: 16 de julho de 2024.

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UOL. https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2024/07/15/alem-de-trump-e-bolsonaro-ate-dom-pedro-ii-foi-alvo-de-atentado-politico.htm. Acesso em: 15 de julho de 2024

X.

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Youtube. https://www.youtube.com/watch?v=xtgdwVXc_Zo. Acesso em: 15 de julho de 2024 Intercom. https://portalintercom.org.br/anais/nacional2021/resumos/dt8-sc/karina-stein-de-luca-goncalves.pdf. Acesso em 18 de julho de 2024.

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Foto de capa: Palácio do Planalto/Flickr

Mendonça, evangélicos e bolsonarismo

Na condição de evangélico e membro de uma igreja presbiteriana no Rio de Janeiro, venho a público manifestar meu mais profundo lamento pela aprovação de André Mendonça, pastor presbiteriano, para o STF. O Estado é laico. Evangélicos precisam confiar realmente em Deus, e não depender de acesso aos poderes do Estado, como boa parte de seus líderes vêm fazendo, sobretudo desde que Jair Bolsonaro assumiu a Presidência da República. Mendonça foi aprovado pelo Senado para assumir uma vaga no STF, por 47 votos a 32.  É a segunda indicação de Bolsonaro para o STF, a única instituição do país que ainda consegue deter os desmandos do presidente da República.

Bolsonaro – que está mais para lobo em pele de cordeiro – nunca foi evangélico. Mas quando começou a pensar em ser presidente da República rapidamente se aproximou de líderes evangélicos oportunistas. Com a ajuda dessas figuras, Bolsonaro então montou seu marketing eleitoral pra cima dos evangélicos. Deixou-se fotografar sendo batizado nas águas do Rio Jordão, no mesmo local onde Jesus Cristo foi batizado. A foto rapidamente se espalhou pelos grupos de WhatsApp do segmento evangélico. Além disso, o presidente – que tinha seu nicho político-eleitoral entre as “viúvas” do golpe civil-militar de 1964 e pensionistas de militares – acabou ganhando terreno entre os evangélicos por apresentar uma narrativa baseada nos costumes, na homofobia e no anticomunismo, temas que costumam ser caros à direita cristã americana e sua congênere brasileira. 

Quando encontrou na Advocacia-geral da União com o advogado André Mendonça – um profissional que transmitia segurança e competência e, além disso era pastor presbiteriano de uma igreja chamada Esperança (que triste sina a nossa) – Bolsonaro juntou a fome com a vontade de comer. Alçou Mendonça ao cargo máximo da instituição e logo depois ao de ministro da Justiça, substituindo o “traidor” Sergio Moro. 

Como titular do Ministério da Justiça, Mendonça foi alvo de críticas por mandar abrir inquéritos contra opositores do governo Bolsonaro, tais como Ciro Gomes, Guilherme Boulos, Hélio Schwartsman e outros políticos, jornalistas e cartunistas, sob a acusação de calúnia ou injúria devido a críticas ao presidente. Na sabatina, o mesmo Mendonça disse que a liberdade de imprensa é um bem sagrado. Para quem?

Também durante sua gestão, o Ministério da Justiça foi acusado de produzir um dossiê contra mais de 500 servidores federais e estaduais de segurança identificados como membros do “movimento antifascismo“. Mendonça confirmou à Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso a existência de um relatório de inteligência, mas negou que houvesse ilegalidades em sua produção. Apesar de aparentar notório saber jurídico, Mendonça fez o jogo do poder. Só pelas duas atitudes acima, não se pode dizer que tenha “caráter ilibado”, uma das exigências para ser ministro do STF. E, ao assumir o cargo de ministro da Justiça, sinalizou para o chefe que estaria disposto antes de tudo a cumprir ordens.

Em plena posse como ministro da Justiça, Mendonça chamou Bolsonaro de “profeta” por ele ter sido um político “preocupado” com a agenda da segurança pública quando esse assunto não comovia Brasília. Um gesto típico de bajulador, principalmente se levarmos em conta que o tal “profeta” jamais apresentou um projeto sequer em favor da segurança pública do povo brasileiro. 

Pela bajulação, Mendonça não levou sequer um “puxão de orelhas” de sua igreja. Na verdade, os evangélicos, de modo geral, continuam fazendo vista grossa para os erros de Bolsonaro e sua equipe. Entre os evangélicos que se arrependeram do mau caminho bolsonarista, poucos têm coragem de ir à público e manifestar sua opinião. De certo modo, a igreja evangélica brasileira aprofundou suas divisões com a chegada de Bolsonaro ao poder. Mesmo sem ser evangélico, ele consegue influenciar muitos membros de igrejas, sobretudo as pentecostais e neopentecostais. Evangélico que tem a coragem de criticar os desmandos de Bolsonaro muitas vezes sofre discriminação dentro da própria igreja. Há uma legião de jovens evangélicos que ficaram “desigrejados” diante da insistência de pastores e diáconos em manifestarem, até do púlpito, apoio ao governo.

Embora o presbiterianismo tenha suas bases na busca de reformas sociais, também por meio da pregação do Evangelho, os evangélicos no Brasil se afastaram da política partidária justamente durante o regime militar. Boa parte das igrejas mais conservadoras apoiou o golpe, mas sempre houve na membresia ilhas de oposição à ditadura e seus algozes. Tanto assim que saiu das fileiras da Igreja Presbiteriana um líder respeitado na luta pelos direitos humanos, o reverendo James Wright, que se tornou o executivo do projeto Brasil Nunca Mais, patrocinado pela Arquidiocese de São Paulo – que denunciou os violentos crimes praticados pela ditadura, com base em 707 processos da própria Justiça Militar. Wright, a quem tive o prazer de conhecer e entrevistar, era o braço direito do cardeal Paulo Evaristo Arns.

Com o Congresso Nacional Constituinte, em 1987, os evangélicos voltaram a se aproximar da política, convencidos de que tinham que participar da construção da nova Constituição, temendo, principalmente, que sofressem algum revés no direito à liberdade de culto. Encontraram de braços abertos justamente o Centrão que reunia o que de mais fisiológico havia na política, em partidos de centro-direita. Seu lema na época era “é dando que se recebe”, frase que também teria sido citada pelo frade São Francisco de Assis. Esses evangélicos negociaram seus votos na bacia das almas. Muitos deles com a desculpa esfarrapada da ameaça do comunismo. Afinal, o Muro de Berlim – que precipitou a extinção da União Soviética e da chamada Cortina de ferro, só cairia em 1989. E ali, com o Centrão de 1987, está a origem desse núcleo político que viu em Bolsonaro um líder capaz de derrotar as esquerdas progressistas que, para os evangélicos, defendem o comunismo  que eliminou cristãos na Cortina-de-ferro, exatamente como o Império Romano fez aos primeiros mártires cristãos nas arenas dos leões.

Esses “novos evangélicos” na política sofrem também grande influência da direita cristã norte-americana, que, nos Estados Unidos, conseguiu, com uma agenda conservadora nos costumes e na economia, eleger Donald Trump. O principal estrategista de Trump, Steve Bannon, ainda hoje dá conselhos ao governo Bolsonaro. 

Apesar de Bolsonaro não ter feito tudo que poderia ter feito pela candidatura de Mendonça, o presidente usou o carimbo de “terrivelmente evangélico” para seu candidato, como uma espécie de ameaça ao Supremo, que tornou-se o único poder a conter os ímpetos autoritários do presidente. Só esse carimbo feito pelo presidente já deixa o novo ministro do STF sob suspeita. Como ministro de estado, numa corte suprema, Mendonça não pode agir como lobista de qualquer que seja o grupo, político ou religioso. Mendonça, inclusive, se revelou um homem de duas faces. Na sabatina, apresentou-se como guardião da Constituição. Logo após eleito, fez um discurso em tom triunfalista, afirmando que sua vitória é o passo para um homem (no caso, ele), mas também para todos os evangélicos. Nada a ver. O Supremo não pode ser evangélico, católico, espírita ou qualquer outra religião e, muito menos, se comprometer com a agenda de qualquer ideologia política. O Estado é laico. E foi justamente a separação entre Igreja Católica e Estado que historicamente deu força para os evangélicos conseguirem superar todas as discriminações, sendo minoria religiosa no país. Agora somam 40 milhões. Um enorme rebanho de ovelhas que cada vez mais atrai lobos vorazes. Sobretudo às vésperas de ano eleitoral.

Agora cabe aos verdadeiros evangélicos, preocupados com a ética e a cidadania, serem os primeiros a fiscalizar as atitudes e os votos de André Mendonça no STF.  E essa forma de preenchimento dos cargos do Supremo precisa urgentemente ser revista pelos legisladores. Mas quem vai ter coragem de mexer nesse vespeiro?

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Foto de capa: Alan Santos/PR

A deputada Bia Kicis e a desinformação sobre o voto impresso

No último 24 de maio, vários veículos de imprensa divulgaram a informação de que a deputada federal Bia Kicis (PSL/DF) contratou, com verba parlamentar, duas empresas de tecnologia para promover informações falsas sobre a segurança das urnas eletrônicas. De acordo com o site do Jornal O Globo, a deputada, que é autora da PEC 135/2019, que prevê a impressão do voto nas urnas eletrônicas, contratou duas empresas para ajudar na divulgação de conteúdo de sua proposta. 

A empresa Gohawk Tecnologia Da Informacao Ltda foi contratada para criar um site de cadastro de apoiadores da proposta de Kicis e recebeu em dezembro de 2020, o pagamento único de R$ 4.500 pelo serviço. Já a empresa Inovatum Soluções em Tecnologia da Informação e Eventos Ltda foi contratada em janeiro deste ano, por R$ 2 mil  por mês para gerenciar o Canal do Telegram “VotoImpressoAuditável”, criado em 07 de abril, com mais de 12.4581 inscritos, somando, até o momento, um gasto de R$12.500. 

A matéria do Globo, no entanto, afirma que o projeto proposto pela deputada quer a volta do voto impresso, o que gera uma certa confusão.  Na verdade, o projeto prevê a impressão do voto depositado na urna eletrônica e não o uso de cédulas de papel. O que está em discussão, porém, é a legalidade do uso de verba pública na contratação das empresas supracitadas. O Bereia foi conferir o conteúdo divulgado no grupo do Telegram e encontrou postagens que podem ser classificadas como desinformação, como as publicadas a seguir. 

Nesta imagem, a frase em destaque, dita pelo engenheiro Amilcar Brunazo Filho,  conhecido em mídias sociais pela defesa do voto impresso, diz que não é possível detectar fraudes no sistema atual. No entanto, de acordo com informações disponíveis no site  do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a urna eletrônica possui uma série de recursos e procedimentos de funcionamento que permitem a realização de auditorias. 

A foto foi divulgada originalmente pelo Deputado Federal Filipe Barros (PSL-PR), investigado no inquérito das fake news do STF, e repostada no Canal do Telegram da campanha.  

São inúmeras postagens que levantam suspeitas sobre a lisura do processo eleitoral, usando informações falsas para ratificar a aprovação da PEC 135/2019. Até mesmo o artigo de opinião da deputada no site Poder 360, que destaca no título: “Voto auditável é um jeito de fortalecer a urna eletrônica” desinforma, levando o leitor a entender que o sistema atual não é auditável, informação já desmentida pelo TSE e disponível no site da instituição.

O que diz a justificação do projeto de Bia Kicis

A PEC 135/2019 faz uma adição de um 12º inciso ao artigo 14º da Constituição Federal com a seguinte redação: “No processo de votação e apuração das eleições, dos plebiscitos e dos referendos, independentemente do meio empregado para o registro do voto, é obrigatória a expedição de cédulas físicas conferíveis pelo eleitor, a serem depositadas, de forma automática e sem contato manual, em urnas indevassáveis, para fins de auditoria.”

A justificação elabora argumentos que discordam das razões pelas quais membros do Judiciário contestaram a implementação da impressão do voto depositado na urna eletrônica e não cédulas de papel. Em resumo, o texto descreve três tentativas mal-sucedidas de execução da ideia nos pleitos brasileiros e as decisões contrárias por parte de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Tanto na apreciação da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4543, em 2013, quanto da ADI 5889, em 2020, o STF decidiu por unanimidade declarar inconstitucionais trechos de leis que previam o voto impresso. O texto da proponente da PEC contesta argumentos como o de que a impressão iria comprometer o sigilo do voto ou as possibilidades de falhas nas impressoras seriam tão graves quanto às de urnas eletrônicas sem o voto impresso.

Além disso, Kicis criticou a forma como os ministros julgaram a ADI 5889 e alegou que as dificuldades do teste do voto impresso em 2002 se deram por falta de instrução dos eleitores sobre a mudança, o que configuraria um boicote à modificação no processo eleitoral.  “O TSE, para impedir a fiscalização de seu trabalho, alegou motivos, como o alto custo da operação, para obstaculizar a implantação do voto impresso”, afirma a deputada. Ela ainda diz que propõe uma PEC porque as mudanças legislativas foram insuficientes para implementação da mudança no processo eleitoral até agora.

Como é feita a contagem de votos hoje

Em dezembro de 2020, Bereia verificou desinformação a respeito das urnas eletrônicas e explicou como funciona a contagem dos votos pelas urnas eletrônicas.  O TSE acompanha as urnas desde a fabricação pela empresa vencedora da licitação. Analistas externos são chamados para encontrar erros nos programas das urnas. Caso exista problemas, o TSE corrige e submete as máquinas a uma segunda avaliação. Em 2018, foram quatro os erros encontrados e corrigidos.

No dia das eleições, o presidente da seção eleitoral imprime a zerésima, listagem de todos os candidatos que demonstra que não há nenhum voto contabilizado antes dos eleitores escolherem seus representantes. Esse procedimento é acompanhado por mesários e fiscais dos partidos ou coligações, que devem assinar a zerésima. 

Ao fim do período de votação, é impresso o Boletim de Urna (BU), um extrato dos votos que informa também qual seção emitiu, qual urna e quantos eleitores compareceram. Três vias são anexadas à ata e encaminhada à seção eleitoral e também uma via é entregue aos fiscais dos partidos. A partir daí, os dados das urnas são codificados em dispositivos de memória e, após ter sua autenticidade verificada com uma assinatura digital, são transmitidos ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Nesse processo não é utilizada a internet.

Em 2014, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) questionou o resultado das eleições presidenciais de 2014 após seu candidato Aécio Neves perder para Dilma Rousseff (PT). O TSE autorizou o pedido de auditoria do partido, que não encontrou qualquer indício de fraude. Vale lembrar que a apuração não é secreta. Cada cidadão pode ver o resultado por zona e seção eleitoral.

Articulação no Congresso e possibilidade da impressão por amostragem

O presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL) criou uma comissão especial para avaliara PEC de Bia Kicis. O relator da proposta é o deputado Filipe Barros. Enquanto parlamentares governistas como o deputado Ricardo Barros (PP-PR) veem a pauta com otimismo, outros deputados e senadores têm uma perspectiva diferente sobre o assunto.

O Deputado Federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) afirmou que o voto impresso será positivo para milícias. “Imagina em uma área onde tem milícia, como no Rio de Janeiro, onde 58% do território da cidade está na mão de milicianos, de acordo com estudos recentes. Se você passar o recado para a população que em algum lugar está anotado o seu voto, a milícia nunca mais perde uma eleição”, disse em entrevista para o Metrópoles

O professor de sociologia da Universidade de Brasília (UnB) Elimar Pinheiro também se preocupa com o fortalecimento do coronelismo na política brasileira. “Quando fui fiscal eleitoral, anotei sete formas de ludibriar o resultado da eleição com o voto impresso. A mais tradicional é levar o voto já anotado para a urna e sair com uma cédula em branco, para entregar ao cabo eleitoral. Imagine isso com as periferias tomadas por traficantes e pelas milícias”, afirmou ao Correio Braziliense.

À Folha de São Paulo, o TSE levantou entraves para implementação do voto impresso no próximo pleito mesmo se aprovado no Congresso. Entre os argumentos do Tribunal estão a segurança do atual sistema, questões relativas à licitação, como a necessária rigidez do processo e a demora para implementação completa da mudança. Nesse último ponto entram questões como a quantidade de urnas demandadas – mais de 500 mil – e a complexidade do processo que vai do desenvolvimento do software ao transporte dos equipamentos. Por outro lado, alguns parlamentares defendem que o voto impresso por amostragem (em um teste é feito em locais específicos, mas não adotado em todo território nacional) possa ser chancelado pelo Tribunal para neutralizar o discurso de fraude eleitoral adotado pelo presidente JairBolsonaro.

Questionamento de Bolsonaro às eleições

Bolsonaro afirmou em março de 2020 que foi eleito em primeiro turno no pleito de 2018. O presidente alegou ter provas de que houve fraude nas votações de 7 de outubro daquele ano e prometeu apresentá-las, mas não o fez.

”E nós temos não apenas palavra, temos comprovado, brevemente quero mostrar, porque precisamos aprovar no Brasil um sistema seguro de apuração de votos. Caso contrário, passível de manipulação e de fraudes. Então acredito até que eu tive muito mais votos no segundo turno do que se poderia esperar, e ficaria bastante complicado uma fraude naquele momento”, afirmou. Ainda durante a campanha eleitoral, o então candidato à presidência já tinha dito ter sido alvo de uma fraude.

Em maio de 2020, o atual presidente do TSE ministro Luís Roberto Barroso disse que o voto impresso criaria o “caos” em um sistema que funciona bem. O ministro também disse: “A democracia é um jogo em que as regras valem para todos. Quem ganhar tem o direito de governar e quem perder tem que respeitar a vontade das urnas. Essa história de cantar a existência de fraude antes da divulgação do resultado e colocar sob suspeita um processo eleitoral que jamais identificou qualquer tipo de fraude é problemático”.

Bolsonaro reagiu ao comentário de Barroso no dia seguinte. “Se o Parlamento brasileiro, por maioria qualificada, por 3/5 da Câmara e no Senado, aprovar e promulgar, vai ter voto impresso em 2022 e ponto final. Vou nem falar mais nada, vai ter voto impresso. Porque se não tiver voto impresso é sinal de que não vai ter eleição, acho que o recado tá dado. Não sou dono da verdade, mas eu respeito o Parlamento brasileiro assim como eu respeito o artigo quinto da Constituição.”

Esta pauta não é o único envolvimento do Presidente com polêmicas relacionadas ao voto impresso. Bereia já verificou como verdadeiro que uma nota do Jornal do Brasil descrevia um esquema de cédulas falsas e citava o então candidato a deputado federal Jair Bolsonaro, nas eleições de 1994. Ainda assim, conforme verificou o Projeto Comprova, Bolsonaro não se beneficiou da fraude eleitoral daquele ano no Rio de Janeiro, visto que a Justiça Eleitoral descobriu a fraude e tais eleições foram anuladas.

Histórico de Bia Kicis com desinformação

A deputada federal possui um histórico de propagação de desinformação. Em setembro de 2020, Bereia verificou publicações que Kicis fez a respeito da covid-19 e, no mês seguinte, a parlamentar voltou a reproduzir mensagens enganosas em suas redes a respeito da vacina CoronaVac. Já em 2021, Bia Kicis voltou a fazer postagens enganosas, mas a respeito da exclusão do ex-presidente norte-americano Donald Trump do Twitter. Ela afirmou que a plataforma excluiu o republicano por conta de um vídeo em que Trump pede aos seus apoiadores que voltem para casa. Na verdade, a suspensão está relacionada ao não reconhecimento por parte de Trump de sua derrota para Joe Biden (Partido Democrata) na eleição presidencial de 2020. A deputada Bia Kicis é também parte do grupo de parlamentares investigados no inquérito das fake news do STF. 

Segundo o levantamento do Radar Aos Fatos em abril de 2020, Bia Kicis é a terceira parlamentar que mais espalhou desinformação sobre o coronavírus no Twitter, atrás apenas de Osmar Terra e de Eduardo Bolsonaro. 

Referências

O Globo, https://oglobo.globo.com/brasil/bia-kicis-usa-verba-parlamentar-para-contratar-empresa-que-divulga-desinformacao-sobre-urna-eletronica-1-25030962?utm_source=Twitter&utm_medium=Social&utm_campaign=compartilhar. Acesso em 26 de maio de 2021.

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Bia Kicis, https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1807035. Acesso em 26 de maio de 2021.

Câmara Federal, https://www.camara.leg.br/cota-parlamentar/documento?nuDeputadoId=3402&numMes=12&numAno=2020&despesa=5&cnpjFornecedor=23625344000191&idDocumento=115&idDocumentoFiscal=7137203. Acesso em 26 de maio de 2021.

Câmara Federal, https://www.camara.leg.br/cota-parlamentar/documento?nuDeputadoId=3402&numMes=1&numAno=2021&despesa=5&cnpjFornecedor=15022614000141&idDocumento=1&idDocumentoFiscal=7156385. Acesso em 26 de maio de 2021.

VotoImpressoAuditável (Telegram), https://web.telegram.org/#/im?p=@votoimpressoauditavel. Acesso em 26 de maio de 2021.

TSE,https://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/perguntas-mais-frequentes-sistema-eletronico-de-votacao/rybena_pdf?file=https://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/perguntas-mais-frequentes-sistema-eletronico-de-votacao/at_download/file. Acesso em 26 de maio de 2021.

ConJur, https://www.conjur.com.br/2020-mai-30/resumo-semana-busca-apreensao-ativistas-bolsonaristas-foi-destaque. Acesso em 02 de junho de 2021.

Câmara Federal, https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2220292. Acesso em 26 de maio de 2021.

Bia Kicis (Poder 360), https://www.poder360.com.br/opiniao/eleicoes/voto-auditavel-e-um-jeito-de-fortalecer-a-urna-eletronica-escreve-bia-kicis/. Acesso em 26 de maio de 2021.

Justiça Eleitoral, https://www.justicaeleitoral.jus.br/fato-ou-boato/#como-identificar. Acesso em 26 de maio de 2021.

Bia Kicis, https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1807035. Acesso em 26 de maio de 2021.

STF, http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4019347. Acesso em 26 de maio de 2021.

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Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/site-gospel-repercute-panico-moral-divulgado-por-lider-evangelico-sobre-fraude-nas-eleicoes/. Acesso em 26 de maio de 2021.

UOL, https://noticias.uol.com.br/politica/eleicoes/2018/noticias/2018/10/20/entenda-seguranca-da-votacao-eletronica-e-saiba-como-ela-pode-ser-auditada.htm. Acesso em 26 de maio de 2021.

Agência Brasil, https://agenciabrasil.ebc.com.br/eleicoes-2020/noticia/2020-11/agencia-brasil-explica-como-e-feita-apuracao-dos-votos-no-brasil. Acesso em 26 de maio de 2021.

TSE, https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2015/Novembro/plenario-do-tse-psdb-nao-encontra-fraude-nas-eleicoes-2014. Acesso em 26 de maio de 2021.

Congresso em Foco, https://congressoemfoco.uol.com.br/eleicoes/eleicoes-sem-fraudes-foram-uma-conquista-da-democracia-rebate-tse/. Acesso em 26 de maio de 2021.

Projeto Comprova, https://projetocomprova.com.br/publica%C3%A7%C3%B5es/apuracao-da-eleicao-brasileira-e-aberta-a-qualquer-pessoa-ao-contrario-do-que-afirma-post/. Acesso em 26 de maio de 2021.

TSE, https://resultados.tse.jus.br/oficial/#/eleicao;e=e426;uf=sp;mu=71072/boletins-de-urna. Acesso em 26 de maio de 2021.

Metrópoles, https://www.metropoles.com/brasil/milicia-nao-vai-mais-perder-eleicao-diz-freixo-sobre-voto-impresso. Acesso em 1º de junho de 2021.

Correio Braziliense, https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/01/4899509-as-razoes-do-voto-impresso-especialistas-explicam-estrategia-de-quem-defende-a-mudanca.html. Acesso em 1º de junho de 2021.

Folha de São Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/05/tse-ja-sinaliza-que-eleicao-de-2022-nao-tera-voto-impresso-mesmo-se-congresso-aprovar-a-medida.shtml. Acesso em 1º de junho de 2021.

Folha de São Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/03/sem-apresentar-provas-bolsonaro-diz-que-houve-fraude-eleitoral-e-que-foi-eleito-no-1o-turno.shtml. Acesso em 1º de junho de 2021.

Folha de São Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/bolsonaro-diz-que-foi-alvo-de-fraude-e-pede-mobilizacao-a-eleitores.shtml. Acesso em 1º de junho de 2021.

Poder 360, https://www.poder360.com.br/eleicoes/voto-impresso-trara-caos-e-judicializacao-de-eleicoes-diz-barroso/. Acesso em 1º de junho de 2021.

CNN Brasil, https://www.cnnbrasil.com.br/politica/2021/05/06/se-nao-tiver-voto-impresso-nao-tera-eleicao-diz-bolsonaro-a-barroso. Acesso em 1º de junho de 2021.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/nota-de-jornal-sobre-votos-de-cedulas-falsas-beneficiando-bolsonaro-em-1994-e-verdadeira/. Acesso em 1º de junho de 2021.

Projeto Comprova, https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/bolsonaro-nao-se-beneficiou-de-fraude-eleitoral-em-1994/. Acesso em 1º de junho de 2021.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/publicacao-de-bia-kicis-com-relato-de-syllas-valadao-contem-informacoes-enganosas/. Acesso em 1º de junho de 2021.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/com-anuncio-de-testes-no-pais-vacina-contra-covid-19-continua-sendo-alvo-de-desinformacao-nas-redes-sociais/. Acesso em 1º de junho de 2021.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/site-gospel-e-deputada-federal-propagaram-desinformacao-sobre-invasao-do-capitolio-nos-eua-em-janeiro/. Acesso em 1º de junho de 2021.Radar Aos Fatos, https://www.aosfatos.org/noticias/cotado-para-saude-osmar-terra-e-congressista-que-mais-difundiu-desinformacao-sobre-coronavirus-no-twitter/. Acesso em 2º de junho de 2021.

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Foto de Capa: Jefferson Rudy/Agência Senado (Reprodução)

Site gospel e deputada federal propagaram desinformação sobre invasão do Capitólio nos EUA em janeiro

Em janeiro passado, apoiadores do então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, invadiram o Capitólio com a intenção de bloquear a confirmação, pelos parlamentares, da vitória de Joe Biden como o novo mandatário do país.

O site Gospel Prime fez publicações sobre o ocorrido. Na primeira, Manifestantes pró-Trump invadem Congresso dos Estados Unidos, relatou a invasão e a negação do resultado das eleições pelos apoiadores de Donald Trump.

Print do site Gospel Prime

Em outra publicação, fez referência à matéria divulgada pelo site Infowars, Site aponta que Antifas podem ter se infiltrado em protesto nos EUA.

Print do site Gospel Prime

Segundo matéria do Infowars, “o jornalista investigativo Paul Sperry postou no Twitter que um ex-agente do FBI confirmou que, pelo menos, um ônibus cheio de bandidos da Antifa se infiltrou na manifestação pró-Trump”. O Antifa é um movimento de militantes que se opõe ao fascismo, composto majoritariamente por pessoas com perfil mais progressista. O site se referiu a eles como “bandidos”, atribuindo juízo de valor negativo ao grupo.

A fonte utilizada pelo Gospel Prime, o site Infowars, é conhecida nos EUA por veiculação de desinformação. Criado pelo radialista e cineasta Alex Jones, também conhecido como teórico da conspiração norte-americana de extrema-direita, as sucessivas práticas desinformativas do site provocou uma reação conjunta de Facebook, Google, Twitter e Spotify em agosto de 2018. Parte dos seus conteúdos do programa Infowars apagada dessas plataformas. De acordo com a revista Forbes, nessa mesma ação, o Twitter baniu permanentemente o seu perfil na plataforma.

O levantamento feito pelo Coletivo Bereia indica que a informação veiculada pelo Infowars e reproduzida no Brasil pelo Gospel Prime é falsa. As investigações e desdobramentos do caso da invasão do Capitólio em janeiro têm responsabilizado grupos de extrema-direita dos EUA. Um deles é Proud Boys (Garotos Orgulhosos), uma organização extremista e machista conhecida por atacar manifestantes “antifas”. Pelo menos oito réus ligados ao grupo foram acusados ​​no motim do Capitólio, um deles está preso aguardando julgamento.

Deputada desinforma sobre o tema

A deputada federal católica Bia Kicis (PSL-DF), em seu perfil no Twitter, compartilhou postagem enganosa sobre o banimento das publicações de Donald Trump no dia da invasão ao Capitólio. Segundo a parlamentar, o ex-presidente estadunidense teria publicado um vídeo pedindo que os manifestantes voltassem para casa, e o material teria sido derrubado pelo Twitter.

Print do tuíte de Bia Kicis

No entanto, o discurso de que a plataforma excluiu o conteúdo esconde o que de fato ocorreu A plataforma intimou o ex-presidente a remover o conteúdo por violar a cláusula de “pôr em dúvida o sistema eleitoral estadunidense”. Segundo as diretrizes do Twitter, quaisquer conteúdos publicados por autoridades que questionassem a validade do resultado das eleições sofreriam sanções. Parte do conteúdo do vídeo afirmava que “Não há a menor chance de Biden ter ganho”.

A postura segue a tendência de outras empresas de mídias sociais que buscam tornar o ambiente digital menos danoso às democracias. Após os escândalos da Cambridge Analytica, quando dados de estadunidenses e ingleses foram usados em estratégias de marketing direcionadas para fins eleitorais, plataformas de redes sociais como o Facebook, de Mark Zuckerberg (que inclui, dentre outros aplicativos, o Facebook, o Instagram e o WhatsApp), e o Twitter, de Jack Dorsey, têm sido cobrados para agir proativamente contra o uso indevido de dados.

Na União Europeia, o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados passou a valer em 2018, buscando responsabilizar as plataformas pelos conteúdos nelas veiculados. No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados entrou em vigência em 2020 e busca atribuir mais responsabilidade aos gestores das redes sociais.

Essa responsabilidade civil dos provedores de aplicações de internet foi debatida por Juliana Medeiros, pesquisadora de Direito Digital do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS-Rio). Ela aponta como as diretrizes internacionais prezam pela liberdade de expressão, ao mesmo tempo que têm reforçado o combate à desinformação. O jeito de garantir ambas é por meio da transparência quanto aos motivos de exclusão de um conteúdo – o que ocorreu no caso do ex-presidente.

O Coletivo Bereia classifica este conteúdo postado pela deputada Bia Kicis, como enganoso. A deputada investigada pelo Supremo Tribunal Federal como propagadora de fake news, apresenta apenas parte do conteúdo do vídeo do ex-presidente Donald Trump, omitindo as informações que vão de encontro às políticas do Twitter, levando leitores a criarem animosidade em relação às políticas da plataforma.

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Referências

G1, https://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2018/08/08/como-as-teorias-da-conspiracao-de-alex-jones-levaram-infowars-a-ser-apagado-de-redes-e-virar-alvo-de-acoes-nos-eua.ghtml. Acesso em: 23 fev. 2021.

Forbes, https://forbes.com.br/colunas/2018/09/twitter-bane-permanentemente-alex-jones/. Acesso em: 27 fev. 2021.

G1, https://g1.globo.com/mundo/eleicoes-nos-eua/2020/noticia/2021/01/06/apoiadores-de-trump-protestam-contra-certificacao-da-vitoria-de-biden-pelo-congresso.ghtml. Acesso em: 27 fev. 2021.

ITS-Rio, https://itsrio.org/wp-content/uploads/2020/10/Responsabilidade-civil-dos-provedores-de-aplica%C3%A7%C3%B5es-de-internet_Juliana_Medeiros.pdf. Acesso em: 27 fev. 2021.

Site de notícias gospel publica conteúdo falso no Brasil sobre eleições dos EUA em apoio à Trump

O portal Gospel Prime publicou, em 08 de dezembro, a matéria “EUA: Supostas malas secretas de cédulas foram encontradas na Geórgia”. O texto afirma que “Um vídeo sobre a eleição presidencial no condado de Fulton, na Geórgia, que mostram imagens da câmera de vigilância de funcionários eleitorais, ao que tudo indica carregando em segredo milhares de votos misteriosos, está sendo usado pela defesa de Donald Trump sobre possíveis fraudes eleitorais.”

O vídeo em questão foi compartilhado no canal do YouTube do presidente dos Estados Unidos Donald Trump, derrotado para reeleição ao cargo em pleito de novembro passado.  Trata-se de um trecho recortado de um vídeo maior que exibe uma pessoa que atuou no processo de apuração de votos retirando objetos debaixo de uma mesa. 

Segundo nota publicada pelo investigador-chefe da secretaria de estado da Geórgia Frances Watson, o vídeo não mostra qualquer irregularidade. Ele afirma ter assistido o vídeo inteiro, não apenas o trecho viralizado, e concluiu que a apuração ocorreu de acordo com as normas. Ele afirma que não foram trazidas maletas misteriosas com votos e escondidas embaixo da mesa, como alguns têm noticiado. O que aconteceu foi que os fiscais guardaram maletas com votos que não tinham sido contados embaixo de uma mesa, para abrirem mais tarde e retomarem a contagem de votos, cena que foi foi mostrada no vídeo. 

Como funciona a contagem na Geórgia

O estado americano da Geórgia passou por uma recontagem de votos no dia 1 de dezembro, a pedido do candidato perdedor, Donald Trump, finalizada às 8h30 da manhã, com resultado compatível com o das eleições regulares. No processo de votação, os cidadãos do estado se dirigem a uma urna eletrônica, digitam seu voto, e a urna imprime um papel confirmando o voto. Os eleitores depois se dirigem até um local para  validarem o voto: confirmam, por meio de biometria e da assinatura manual, que concordam com o que está escrito no voto impresso. O voto impresso é então inserido nas urnas (os “ballotts”) e esse voto impresso é contado depois manualmente. 

As disputas no estado

Esse foi o terceiro processo da defesa de Trump contra o estado da Georgia: os dois primeiros foram rejeitados pelas cortes do estado. O primeiro, chamado “Lin Wood Suit” (Processo Lin Wood), que leva o nome do advogado, foi rejeitado pelo juiz do distrito norte da Georgia, Steven Grimberg. 

O primeiro era um pedido de recontagem. Segundo Wood, os membros do Partido Democrata haviam firmado um acordo com o Secretário de Estado da Georgia Brad Raffensperger, que  os beneficiaram. A informação, no entanto, era falsa, como verificado pelo jornal The New York Times. A denúncia era uma mentira (fake news) disseminada pelo presidente Trump em seu perfil no Twitter. O juiz Grimberg rejeitou as denúncias classificando-as como “sem base”.

O segundo processo é o que está relacionado ao vídeo publicado pelo Gospel Prime no Brasil: o Processo Kraken, que conta com os advogados Sidney Powell e Lin Wood novamente como autores, e foi impetrado. O texto apresentava uma teoria conspiracionista na qual  votos do candidato Donald Trump não teriam sido levados em conta, como vídeo em questão indicado como prova. O processo pedia anulação de todos os votos enviados por correio mas foi negado pelo juiz Timothy Batten no dia 7 de dezembro. No dia seguinte, Powell apelou para a Suprema Corte.

O terceiro processo, o Trump/David Shaffer Suit (Processo de Trump/David Shaffer) fez alegações similares às do Processo Kraken, porém sem apelar para teorias conspiracionistas. Diferente deste, porém, não apresenta nenhuma evidência pública das alegações que faz. Outra diferença é na jurisdição do processo – os dois primeiros foram registrados em esfera federal, enquanto o último, em esfera estadual. O distrito da comarca, Fulton County, é o mesmo dos vídeos já desmentidos. 

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O Coletivo Bereia conclui que a matéria do site Gospel Prime é falsa. Nenhuma das malas no vídeo é uma “mala secreta”: o vídeo expressa um dia normal de apuração. O processo apresentado no vídeo foi revisado integralmente por duas cortes, que confirmaram que o conteúdo do vídeo representa uma apuração cotidiana, e não apresenta irregularidades. O veículo gospel brasileiro torna-se reprodutor dessa disseminação de fake news, alinhada com os últimos processos levantados pela defesa de Donald Trump que visam mobilizar a opinião pública favoravelmente, para pressionar os juízes a seu favor. Até então, tudo sem sucesso. 

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Foto de capa: Youtube/Reprodução

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Referências

Agência Lupa. https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2020/12/08/verificamos-malas-secretas-georgia/. Acesso em 09 dez 2020. 

Frances Watson. https://beta.documentcloud.org/documents/20420664-frances-watson-affidavit. Acesso em 09 dez 2020. 

11 Alive. https://www.11alive.com/article/news/politics/elections/trump-election-lawsuits-georgia-statuses/85-81d484df-e746-4c5a-be3a-d73555e9df70. Acesso em 10 dez 2020. 

New York Times. https://www.nytimes.com/live/2020/11/19/us/joe-biden-trump-updates. Acesso em 10 dez 2020. 

Site de notícias gospel do Brasil publica desinformação sobre eleições presidenciais dos EUA

O site evangélico de notícias Gospel Prime publicou matéria, em 7 de novembro, intitulada: “Joe Biden vence eleições nos EUA em disputa com suspeita de fraude”, apresentando um panorama de como se deu o pleito.

Inicialmente, Gospel Prime trouxe os números das eleições atualizados em 05 de novembro. Segundo a publicação, em uma disputa acirrada pela Casa Branca, Joe Biden foi eleito presidente dos Estados Unidos com 284 delegados e 50,6% dos votos populares, contra 214 delegados e 47,7% dos votos populares do republicano Donald Trump. Para além dos números, a matéria apontou a possibilidade de fraude no processo de apuração. “Biden usou sua conta no Twitter para se declarar vencedor, apesar de ainda ter de enfrentar uma longa batalha judicial que será travada pelo seu adversário, Donald Trump, atual presidente do país e que aponta indícios de fraudes”, ressaltou a publicação, que afirmou também que, ainda durante o processo de contagem, Trump chegou a usar o Twitter para colocar em dúvidas a apuração, dizendo que estava liderando em vários estados-chave controlados por democratas, mas que essas vantagens desapareceram após “cargas surpresas de votos” serem contabilizadas.

Gospel Prime afirmou que o republicano alertou que os democratas estariam “tentando roubar” as eleições e sugeriu que entraria com ação na Suprema Corte do país, já que havia suspeita de fraudes. Trump disse ainda na madrugada que, por direito, havia ganhado a eleição e que entraria com a ação para impedir uma “fraude”. Como já evidenciado anteriormente, apesar da Suprema Corte poder ser solicitada a intervir, as alegações parecem não ter qualquer perspectiva de sucesso.

Apenas repetindo o que é veiculado pela campanha de Trump, sem pesquisa e verificação próprias do jornalismo, a publicação no site evangélico ainda retomou as alegações infundadas do presidente dos Estados Unidos sobre o estado de Wisconsin, onde diversas denúncias de fraudes começaram a surgir na internet. De acordo com a matéria, o diretor de campanha de Trump, Bill Stepien, teria informado que o republicano pediria recontagem de votos naquele estado. “Wisconsin tem sido uma disputa frágil como sempre soubemos que seria. Tem surgido relatos de irregularidades em vários condados de Wisconsin, que levantam sérias dúvidas sobre a validade dos resultados. O presidente está bem dentro do limite para solicitar uma recontagem e faremos isso imediatamente”, reproduziu Gospel Prime a partir da afirmação em nota divulgada por Bill Stepien.

O processo eleitoral nos EUA

A matéria do site Gospel Prime, já mencionado em diversas checagens do Bereia categorizadas como falsas e enganosas, se junta a outros conteúdos sobre as eleições dos EUA, veiculados em espaços digitais religiosos no Brasil e no exterior, classificados como desinformação. Boa parte desses conteúdos diz respeito a supostas fraudes no processo eleitoral daquele país para favorecer o candidato Joe Biden (Partido Democrata).

Até a data de apuração desta reportagem, em 13 de novembro de 2020, as eleições presidenciais dos Estados Unidos ainda não contavam com um vencedor oficial, embora o democrata Joe Biden venha sendo amplamente aclamado presidente eleito do país. Segundo matéria da BBC, no último dia 07, de acordo com as projeções de resultados, o candidato ultrapassou o número de 270 votos do Colégio Eleitoral (de 538) necessários para chegar à presidência. No mesmo dia, Biden e sua companheira de chapa à vice-presidência Kamala Harris, à frente na apuração, fizeram discursos comemorando a vitória e, desde então, falaram sobre planos de governo.

Com comparecimento recorde, não visto no decorrer de 120 anos, Biden foi o candidato que mais recebeu votos na história recente do país, ultrapassando a marca anterior, de 69,5 milhões de votos recebidos pelo democrata Barack Obama em 2008.

De acordo com matéria publicada pela BBC News Brasil, a disputa foi apertada, uma vez que, nos Estados Unidos, o presidente é eleito de forma indireta, pelo Colégio Eleitoral, e receber a maioria do voto popular não desponta como sucesso garantido. A disputa pelos 270 votos do Colégio Eleitoral, necessários para ganhar a Presidência, segundo a BBC, foi acirrada e incerta até o último momento.

O cenário aponta para o fato de que, apesar de ter sido derrotado, Trump teve desempenho melhor do que o esperado e, segundo números parciais, recebeu neste ano mais de sete milhões de votos a mais do que havia recebido em 2016, quando também perdeu o voto popular, mas conquistou os votos necessários no Colégio Eleitoral para chegar à Casa Branca.

BBC News Brasil indicou ainda que, contrariando as expectativas dos democratas, o Partido Republicano ampliou a presença na Câmara dos Representantes (equivalente à Câmara dos Deputados no Brasil), recuperando algumas das cadeiras perdidas na eleição legislativa de 2018.

A expectativa de que o Partido Democrata conseguiria a maioria no Senado também foi colocada em xeque, apontou a mesma publicação. Assim, com poucas cadeiras ainda sem resultado confirmado, a única esperança do partido é vencer em janeiro duas disputas de segundo turno na Geórgia, Estado tradicionalmente republicano, apesar de Joe Biden aparecer à frente na apuração da eleição presidencial.

A base eleitoral fiel e o apoio de quase metade do país devem fazer com que, mesmo fora da Casa Branca, Trump continue sendo um líder influente no Partido Republicano. “O resultado desta eleição demonstra que o trumpismo continua firme e forte”, disse à BBC News Brasil o cientista político Justin Gest, professor da Universidade George Mason, na Virgínia. “Mesmo perdendo, será uma forte influência sobre os americanos e o futuro do Partido Republicano daqui para a frente”, afirmou o cientista político, autor do livro The New Minority: White Working Class Politics in an Age of Immigration and Inequality (A Nova Minoria: Política da Classe Trabalhadora Branca em uma Era de Imigração e Desigualdade, em tradução livre).

Enquanto isso, todo o mundo acompanha os desdobramentos do pleito, cuja previsão de finalização corresponde a 08 de dezembro, segundo estabelecido pela lei federal americana.

O pontapé das denúncias infundadas de fraude

Antes mesmo do início da contagem dos votos, o atual presidente Donald Trump já fazia alegações sobre fraudes nas eleições presidenciais, mesmo sem provas. Ele chegou a citar os votos antecipados pelos correios como possível brecha para fraudes, e chegou a afirmar que entraria com um processo para parar as contagens de votos recebidos pelo serviço postal após o dia 03 de novembro, quando ocorreu a eleição.

Em seu perfil no Twitter, diversos posts do dia 04 de novembro apontavam para supostas ações fraudulentas:

“Eles estão encontrando votos de Biden em todos os lugares – na Pensilvânia, Wisconsin e Michigan. Tão ruim para o nosso país!”, dizia em um dos posts, que contou com quase 180 mil comentários, 200 mil retuítes e cerca de 630 mil curtidas.

No dia 05 de novembro, a apuração na Filadélfia, maior cidade do estado da Pensilvânia, foi suspensa para que a Justiça tomasse decisão sobre qual deve ser o papel dos observadores dos partidos. Segundo informado em matéria publicada no G1, os partidos podem indicar representantes para acompanhar a abertura e a contagem dos votos nos centros de apuração. Após um homem, aparentemente do Partido Republicano, reclamar que não conseguia enxergar as informações escritas do lado de fora de uma das cédulas, a campanha de Trump protocolou – e ganhou – uma ação na Justiça estadual. A distância permitida para os observadores acompanharem a contagem foi reduzida para seis pés (cerca de 1,5 metro). A decisão judicial veio na manhã da quinta-feira, 05 de novembro.

No dia posterior, o presidente acusou, via perfil no Twitter, o Estado da Pensilvânia de má conduta nas eleições. “Legislatura. Eles simplesmente ignoraram isso, ignoraram a Constituição. Agora nós trazemos isso para as casas de contagem e, escandalosamente, os observadores, que são as sentinelas da integridade e transparência, foram excluídos. A Pensilvânia tem se conduzido de uma maneira horrível e sem lei, e espero que isso seja corrigido na Suprema Corte dos Estados Unidos. Além disso, essas votações tardias após o dia das eleições são ilegais, exatamente o que o presidente tem dito. O Supremo Tribunal, em circunstâncias extraordinárias, foi capaz de proferir decisões em questão de dias”, dizia Trump.

A administração da cidade, comandada por democratas, no entanto, recorreu a uma instância superior para reverter a decisão, mas o recurso ainda não foi julgado. A disputa judicial fez com que os trabalhos de contagem ficassem parados de uma a duas horas, segundo o jornal “Philadelphia Inquirer“.

Depois da aparente derrota, um movimento se iniciou nas redes sociais quando Trump afirmou que milhares de votos haviam sido recebidos “ilegalmente” na Pensilvânia e em outros estados-chave das eleições.

Contudo, de acordo apuração realizada pelo Portal G1, até a data de fechamento desta matéria, 13 de novembro, nenhuma prova concreta foi apresentada pelo atual presidente americano. Mesmo assim, Trump iniciou uma ofensiva judicial contra o resultado das eleições em estados-chave, porém, várias das ações já foram rejeitadas por tribunais estaduais. As ações dos republicanos visam principalmente os votos enviados pelo correio.

Publicação do Portal UOL do dia 12 de novembro apontou outras proposições sobre as medidas do presidente Trump e seus aliados para reverter os resultados. Segundo a matéria, eles insistem por diferentes meios, a exemplo do Twitter, de entrevistas e de comunicados, que todas essas investigações em torno das urnas levarão à reversão do resultado das eleições. UOL afirma que, no dia seguinte à eleição, após falar em fraude eleitoral sem provas, Trump anunciou: “Iremos ao Supremo Tribunal Federal”. Mas para que isso aconteça, várias etapas anteriores devem ser superadas. As equipes jurídicas precisam primeiro contestar o resultado nos tribunais estaduais, ainda que o procurador-geral do país também tenha aprovado “investigações preliminares” por procuradores federais, uma medida bastante incomum nos EUA.

Os juízes estaduais teriam então que decidir a favor da disputa e ordenar uma recontagem. Neste sentido, a Suprema Corte poderia ser solicitada a intervir. Mas, por mais que a campanha de desinformação em torno de Trump diga o contrário, nenhum dos casos acima mencionados parece ter qualquer perspectiva de sucesso.

O ponto comum entre todas essas ações judiciais que já foram indeferidas por juízes ao redor do país é que os advogados de Trump acabam, por falta de provas, apresentando no tribunal uma versão bem mais branda das acusações que o presidente faz em público. Enquanto o presidente fala sem provas no Twitter em “fraude desenfreada”, os advogados, ao contrário de Trump, têm de fundamentar suas alegações perante o juiz, o que desponta como uma difícil missão.

Na mesma semana, circulou em mídias sociais uma postagem mostrando supostas cédulas de votação das eleições dos Estados Unidos despejadas em uma estrada. Segundo a publicação, a imagem foi feita pelo FBI, que teria descoberto que houve fraude no pleito. Por meio de filtro de verificação de notícias do Facebook, usuários do aplicativo solicitaram que esse material fosse analisado, o que foi checado pela Agência Lupa, que categorizou a informação como falsa.

Fonte: Agência Lupa

A imagem é de setembro de 2018 e trata-se, na verdade, de correspondências que foram encontradas despejadas no chão por um funcionário dos correios na região de Pennsauken, em Nova Jersey, Estados Unidos. Portanto, não há qualquer relação com as eleições presidenciais norte americanas de 2020.

Segundo reportagem do The Philadelphia Inquirer, a foto enganosa foi feita por um morador da região, que publicou a cena em seu Facebook em 30 de setembro de 2018, com a seguinte legenda: “Se você está procurando sua carta, talvez esteja na estrada do rio pela estação 36…Compartilhe esse post”. De acordo com o texto do Philadelphia Inquirer, o carteiro responsável pela entrega pediu demissão do serviço. “O Correio da Estação Roxborough vai entregar a correspondência”, informou o Escritório do Inspetor Geral dos Correios dos EUA, na ocasião.

A peça de desinformação vem sendo compartilhada nos Estados Unidos desde setembro deste ano e já tinha sido desmentida por diversos veículos internacionais, a exemplo da NBC. Entretanto, voltou a ser usada para se disseminar desinformação s em mídias sociais, após a campanha do presidente Donald Trump pedir a recontagem de votos nos estados de Wisconsin e Michigan. Devido à pandemia da Covid-19, milhões de eleitores votaram por correio.

Desinformações sobre as eleições americanas continuam a circular em sites brasileiros

Mesmo sem o resultado do pleito à presidência dos EUA, iniciado em 03 de novembro, no Brasil, notícias falsas e enganosas continuam a circular nas redes sociais digitais e sites noticiosos.

No dia 10 de novembro, o portal G1 publicou matéria sobre a utilização da plataforma que se mostrou capaz de detectar centenas de contas brasileiras no Twitter disseminadoras de desinformações sobre a eleição americana.

De acordo com o criador do sistema que monitora robôs Christopher Bouzy, os autores das contas nem ao menos tentam disfarçar a origem, deixando claro que são brasileiras.

Fonte: Portal G1

A plataforma Bot Sentinel, que monitora atividade de robôs no Twitter, alertou no dia 10 de novembro, a existência de mais de mil contas brasileiras tentando espalhar desinformação sobre a eleição americana na rede social. Entre os exemplos apresentados estão contas que repetidamente publicam a hashtag #BidenWasNotElected (“Biden não foi eleito”), mensagem de apoio às alegações sem provas de Donald Trump sobre um suposto “roubo” na disputa presidencial para beneficiar o democrata Joe Biden.

À reportagem da GloboNews, Bouzy informou: “Desde a semana passada, acompanhamos as atividades das eleições e, desde o primeiro dia, percebemos que contas brasileiras estavam espalhando desinformação. Mas na semana passada eram aproximadamente 370-400 contas brasileiras no Twitter. Agora são bem mais de 1000 se aproximando de 2000″. O depoimento também foi publicado na matéria do portal G1.

Segundo o portal, o estadunidense nota que muitas das contas repetem insistentemente as mesmas mensagens de desinformação. “O curioso e bizarro é que não estão tentando esconder seu país de origem. A maioria dos atores estrangeiros que estão disseminando desinformação tenta se disfarçar como alguém dos Estados Unidos. Mas esses [brasileiros] estão fazendo isso à vista de todos”, comentou. “Contas estrangeiras no Twitter que disseminam desinformação sobre as eleições nos EUA não são raras, mas é incomum que haja um número significativo de contas brasileiras no Twitter que tentam semear a discórdia em uma eleição presidencial dos EUA”, disse o criador do Bot Sentinel à reportagem.

Em sua conta no Twitter, Bouzy também publicou as constatações evidenciadas pela plataforma de checagem:

Fonte: Twitter

Neste cenário, sites religiosos como o Gospel Prime entram novamente no rol da desinformação.

Entenda como será definido resultado das eleições

Ao contrário de muitos outros países, os Estados Unidos não têm um órgão eleitoral central que decide e certifica os resultados das eleições nacionais — o equivalente ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no Brasil, por exemplo. Vale ressaltar que cada um dos 50 Estados tem suas próprias regras e prazos diferentes, o que explica os desarranjos dos últimos dias, com foco em alguns Estados em disputa.

Em 2020, porém, enfrenta-se uma situação incomum por vários motivos. Por um lado, a pandemia do coronavírus e as precauções necessárias fizeram com que a votação pelo correio disparasse, o que desacelerou a contagem em alguns lugares.

Por outro lado, de acordo com matéria da BBC “há um presidente que não quer assumir as projeções de Estados que dão vitória a Biden, rompendo com uma tradição em que o perdedor reconhece a derrota e oferece sua colaboração ao presidente eleito”. Segundo a publicação, ao invés disso, a campanha de Trump e sua equipe jurídica entraram com ações judiciais em Estados importantes para bloquear o processo pelo qual as autoridades eleitorais certificam os resultados.

É importante entender ainda o conceito de Certificação de Resultados, ou seja, a comprovação que os Estados emitem confirmando o vencedor das eleições naquele território. Embora o processo varie por Estado, a certificação geralmente é concluída nas semanas seguintes às eleições, antes que a delegação de cada Estado no Colégio Eleitoral se reúna, em meados de dezembro, para emitir seus votos.

Os resultados geralmente divulgados na noite das eleições são considerados não oficiais e as autoridades de cada Estado levam algum tempo após as eleições para encerrar a contagem dos votos.

Para verificar os resultados, os funcionários checam os dados da contagem dos votos e confirmam se o manuseio das cédulas foi correto. O ato de certificação é normalmente realizado pelo chefe do órgão eleitoral estadual, pelo governador ou por uma junta de membros de campanha.

Cada Estado tem processos diferentes para verificar a contagem final dos votos antes que as autoridades certifiquem formalmente os resultados, o que pode demorar algumas semanas, com cada condado certificando os resultados de sua região e enviando-os às autoridades eleitorais estaduais em um prazo que varia de local para local.

Muitos dos Estados já concluíram esse processo, mas em muitos deles o período de certificação permanece aberto. Nos atemos aos prazos dos seguintes Estados, apurados pela BBC:

  • Nevada – Prazo termina em 16 de novembro.
  • Wisconsin – Condados devem fornecer resultados certificados à comissão eleitoral estadual até 17 de novembro.
  • Geórgia – Prazo termina em 20 de novembro.
  • Michigan e Pensilvânia – Condados devem certificar os resultados até 23 de novembro.
  • Arizona – Prazo termina em 30 de novembro.

Segundo a mesma publicação da BBC, em dois desses Estados, Wisconsin e Geórgia, foi anunciado que haverá uma recontagem de votos, uma ação que só pode começar depois que a certificação for feita.

As autoridades eleitorais de cada Estado verificam os resultados para garantir a precisão da contagem final e detectar possíveis problemas técnicos, erros humanos ou fraudes (que, segundo dados históricos, são muito raras nos Estados Unidos).

Vale lembrar que essas etapas de verificação e o ato de certificação geralmente não produzem mudanças drásticas nas projeções.

Segundo estabelecido pela lei federal estadunidense, existe uma data como prazo final para as contagens denominada de “porto seguro”, que neste ano corresponde a 08 de dezembro. Até lá, de acordo com a lei federal, todas as informações de resultados estaduais devem ter alcançado o “porto seguro”, ou seja, devem ter sido entregues pelas autoridades eleitorais de cada Estado.

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Bereia categoriza a matéria de Gospel Prime, que afirma suspeitas de fraude nas eleições dos Estados Unidos, como enganosa. Isso porque, segundo apurações de importantes veículos que seguem acompanhando o andamento das eleições, como a BBC, até 12 de novembro, nenhuma evidência de fraude apareceu.

Não se pode descartar que, devido às alegações do presidente de suposta fraude, algumas legislaturas estaduais em mãos dos republicanos decidam não aceitar como válidos os resultados das eleições em seu próprio Estado. Assim, no dia 14 de dezembro poderia ocorrer, no Colégio Eleitoral, uma divisão entre delegados de um mesmo Estado, com um grupo dando seu voto ao vencedor nas urnas do Estado e o outro, seguindo a orientação do legislativo do Estado. Nesse caso, a lei estabelece que cabe ao Congresso dos Estados Unidos escolher entre os dois grupos de delegados enviados pelo Estado, o que não acontece desde 1876.

A matéria de Gospel Prime também falha ao não informar seus leitores/as sobre os processos que envolvem a finalização da eleição e o papel da Suprema Corte americana em relação à intervenção na contagem dos votos, o que poderia elucidar a clareza nas apurações dos votos.

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Foto de Capa: Getty Images/Reprodução

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Referências de checagem

Eleição nos EUA 2020: por que a vitória de Biden não significa o fim do trumpismo? Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-54843658. Acesso em 11 de novembro de 2020.

Plataforma detecta centenas de contas brasileiras no Twitter disseminando desinformação sobre a eleição americana. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/eleicoes-nos-eua/2020/noticia/2020/11/10/plataforma-detecta-centenas-de-contas-brasileiras-no-twitter-disseminando-desinformacao-sobre-a-eleicao-americana.ghtml. Acesso em 11 de novembro de 2020.

Como Trump quer reverter o resultado das urnas e qual a resposta de Biden. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2020/11/12/como-trump-quer-reverter-o-resultado-das-urnas-e-a-qual-a-resposta-de-biden.htm Acesso em 13 de novembro de 2020.

Nem Trump nem a mídia: quem realmente decide oficialmente a eleição presidencial nos EUA. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-54930248. Acesso em 13 de novembro de 2020.

Contagem de votos na maior cidade da Pensilvânia é brevemente interrompida por disputa judicial. https://g1.globo.com/mundo/eleicoes-nos-eua/2020/noticia/2020/11/05/contagem-de-votos-na-maior-cidade-da-pensilvania-e-interrompida.ghtml. Acesso em 11 de novembro de 2020.

É antiga imagem de ‘cédulas de votação’ das eleições dos EUA jogadas em estrada. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2020/11/05/verificamos-imagem-cedulas-votacao/. Acesso em 13 de novembro de 2020.

A descrença na instituição jornalística é também um produto da desinformação

Publicado originalmente no Observatório da Imprensa por Allysson Martins, em 12/05/2020*

O jornalismo é uma instituição que busca a verdade, diferente dos setores que criam e espalham fake news, trabalhando com a mentira em um processo articulado para a desinformação da sociedade. Esse esquema dissemina ainda a descrença na instituição jornalística. Por isso, tratar erros jornalísticos como “notícias falsas” é mais que um equívoco, é uma contribuição para a desinformação dos indivíduos ao desvalorizar uma instituição fundamental para o bom desenrolar da democracia. O jornalismo busca sempre apurar e divulgar a informação verdadeira.

O jornalista e o veículo podem cometer erros e até disseminar informações incorretas – porém, diferentemente dos propagadores de fake news, os jornalistas não possuem a intenção deliberada de enganar quem consome seus conteúdos. O profissional pode se enganar por incompetência ou falta de mecanismos suficientes para perceber o erro na apuração, mas, quando percebe que os supostos “fatos” são “fakes”, corrige-se e informa corretamente.

Por tratar-se de uma instituição com credibilidade, não é coincidência que algumas informações falsas espalhadas se valham de uma estrutura próxima da produzida pelo jornalismo. Essa estratégia, se não garante credibilidade, ao menos diminui a confiança na instituição; a ideia que passa nem sempre é “acredite no que a gente diz”, mas desconfie do que publicam as organizações jornalísticas.

Muito conteúdo de fake news que circula, de fato, aproxima-se menos de uma produção jornalística do que de uma fonte testemunhal ou de um documento verossímil.

Afinal, como não acreditar em alguém que diz ter visto algo? Ou como não confiar em uma imagem ou um vídeo? A tendência a aceitar informações que corroborem crenças e valores facilita a equação, sobretudo quando disseminadas por pessoas de quem se gosta e confia; estudos sobre exposição seletiva e viés de confirmação não são recentes.

As fake news ganharam popularidade a partir de 2016, durante a campanha para a presidência dos EUA, culminando na eleição de Donald Trump. No Brasil, muito começou a se falar das fake news em 2018, na campanha presidencial que terminou com a eleição de Jair Bolsonaro.

Os dois presidentes, desde então, tentam dirimir a credibilidade jornalística ao desqualificar constantemente suas produções, inclusive classificando-as como fake news. Essa associação precisa ser combatida, sempre evidenciando as diferenças entre elas.

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Allysson Martins é jornalista, professor e pesquisador do MíDI – Grupo de Pesquisa em Mídias Digitais e Internet da Universidade Federal de Rondônia (UNIR). Autor do livro Jornalismo e guerras de memórias nos 50 anos do golpe de 1964.