A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) anunciou em seus perfis em redes digitais, em 24 de outubro passado, estar investindo R$3,6 milhões em obras para viabilizar a construção de um novo Centro de Atenção Psicossocial (Caps) na cidade do Gama, no Distrito Federal. O título da publicação “Damares investe R$3,6 mi e obras de novo Caps no Gama começam em novembro”, leva seguidores da senadora a crerem que o valor aplicado é de cunho pessoal.
Apenas no final da legenda da imagem no perfil de Damares Alves no Instagram, ela explica que esse montante é proveniente de emenda parlamentar individual. “O DF tem altos índices de suicídio e automutilação, especialmente entre adolescentes. Fui eleita prometendo combater isso. Além do Gama, Ceilândia, Guará, Taguatinga e Recanto das Emas também terão novas unidades dos CAPS, construídas com um total de R$ 21 milhões de verba proveniente de emenda individual”, diz o texto.
Imagem: reprodução/Instagram
A notícia também foi divulgada em outros veículos. Os sites DF Mobilidade e Conectado no Poder publicaram, em 23 de outubro, notícias que reproduzem o mesmo título divulgado pela senadora. As publicações indicam que a senadora anunciou investimentos para fortalecer o atendimento da saúde mental no Distrito Federal voltado para jovens.
Os títulos das notícias dão destaque para o início das obras na região do Gama, contudo apontam que haverá a construção de novos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) em outras regiões também, incluindo Ceilândia e Guará. Os textos indicam que foi destinado um orçamento de R$ 21 milhões para as novas unidades, que visam oferecer atendimento especializado para reduzir os índices de suicídio e automutilação entre adolescentes, além de tratar vícios em álcool e drogas.
Imagem: reprodução/Conectado ao Poder
Imagem: reprodução/DF Mobilidade
O site DF Mobilidade já havia divulgado, em 17 de setembro, a notícia “Setembro Amarelo: cinco regiões do DF terão novos CAPs com investimento de R$ 21 milhões de Damares”. Na notícia é detalhado como seria aplicado o investimento de R$ 21 milhões por emenda individual da senadora Damares Alves em quatro das novas unidades do CAPs que tratarão de vício em álcool e drogas, e a unidade de Ceilândia será voltada ao público infantojuvenil.
Bereia checou a informação sobre esta forma de “investimento” com emenda parlamentar e de divulgação que caracteriza autopromoção.
Imagem: reprodução/DF Mobilidade
Qual é o investimento divulgado por Damares Alves ?
Em pesquisa realizada no Portal da Transparência, Bereia levantou as emendas parlamentares individuais relacionadas à senadora Damares Alves. Ao total foram identificados três registros de emendas parlamentares destinadas à saúde na localidade do Distrito Federal, juntas elas somavam mais de 32 milhões de reais – precisamente a quantia de R$32.014.493,00.
Todas as emendas se enquadram no programa orçamentário de atenção especializada à saúde. Dentro desse programa uma delas foi definida como ação orçamentária de Estruturação de Unidades de Atenção Especializada em Saúde, enquanto as outras duas estavam indicadas como Incremento Temporário ao Custeio dos Serviços de Assistência Hospitalar e Ambulatorial para Cumprimento de Metas.
O que são Emendas Parlamentares?
As Emendas Parlamentares são instrumentos utilizados por deputados e senadores para destinar recursos do orçamento federal a áreas específicas, geralmente suas bases eleitorais. Por meio das emendas parlamentares, os deputados e senadores podem opinar ou influir na alocação de recursos públicos em função de compromissos políticos que assumiram durante seu mandato, tanto com estados e municípios quanto a instituições. Elas permitem que cada parlamentar indique como parte do orçamento público deve ser utilizada, comumente em projetos e obras que possam beneficiar diretamente seus eleitores. As emendas podem ser destinadas a diversas áreas, como saúde, educação, infraestrutura, cultura, entre outras.
Tipos de Emendas Parlamentares
Emendas Individuais: Propostas por um único deputado ou senador, com valor limitado por ano. Por serem impositivas, o governo federal é obrigado a executar essas emendas, salvo em casos de restrições financeiras justificadas.
Emendas Coletivas: Apresentadas por um grupo de parlamentares.
Emendas de Bancada: Apresentadas por bancadas estaduais ou de um conjunto de parlamentares de um mesmo estado, servem para destinar recursos a demandas específicas de determinada região ou grupo.
Emendas de Comissão: São apresentadas pelas comissões permanentes do Congresso, voltadas a setores específicos, como educação ou saúde, por exemplo.
Emendas de Relator: São propostas pelo relator-geral do orçamento e servem para ajustes mais amplos. Essas são mais polêmicas, pois envolvem altos valores e, muitas vezes, destinam recursos de maneira concentrada, dependendo da articulação política.
Imagem: reprodução/Portal da Transparência
As emendas parlamentares são um recurso importante para atender demandas regionais e específicas, que nem sempre são priorizadas no orçamento geral. No entanto, podem ser usadas como moeda de troca política entre o Executivo e o Legislativo, além de não garantirem sempre uma alocação eficiente dos recursos.
Por conta disto, as emendas parlamentares têm sido alvo de recentes debates e críticas, principalmente no que diz respeito à transparência e à possibilidade de desvio de recursos. Isto se dá devido a uma transformação no processo, promovida durante a legislatura passada (2019-2022), em acordo entre o governo do então presidente Jair Bolsonaro (PL), interessado no apoio da Câmara Federal a suas políticas, e o presidente da casa deputado Arthur Lira (PP-AL), líder do conhecido bloco parlamentar fisiológico denominado “Centrão”. O acordo ficou conhecido como “orçamento secreto”.
Emendas parlamentares e o orçamento secreto
O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu, em julgamento de dezembro de 2022, o chamado “orçamento secreto”, como foram apelidadas as emendas feitas pelo relator-geral do projeto de Lei Orçamentária Anual, justamente por falta de transparência sobre a utilização delas. Esse tipo de emenda não permite identificar o congressista que definiu a destinação da verba federal.
Após o STF ter imposto restrições, os congressistas passaram a utilizar outros tipos de emendas, como as individuais e as apresentadas pelas comissões permanentes da Câmara e do Senado, para continuar a avançar no controle do orçamento público de forma pouco transparente. Os parlamentares recorrem às chamadas “emendas Pix”, individuais e de bancada, que permitem repasses diretos a estados e municípios, sem que seja necessário indicar onde ou como o dinheiro vai ser gasto, o que dificulta o rastreamento da verba pelos órgãos de fiscalização.
A reeleição para cargos executivos no Brasil, permitida desde 1997, tem mostrado uma tendência de alta, acompanhada por mudanças nas dinâmicas políticas. Dados de 2020 apontam um aumento significativo na taxa de reeleição, em parte impulsionado pelas emendas parlamentares impositivas, que cresceram substancialmente nos últimos anos. Essas emendas, direcionadas diretamente aos municípios por parlamentares, têm fortalecido prefeitos em seus redutos eleitorais, como indicam os estudos recentes da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Até o fechamento desta matéria, o atual modelo de “emendas pix” seguia suspenso por decisão do ministro do STF Flávio Dino, em agosto passado. O ministro é relator de ação protocolada na Corte pelo PSOL. O partido alegou ao Supremo que o modelo de emendas impositivas individuais e de bancada de deputados federais e senadores torna “impossível” o controle preventivo dos gastos.
Flávio Dino frisou em sua decisão a necessidade de que haja maior transparência e rastreabilidade na liberação das verbas, conforme determina a Constituição, não permitindo que as práticas do orçamento secreto continuem a ser empregadas. O entendimento foi referendado por unanimidade pelos outros dez ministros da Corte.
Por conta da suspensão, um projeto de lei que regulamenta novas normas para essas emendas foi protocolado no último 31 de outubro, na Câmara dos Deputados, e deve ser votado em breve. O texto é resultado de um acordo entre os ministros do STF, o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL) e outros parlamentares.
O que diz a Constituição sobre autopromoção de agentes públicos?
Bereia checou sobre o tom de autopromoção da senadora Damares Alves em seus perfis de mídias sociais na forma da aplicação de emendas individuais em projetos de saúde no Distrito Federal. A chamada, reproduzida em mídias de notícias, não destaca que a senadora lança mão do orçamento público, por meio de emenda parlamentar, e coloca o peso da ação na figura da parlamentar, como se a realização do projeto partisse de verbas próprias. O texto diz: “Damares investe R$3,6 mi e obras de novo Caps no Gama começam em novembro”.
De acordo com o art. 37, § 1º, da Constituição Federal, a propaganda institucional deve exclusivamente promover atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos e entidades públicos, ter caráter educativo, informativo ou de orientação social. É ressaltado na legislação que não podem constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos. Portanto, é vedada a autopromoção na utilização de dinheiro público.
Bereia classifica a publicação da senadora Damares Alves como enganosa. A forma como a parlamentar propaga a aplicação de recursos públicos, via emendas parlamentares, garantidas na Constituição Federal como recurso para o trabalho destes agentes eleitos pela população, leva a crer que os valores empenhados na construção e melhoria das unidades dos Caps na região do Gama são de sua propriedade.
O termo “Damares investe” é enganoso porque os investimentos são promovidos pelo Estado brasileiro, com recursos levantados com impostos e com outras fontes públicas de receita. Todas as emendas parlamentares são pagas com os recursos da União, dos cofres públicos, e parlamentares são agentes nas diferentes aplicações destes recursos. Deputados e senadores não podem anunciar obras e benesses executadas com verba pública, como uma realização pessoal.
De acordo com os princípios do Congresso Nacional, a senadora tem o dever de prestar contas dos seus feitos a eleitores, e pode fazê-lo por meio de seus perfis em mídias digitais, porém, de acordo com o protocolo seguido, seja com a apresentação de projetos de lei, seja com o recurso a emendas parlamentares. A promoção pessoal com uso de recursos públicos – “Damares investe”, quando quem investe é o Estado brasileiro, com a concessão das emendas – é vedada pelo art. 37, § 1º, da Constituição Federal, como verificado pelo Bereia.
* Matéria atualizada às 15:08 de 19/01/2023 para acréscimo ao final do texto de organizações que se manifestaram contra os atos em Brasília
Os ataques às instituições da República Federativa do Brasil – em especial ao Supremo Tribunal Federal (STF) – saíram da retórica para a ação, após a derrota eleitoral do candidato da extrema-direita, Jair Messias Bolsonaro, em 30 de outubro de 2022.
O objetivo do grupo, que marchou escoltado pela Polícia Militar de Brasília até chegar aos prédios públicos, cantando hinos, cânticos espirituais e utilizando símbolos religiosos, era, como publicizado pelo próprio nas mídias sociais, uma tomada hostil do poder e a instauração de um golpe de Estado.
Desde o fim das eleições, quando bloquearam estradas e iniciaram os acampamentos em frente aos quartéis do Exército Brasileiro, os revoltosos clamavam pela mobilização das tropas e “virada de mesa” na derrota eleitoral – nesses quatro meses, além de agredirem verbalmente os eleitores de Lula, os derrotados perseguiram e saquearam jornalistas, espancaram agentes de segurança, destruíram viaturas e saquearam as sedes dos Três Poderes (exibindo nas fotografias e vídeos os resultados das ações como troféus de uma guerra santa).
Frustrados na ação que visava impedir a posse do presidente eleito, o movimento rearticulou-se para “retomar o poder” em 8 de janeiro de 2023. Religiosos atuaram nas convocações.
O cantor gospel Salomão Vieira, apontado como um dos articuladores dos atos em Brasília, teve sua conta banida do Instagram nesta semana após transmitir em tempo real as invasões às sedes dos Três Poderes. Segundo reportagem da rádio CBN, ele teria financiado com ao menos 10 mil reais em suprimentos para manifestantes golpistas.
Já o pastor José Acácio Tserere Xavante não participou da invasão em Brasília. Preso desde dezembro por determinação do STF, o indígena publicou uma carta na quinta-feira 5 de janeiro, pedindo desculpas pelos seus atos e reconhecendo que errou ao dizer que havia fraude nas urnas eletrônicas. Bereia já confirmou a biografia de José Acácio Tserere Xavante em matéria anterior.
Reações das igrejas, organizações e influenciadores religiosos
Desde o domingo, dia 8 de janeiro, igrejas e organizações religiosas têm se manifestado contra as tentativas de incentivo à sedição, golpe de Estado ou guerra civil. Os clamores pela paz e pela manutenção da lei e da ordem vão desde a Universidade Presbiteriana Mackenzie e ANAJURE (anteriormente alinhados ao governo Bolsonaro) até instituições que sempre se posicionaram contra atos da extrema-direita brasileira (como a CNBB e CONIC). Estão listados ao final da matéria os links e os pronunciamentos na íntegra daqueles a que Bereia teve acesso até o fechamento desta matéria.
O pastor da Igreja Batista e músico cristão Nelson Bomilcar, definiu os líderes evangélicos que incentivaram a rebelião como “influencers do caos”. Bomilcar também escreveu : “Precisamos de (uma) campanha nacional para diminuir violência de toda espécie. Desarmamento é fundamental. Violência é injustificável em qualquer situação (…) Violência por qualquer motivo: Religiosa, política, policial”.
O teólogo Ronilson Pacheco, Mestre em Religião e professor assistente da Universidade de Filosofia de Oklahoma (EUA) avalia: “Sem um monitoramento inteligente de como a extrema-direita se movimenta, seu núcleo organizado e desorganizado, de onde vem estratégias e narrativas, sem conhecer a capilaridade de suas ideologias e atravessamentos, principalmente religiosos, vai ser um ataque atrás do outro”.
Além das prisões em flagrante dos que praticaram as ações criminosas de 8 de janeiro, ao solicitar a prisão do ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro e do ex-secretário de segurança pública do Distrito Federal, o Supremo Tribunal Federal (STF) registra “uma possível organização criminosa que tem por um de seus fins desestabilizar as instituições republicanas, principalmente aquelas que possam contrapor-se de forma constitucionalmente prevista a atos ilegais ou inconstitucionais… utilizando-se de uma rede virtual de apoiadores que atuam, de forma sistemática, para criar ou compartilhar mensagens que tenham por mote final a derrubada da estrutura democrática e o Estado de Direito no Brasil”.
Após o decreto de intervenção federal na segurança pública de Brasília e os mandados de busca e prisão dos sediciosos, monitoramento de mídias sociais demonstram que os mesmos nomes que incentivaram a ocupação dos acampamentos em frente aos quartéis e clamavam pela “intervenção”, começaram a clamar por direitos humanos e apelaram às organizações internacionais na denúncia de uma “ditadura comunista” instaurada no Brasil.
Mensagens enganosas, relatando maus tratos aos detidos, falecimentos e suicídios passaram a circular intensamente. A deputada federal Bia Kicis, inclusive, espalhou a mentira em um de seus pronunciamentos, mas retratou-se posteriormente, por meio da sua conta no Twitter.
A Polícia Federal divulgou uma nota combatendo a desinformaçãodisseminada e notificou que após a detenção em flagrante de 1.500 pessoas, entre vândalos e acampados em Brasília, idosos e mulheres com crianças já foram liberados.
Até o fechamento desta matéria, as autoridades já receberam mais de 60 mil denúncias de promoção e patrocínio de atos anti-democráticos. Ao todo, foram detidas em Brasília, 1.843 pessoas. Todas foram identificadas pela Polícia Federal e irão responder por crimes de terrorismo, associação criminosa, atentado contra o Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, perseguição, incitação ao crime, sedição, dentre outros. Há 684 detidos, entre os quais há idosos, pessoas com problemas de saúde, pessoas em situação de rua e pais/mães acompanhados de crianças responderão em liberdade.
A Polícia Federal qualificou, interrogou e prendeu 1.159 pessoas. Há, ainda, novos mandados de prisão, busca e bloqueio de bens – especialmente de empresários e financiadores do movimento, com um total de 50 investigações relatadas até o momento. Não há ações contra igrejas.
Envie vídeos e publicações nas mídias sociais para o Bereia
Bereia continuará coletando e analisando as publicações, vídeos e mensagens enviadas por pastores, igrejas e organizações religiosas sobre os atos de sedição e terrorismo doméstico ocorridos entre 30 de outubro de 2022 e 8 de janeiro de/2023.
Convocado pela CPI da Covid, ele se apresenta como psicólogo, mas não tem registro no Conselho Federal da categoria
Na primeira reportagem a respeito de Amilton Gomes de Paula, pastor de uma denominação Batista intitulado “reverendo” envolvido no escândalo da compra de vacinas pelo Ministério da Saúde, Bereia encontrou inconsistências em seu currículo. Esta segunda matéria procura elucidar as razões dessas controvérsias sobre o perfil do líder religioso.
Amilton Psicólogo?
Diante das inúmeras filiações em entidades de classe e atividades ligadas à psicologia, descritas no currículo do religioso, Bereia apurou e descobriu que Amilton Gomes, de fato, recebeu um registro para atuar como psicólogo no Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal (CRP-DF), em janeiro de 2013.
No entanto, em 2017, o Conselho recebeu uma denúncia de fraude na documentação do pastor e de um grupo de psicólogos que teriam se formado na Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde de Patos de Minas (MG) (SESPA). De acordo com a presidente do CRP-DF Thessa Laís Pires e Guimarães, em entrevista ao Bereia, a SESPA já estava fechada, mas configurava no MEC como ativa. O Conselho, então, deu um prazo para os envolvidos apresentarem nova documentação e comprovarem a conclusão do curso de Bacharel em Psicologia, o que não aconteceu.
“Após a denúncia e todos os levantamentos que fizemos, a fiscalização chegou a conclusão que essas pessoas não cursaram o curso de psicologia, pois a faculdade já tinha fechado. Então, o CRP reabriu esse processo de inscrição, dando a todos os profissionais que apresentaram diplomas da SESPA a oportunidade de apresentarem novos documentos, mas nenhum deles apresentou. Por isso, todas as inscrições foram canceladas, excluídas do sistema e o processo encaminhado ao Ministério Público e à delegacia onde entregamos a denúncia”, conta Thessa Guimarães.
A presidente do CRP-DF esclarece ainda o porquê de o número do registro de Amilton Gomes não constar como cancelado no sistema de buscas disponibilizado pelo Conselho Federal de Psicologia no site da entidade. “Não consta no sistema como cancelado porque essa classificação é para o profissional idôneo que apresentou a documentação exigida, mas não quer mais exercer a profissão e por isso cancela. No caso deles não foi isso, eles apresentaram diploma com conteúdo falso, pois não cursaram psicologia”.
Sobre os cursos de especialização citados no currículo do religioso, Thessa Guimarães alega que o Conselho não tem ingerência sobre as especializações e que são cursos livres. “Ele não é psicólogo e não está autorizado a exercer essa profissão. O Conselho enviou ofício a várias dessas instituições que ele cita no currículo comunicando que ele não é psicólogo”, explica.
Bereia também verificou a filiação de Amilton Gomes às demais entidades de classe citadas em seu currículo, como a Sociedade de Psicologia do Centro-Oeste (SOPSICO), da qual ele se apresenta como presidente. Não há site da entidade ou qualquer registro oficial dela. Há apenas uma postagem do logotipo, seguido de um texto explicativo sobre o que é a SOPSICO em uma rede social da Igreja Batista Ministério Vida Nova da qual o pastor é também presidente.
Reprodução da publicação sobre a SOPSICO no Tumblr
No site da Sociedade Brasileira de Neuropsicologia (SBNp), por exemplo, o nome do religioso não consta na lista de Neuropsiquiatras credenciados pela entidade. O mesmo acontece com o Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (IBAP). Bereia entrou em contato via telefone e WhatsApp com a Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil e Profissões Afins (ABENEPI) e com a Associação Brasileira de Medicina Psicossomática (ABMP) e nenhuma delas reconhece Amilton Gomescomo membro ou filiado. Já a Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP), não retornou o contato até o fechamento desta matéria.
Amilton Policial?
Outro ponto que chama atenção no currículo de Amilton Gomes diz respeito à sua ligação com entidades policiais. Consta em seu Currículo Lattes o cargo de Vice-Presidente da Federação Nacional de Policiais Ferroviários Federais. Bereia apurou e constatou que Gomes é também filiado ao Sindicato de PFF (Policiais Federais Ferroviários) e membro do IPA (International Police Association, Associação Internacional de Policiais, em inglês). Sua filiação sindical foi efetivada no dia 23 de setembro de 2020 e registrada no Diário Oficial da União.
Imagem: Reprodução Currículo Lattes de Amilton Gomes de Paula
Imagem: Reprodução da página 122 do DOU de 23 de setembro de 2020
Já a associação ao IPA foi confirmada pelos representantes da entidade no Brasil contatada pelo Bereia. Entretanto, ao serem questionados sobre como o pastor conseguiu se associar sem ser policial, não houve resposta dos representantes brasileiros da IPA. Bereia também não recebeu resposta quando perguntou a respeito do processo de filiação à associação. Não há registro da atuação de Amilton Gomes como policial em seu Currículo Lattes ou na página da SENAH.
O presidente da Associação Nacional dos Policiais Ferroviários Federais (ANAPFF) Carlos Romeu Alves Antunes afirma, no entanto, que a profissão não pode ter representação sindical, apenas associações. Isso acontece porque não há regulamentação desse cargo. “Eles criaram (o sindicato), mas é ilegal. Ainda não existe Policial Ferroviário Federal, portanto o STF não reconheceu esse sindicato. Ele (Amilton Gomes) não faz parte de nossa entidade, por não se tratar de um policial ferroviário. Não consta nos registros do Ministério da Justiça”, explica Antunes.
O presidente da ANAPFF questiona a existência de uma Federação ligada à categoria, como consta no currículo de Amilton Gomes. “Como pode existir uma confederação se não existem sindicatos? Não existem sindicatos porque os PFFs (Policiais Ferroviários Federais) ainda não estão nos cargos. Estamos aguardando a Justiça resolver essa situação”.
De fato, apesar de constar na Constituição Brasileira, a profissão não foi regulamentada. O Projeto de Lei n° 1786, de 2021 foi encaminhado ao Senado em maio deste ano sob a justificativa de que apesar de ter assento constitucional, a Polícia Ferroviária Federal nunca foi implementada e continua em tramitação na casa.
Chama a atenção, também, uma breve passagem de Gomes pelo Exército Brasileiro entre 1991 e 1998, no cargo de Adjunto Oficial General, de acordo com o seu Currículo Lattes. Não há, contudo, qualquer referência a este cargo no DECRETO No 71.733, DE 18 DE JANEIRO DE 1973 (e diversos decretos de atualização). Apenas no DECRETO Nº 9.435, DE 2 DE JULHO DE 2018 há menção a adjuntos (agentes da Agência Brasileira de Inteligência [ABIN], no exterior, junto às missões diplomáticas brasileiras). Não há comprovação de que Amilton Gomes tenha atuado nesse setor.
Imagem: Reprodução Currículo Lattes de Amilton Gomes de Paula
Assim como ocorreu na produção da matéria anterior, o religioso não retornou nossas tentativas de entrevista, apesar de ter recebido cordialmente o primeiro contato. Bereia então entrou em contato com os advogados de Amilton Gomes. Segundo o Dr. Daniel Sampaio, seu cliente só vai falar com a imprensa após o depoimento à CPI da COVID, em 03 de agosto.
Formação religiosa e igreja de Amilton Gomes de Paula
Conforme detalha a apuração primeira parte da reportagem do Bereia, Amilton Gomes se apresenta como “reverendo” e membro da Convenção Batista Nacional (CBN). No entanto, lideranças da denominação negam o pertencimento da Igreja Batista Ministério Vida Nova à CBN. Bereia encontrou um site que oferece informações sobre a essa comunidade religiosa. O site possui diversas partes incompletas, mas contempla a biografia de Amilton Gomes (com as mesmas credenciais daquelas encontradas no Lattes), nomes de lideranças da igreja como pastores, presbíteros e diáconos, bem como fotos de celebrações. A aba de contato, no entanto, remete a um endereço de São Bernardo do Campo – e não Brasília, onde o site informa que igreja se localiza.
Reprodução da página inicial do site da Igreja Batista Ministério Vida Nova
O canal no YouTube da Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (SENAH) – entidade presidida pelo religioso, tem vídeos da Igreja Batista Ministério Vida Nova em seus arquivos. Esses conteúdos vão desde sermões pregados por Amilton Gomes, gravações da parte musical do culto religioso e também transição de programa da igreja na Rádio Redentor de Brasília. As buscas no Google por “Vida em Cristo” e “Rádio Redentor” retornam conteúdos de uma das lideranças da igreja com imitações de acesso a esses links.
A respeito da formação de Amilton Gomes na Faculdade de Ciências, Educação e Teologia do Norte do Brasil (FACETEN), o Curso de Teologia não indicavínculo denominacional. No entanto, a instituição oferece pós-graduação lato sensu (especialização) em “Psicologia Pastoral”, o que aponta conteúdo voltado para igrejas evangélicas (cujos líderes clérigossão comumente denominados pastores). Outras pós-graduações lato sensu na área de Teologia dizem respeito a Ciências da Religião e História de Israel. Assim como Bereia abordou na primeira parte desta reportagem publicada em 12 de julho, a FACETEN está envolvida em escândalos que envolvem a emissão de diplomas falsos a policiais militares.
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Bereia classifica os conteúdos que divulgam o currículo do Reverendo Amilton Gomes de Paula, pastor envolvido na investigação de irregularidades na compra de vacinas contra covid-19 pelo Ministério da Saúde, como falsos (no que diz respeito à sua formação como psicólogo) e como imprecisos (no que se refere a funções de Policial Ferroviário Federal e Adjunto Oficial General do Exército). Quanto à vinculação religiosa, o pastor Amilton Gomes tem um diploma de Bacharel em Teologia na FACETEN, no entanto, a divulgação de que a igreja que ele dirige, a Igreja Batista Ministério Vida Nova, à Convenção Batista Nacional (CBN) é falsa.
* Com colaboração de Alexandre Brasil Fonseca, André Mello, Bruno Cidadão, Magali Cunha e Raquel Rocha
Matéria atualizada em 04/08/2021 às 21:28
Em 1º de julho, a Agência Pública publicou a matéria “Grupo Evangélico fez oferta paralela de vacinas ao Ministério da Saúde e prefeituras”. A reportagem apresenta uma organização não governamental (ONG) chamada Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (SENAH), que atuou como intermediária junto ao Ministério da Saúde para a venda de doses das vacinas dos laboratórios da Oxford/Astrazeneca e Johnson & Johnson/Janssen. Ela teria facilitado a venda para uma terceira empresa, a multinacional Davati Medical Supply.
O presidente da SENAH é Amilton Gomes de Paula, que recebeu aval do ex-diretor de Imunizações do Ministério da Saúde, o médico veterinário Laurício Monteiro Cruz. Ele foi citado na CPI da Covid como intermediador das negociações com a SENAH. Cruz presidiu o Conselho Regional de Medicina Veterinária do Distrito Federal, antes de assumir o cargo como diretor de imunizações do qual foi exonerado em 08 de julho de 2021. A exoneração, publicada no Diário Oficial da União, foi assinada pelo ministro-chefe da Casa-Civil, Luiz Eduardo Ramos. Estas denúncias levaram à convocação do reverendo Amilton Gomes de Paula pela CPI da Covid como testemunha.
Diante da participação de um personagem religioso na oferta de vacinas feita pela Davati ao Ministério da Saúde, da menção à Embaixada Mundial pela Paz no caso e a uma alegada parceria com a Frente Parlamentar Mista Internacional Humanitária pela Paz (cujos membros têm como base a Frente Parlamentar Evangélica), Bereia buscou construir o perfil do Reverendo Amilton Gomes de Paula para verificar o lugar que ocupa nesta trama.
“Reverendo”: por que não “pastor”?
No levantamento inicial, observa-se que a imprensa está apenas repetindo o currículo de Amilton Gomes que consta na página oficial da SENAH. Nela, ele é apresentado como membro da Convenção Batista Nacional do Brasil, e reitor da Faculdade Batista do Brasil, doutor em Ciências da Educação. O currículo exposto no site da SENAH também indica que Amilton Gomes é bacharel em Filosofia, mestre em Teologia Sistemática, com quatro especializações na área de Psicologia e Saúde Mental, diretor e membro de diferentes associações e sociedades nessas duas áreas.
Amilton Gomes de Paula foi graduado em Teologia, em 2010, pela Faculdade de Ciências, Educação e Teologia do Norte do Brasil (FACETEN), com sede em Boa Vista-RR e envolvida em escândalos que envolvem a emissão de diplomas falsos a policiais militares. A faculdade conta com oito cursos de graduação, cinco em EAD e três presenciais, além de 37 cursos de pós-graduação lato sensu (especializações). O curso de Bacharel em Teologia está na origem da faculdade, criada em 2000.
A reportagem da Agência Pública relaciona Amilton Gomes como “Reverendo Dr.”, forma com a qual se apresenta publicamente, o pastor da Igreja Batista Ministério da Nova Vista. Outras reportagens apenas citam o tratamento religioso “reverendo” (como a do Jornal Nacional, da Rede Globo, de 3 de julho) ou a filiação à Igreja Batista (é o caso da CNN Brasil, de 5 de julho).
No entanto, no site da SENAH e no perfil de Amilton Gomes no LinkedIn não há menção específica à igreja à qual ele está vinculado. No site da SENAH há apenas o registro “Membro da Convenção Batista Nacional do Brasil”.
O nome correto da igreja com a qual o pastor Amilton Gomes tem vínculo é a Igreja Batista Ministério Vida Nova, cujo website está desativado mas que tem dados registrados no localizador Findglocal (o telefone que consta não atende) que confirmam o endereço e o nome do pastor.
No cadastro de Igrejas, da Convenção Batista Nacional, a Igreja Batista Ministério Vida Nova não está entre as igrejas arroladas. A Convenção Batista Nacional representa um grupo de aproximadamente 2.700 igrejas com mais de 400 mil membros articulados, desde 1967, em comunhão e cooperação com uma doutrina comum e uma visão e estrutura organizacional compartilhada.
De acordo com o Presidente da Convenção Batista Nacional do Distrito Federal, Pastor José Carlos da Silva, da Primeira Igreja Batista de Brasília (DF), não há informações sobre o pastor Amilton Gomes ou sobre a Igreja Batista Ministério Nova Vida registradas na organização. “A informação que tive, do secretário da Ordem de Ministros Batistas Nacionais é que ele (Amilton Gomes de Paula) não consta no rol de filiados. Realmente, não faz parte de nossa denominação. Sou o presidente da CBN-DF e desconheço a igreja e o Pr. Amilton”, afirma o pastor que foi por duas vezes presidente da Convenção Batista Nacional.
Foram analisados também conteúdos de divulgação da SENAH com vídeos no Youtube e registros de eventos. É utilizado um conjunto de logomarcas nestes conteúdos vinculados ao Reverendo Amilton Gomes de Paula, e não há qualquer marca relacionada à Convenção Batista Nacional ou referente aos batistas no Brasil.
Bereia também não conseguiu identificar referências da ordenação de Amilton Gomes (ou investidura, termo utilizado na consagração e inserção de pastores em quadros clericais em igrejas evangélicas) por alguma ordem de ministros batistas. O título de “Reverendo” não é comum entre batistas no Brasil, como se pode observar no registro de pastores da diretoria da CBN.
Lideranças de diferentes igrejas, ouvidas pelo Bereia, esclareceram que, no vocabulário religioso, “reverendo” é uma forma de tratamento dirigida a clérigos, padres católicos e pastores de algumas igrejas evangélicas tradicionais, como a Metodista e a Presbiteriana. Portanto, “reverendo” não é uma função, mas uma forma de se dirigir a estas lideranças religiosas. A Igreja Episcopal Anglicana é que se diferencia, uma vez que “Reverendo”, “Reverenda” é uma categoria eclesiástica estabelecida a clérigos ordenados. Nas demais igrejas evangélicas, Luteranas, Batistas, Congregacionais, Pentecostais, é corrente a utilização do tratamento e da titulação “pastor”,”pastora”, “missionário”, “bispo” ou, mais recentemente, “apóstolos” para suas lideranças.
A Igreja Batista Ministério Vida Nova se destacou no cenário evangélico do Centro-Oeste nos anos 2016 e 17 com a realização do evento Fest Vida, envolvendo diferentes igrejas e voluntários ligados a ela, uma ação sociocultural que mesclava shows gospel com assistência social. Um pastor que atuava em Brasília à época, apoiou o Fest Vida, e que preferiu não ser identificado, declarou ao Bereia: “o evento ‘prometeu’ muita coisa e foi bem fraco. Na época, houve notícias na imprensa local sobre superfaturamento daquele evento e outros junto a Secretaria de Cultura do DF. Muita lábia. Chegou a abrir uma ONG meio estranha. E, agora, o SENAH”. O Fest Vida teve patrocínio do governo do Distrito Federal, tendo sido citado, em 2017, na lista de contratos sob suspeita no DF. Hoje, no entanto, não há muitos vestígios da Igreja Batista Ministério Vida Nova. O website principal da igreja está inativado, estando ativo apenas um outro site aparentemente desatualizado sobre a igreja do religioso e no endereço que consta em seus registros de CNPJ, funciona outra igreja, a Igreja Adventista Renovada do Sétimo Dia.
Sobre a reitoria de faculdade e o título de doutorado
O website da SENAH apresenta extenso currículo de Amilton Gomes de Paula no campo da educação, indicando-o como reitor da Faculdade Batista do Brasil, doutor em Ciências da Educação. A verificação realizada pelo Bereia mostra que esta faculdade não se encontra cadastrada no Ministério da Educação, cujo website está inativo. Apenas com o recurso do site de pesquisa Wayback Machine, foi possível acessar a página oficial da instituição inativa. O Wayback é um arquivo digital que mantém uma biblioteca com o histórico de inúmeras páginas na web.
Segundo o doutor em Ciências da Religião, Alonso Gonçalves, pastor da Igreja Batista Central em Pariquera-Açu (SP), a Faculdade Batista do Brasil não existe entre os batistas no Brasil. “Em conversas com vários colegas aqui pastores da Convenção Batista Brasileira (CBB), ninguém conhece essa Faculdade Batista do Brasil. Parece que a tal “faculdade” é fake. Existe a Faculdade Batista Brasileira em Salvador/BA. Quanto a essa faculdade da qual ele diz ser o reitor ninguém nunca ouviu falar”, diz Gonçalves que também é professor de Teologia.
Sobre o Doutorado em Educação, não há inclusão da titulação no Currículo Lattes de Amilton Gomes, nem registro da instituição onde concluiu o doutorado. O que se verifica é que o uso do título se deve à conquista, pelo pastor, de quatro títulos de Doutor Honoris Causa em Psicologia e Psicanálise. Isto seria um grande feito, não fossem os títulos concedidos por instituições de educação sem reconhecimento acadêmico e sem publicações referidas ou congressos científicos. O registro no Currículo Lattes do termo também está feito erroneamente como “Doutor em Honoris Causa”.
As publicações e congressos científicos são duas das formas mais comuns de promoção e renome entre as universidades que oferecem titulação de doutorado. Duas das instituições que conferiram títulos indicados no Currículo Lattes de Amilton Gomes não têm destaque ou referências na área de educação – como a Sociedade de Psicologia do Centro Oeste (presidida pelo próprio religioso) e a Federação Nacional dos Teólogos e Filósofos do Brasil. Nesse currículo, há quatro graduações e três especializações, todas cursadas entre 2004 e 2013. Amilton Gomes também é identificado pela SENAH como graduado em Psicologia, mas no seu Currículo Lattes constam apenas duas especializações na área.
A Missão Diplomática Americana de Relações Internacionais (ADMIR) é a organização intergovernamental humanitária mundial, sediada nos Estados Unidos da América. Nessa reunião, foi aprovado o estabelecimento do Departamento de Estado na Flórida e foi montado o cenário para a tecitura de uma teia de dispositivos e instituições que veio a ser conhecida como Sistema Interamericano, o mais antigo sistema institucional internacional.
(Tradução livre)
A instituição, portanto, não pertence ao governo estadunidense, apesar das inúmeras logos associadas ao governo americano em sua página oficial na internet.
O que é a SENAH?
De acordo com o site oficial da instituição, a ONG surgiu em 1999 por iniciativa de Amilton Gomes de Paula em decorrência de ações socioculturais. O nome original da organização era Secretaria Nacional de Assuntos Religiosos (SENAR) e em 2020 foi alterado para SENAH. “Hoje nosso DNA está na cultura pela paz mundial, na fomentação de apoio ao meio ambiente, sempre buscando meios sustentáveis para o desenvolvimento da sociedade harmonizando Homem e Meio Ambiente”, descreve a página oficial da ONG. A alteração estatutária dos objetivos e do nome da instituição facilita, inclusive, a celebração de parcerias e contratos com o Poder Público.
Fotos publicadas nas mídias sociais do religioso dão conta dessa proximidade com políticos. Uma delas mostra o pastor com a ministra da Família, Mulher e Direitos Humanos Damares Alves em agosto de 2019. Em outras, ele segura uma moção de louvor no Congresso e aparece ao lado do senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ).
Em vídeo de reunião com líderes religiosos e empresários da cidade de Monte Mor/SP, em 20 de janeiro de 2020, Amilton Gomes faz referência ao apoio do governo federal para projetos da SENAH. Ele se refere tanto à recepção em Israel pelo embaixador do Brasil naquele país, Paulo César Meira de Vasconcelos, quanto pela presença do ministro da Advocacia-Geral da União André Mendonça, no lançamento do projeto de casas populares da entidade Morada Brasil.
Entre as logomarcas que se apresentam nas divulgações da SENAH, inclusive é a capa do canal da entidade no YouTube, chama a atenção a da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB-SP. No entanto, conforme contato feito pela equipe Bereia com o presidente da Comissão Dr. Samuel Gomes de Lima não há parcerias entre a SENAH e a OAB de São Paulo. “O Sr. Amilton Gomes de Paula não é membro da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB-SP e nem a mesma tem qualquer relação de parceria com a SENAH, sendo indevido o uso do logotipo da Comissão, passível até de ação judicial”, ressaltou.
SENAH e a negociação de vacinas contra a covid-19
Conforme reportagem da Agência Pública, fotos postadas pelo presidente da SENAH, o pastor Amilton Gomes, em mídias sociais, em quatro de março de 2021, registram sua participação em uma negociação pela aquisição de vacinas contra a covid-19. As imagens mostram a presença de Amilton Gomes, Luiz Paulo Dominguetti (policial militar de Minas Gerais que depôs à CPI da Pandemia, depois de declarar à imprensa um suposto pedido de propina pelo servidor da Saúde Roberto Dias), o diretor do Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis Lauricio Monteiro Cruz e o major da Força Aérea Hardaleson Araújo de Oliveira. À Pública, Amilton Gomes confirmou a oferta e a visita ao Ministério da Saúde.
Hardaleson tem proximidades religiosas com Amilton Gomes. Há menções de que ele seja missionário evangélico e há vídeos no YouTube dele cantando músicas evangélicas em igrejas. Hardaleson ambém aparece cantando o hino nacional brasileiro em reuniões com Amilton Gomes e em atos de grupos em apoio ao presidente Jair Bolsonaro, como no caso da Marcha da Família Cristã pela Liberdade de maio de 2021. Desde maio de 2020, ele consta como militar da reserva, sem ter exercido funções no governo federal.
Em 3 de julho, o Jornal Nacional, da TV Globo, veiculou uma reportagem que detalha a troca de e-mails entre Laurício Cruz, Amilton Gomes e Herman Cardenas, presidente da Davati nos Estados Unidos. De acordo com o jornal, em 9 de março, Cruz enviou e-mail para Cárdenas informando sobre a reunião de cinco dias antes e o aval que a SENAH tinha para negociar vacinas com o Governo Federal. Um dia depois, o pastor Gomes enviou um e-mail a Cardenas agradecendo a confiança e pedindo detalhes para preenchimento do contrato. Nessa proposta, o valor por dose era de US$ 17,50. A quantia é mais de cinco vezes maior do que o gasto pelo Governo Federal para vacina da AstraZeneca com a FioCruz (US$ 3,16) e pouco mais que o triplo do valor dos imunizantes via Instituto Sérum (US$ 5,25).
Outro e-mail, no dia seguinte, enviado de Amilton Gomes a Cardenas dá conta de que em 12 de março haveria uma reunião com o então Secretário Executivo da Saúde Coronel Élcio Franco para tratar de aquisição de vacinas. O representante da Davati Cristiano Carvalho confirmou ao Jornal Nacional que participou da reunião com Franco (na agenda oficial consta uma reunião com o Instituto Força Brasil), mas o negócio não foi concretizado. O valor de 17,50 dólares difere da proposta que Dominguetti afirma ter feito ao Ministério da Saúde em fevereiro de 2021, de US$ 3,50. Os e-mails mencionados pelo Jornal Nacional também aparecem na reportagem de Renata Agostini para a CNN Brasil.
Em entrevista ao jornal O Globo do dia 7 de julho, Amilton Gomes admitiu que a SENAH receberia uma doação da empresa Davati Medical Supply, sem valor estipulado. Em troca, o religioso se comprometeria a ajudá-los com a venda das 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca para o Ministério da Saúde. “Quando eles vieram a mim, eles já tinham ido ao governo e não tinham conseguido nada. Isso tudo está documentado. Eles foram primeiro no governo. Depois que não conseguiram vender a vacina, vieram a mim. Com outro nome, com outra proposta”, disse o pastor à reportagem.
Durante o fechamento desta matéria foi divulgado pela imprensa que em uma das mensagens do cabo da PM Luiz Dominguetti, que intermediava vacinas com a ajuda de Amilton Gomes, aparece menção à esposa de Jair Bolsonaro, Michelle Bolsonaro, o que estenderia o alcance do religioso ao Palácio do Planalto.
Nas novas mensagens, Dominguetti comenta assustado sobre os avanços do reverendo. “Michele (sic) está no circuito agora. Junto ao reverendo. Misericórdia”, escreve. O interlocutor se mostra incrédulo diante do nome da primeira-dama. “Quem é? Michele Bolsonaro?” E Dominguetti retorna: “Esposa sim”.
Deputado da Bancada Evangélica deu apoio a negociações via SENAH
Em quatro de julho, tanto a Agência Pública quanto o jornal Folha de S. Paulo publicaram reportagens sobre o apoio do deputado federal da Bancada Evangélica Roberto de Lucena (Podemos-SP) às negociações de vacinas envolvendo a SENAH.
No documento obtido pelas reportagens, consta que o parlamentar parabenizou a SENAH e Amilton Gomes “na interlocução entre laboratórios e governo”. Roberto de Lucena é pastor da Igreja Evangélica Pentecostal O Brasil para Cristo, faz parte da Frente Parlamentar Evangélica e da Frente Parlamentar Mista Internacional Humanitária pela Paz Mundial (FremhPaz), instituída em 2019 na Câmara Federal, tendo a SENAH (então SENAR) como membro cooperadora.
À Folha de S. Paulo, o parlamentar disse que não viu nada de suspeito no pedido de apoio. “Não se tratava de nenhuma iniciativa comercial, era uma iniciativa humanitária. Naquele momento, a nossa crise era pela aquisição de vacinas, e o propósito deles [SENAH] era poder conversar com organismos internacionais falando sobre a necessidade de vacinas para o Brasil. Eles me pediram para assinar um apoiamento a eles e disseram que estavam pegando apoiamento de vários parlamentares”, afirmou Lucena ao jornal.
Lucena é autor do Projeto de Lei (PL) 1066/2021, que autoriza a aquisição e comercialização de vacinas contra covid-19 pela iniciativa privada e desobriga as empresas a repassar as vacinas ao SUS. O PL foi apresentado depois de sancionada a lei que permite a compra privada de vacinas aprovadas pela Anvisa desde que as doses sejam doadas ao SUS enquanto a vacinação de grupos prioritários não tenha sido finalizada.
Oferta da SENAH a municípios
Além das reuniões com o Ministério da Saúde, a SENAH também enviou proposta de venda das vacinas a Governadores, Prefeitos e Secretários de Saúde. O valor dessa oferta era de US$ 11 por dose de imunizantes da Astrazeneca e da Jonhson & Jonhson.
Na matéria de 4 de julho, a Agência Pública reporta que Amilton Gomes nega ter feito proposta de imunizantes a prefeituras, apesar de a carta obtida pelo veículo ter a assinatura dele. O religioso diz que a iniciativa partiu de um dos diretores da SENAH e que este foi repreendido por isso. Também procurado pela reportagem da Pública, o diretor mencionado, Renato Gabbi, afirma que a organização não faz negociações ou vendas, apenas informa sobre assuntos de grande necessidade nos países em que a SENAH atua.
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Bereia conclui que Amilton Gomes de Paula é, de fato, ligado ao cenário evangélico do Distrito Federal e confirma que as referências às conexões religiosas e políticas existem. Todavia, há lacunas e imprecisões na formação do líder religioso, entre as quais destacamos a ausência de sua vinculação à comunidade dos Ministros Batistas Nacionais – e do registro de sua igreja na Convenção Batista Nacional (CBN), diferentemente de como declara o website da SENAH. Também, é digno de nota que Amilton Gomes use a designação “reverendo”, mais comum entre pastores presbiterianos, metodistas e anglicanos, e que a tenha recebido como título da “Ordem dos Cavaleiros de Sião”.
O Coletivo Bereia também conclui que as referências institucionais utilizadas pela SENAR/SENAH são imprecisas e que sua profusão pode induzir a erro, pois não é uma instituição governamental, não tem status diplomático, não possui relacionamentos institucionais de subordinação ou coordenação, nem tem autorização oficial para falar em nome da Frente Parlamentar Mista Internacional Humanitária pela Paz Mundial (FREMHPAZ) cujo coordenador é o deputado federal e pastor Fausto Pinato (PP-SP), advogado integrante da bancada evangélica.
A reportagem do Bereia entrou em contato no dia 08/07 com o religioso, que respondeu positivamente ao contato. Amilton Gomes alegou que somente poderia responder à entrevista com anuência de seus advogados. As perguntas sobre as inconsistências do perfil religioso e sobre a suposta intermediação de Gomes na compra de vacinas pelo governo federal foram enviadas no início da noite do mesmo dia, mas até o fechamento desta matéria, não houve resposta. No site oficial da SENAH, há um comunicado que chama as denúncias de envolvimento no esquema fraudulento de compra de vacinas de “fatos totalmente inverídicos e distorcidos da realidade”. A íntegra da nota está reproduzida abaixo:
A CPI da Covid agendou a oitiva do reverendo Amilton Gomes de Paula para a quarta-feira, 14 de Julho de 2021. O requerimento de convocação o arrolou como testemunha (nº 1065/2021). Porém, em 12 de julho, Gomes apresentou atestado médico para não depor à Comissão no dia agendado.