Vídeo falso anuncia que pastor influenciador vende tratamento para diabetes

Circula nas mídias sociais um vídeo que usa indevidamente a imagem do pastor influenciador midiático e empresário Cláudio Duarte para promover um suposto tratamento contra a diabetes. A peça de desinformação, que acumula quase um milhão de visualizações no Facebook, até o fechamento desta matéria, apresenta evidências claras de manipulação de áudio e vídeo. 

Análises técnicas mostram que se trata de uma montagem grosseira, prática recorrente em golpes que visam explorar a confiança do público religioso para vender produtos ou tratamentos sem comprovação. A publicação já ultrapassa quase um milhão de visualizações na plataforma. O conteúdo foi enviado por leitor ao Bereia, pelo número de WhatsApp do coletivo, para checagem.

O vídeo 

O vídeo compartilhado no Facebook mostra o pastor Cláudio Duarte  aparentemente recomendando um tratamento para o “fim da diabetes”. O material traz sobreposições de texto com apelos religiosos, como “Presença de Deus no tratamento”, e mensagens de incentivo para que os espectadores cliquem em um botão para falar com um “especialista”.

Além disso, o vídeo viralizado é acompanhado de imagens de medicamentos genéricos, seringas e caixas de remédios. Além do vídeo manipulado, a publicação analisada conta com comentários que simulam depoimentos de pessoas satisfeitas com o suposto tratamento para diabetes.
Em um dos exemplos, uma usuária afirma: “Já é a segunda vez que compro, único tratamento que regula a glicose. Consigo comer o que gosto. Recomendo!”, acompanhado de emojis positivos e imagem do produto.

Imagem: reprodução/Facebook

Este tipo de comentário, aparentemente espontâneo, é frequentemente utilizado em mídias sociais para dar falsa credibilidade ao golpe, induzindo outros usuários a acreditarem na eficácia do produto anunciado. A prática é comum em fraudes virtuais e visa manipular o público por meio de falsos testemunhos.

Análise técnica do conteúdo

Para esta verificação do Bereia, foi utilizada a ferramenta InVID-WeVerify, uma extensão de navegador voltada para jornalistas e checadores de fatos. Ela permite analisar vídeos suspeitos, extraindo imagens importantes (os chamados “quadros-chave” ou keyframes) e revela se o material foi editado ou manipulado.

Keyframes são como “fotografias congeladas” retiradas de momentos estratégicos do vídeo, que ajudam a identificar cortes, edições e inserções estranhas que podem passar despercebidas durante a reprodução normal.

 Limitações na análise de vídeos em mídias sociais

Importante destacar que, atualmente, mídias sociais como o Facebook e o X dificultam a análise técnica de vídeos ao restringirem o acesso a informações internas, como metadados e dados originais dos arquivos.


Essas limitações obrigam os checadores a fazer o download dos vídeos e analisá-los manualmente ou por meio de ferramentas alternativas, como o aplicativo usado pelo Bereia. Mesmo assim, sinais visíveis de manipulação, como cortes bruscos, sobreposição de imagens e incoerência de áudio, podem ser identificados com clareza por qualquer pessoa mais atenta.

Quadros-chave revelam montagem

A análise dos quadros-chave mostrou que o vídeo é composto por diversos cortes bruscos, com mudanças de cenário e iluminação entre uma cena e outra — sinais típicos de que diferentes vídeos foram unidos em uma montagem.

Além disso, foram inseridos textos promocionais e imagens gráficas de medicamentos durante o vídeo, tentando passar a falsa impressão de que o pastor recomendava produtos para tratamento de diabetes.

Em alguns trechos, um homem diferente aparece, em outro ambiente, manipulando objetos relacionados a tratamentos de saúde. Isso confirma que imagens de origens distintas foram coladas no mesmo vídeo para criar a falsa narrativa.

Imagem: https://www.invid-project.eu/tools-and-services/invid-verification-plugin/ 

Imagem: https://www.invid-project.eu/tools-and-services/invid-verification-plugin/ 

Imagem: https://www.invid-project.eu/tools-and-services/invid-verification-plugin/ 

Problemas de sincronia labial e gestual

Ao observar a movimentação dos lábios e dos gestos do pastor, fica claro que o áudio não corresponde às imagens. Os lábios não acompanham a fala narrada, e os gestos feitos pelo pastor não se relacionam com o que está sendo dito, evidenciando uma montagem grosseira.

Sobreposição de textos promocionais

Foram adicionadas ao vídeo frases como “PASTOR Cláudio Duarte recomenda tratamento para o fim da diabetes” e “Presença de Deus no tratamento”. Essas mensagens aparecem de forma amadora, sobrepostas à imagem do pastor, acompanhadas de apelos de marketing como “clique no botão e fale com o especialista”. Esse tipo de recurso é usado para induzir o público a  acreditar na falsa propaganda.

Metadados do arquivo

Os metadados são informações técnicas embutidas em arquivos digitais — como a data em que foram criados, o dispositivo usado, o programa de edição, entre outros detalhes. Eles ajudam a identificar a origem e possíveis alterações no material.

No caso do vídeo analisado, os metadados mostram que a data de criação e a modificação do arquivo é registrada como 31 de dezembro de 1903, o que é incompatível com a realidade. Esse tipo de erro é comum em vídeos que passam por manipulações ou edições grosseiras.

Além disso, o arquivo foi “re-exportado” em resolução baixa (360×360 pixels) e compactado, estratégia comum para mascarar sinais de edição e facilitar a disseminação nas redes sociais sem chamar atenção para as falhas visuais.

Imagem: https://www.invid-project.eu/tools-and-services/invid-verification-plugin/ 

Bereia já alertou sobre  fraudes semelhantes

Bereia já alertou anteriormente para práticas semelhantes, em que imagens de líderes religiosos são usadas sem autorização para promover produtos milagrosos ou supostos tratamentos de saúde. Esse tipo de fraude explora a credibilidade de figuras públicas entre o público religioso para vender produtos sem eficácia comprovada, colocando em risco tanto a saúde física quanto a segurança financeira dos seguidores.

Em 2024, uma investigação do Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais (Netlab) da UFRJ revelou que a imagem do pastor Cláudio Duarte, figura popular nas mídias religiosas, que é também empresário, foi utilizada em 37,6% dos 1.850 anúncios fraudulentos analisados. Esses anúncios, veiculados principalmente no Facebook e no Instagram, promoviam produtos sem eficácia comprovada, como tratamentos para dores articulares e emagrecimento. Muitos desses conteúdos foram manipulados com o uso de inteligência artificial para alterar a voz e a imagem do pastor, criando a falsa impressão de que ele endossava os produtos.

A investigação do Netlab explica que, embora se apropriem das imagens e explorem a popularidade de padres e pastores com conteúdos gerados por inteligência artificial, até o fechamento do relatório, nenhum anúncio havia sido moderado pela Meta (proprietária do Facebook, Instagram e Whatsapp) ou rotulado para sinalizar o uso de IA. 

***

Bereia analisou  o vídeo viralizado em mídias religiosas, enviado por leitor para checagem, e identificou que é manipulado e utiliza indevidamente a imagem do pastor Cláudio Duarte para enganar o público. Não há registros de publicações verídicas em que o  líder religioso promova qualquer tipo de tratamento para diabetes. O conteúdo ora disseminado configura prática fraudulenta, que deve ser denunciada e evitada.

Bereia alerta para que conteúdos desse tipo sejam tratados com desconfiança e recomenda que informações sobre medicamentos e produtos de  saúde sejam sempre buscadas com fontes credenciadas na área, em especial, profissionais de saúde comprometidos com a informação digna.

Referências de checagem:

https://www.invid-project.eu/tools-and-services/invid-verification-plugin/ Acesso em: 26 Abr 2025

https://netlab.eco.ufrj.br/  Acesso em: 26 Abr 2025

https://netlab.eco.ufrj.br/post/a-revela%C3%A7%C3%A3o-chocante-que-pode-mudar-tudo-imagens-de-l%C3%ADderes-religiosos-brasileiros-usadas-em-an%C3%BAn Acesso em: 26 Abr 2025

 https://coletivobereia.com.br/lideres-religiosos-tem-imagem-explorada-em-anuncios-fraudulentos-nas-plataformas-da-meta/   Acesso em: 26 Abr 2025

 https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2024/09/21/fe-no-golpe-de-padre-marcelo-a-malafaia-imagens-de-celebridades-religiosas-sao-usadas-em-fraudes-na-internet.ghtml?utm_source=chatgpt.com Acesso em: 26 Abr 2025

Mídias religiosas repercutem reportagens enganosas sobre compra de insulinas pelo Ministério da Saúde

Acusações de irregularidades em compras do governo federal na área da saúde ganharam repercussão em mídias religiosas nos últimos dias. 

Em 15 de maio o Ministério da Saúde anunciou a compra emergencial de mais de 1,3 milhão de unidades de insulina análoga de ação rápida. Com a notícia, políticos religiosos levantaram questionamento sobre uma possível irregularidade na compra de medicamentos chineses sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), feita pelo governo federal, para abastecer o Sistema Único de Saúde.

Imagem: reprodução Twitter

A atenção para a insulina chinesa sem registro na Anvisa

Sobre a compra de insulina, a Revista Oeste noticiou, na segunda-feira (15),sobre a decisão do governo federal de adquirir medicamentos da empresa chinesa GlobalX Technology Limited, em tom de crítica. O texto inicia com uma acusação à ministra da saúdeNísia Trindade, de estar “deixando os Estados sem estoque de insulina para atender os pacientes” e segue informando que “nos últimos pregões abertos pelo Ministério da Saúde a pasta não conseguiu comprar o medicamento de empresas registradas na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)”.

Segundo a matéria, esta seria a razão do governo optar pela compra emergencial com a empresa chinesa, sem registro na Anvisa e que a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) teria contestado a compra.  Já o portal gospel, Pleno News, e o jornal O Globo, acrescentaram uma afirmação atribuída ao presidente da SBDLevimar Araújo, com questionamento da qualidade do medicamento adquirido.  

Tanto a Revista Oeste como O Globo, trouxeram em seus textos a informação de que o Tribunal de Contas da União (TCU) teria avisado sobre o risco de falta do medicamento, baseado em uma fiscalização requerida pelo Congresso Nacional para averiguar irregularidades nas compras, entregas e armazenamento de insulina. 

A falta de insulina no Brasil

De acordo com notícia veiculada pelo portal Metrópoles, em 12 de abril, a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), sinalizou preocupação com o risco de faltar insulina análoga de ação rápida no Sistema Único de Saúde (SUS) e o Tribunal de Contas da União (TCU) emitiu um relatório que identificou que o estoque duraria apenas até o mês de maio.

O medicamento é essencial para estabilização do índice de glicemia no sangue em pacientes com diabetes tipo 1. De acordo com a SBD, há cerca de 568 mil pessoas com a doença no Brasil, e estima-se que 420 mil pacientes sejam atendidos pelo SUS. 

O MS informou que os mais de 1,3 milhão de canetas de insulina comprados têm capacidade para atender mais de 67 mil pacientes, a SBD acredita que os medicamentos sejam suficientes para no máximo quatro meses. 

Parecer do TCU e SBD sobre a compra

Como base do relatório do TCU está a referida fiscalização, citada nas matérias de O Globo e Revista Oeste. Ambos os veículos de notícia omitiram a informação de que a fiscalização foi solicitada ainda em 2022, através da Proposta de Fiscalização e Controle (PFC) 01/2022, de autoria do deputado Áureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), aprovada pela Comissão de Fiscalização Financeira e Controle (CFFC) da Câmara dos Deputados em maio de 2022. 

O relatório do TCU traz ainda, a informação de que o risco de falta de insulina foi identificado principalmente a partir “do fracasso por ausência de propostas dos pregões 99/2022 e 10/2023, para aquisição do medicamento, realizados em 23/8/2022 e 26/1/2023”.

Em março, o portal Metrópoles divulgou que, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, quase um milhão de canetas de insulina de ação rápida foram descartadas por perderem a validade.  Os lotes vencidos causaram um prejuízo de cerca de R$ 15 milhões.

Segundo o documento, o TCU identificou que os fabricantes que forneceram o medicamento anteriormente pediram quase 2,5 vezes mais que a GlobalX ou não tinham condições de atender nem a quantidade nem o prazo pedido pelo Ministério da Saúde (MS).

O parecer da corte de contas descreve ainda que “os produtos a serem importados em caráter de excepcionalidade (produtos sujeitos à vigilância sanitária sem registro na ANVISA), devem possuir registro válido em país cuja autoridade regulatória competente seja membro do Conselho Internacional para Harmonização de Requisitos Técnicos de Produtos Farmacêuticos de Uso Humano (International Council for Harmonisation of Technical Requirements for Pharmaceuticals for Human Use – ICH)”, o que é o caso da China.

Outro trecho importante a ser considerado é o que cita algumas etapas do processo de importação de medicamentos sem registro na Anvisa que, segundo o documento “exige a execução de várias etapas por diferentes atores, entre essas etapas estão a análise de documentação pela Anvisa para concessão de excepcionalidade de importação, obtenção de licença de importação, desembaraço aduaneiro.”  

Durante a pandemia da covid-19, o governo federal fez uma solicitação semelhante para compra de seringas e agulhas na mesma empresa, também sem registro à época. O relatório de análise pode ser encontrado no site da Anvisa. 

O posicionamento da Sociedade Brasileira de Diabetes pode ser encontrado no portal da organização. A manifestação sobre a compra feita pelo Ministério da Saúde foi publicada em 17 de maio, e deixa claro que um dos requisitos para aprovação da Anvisa é a existência de estudos comparativos. A SBD ressalta que não encontrou nenhum estudo com esta finalidade na literatura médica e afirma que o solicitou ao Ministério da Saúde para que haja “tranquilidade científica”.

***

Quanto às informações acerca da compra realizada pelo Ministério da Saúde, Bereia checou que se trata de conteúdo enganoso, principalmente por deixar de citar informações sobre medidas, gastos e fiscalização do governo anterior que mostram que a situação atual decorre, entre outras coisas, de decisões anteriores. Assim como por fazer um recorte intencional ao destacar no título e ao longo da matéria palavras associadas negativa  e massivamente à ideais de esquerda por políticos religiosos, como o caso da China e medidas sanitárias. 

A estratégia de desinformação trata o fato como algo errado e perigoso, com o intuito de provocar medo e revolta, e desconsidera que a medida também foi tomada pelo governo anterior, apoiado pelos mesmos políticos religiosos. Bereia reitera aos leitores que é sempre importante verificar a origem das informações, mas quando se trata de conteúdos relacionados à saúde, a atenção deve ser redobrada. 

Referências de checagem:

Metrópoles. https://www.metropoles.com/brasil/cristaos-extremistas-de-direita-atacam-campanha-da-fraternidade-comunismo Acesso em: 17 mai 2023

Terra. https://www.terra.com.br/diversao/gente/bernardo-kuster-tem-redes-sociais-bloqueadas-apos-decisao-do-stf,277837927c9b7e68c0f0fc5d47a65f02x6jmrphx.html Acesso em: 17 mai 2023

Cremeb. https://www.cremeb.org.br/index.php/noticias/resolucao-cfm-que-define-ozonioterapia-como-pratica-experimental-no-pais-e-publicada-no-diario-oficial/ Acesso em: 17 mai 2023

Youtube/CNN. https://www.youtube.com/watch?v=lL-KL_3RWzk&ab_channel=CNNBrasil Acesso em: 17 mai 2023

Instituto Butantan. https://butantan.gov.br/covid/butantan-tira-duvida/tira-duvida-fato-fake Acesso em: 17 mai 2023

Anvisa. https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2022/ozonioterapia-anvisa-esclarece-as-indicacoes-aprovadas-ate-o-momento/sei_anvisa-1922590-nota-tecnica.pdf Acesso em: 17 mai 2023

Instagram. https://www.instagram.com/p/Ch-eJ0KuJMF/?utm_source=ig_embed&ig_rid=388489e6-c7ed-4151-bbeb-a27190e130e8&ig_mid=C86B61A5-1D9E-47A1-9D53-10AB20C89B66 Acesso em: 18 mai 2023

CNN. https://www.cnnbrasil.com.br/saude/saude-compra-insulina-de-fabricante-sem-registro-na-anvisa-para-garantir-tratamento-pelo-sus/ Acesso em: 17 mai 2023

Metrópoles.

https://www.metropoles.com/saude/risco-de-desabastecimento-leva-governo-a-comprar-insulina-sem-registro Acesso em: 17 mai 2023

https://www.metropoles.com/brasil/tcu-denuncia-risco-de-falta-de-insulina-no-sus-a-partir-do-2o-trimestre Acesso em: 17 mai 2023

https://www.metropoles.com/saude/sociedade-de-diabetes-alerta-para-riscos-da-falta-de-insulina-no-sus Acesso em: 17 mai 2023

https://www.metropoles.com/brasil/governo-bolsonaro-deixou-vencer-r-15-milhoes-em-canetas-de-insulina Acesso em: 17 mai 2023

Sociedade Brasileira de Diabetes. https://diabetes.org.br/posicionamento-da-sbd-sobre-a-aquisicao-pelo-ministerio-da-saude-da-insulina-asparte-da-china/ Acesso em: 18 mai 2023

Anvisa. https://www.gov.br/anvisa/pt-br/composicao/diretoria-colegiada/reunioes-da-diretoria/votos-dos-circuitos-deliberativos-1/2022/cd-660-2022-voto.pdf/view Acesso em: 18 mai 2023

Rádio Senado. https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2021/04/05/oms-nao-recomenda-ivermectina-para-tratar-covid-19 Acesso em: 19 mai 2023

Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2023-05/saude-anuncia-compra-de-insulina-em-meio-risco-de-desabastecimento Acesso em: 19 mai 2023

*** Foto de capa: Pexels/Nataliya Vaitkevich

Apoie o Bereia!

Faça parte da comunidade que apoia o jornalismo independente