Elogio do prazer: um direito dado por Deus, e que não pode ser negado por Deus

Foi com um certo medo que aceitei o convite para falar no encontro dos Cristãos Inclusivos do Paraguai. Quem me conhece, sabe. Não é o meu espaço. E, não há nada de desconforto nisso, nem de discordância. Apenas do lugar onde me encontro dentro das inúmeras batalhas que temos travado.

No entanto, me movo por desafios. Me movo pelo que acredito, pelo que faço. E, era chegado o tempo de sair do meu lugar e me deslocar para outras construções. A experiência no Paraguai foi uma das mais significativas nesse ano que está caminhando para o fim.  É chegado novembro, as luzes começam a se apagar, mas as minhas estão acessas, já sinalizando as estradas para 2024.

Divido com vocês o que falei no Grand Hotel Paraguay, para um grupo de 70 pessoas. Estava ao lado da pastora Romi Bencke, secretária-geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC), e nossos cafés e almoços foram aulas, onde nos encontramos em nossas similaridades e respeito em nossas poucas discordâncias. Também estava ao lado a queridíssima Emily Quevedo, de Colômbia Diversa, movimento de direitos da comunidade LGBTQIA, com sede em Bogotá. Emily já é uma nova velha amiga, cujas trocas já acendem mais luzes, e apontam mais caminhos.

Para vocês, o que falei – com toda honestidade e alguns equívocos, que optei por manter, para um dia olhar para trás e conseguir medir o quanto cresci.

Elogio del placer: un derecho dado por Dios, y que no puede ser negado por Dios

Eu tenho um cantor preferido. Quando eu era uma menina, ele tinha uns 30, 40 anos. Agora que sou uma mulher feita, mãe, ele já tem 78 anos. E, acreditem, que se ele me chamar, eu vou (um detalhe, nessa hora a audiência paraguaia disse que iria também. Tive que falar que al parecer tendremos, yo, una nueva guerra con Paraguay).

Esse artista, Chico Buarque, tem duas canções sobre as quais quero falar, e vou juntar essas canções com um texto bíblico de Genesis e outro de Apocalipse. A palavra do início e do fim.

Uma das canções se chama Sobre Todas as Coisas, e foi escrita em 1993. Uma parte dela diz assim:

Não, nosso Senhor
Não há de ter lançado um movimento terra e céu
Estrelas percorrendo o firmamento em carrossel
Pra circular em torno ao criador

Ou será que o Deus
Que criou nosso desejo é tão cruel?
Mostra os vales onde jorra o leite, o mel
E esse vales são de Deus

Pelo amor de Deus
Não vê que isso é pecado?
Desprezar quem lhe quer bem
Não vê que Deus até fica zangado
Vendo alguém abandonado?
Pelo amor de Deus

Ainda que Chico Buarque se declare um agnóstico, há nessa canção uma dimensão profunda da Graça de Deus, essa é a beleza da arte, onde podemos ser qualquer coisa.

Mas, voltando à música: Deus não fez nada para si mesmo, para que se torne cada vez mais Deus. Os movimentos da terra e do céu não são para circular em torno dEle. Os movimentos de terra e céu são os que garantem a nossa existência no tempo e no espaço.

Vejam, o compositor diz que Deus criou nosso desejo. E, claro, se criou o desejo ele não pode ser cruel, ou contraditório, nos impedindo de satisfazer os desejos diante de vales onde jorram leite e mel.

Deus não precisa de leite e mel. Nós precisamos. São imagens potentes pensar em leite e mel relacionados ao prazer. Sei que de mim jorra mel, quando estou em toda a minha plenitude. Essa é a minha identidade sexual.

Creiam, não foi fácil construir essa identidade considerando que mulheres negras são objetificadas, menosprezadas em suas vontades, há uma construção social de que não somos amáveis, não somos bonitas, não somos aceitáveis. Cresci sob esse signo, e romper com isso foi (e ainda é) um processo doloroso.

Acreditem, ainda lido com esses monstros, que emergem nos meus relacionamentos pessoais, na minha exposição pública, nas disputas de narrativas e de poder.

O fato é que o artista diz algo muito caro e sensível a todos nós nessa vida:  Deus até fica zangado vendo alguém abandonado.

Pensar na minha heterossexualidade negra, cisgênero, e pensar na diversidade sexual existente é pensar que o abandono não é o nosso lugar.

Nosso desejo não é um capricho de Deus.

Não somos marionetes nas mãos do Sagrado, vejamos o que diz Gênesis 3.22 – Então, disse Deus: Eis que o homem (o ser humano) é como um de nós, sabendo o bem e o mal; ora, pois para que não estenda a sua mão, e tome também da árvore da vida, e coma, e viva eternamente.

Nós somos responsáveis pelos nossos atos de consciência, isso é divino! É benção, é graça!

Em Apocalipse 3.15-16 está escrito: “Conheço as suas obras, sei que você não é frio nem quente. Melhor seria que você fosse frio ou quente! Assim, porque você é morno, não é frio nem quente, estou a ponto de vomitá-lo de minha boca”. 

Assumir o abandono é nos colocarmos como mornos. Celebro a ousadia dos cristãos que assumem suas sexualidades diversas, que não aceitam ser mornos. Nem aceitam estar nesse lugar, onde não se esquenta ou se gela. Eu tenho escolhido ser quente, muito quente. Bom ter a companhia da diversidade, no calor que emerge de nós.

A outra canção de Chico Buarque se chama “Geni e o Zepelim”.

Aparentemente, a música fala da exposição da condição feminina. Uma mulher que faz de tudo, na cama e na vida, para continuar viva. Nisso, ela consegue se relacionar com todos – desde os poderosos até a pessoas mais simples, as viúvas sem valor. Apesar de Geni ser tratada como uma prostituta pelo imaginário popular (como a Maria Madalena dos Evangelhos, e isso é assunto para um outro texto, uma outra construção), a música não revela qualquer pista que nos permita inferir que ela mantenha relações sexuais em troca de dinheiro.

Há uma outra coisa que não está na música, mas está na obra completa, pois Geni é parte da Ópera do Malandro: Geni é uma mulher trans. Nasceu Genivaldo. A Ópera do Malandro se ambienta nos anos 40 – e foi escrita em 1978 – e fala de um Brasil de jogos ilegais, prostituição, golpes, fala de uma polícia corrompida, de levar vantagem em tudo.

Apesar do tempo, é uma Ópera ainda moderna. Mas, não vou seguir falando da Ópera do Malandro, eu quero falar da Geni. Que assim como a comunidade LGBTQIA+, e assim como mulheres negras, e assim como mulheres, tem exposta a sua condição. Por qualquer motivo, não hesitam em cuspir na Geni.

Por que razão nos tacam pedras?

Já me jogaram muitas pedras. E não vou enumerar quantas. Nem se foram grandes ou pequenas, pois não quero fazer comparativos de sofrimentos.

Mas, sei que jogam pedras nos que assumem sua diversidade.  Você consegue pensar sobre todas as pedradas que recebeu? Como essas pedras te atingem?

Não é só a exposição de uma mulher, de uma pessoa que não cumpre o papel originalmente designado para ela. Sobre Geni, está tudo dito na canção.

E sobre quem humilha Geni? Só sabemos que há um gosto em humilhar.

Há aqui, uma outra noção de prazer, o de um prazer distorcido, que não é leite e mel, nos que humilham aos outros, pois esses usurpam o lugar de Deus.

Se julgam superiores a Deus.

Sabemos que não nos querem vivos. Tenho certeza de que se pudessem, matariam a todos os negros. Somos a lembrança viva do que foi a escravização. 

Somos a lembrança do que são capazes de fazer com um ser humano – que é roubar toda e qualquer dignidade que possa habitar em um corpo. Eles sabem disso, mas seguem nos responsabilizado, dizendo que nos vitimizamos para que suas consciências sejam aplacadas.

Tenho certeza de que no processo com assumir sexualidades não normativas é parecido. Não ser o que é estabelecido como padrão é ser exposto, e muitas vezes ser humilhado. O lamentável é que nem as nossas igrejas e comunidades de fé são espaços acolhedores. Tenho alguma implicância com o termo igreja inclusiva, pois toda igreja deveria ser inclusiva, não?

Jesus foi inclusivo – basta lembrar que até com o coletor de impostos do império romano ele jantou. E não havia ninguém pior que um coletor de impostos, a personificação do opressor.

E a vez dos oprimidos sempre chega, e sempre chegará. Essa é a nossa esperança: irá chegar um novo dia, uma nova terra, um novo céu. E, nesse dia, em uma só vez, a liberdade iremos cantar.

O dia da Geni chegou.

A cidade estava ameaçada e dependia dela a sobrevivência de todos que a tinham humilhado. Dependia dela a vida dos que cuspiam nela, dos que jogavam pedras.

Ela tem nas mãos a chave da vida.

Essa chave sempre está nas mãos das mulheres, dos oprimidos, dos humilhados. Geni, o Genivaldo que desabrochou em uma nova identidade, está com as chaves nas mãos.

E o surpreendente acontece. Ela resolve redimir a cidade. Ela, apesar de todo nojo, se deita com um ser desprezível para salvar as pessoas que a maltratavam.

Geni que desde menina aprendeu a ter prazer com os meninos atrás da rua, atrás da cantina, abdica do seu prazer. Como é triste pedir que uma pessoa renuncie a seu desejo e prazer. Ela despreza o leite e o mel, em contrapartida a vida continuará seguindo seu curso.

Era de se imaginar que a partir desse fato, Geni fosse colocada entre as heroínas da história de sua cidade, de seu povo. Mas, tão logo o perigo desaparece, tão logo o zepelim parte, pois Geni honrou seu acordo, ela volta a seu lugar humilhada, desprezada, xingada. Romi me fez pensar, nesse ponto, que Geni é como os profetas, que anunciam a vida e logo em sequência são marcados pelo desprezo.

Como mulher negra, consigo sentir o que Geni sentiu. Construímos, debaixo do açoite, a América Latina. Terminamos de construir e demos até um sorriso, vendo que tudo que construímos era muito bom. Daí nos privaram de usar os lugares que  fizemos.

Vocês devem sentir o que Geni sentiu quando há palavras, gestos e atitudes que querem colocá-los outra vez dentro do armário. E não há como respirar dentro de armários.

Encerro, por enquanto, dizendo que é necessário olhar para Cristo. Que essa é a única saída que consigo propor. Não como escapismo, ou rota de fuga. Cristo é o suporte para a vida.

Agora, vamos esquecer Geni.  Eu, pois, trouxe  a música para esse diálogo pela minha incapacidade de compreender todos os desafios que enfrentam os cristãos Inclusivos, não somente do Paraguai. Mas, os do Brasil, os da América Latina – que sempre é bombardeada com os dardos inflamados do fundamentalismo religioso (que é político) e de moralismos excludentes.

Mas, olhando para Cristo, quero que guardem a seguinte mensagem: Que quem segue a justiça e a bondade achará a vida, a justiça e a honra, como diz em Provérbios 21.

Lembrem-se que fomos crucificados com Cristo. Sendo assim, já não vivemos mais nós. Vivemos pela fé no filho de Deus, e o dom gratuito de Deus é a vida. E o prazer é parte essencial da vida. Vivamos!

**Os artigos da seção Areópago são de responsabilidade de autores e autoras e não refletem, necessariamente, a opinião do Coletivo Bereia.

***Foto de capa: Jackson David/Pixabay

“Deus, pátria e família”: o que é o neoconservadorismo em destaque na política do Brasil – parte 1

De 2018 a 2022, vimos a figura do ex-presidente Jair Bolsonaro (PSL) declarar seu lema “Deus Pátria e Família” com a retórica de “conservadorismo”. Em seu discurso na 75ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o político chegou a declarar: “O Brasil é um país cristão e conservador, e tem na família a sua base”. Ao longo da mesma fala, ele fez um apelo à comunidade internacional pela liberdade religiosa a fim de combater o que chamou de “cristofobia”. Tais declarações trazem à tona dois elementos centrais na composição das bases do que se convencionou chamar “bolsonarismo”: religiosidade e neoconservadorismo. 

Para entendermos a origem desse discurso, teremos que retomar brevemente o conceito de neoconservadorismo. Conservadorismo é um movimento amplificado, não só de ideias, mas de convenções sociais e reações a mudanças do mundo moderno. Apresenta um discurso de retorno a ordem, de previsibilidade, controle de excessos morais para fortalecimento da unidade nacional. Sua esfera de influência se dá na política, cultura, arte, sexualidade. Em sua raiz histórica, conservadores se constituíam como contrarrevolucionários, posicionando-se em oposição a qualquer pensamento que questionasse a ordem do establishment, em especial revoluções lideradas pelo proletariado, defendendo assim a ordem burguesa. 

Já o neoconservadorismo se origina na década de 1950, em Nova York. O movimento foi estimulado no contexto da Guerra Fria, de enfrentamento do comunismo e da União Soviética, e pelo avanço de ideias feministas e de movimentos culturais liberais. No neoconservadorismo algumas características se destacam: defesa do nacionalismo exacerbado; religiosidade como sustentáculo do Estado; luta contra comunismo, ideologia sionista e defesa incondicional do Estado de Israel; associação ao neoliberalismo – não intervenção do Estado na economia –, além de salvaguarda e manutenção das instituições tradicionais, hierarquias e desconfiança de alterações sociais bruscas, buscando manter a política estável com mudanças lentas e sólidas. 

O movimento foi constituído na década de 1970 por grupos dominantes do capital e setores moralistas da classe trabalhadora, explica David Harvey. Tal associação inspirou ideias centradas na defesa tradicional da formação familiar, defesa de determinada doutrina cristã e concepções direitistas em oposição a ideias progressistas relacionadas ao feminismo, direitos LGBTs, programas de inserção social. Era uma aliança entre grupos divergentes, cristãos evangélicos, judeus, promotores da Guerra Fria, defensores da família tradicional, intelectuais, militares, liberais. 

O discurso cristão é uma das bases do conservadorismo nos Estados Unidos e tem sido de maneira semelhante aqui no Brasil. É constituído por setores evangélicos e evangélicos conservadores. Essa nova direita tem um discurso anticomunista e se posiciona contrário a medidas que promovam o Estado de bem-estar social. Foi com o apoio desse grupo que o presidente Ronald Reagan foi eleito em 1980 e o Partido Republicano conquistou maioria no congresso. Embora constituíssem um grupo pequeno, portanto minoritário, argumentavam que sua organização e coerência fazia com que se tornassem a “Maioria Moral”, por isso assim se autodenominavam.

Nesse período, grupos conservadores evangélicos ainda tinham a si mesmos como missionários imbuídos da missão de levar o Evangelho aos países da América Latina. Os Estados Unidos, vistos como detentores da moral, seriam os únicos capazes de levar os valores cristãos onde o pecado se precipita. Para eles, a ideia de livre mercado converge ou conversa com o princípio de livre arbítrio, por isso Cristianismo e capitalismo seriam uma união ideal. 

Havia ainda o anticomunismo em oposição à chamada Teologia da Libertação, movimento que se propaga em círculos evangélicos progressistas na América Latina, a partir dos anos 1960, mas ganha mais intensidade na Igreja Católica e se populariza. A proposta partia de uma análise socioeconômica de instrumentalização da fé visando a responsabilidade social, políticas distributivas, libertação dos povos marginalizados e políticas de responsabilidade social.

Nesta perspectiva da direita evangélica está o sionismo na defesa de Israel. Há uma leitura que relaciona judeus e cristãos a partir do Antigo Testamento, sendo notável a preferência pelos textos desta parte da Bíblia em pregações e discursos, em especial entre pentecostais e neopentecostais. Pesquisadores, como John Mearsheimer e Stephen Walt chamam essa característica de “sionismo cristão” e os motivos que teriam levado grupos tão distintos a se unirem teria sido suas atividades e áreas de interesses em comum.

Outra bandeira de sustentação do neoconservadorismo é a “pauta moral”. Para as lideranças que abraçam esta perspectiva, haveria papéis sociais e sexuais hierárquicos, direcionados a homens sobre mulheres no cuidado e educação dos filhos. Por isso, uma reação antifeminista chegou a se opor a políticas de combate a violência doméstica, pois alegavam que esse seria um problema possivelmente solucionado com a valorização e fortalecimento da instituição “família”, mesmo argumento utilizado para defender palmadas de pais e responsáveis em crianças. 

No que confere ao militarismo anticomunista, os Estados Unidos viam na União Soviética e a ameaça comunista um inimigo a ser combatido, por isso, o fundamento conservador se configura um elemento de combate a ideologias e discursos. Tal pauta moralista conservadora e anticomunista estava presente não apenas nos discursos e costumes, como também na indústria cultural estadunidense fabricada e exportada por meio de filmes de Hollywood, cantores e estilos musicais. 

Pesquisadores apontam os desajustes sociais e o consequente fortalecimento de medidas punitivistas como consequência do avanço do neoliberalismo e neoconservadorismo. Ou seja, na medida em que as desigualdades, exclusão, marginalização avançam, cresce também a violência. Nisso, transparece a conveniência do discurso pró-armamento e em defesa de uma política combativa por parte do Estado. Indivíduos comuns são tolhidos e culpados, enquanto o sistema exclusivista beneficia determinadas classes.

No Brasil, a ala conservadora pós-década de 1990 foi ao encontro dessa agenda neoliberal defendendo a entrada do capital estrangeiro e enxugamento da máquina estatal. Somado a isso, o neoconservadorismo se fortaleceu a partir desse período com pautas morais e em defesa de valores cristãos, ganhando ressonância em igrejas neopentecostais. 

A internet se tornou um espaço de fortalecimento e expansão desse ideal conservador, que pode ser observado no Brasil, ocupado por movimentos direitistas, surgidos a partir dos protestos de 2013, como: Vem pra Rua, Movimento Brasil Livre, Revoltados Online, Proteste Já!. A união desses grupos conservadores, somado ao fortalecimento do antipetismo (o Partido dos Trabalhadores/PT estava no poder do país nesse período) e o crescimento da presença evangélica no espaço público, são elementos que nos ajudam a compreender a ascensão do neoconservadorismo ao poder no Brasil a partir de 2016, o que será tratado no segundo artigo deste estudo.

Referências:

BURITY, Joanildo. Itinerário histórico-político dos evangélicos no Brasil. In: ALBINO, Chiara; OLIVEIRA, Jainara; MELO, Mariana (Orgs.). Neoliberalismo, neoconservadorismo e crise em tempos sombrios. Recife: Editora Seriguela, 2021.

CAMILO, Rodrigo Augusto Leão. A Teologia da Libertação no Brasil: das formulações iniciais de sua doutrina aos novos desafios da atualidade. II Seminário de Pesquisa da Faculdade de Ciências Sociais. Goiânia: UFG, 2011. Disponível em: https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/253/o/Rodrigo_Augusto_Leao_Camilo.pdf 

HARVEY, David. A Brief History of Neoliberalism. Nova Iorque: Oxford University Press, 2005.

LACERDA, Marina Basso. O novo conservadorismo brasileiro: de Reagan a Bolsonaro. Porto Alegre: Editora Zouk, 2019

MEARSHEIMER, John J. e WALT, Stephen M. The Israel Lobby And U.S. Foreign Policy. Nova Iorque: Farrar, Straus And Giroux.NETTO, Leila Escorsim. O conservadorismo Clássico: elementos de caracterização e crítica. São Paulo: Cortez, 2011.

**Os artigos da seção Areópago são de responsabilidade de autores e autoras e não refletem, necessariamente, a opinião do Coletivo Bereia.

***Foto de capa: Fernando Frazão/Agência Brasil

Por que o Brasil está no topo de ranking de países onde mais se acredita em Deus

* Texto originalmente publicado na BBC Brasil

Vai com Deus.

Graças a Deus!

Deus me livre.

Pelo amor de Deus!

Só Deus sabe.

Deus está sempre na boca do brasileiro, um povo que vive em um país de maioria cristã onde cultura e fé estão intimamente ligadas – das altas esferas de poder ao cotidiano do cidadão comum – e no qual a vida religiosa muitas vezes preenche lacunas deixadas pelo Estado.

Esses são alguns dos fatores que explicam porque o Brasil se destaca quando o assunto é espiritualidade.

Quase nove em cada dez brasileiros dizem, por exemplo, acreditar em Deus, segundo a pesquisa Global Religion 2023, produzida pelo instituto Ipsos.

O índice de 89% de crença em um poder superior coloca o Brasil no topo do ranking de 26 países elaborado pelo Ipsos, com base em uma plataforma online de monitoramento que coleta informações sobre o comportamento destas populações.

O Brasil aparece empatado com África do Sul, que teve os mesmos 89%, e Colômbia, com 86% – um empate técnico dada a margem de erro de 3,5 pontos percentuais da pesquisa.

Holanda (40%), Coreia do Sul (33%) e Japão (19%) foram os países onde a população menos crê em Deus ou em um poder superior, de acordo com a pesquisa.

A Global Religion 2023 é baseada em dados coletados entre 20 de janeiro e 3 de fevereiro, com 19.731 entrevistados, aproximadamente mil deles no Brasil. Não há países islâmicos na amostra, embora pessoas que seguem o islamismo tenham sido consultadas.

Entre os países pesquisados, o Brasil ficou 28 pontos percentuais acima da média na crença em Deus, que foi de 61%.

No cotidiano brasileiro, as pessoas falam em Deus o tempo todo, é algo comum e normal, e é estranho se alguém reage de forma negativa a isso , diz Ricardo Mariano, sociólogo da Religião e professor da Universidade de São Paulo.

Mariano ressalta que o Brasil costuma se destacar em pesquisas internacionais sobre religiosidade e fé porque a crença em Deus e a espiritualidade estão profundamente intricadas na nossa cultura, mesmo entre quem não tem compromisso com nenhuma religião específica.

De acordo com a pesquisa do Ipsos, 70% dos brasileiros disseram que acreditam em Deus como descrito em escrituras religiosas, como a Bíblia, o Alcorão, a Torá, entre outros, e 19% acreditam em uma força superior, mas não em Deus como descrito em textos religiosos.

Cerca de 5% dos brasileiros disseram não acreditar em Deus ou em um poder maior, 4% afirmaram que não sabem e cerca de 2% preferiram não responder.

São dados que estão de acordo com nosso histórico de um país onde a religião e a religiosidade têm uma predominância tanto na cultura e na vida cotidiana quanto nas esferas de poder , diz Helio Gastaldi, diretor de opinião pública da Ipsos no Brasil.

Vida religiosa

Mas acreditar em Deus não significa necessariamente ser religioso – e o caso brasileiro demonstra bem isso.

Enquanto 89% dos entrevistados no país disseram crer em Deus ou um poder superior, só 76% afirmaram seguir uma religião.

O índice nacional ficou novamente acima da média global, que foi de 67% neste caso, mas bem abaixo dos primeiros colocados: Índia (99%), Tailândia (98%) e Malásia (94)%.

Entre os brasileiros religiosos, 70% disseram ser cristãos (católicos, evangélicos e outras denominações) e 6% são filiados a outras religiões, enquanto 22% disseram não ter uma religião, sendo 16% ateus e 6% agnósticos.

Os dados da Ipsos mostram que a diferença na adesão dos jovens da geração Z (de até 23 anos) e do resto da população adulta a uma religião é bem maior entre os católicos do que entre os evangélicos.

Enquanto 38% dos adultos se declararam católicos, somente 23% dos jovens da geração Z dizem aderir à religião – uma diferença de 15 pontos.

Já entre os evangélicos e outros cristãos, o índice geral entre adultos é de 29% e entre os jovens é 26% – ou seja, além de existir uma diferença geracional menor, já há mais jovens evangélicos do que católicos no Brasil hoje, aponta o estudo.

O índice dos sem religião na medição da Ipsos ficou bem acima dos 8% registrados pelo último Censo, de 2010, que, por sua vez, detectou um aumento de 0,7 pontos percentuais em relação ao levantamento anterior (7,3%).

Apesar de sabermos que a proporção de pessoas sem religião no Brasil tem aumentado – dados do Datafolha de 2022 indicam 14% sem religião, dentre população em geral, e 34% sem religião entre os jovens -, o fato da pesquisa da Ipsos ser com painel online pode inflar um pouco este número, supondo que entre os mais pobres esta proporção dos sem religião seja um pouco menor , diz Gastaldi.

O Brasil acompanha, mesmo que timidamente, uma tendência global de aumento do número de pessoas que não tem religião, diz Mariano.

É preciso aguardar os dados do censo 2022, mas tudo aponta que esse número vai ter aumentado , diz.

Enquanto no Brasil a crença em Deus supera a religiosidade, em países como Índia e Tailândia, que lideram o ranking de religiosos, e também onde a filiação a uma religião é minoritária, como Coreia do Sul (44%) e Japão (40%), a situação se inverte e há mais pessoas religiosas do que aquelas que acreditam em um poder superior.

Isso acontece por causa das características particulares da fé nestes locais, segundo especialistas.

Religiões como o budismo e o xintoísmo – que são predominantes em alguns deles – são não teístas, ou seja, não têm um conceito de Deus ou de um poder superior como nas chamadas religiões abraâmicas, como o cristianismo, islamismo e o judaísmo, explica Gastaldi.

O xíntoísmo é uma reunião de tradições espirituais japonesas centradas no culto à natureza e aos antepassados. Já o budismo trabalha com a ideia de iluminação espiritual individual

Ao mesmo tempo, explica Mariano, o conceito de Deus não consegue captar bem as crenças de religiões politeístas (com múltiplas divindades) como o hinduísmo, que é majoritário na Índia, e as religiões afro-brasileiras.

O Brasil tem, porém, um índice alto de crença em Deus e de religiosidade mesmo se comparado a outros países em desenvolvimento – e isso tem a ver com a história do país.

A religião é uma força fundamental no Brasil desde a época da colonização dos portugueses. O catolicismo é a religião que nos foi imposta pelos portugueses e vai ter um papel central nas identidades nacionais , afirma a professora de sociologia da religião Nina Rosas, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Ausência do Estado

Helio Gastaldi, do Ipsos, explica que os dados da pesquisa de 2023 são consistentes com um fenômeno muito estudado.

Entre os países laicos, onde a religião é separada do Estado e não há uma religião oficial, a vida religiosa tende a ter maior importância para a população onde o PIB per capita (riqueza de um país em relação à quantidade de habitantes) é menor ou onde há grande índices de desigualdade, aponta Gastaldi.

São locais onde a religião de certa forma supre a ausência do Estado. Ela traz perspectiva, consolo, às vezes até assistência material – mas também pode ser usada como forma de manipulação e ferramenta do poder , diz Gastaldi.

Na pesquisa do Ipsos, por exemplo, 90% responderam que acreditar em Deus ou forças superiores ajuda a superar crises, como doenças, conflitos e desastres.

O catolicismo sempre operou no Brasil como uma espécie de extensão do Estado, mesmo depois da proclamação da República, afirma Rosas.

Ao mesmo tempo, havia uma forte perseguição a outras religiões, explica a pesquisadora – o Código Penal de 1890, por exemplo, criminalizava magia, espiritismo e curandeirismo. Havia resquícios disso na legislação até 1985, aponta Rosas.

Então as religiões mediúnicas, tanto espiritismo quanto as de matriz africana, tiveram que se adaptar a essas pressões tentando se enquadrar em algo que era considerado legítimo , diz Rosas.

Isso gerou o surgimento de um sincretismo religioso que ultrapassa as barreiras das religiões individuais.

Apesar da opressão da colonização ter vindo embutida com a religião para o Brasil, na forma da religião imposta, de certa forma o povo soube separar Deus do missionário e ficou com a figura de Deus , afirma Fernando Altemeyer, professor do departamento de Ciência da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Altemeyer avalia ainda que o alto índice de crença em Deus verificado pela pesquisa do Ipsos também é provavelmente influenciado pelo contexto imediato da vida pós-pandemia no Brasil, que foi especialmente atingido pela covid-19 e onde o governo foi criticado pela falta de resposta adequada ao problema.

Tivemos mais de 700 mil mortos, foram dois anos de depressão e sofrimento. E sabemos que depois de uma grande crise, as religiosidades e espiritualidades aumentam, têm uma explosão , diz ele.

Foi assim no Japão após a Segunda Guerra Mundial, após a bomba atômica, por exemplo.

A força da fé

Ricardo Mariano, da USP, explica que, historicamente, os movimentos que foram oposição ao poder ou governo do período nunca tiveram um caráter de combater a religião ou espiritualidade.

Nós não temos uma tradição iluminista, de movimentos políticos ideológicos anticlericais e seculares , afirma ele.

A secularização é o processo de afastamento de uma sociedade da religião.

Mesmo a classe média brasileira não é altamente secularizada , afirma o pesquisador.

Ele aponta que mesmo movimentos de esquerda não fizeram uma oposição à religião em si – o PT, o maior partido de esquerda do país, por exemplo, tem em suas origens o catolicismo da Teologia da Libertação, corrente católica que defende a atuação da Igreja em prol do combate à desigualdade social como prioridade.

No Brasil, movimentos por direitos de grupos que historicamente sofreram opressão religiosa – como mulheres e pessoas LGBT – não tendem a ser antirreligiosos, destaca Mariano.

Embora certos movimentos façam oposição à influência de grupos religiosos no Congresso, diz Mariano, raramente a oposição é em relação à ideia de religiosidade em si.

Mesmo quando a democratização do ensino superior avançou, isso não implicou na absorção de uma cultura que faça oposição à crença religiosa, não houve esse embate, diz Mariano.

** Os artigos da seção Areópago são de responsabilidade de autores e autoras e não refletem, necessariamente, a opinião do Coletivo Bereia

*** Foto de capa: Pixabay

As histórias de fé que ouvi em igrejas neopentecostais

Quando o assunto é igreja evangélica brasileira, o que pensam as pessoas que estão fora dela? E de quem elas lembram? Bispo Edir Macedo (Igreja Universal), Apóstolo Valdemiro Santiago (Igreja Mundial) e Pastor Silas Malafaia (Assembleia de Deus Vitória em Cristo) certamente estão entre as pessoas que vêm à mente de muita gente devido ao poder midiático de suas igrejas.

Sou filho de uma família pastoral com raízes na Igreja Batista Independente (de vertente pentecostal) e passagem pela Renascer em Cristo (uma das maiores promotoras da cultura gospel nos anos 1990 e 2000). Hoje frequento uma Igreja Batista. E fora do que via pela TV, eu conhecia pouco sobre outras denominações com grande poder midiático.

Mas por que as pessoas vão a essas igrejas? Em 2019, foi com essa pergunta que decidi fazer uma pesquisa de iniciação científica cujo objetivo era entrevistar fiéis de três igrejas neopentecostais (Mundial, Universal e Plenitude) e uma pentecostal (Assembleia de Deus do Brás). A maioria delas fica no “Corredor da Fé”, na Avenida Celso Garcia, no bairro do Brás, zona leste de São Paulo. Na época da pesquisa, eram 26 igrejas só naquele endereço. Baseado nas entrevistas que fiz naquele ano, produzi o podcast Histórias de Fé.

A compreensiva resistência ao jornalismo

As reações à chegada de um jornalista variaram. Na igreja do Apóstolo Valdemiro, ter me apresentado como jornalista evangélico fez os fiéis se abrirem mais. Numa entrevista até escutei que, se eu não fosse crente, uma pessoa teria tentado me confrontar e evangelizar. Já nas outras, precisei convencer autoridades religiosas de que não procurava prejudicar as igrejas com as entrevistas. 

A resistência é compreensível. As igrejas evangélicas brasileiras saltaram de 5% a 22% da população entre 1970 e 2010, de acordo os dados do Censo Demográfico do IBGE. Essa é uma grande e rápida mudança em um país de histórica hegemonia Católica Romana. Além disso, a representação desse grupo religioso ainda é carregada de estereótipos (ou até mesmo imprecisões) que eram bem mais fortes em décadas passadas.

É verdade que isso tem sido superado. Exemplo disso é que a Folha de S. Paulo dedicou, em 2019, matéria para os resultados de uma pesquisa do DataFolha. O levantamento concluiu que a “cara típica” do evangélico brasileiro é feminina e negra. Nas igrejas neopentecostais, elas representam 69% dos fiéis.

Mesmo assim, visitar essas igrejas – em especial as neopentecostais – foi confrontar-me com meus próprios preconceitos. Entrevistar fiéis enquanto mantinha opinião crítica à teologia da prosperidade e considerar que, às vezes, as chamadas experiências de avivamento com o Espírito Santo eram exageradas, me obrigou a entender as suas crenças em seus próprios termos.

Entender a fé do outro muda perspectivas

Essa chave muda tudo. Se olharmos apenas para o que acontece nos púlpitos sem acreditar nos programas de TV, a imagem que fica é de bispos e apóstolos que exploram a fé de pessoas pobres e com pouca instrução. Mas se o foco são as pessoas sentadas nos bancos – não meros cases de sucesso que dão testemunho – a situação muda.

No primeiro episódio, conto um diálogo que tive com uma fiel da Universal fora da igreja. Ela diz acreditar que pode obrigar Deus a fazer um milagre acontecer e até me citou que declarou que teria um emprego e conseguiu-o de um dia para outro. Essa crença entra em choque com a tradicional doutrina da soberania de Deus. Mas se oração, dízimos e ofertas não resultarem no milagre, para ela, é porque Deus faz o que quer. Então, o debate que importa não é se uma doutrina clássica e cara a outras tradições evangélicas está em jogo ou não, mas se a fé pregada pela igreja dá resultados.

Mas não só de resultados vive a fé desses evangélicos. O maior exemplo que tive foi minha última entrevistada, na Igreja Plenitude. Elissandra contou que retornou ao evangelho pela Plenitude depois de 22 anos “desviada” (gíria crente que designa quem se converteu e posteriormente deixou a igreja). Pouco depois de ter se batizado, sua filha teve uma doença que afetou toda a pele. Os médicos não achavam solução. A cura veio depois que ela comprou frascos com o sangue do cordeiro e azeite e passou no corpo da filha. “Então, eu não tenho motivo pra sair da igreja. Eu tenho motivo pra permanecer. Pra ficar. Pra ser fiel a Ele. Eu não tenho motivo pra sair. Porque ele me provou quem Ele é na minha vida. Ele me provou que Ele está comigo. E que Ele ouviu o meu clamor, a minha oração, porque eu ajoelhei e pedi pra Ele. E Ele me ouviu e Ele me respondeu no mesmo dia”, explicou Elissandra. 

Apesar disso, toda a sua família questiona sua fé e a chama de macumbeira – um termo muito ofensivo, já que essas igrejas entendem os cultos afro-brasileiros como demoníacos. Mas quando o assunto era o que a mantinha na Plenitude, ela atribuiu sua persistência ao avivamento com o Espírito Santo. Mesmo que a cura da filha tenha sido um sinal de Deus, me pareceu que Elissandra quer bem mais respeito da família do que negociar bênçãos materiais com Deus.

Compreender não significa fechar os olhos para os problemas

Ao final de toda a pesquisa, não deixei de ter sérias divergências com as pregações das igrejas as quais visitei. Discordo da Teologia da Prosperidade e da Guerra Espiritual, defendidas pelas igrejas neopentecostais. Às vezes, a admiração aos líderes das denominações me parece exagero.

Além disso, há um alinhamento institucional e quase acrítico ao Presidente da República Bolsonaro, para dizer o mínimo. Não é por acaso que o voto evangélico foi forte fator para a eleição do capitão. É claro que isso não é exclusividade das igrejas que visitei e os efeitos são prejudiciais tanto para quem é da igreja quanto para quem é de fora dela. 

Em poucos meses como repórter verificador no Bereia cheguei à triste conclusão que, não raramente, líderes evangélicos importantes desistem da verdade para espalhar desinformação, seja para criticar opositores do presidente ou defender o governo. Isso se tornou mais dramático com a pandemia de covid-19. O grande problema disso tudo é: se a igreja evangélica se associar tão fortemente ao governo Bolsonaro, como as pessoas de fora da igreja conseguirão distinguir a diferença entre ser evangélico e ser bolsonarista?

Reconheço que essas igrejas não se encerram nos programas de TV e que chegam nas vidas das pessoas. E mesmo quando discordo, eu entendo os pontos de vista desses fiéis. Qualquer diálogo sério com evangélicos depende de tentar compreendê-los.

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O Natal de Jesus e o nosso Natal sob o Covid-19

O Natal do ano 2020 seja talvez o mais próximo do verdadeiro Natal de Jesus sob o imperador romano César Augusto.

Este imperador ordenara um recenseamento de todo o império. A intenção não era apenas como entre nós, de levantar quantos habitantes havia. Era isso, mas o propósito era cobrar de cada habitante um imposto, cuja soma com aquele de todas as províncias se destinava a manter a pira de fogo permanentemente acesa e sustentar os sacrifícios de animais ao imperador que se apresentava e assim era venerado como deus. Tal imposição a todos do Império provocou revoltas entre os judeus.

Esse fato, mais tarde, foi usado pelos fariseus como uma armadilha a Jesus: devia pagar ou não o imposto a César? Não se tratava do imposto comum, mas aquele que cada pessoa do império devia pagar para alimentar os sacrifícios ao imperador-deus.

Para os judeus significava um escândalo pois adoravam um único Deus, Javé, como poderiam pagar um imposto para venerar um falso deus, o imperador de Roma? Jesus logo entendeu a cilada. Se aceitasse pagar o imposto seria cúmplice da adoração a um deus humano e falso, o imperador. Se o negasse se indisporia com as autoridades imperiais negando-se a pagar o tributo em homenagem ao imperador-deus.

Jesus deu uma resposta sábia: “Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. E outras palavras, dai a César, um homem mortal e falso deus o que é de César: o imposto para os sacrifícios e a Deus, o único verdadeiro, o que é de Deus: a adoração. Não se trata da separação entre a Igreja e o Estado como comumente se interpreta. A questão é outra: qual é o verdadeiro Deus, aquele falso de Roma ou aquele verdadeiro de Jerusalém? Jesus, no fundo, responde: só há um Deus verdadeiro e deem a ele o que lhe cabe, a adoração. Dai a Cesar, o falso deus, o que é de César: a moeda do imposto. Não misturem deus com Deus.

Mas votemos ao tema: o Natal de 2020, como nunca na história, se assemelha ao Natal de Jesus. A família de José e de Maria grávida são filhos da pobreza como a maioria de nosso povo. As hospedarias estavam cheias, como aqui os hospitais estão cheios de contaminados pelo vírus. Como pobres, Jesus e Maria, talvez nem pudessem pagar as despesas como, entre nós, quem não é atendido pelo SUS não tem como bancar os custos de um hospital particular. Maria estava na iminência de dar à luz. Sobrou ao casal, refugiar-se numa estrebaria de animais. Semelhantemente como fazem tantos pobres que não têm onde dormir e o fazem sob as marquises ou, num canto qualquer da cidade. Jesus nasceu fora da comunidade humana, entre animais, como tantos de nossos irmãos e irmãs menores nascem nas periferias das cidades, fora dos hospitais e em suas pobres casas.

Logo depois de seu nascimento, o Menino já foi ameaçado de morte. Um genocida, o rei Herodes, mandou matar a todos os meninos abaixo de dois anos. Quantas crianças, no nosso contexto, são mortas pelos novos Herodes vestidos de policiais que matam crianças sentadas na porta da casa? O choro das mães são eco do choro de Raquel, num dos textos mais comovedores de todas as Escrituras: “Na Baixada (em Ramá) se ouviu uma voz, muito choro e gemido: a mãe chora os filhos mortos e não quer ser consolada porque ela os perdeu para sempre” (cf.Mt 2,18).

De temor de ser descoberto e morto, José tomou Maria e o menino Jesus atravessam o deserto e se refugiram no Egito. Quantos hoje sob ameaça de morte pelas guerras e pela fome, tentam entrar na Europa e nos USA. Muitos morrem afogados, a maioria é rejeitada, como na catolicíssima Polônia e vem discriminada; até crianças são arrancadas dos pais e engaioladas como pequenos animais. Quem lhes enxugará as lágrimas? Quem lhes mata a saudade dos pais queridos? Nossa cultura se mostra cruel contra os inocente e contra os imigrantes forçados.

Depois que morreu o genocida Herodes, José tomou Maria e o Menino e foram esconder-se num lugarejo tão insignificante, Nazaré, que sequer consta na Bíblia. Lá o Menino “crescia e se fortalecia cheio de sabedoria” (Lc 2,40). Aprendeu a profissão do pai José, um fac-totum, construtor de telhados e coisas da casa, um carpinteiro. Era também um camponês que trabalhava o campo e aprendia a observar a natureza. Ficou lá escondido até completar 30 anos, foi quando sentiu o impulso de sair de casa e começar a pregação de uma revolução absoluta: “O tempo da espera expirou. A grande reviravolta está chegando (Reino). Mudem de vida e acreditem nessa boa notícia” (cf. Mc 1,14): uma transformação total de todas as relações entre os humanos e na própria natureza.

Conhecemos seu fim trágico. Passou pelo mundo fazendo o bem (Mc 7:37; Atos 10:39), curando uns, devolvendo os olhos a cegos, matando a fome de multidões e sempre se compadecendo do povo pobre e sem rumo na vida. Os religiosos articulados com os políticos o prenderam, torturaram e o assassinaram pela crucificação.

Saiamos destas “sombras densas” como diz o Papa Francisco na Fratelli tutti. Voltemos o olhar desanuviado para o Natal de Jesus. Ele nos mostra a forma como Deus quis entrar na nossa história: anônimo e escondido. A presença de Jesus não apareceu na crônica nem de Jerusalém e muito menos de Roma. Devemos aceitar esta forma escolhida por Deus.  Realizou-se a lógica inversa da nossa: “toda criança quer ser homem; todo homem quer ser grande; todo grande quer ser rei. Só Deus quis ser criança”. E assim aconteceu.

Aqui ecoam os belos versos do poeta português Fernando Pessoa:

“Ele é a Eterna Criança, o Deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
É a criança tão humana que é divina”.

Fernando Pessoa

Tais pensamentos me trazem à memória uma pessoa de excepcional qualidade espiritual. Foi ateu, marxista, da Legião Estrangeira. De repente sentiu uma comoção profunda e se converteu. Escolheu o caminho de Jesus, no meio dos pobres. Fez-se Irmãozinho de Jesus. Chegou a uma profunda intimidade com Deus, chamando-o sempre de “o Amigo”. Vivia a fé no código da encarnação e dizia: “Se Deus se fez gente em Jesus, gente como nós, então fazia xixi, choramingava pedindo o peito, fazia biquinho por causa da fralda molhada”. No começo teria gostado mais de Maria e mais grandinho mais de José, coisa que os psicólogos explicam no processo da realização humana.

Foi crescendo como nossas crianças, observava as formigas, jogava pedras nos burros e, maroto, levantava o vestidinho das meninas para vê-las furiosas, como imaginou irreverentemente Fernando Pessoa em seu belo poema sobre o Jesus menino.

Esse homem, amigo do Amigo, “imaginava Maria ninando Jesus, fazê-lo dormir porque de tanto brincar lá fora, ficava muito excitado e lhe custava fechar os olhos; lavava no tanque as fraldinhas; cozinhava o mingau para o Menino e comidas mais fortes para o trabalhador o bom José”.

Esse homem espiritual italiano que viveu, muitas vezes ameaçado de morte, em tantos países da América Latina e vários no Brasil, Arturo Paoli, se alegrava interiormente com tais matutações, porque as sentia e vivia na forma de comoção do coração, de pura espiritualidade. E chorava com frequência de alegria interior. Era amigo do Papa que o mandou buscar de carro na cidadezinha uns 70 km de Roma para passarem toda um tarde e falarem da libertação dos pobres e da misericórdia divina. Morreu com 103 anos como um sábio e santo.

Não esqueçamos a mensagem maior do Natal: Deus está entre nós, assumindo a nossa condition humaine, alegre e triste. É uma criança que nos vai julgar e não um juiz severo. E esta criança só quer brincar conosco e nunca nos rejeitar. Finalmente, o sentido mais profundo do Natal é esse: a nossa humanidade, um dia assumida pelo Verbo da vida, pertence a Deus. E Deus, por piores que sejamos, sabe que viemos do pó e nos tem uma misericórdia infinita. Ele nunca pode perder, nem deixará que um filho seu ou filha sua se perderão. Assim, apesar do Covid-19 podemos viver uma discreta alegria na celebração familiar. Que o Natal nos dê um pouco de felicidade e nos mantenha na esperança do triunfo da vida sobre o Covid-19.

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Formas distintas para o enfrentamento da angústia!

A Psicanálise e a Religião nascem da mesma demanda: uma resposta à angústia, mais precisamente, a angústia da morte – angústia que marca a condição humana. Para lidar com essa angústia, os discursos religiosos fundamentalistas e a Psicanálise percorrem caminhos diferentes. Os fundamentalistas se estruturam na ordem da completude e da moral. Nada pode escapar ao sentido. Buscam apaziguar os seres angustiados.

De acordo com o psicanalista Jacques Lacan, a missão da religião é “curar os homens (…) para não perceberem o que não funciona”. Diferente de Sigmund Freud, que acreditava no domínio do saber científico positivista sobre a Religião, Lacan afirma que a Religião dará “um sentido a todas as reviravoltas introduzidas pela Ciência. E, no que se refere ao sentido, eles [os líderes religiosos] conhecem um bocado. São capazes de dar um sentido a qualquer coisa. Um sentido à vida humana, por exemplo. São formados nisso”. Lacan reconhece a legitimidade do saber religioso. É um saber entre tantos outros: “enquanto analistas, pensamos que não há saber algum que não se erga sobre um fundo de ignorância. É isso que nos permite admitir como tais muitos outros saberes além do saber cientificamente fundado”.

Lacan percebe a Religião como algo inerente ao ser humano; é da ordem do indestrutível; é estrutural, aparece como repetição – insiste e resiste. A Psicanálise tem outro viés. Não trabalha com discursos ordenadores da realidade. Não há generalizações possíveis. É da ordem da incompletude e da ética do desejo. Sabe que há demandas existenciais que não cabem nas palavras. Como afirma Lacan, “se ocupa muito especialmente do que não funciona (…) – o Real”. O conceito de Real em Lacan tem raízes em Sören Kierkegaard, teólogo cristão e filósofo dinamarquês, que percebeu algo na existência que escapa ao pensamento lógico, racional e que não permite uma síntese (diferente da tríade tese-antítese-síntese de Hegel). Retoma o mito de Adão e Eva. Os vê como seres angustiados, que não tinham consciência da existência do bem e do mal. Eles se angustiavam diante da ignorância, da inocência. Uma angústia diante do vazio, do nada, das escolhas. Não era angústia por não poder fazer nada. Era a angústia por não saber o que fazer. Angústia diante do que não se nomina (nomearam tudo), menos o inominável, o resto, o que sobra, a hiância.

No Brasil, os discursos religiosos fundamentalistas (Neopentecostalismo, por exemplo) têm conquistado mais visibilidade. São frutos de teologias em que há uma negação da angústia. Tudo pode ser nomeado e ordenado pelas palavras. Busca-se o tempo todo tamponar o Real. A “verdade” está em uma única fonte: nas Escrituras Sagradas. Afirmam o “direito” dos fiéis ao paraíso aqui e agora. Sem angústia. Não precisam mais “sofrer”. O sacrifício de Cristo “desculpabilizou” todos. O castigo dado a Adão e Eva não precisa mais ser aplicado. Perdeu o prazo de validade. É uma experiência religiosa mediada por um “contrato”, que transforma o fiel em “sócio” de Deus. Ao pagar o tributo, exige e cobra a sua cota de bênçãos diárias.

Nessa nova economia libidinal, o fiel cobra de Deus o que lhe foi tirado: sua perda (o paraíso). Assume uma posição reivindicatória, alguém me tomou algo. Insatisfeito, busca o que lhe é “devido”. Uma insatisfação estrutural, sempre está faltando alguma coisa. Vive-se no ciclo “satisfação-insatisfação”.

O pai (Deus) dessa relação histérica, causador da neurose e do sofrimento inicial, é substituído pelo Diabo. Este se torna o maior (e único) responsável por todas as desgraças que acometem os fiéis. Tanto a salvação (o bem) como a perdição (o mal) são causadas por figuras externas. Isso leva os fiéis a cobrarem de quem está lhe devendo, Deus, e a “guerrear” com quem lhe tirou o paraíso, o Diabo, o inimigo a ser eliminado. Qualquer sintoma, novo ou velho, tem uma única fonte: o Diabo, entidade espiritual que também se manifesta em pessoas, instituições, obras de arte, livros e outras produções artísticas. Há uma simplificação da realidade cotidiana. É um retorno à magia pré-moderna. Tudo se resolve por meio de palavras de ordem. A fé fica restrita à dimensão emocional. O importante é “sentir” Deus. A fé como práxis, encarnada e pública não faz parte do repertório dessa experiência religiosa hedonista e narcísica. Quando ocupam o espaço público é para privatizá-lo.

A angústia é um corte impossível de ser suturado. Corte que requer uma resposta singular, única e intransferível no manejo da vida. Não há respostas fáceis, mágicas ou receitas prontas para desangustiar o humano. Como afirma Kierkegaard, cada ser humano “deve costurar a sua própria camisa”, ou, nas palavras do psicanalista Jorge Forbes, “fora do sofrimento prêt-à-porter, cada um inventa a sua singularidade”. Isso serve para os que creem e para os que não creem.

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É falso conteúdo divulgado em vídeo por advogada que acusa STF e TSE

Um vídeo publicado pela professora de Direito Tributário e advogada Lenice Moreira de Moura em seu canal no Youtube, em 02 de julho de 2020, divulgado também pelo canal TV Eterno Aprendiz (Youtube) tem alcançado alta repercussão nas redes religiosas. No vídeo, a professora apresenta acusações contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Quem é a apresentadora do vídeo

Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria e Mestre em Integração Latino-Americana pela mesma universidade, Lenice Silveira Moreira de Moura é Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Atualmente coordena o Grupo de Pesquisa e Extensão “Direitos Humanos, Tributação e Cidadania” do Centro Universitário do Rio Grande do Norte – UNIRN. Integra o Núcleo Docente Estruturante do Curso de Direito do UNIRN, além de lecionar Direito Tributário, Direito Processual Civil e Metodologia Científica da Graduação e Pós-graduação em Direito no UNIRN. É advogada nas áreas tributária e empresarial.

A advogada e professora não é conhecida por sua atuação profissional, mas por episódios polêmicos, os quais foram destaque na imprensa. O jornal Saiba Mais publicou, em 30 de março de 2020, matéria sobre a divulgação, por Lenice Moura, de foto adulterada da governadora do estado do Rio Grande do Norte Fátima Bezerra (PT), Na foto original, a governadora estava reunida com o vice-governador Antenor Roberto, o secretário de Saúde Cipriano Maia e o prefeito de Natal Álvaro Dias. O objetivo da reunião era definir ações de combate ao coronavírus no Estado do Rio Grande do Norte e o registro em foto foi publicado nas mídias sociais da governadora. Na foto foi incluída uma garrafa de cachaça, uma imagem de Iemanjá e um boneco vodu de Jair Bolsonaro. Na publicação, a advogada afirma, dentre outras coisas, que “é na base da macumba que essa gente busca realizar seus planos malignos”.

A repercussão foi imediata. O Centro Universitário Rio Grande do Norte (UNIRN), instituição onde Lenice Moura leciona, se manifestou sobre o caso com declaração emitida pela assessoria de imprensa, classificando a falsificação como “opinião”:

“A instituição é apolítica, não toma partido nessas coisas. A professora está refletindo uma opinião dela. As consequências são para a cidadã. O reitor não aceita proselitismo na instituição. O que ela faz fora da instituição, nas redes particulares sociais dela, é uma outra história. Não tem como misturar o profissional. O que não se aceita é que ela leve esse pensamento para dentro de sala de aula. Ela pode opinar, mas não reflete o pensamento da instituição. O que ela faz nas redes sociais, ela que responda.”

De acordo com a matéria do Saiba Mais, além do crime de racismo religioso, a professora e advogada pode responder por falsificação. Com a grande repercussão, a postagem foi apagada por ela.

A Ordem dos Advogados do Brasil, seção Rio Grande do Norte (OAB-RN) também se manifestou sobre o caso. Por meio da assessoria de imprensa, o órgão declarou que a professora não possui registro na OAB-RN, por isso não poderia agir a respeito.

Além de se expor como adversária da gestão da governadora Fátima Bezerra, Lenice Moura deixa clara sua posição contrária às decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). No canal que a professora tem no Youtube, há diversos vídeos críticos aos ministros do STF em que ela afirma que o órgão quer implantar uma ditadura no Brasil. Nas outras mídias sociais as postagens de Lenice Moura reforçam o discurso de uma “suposta” censura imposta pelo STF, além de destacar operações realizadas pela Polícia Federal.

O Coletivo Bereia verificou o teor das afirmações da professora Lenice Moura, no vídeo que produziu no mês de julho com acusações ao TSE e ao STF, que tem sido intensamente propagado em redes religiosas.

1 –Haverá cassação de candidatos cristãos que forem eleitos, se comprovada pelo TSE a prática de abuso de poder religioso”

De acordo com matéria já publicada pelo Coletivo Bereia, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin propôs ao plenário do órgão que, a partir das eleições deste ano, abuso de poder religioso possa levar à cassação de mandato. A manifestação ocorreu durante um julgamento no TSE, referente ao caso da vereadora de Luziânia (GO) Valdirene Tavares (Republicanos), que é pastora da Assembleia de Deus. Ela perdeu nas instâncias inferiores, que julgaram pela cassação do mandato, por conta da vereadora eleita ter pedido votos para os membros da igreja. O ministro Fachin votou pela não cassação da vereadora mas fez a proposta que gerou debate, que foi interrompido devido ao pedido de vista (tempo para analisar) feito pelo ministro Tarcísio Vieira Neto.

Segundo Fachin, diante do “caráter inovador da compreensão”, ele recomenda “a sua não aplicação a feitos pretéritos, em homenagem ao princípio da proteção da confiança”. O ministro afirmou que o debate sobre abuso de poder religioso ainda carecia de um “enfrentamento mais detalhado por parte deste Tribunal Superior”.

O ministro também afirmou que entende que a intervenção das associações religiosas nos processos eleitorais deve ser observada com atenção, considerando que igrejas e seus dirigentes ostentam um poder com aptidão para calar a liberdade para o exercício de sufrágio, debilitando o equilíbrio entre as chances das forças em disputa.

Antes da suspensão do julgamento, o ministro Alexandre de Moraes proferiu seu voto e divergiu de Fachin, ao afirmar ter dúvida quanto à prática que se configura como crime de abuso de poder religioso, pois qualquer atitude abusiva pode ser enquadrada em abuso de poder político.

A Frente Parlamentar Evangélica (FPE) no Congresso Nacional se mobilizou sobre o debate no TSE. O grupo solicitou audiência com Fachin e a expectativa é que o ministro receba integrantes da bancada evangélica na primeira semana de agosto, após o fim do recesso do judiciário.

A FPE realizou reunião virtual no fim do mês de junho para discutir estratégias. Segundo o grupo, uma das frentes de atuação será a pressão sobre a corte. Deputados argumentam que não existe na legislação a previsão de abuso de poder religioso e que existem restrições a atividades de igrejas durante as eleições, como propaganda de candidatos somente do lado de fora de igrejas e templos.

O doutorando em Direito Constitucional Bernardo Seixas, explicou à reportagem de A Crítica, que a utilização de crença religiosa para se alcançar os mais altos cargos da República é um fato jurídico que deve ser evitado pelas regras eleitorais, pois existe possibilidade de a decisão política do cidadão não ser livre. “Não há previsão expressa sobre o abuso do poder religioso, mas somente de abuso econômico e político”, diz.

Já o Doutor em Sociologia Marcelo Seráfico, afirma à mesma reportagem que é importante o combate a toda e qualquer forma de abuso de poder, ou seja, a extrapolação de limites que assegurem a preservação da integridade das pessoas que participam de uma relação. O abuso expressa a tentativa de utilizar o poder, seja econômico, político ou religioso e torná-lo base para oprimir e subjugar as pessoas envolvidas. “Toda forma de abuso deve ser combatida, pois atenta contra a construção de uma sociedade justa, livre e igualitária”, conclui.

A proposta do ministro Fachin foi feita em sessão do Tribunal Superior Eleitoral, portanto órgão apropriado para este tipo de debate. A sessão era pública e todas as opiniões e votos são passíveis de análise pelos veículos de comunicação e analistas políticos. Muito longe de uma perseguição religiosa, como faz parecer a professora Lenice Moura, em desinformação por vídeo, a proposta do ministro revela-se uma tentativa de aprimorar a democracia e corrigir possíveis distorções do processo eleitoral. Além do mais, foi colocada em discussão.

2 – “Ministros do STF ordenaram a apreensão de celulares e computadores de políticos cristãos, além de mandarem prender jornalistas e ativistas cristãos”

Bereia já publicou a matéria “Conheça o perfil e as ligações religiosas dos investigados no Inquérito do STF contra a fake news- parte 01” que trata do envolvimento de religiosos no inquérito das fake news do STF. A ordem de apreensão de celulares e computadores expedida pelo STF, referida pela advogada, trata-se, na verdade, da operação que é parte do inquérito das fake news, o que ela omite em sua apresentação. Foram expedidos, ao todo, 29 mandados de busca e apreensão pelo ministro Alexandre de Moraes, que conduz as investigações.

Os mandados foram cumpridos pela Polícia Federal em cinco estados e no Distrito Federal. Entre os alvos estão pessoas próximas ao Presidente Jair Bolsonaro (sem partido), como o ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB), o deputado estadual Douglas Garcia (PSL-SP), a ativista Sara Winter, o empresário Luciano Hang e o blogueiro Allan dos Santos.

Na decisão o ministro também determinou o bloqueio de contas em mídias sociais, como Facebook, Twitter e Instagram dos investigados. Na ocasião, a assessoria do Twitter informou que não comentaria a decisão. Facebook e Instagram informaram que não foram notificados.

Segundo o ministro, a medida é necessária “para a interrupção dos discursos com conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática”. As provas colhidas apontam, de acordo com Alexandre de Moraes, para a “real possibilidade de existência de uma associação criminosa, denominada nos depoimentos dos parlamentares como ‘Gabinete do Ódio'”.

Para o ministro, há “sérias suspeitas de que integrariam esse complexo esquema de disseminação de notícias falsas por intermédio de publicações em redes sociais, atingindo um público diário de milhões de pessoas, expondo a perigo de lesão, com suas notícias ofensivas e fraudulentas, a independência dos poderes e o Estado de Direito”.

Em relação à prisão de ativistas e jornalistas cristãos, Bereia apurou que a afirmação se refere às prisões do jornalista Oswaldo Eustáquio Filho e da ativista Sara Winter pela Polícia Federal no final do mês de junho, na Operação Lume, que investigou o financiamento de atos que pedem o fechamento do STF e do Congresso Nacional.

No começo de julho, o jornalista foi solto por ordem do ministro Alexandre de Moraes, após 10 dias preso. Posteriormente foi divulgada a informação que Eustáquio havia sido preso novamente, mas foi constatado que a informação era falsa.

Uma das primeiras ativistas presas na investigação, Sara Winter, foi solta em 25 de junho, sob a condição de usar tornozeleira eletrônica.

A professora Lenice Moura desinforma com o vídeo que produziu, pois não contextualiza a situação em que se deram as apreensões e prisões relacionando-as ao inquérito das fake news e apresenta as decisões do STF como algo isolado.

3 – “Proibição de símbolos religiosos em repartições públicas e escolas e do ensino religioso no ambiente escolar”

Diante do princípio da Laicidade do Estado (artigo 5º, VI, da Constituição Federal), foi desenvolvida em 2017, a Sugestão Legislativa nº 27, resultante da Ideia Legislativa nº 73. 449, datada de 10 de maio do mesmo ano, intitulada “Proibição de Símbolos Religiosos em Órgãos Públicos”. Em parecer Nº 104 de 2019, o Senado Federal destaca que:

Com efeito, o estado brasileiro é laico, por definição constitucional, e lhe é vedado, por isso, ‘estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público’, como assinala o art. 19, inciso I, da Constituição.”

Desta forma, entende-se que a administração pública deve ser neutra com relação à religião. Locais de acesso público como escolas, salas de audiência, câmaras legislativas etc. não poderiam ostentar símbolos de qualquer grupo religioso.

De acordo com Paulo Moleta, em artigo publicado no Portal Jusbrasil, as mudanças culturais ocorridas no Estado Moderno, acompanhadas de uma teorização do poder político e de formulações em torno da liberdade religiosa, implicaram numa ruptura gradual com o modelo de Estado então existente e passaram a envolver ideias de neutralidade estatal e pluralismo ideológico e religioso.

Moleta argumenta que foi sob a influência destas transformações que o Brasil adotou a laicidade estatal, assegurando a todos os cidadãos, como garantias fundamentais, a liberdade de culto e de crença, além da igualdade, independentemente de convicções religiosas. Nota-se, porém, que apesar da proteção constitucional às liberdades de culto e de crença, assim como o caráter Laico do Brasil, em órgãos públicos brasileiros verifica-se a presença de símbolos religiosos como crucifixos, frequentemente encontrados em salas de audiência e em Tribunais.

Para ele a laicidade estatal é um regime de convivência social, onde instituições políticas são legitimadas pela soberania popular e não por elementos religiosos. O Estado Laico não deve ser entendido como instituição antirreligiosa ou anticlerical, mas como organização política que garantiu as liberdades religiosas.

Sobre o ensino religioso no ambiente escolar, a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) definem que as aulas de educação religiosa são permitidas na escola pública, desde que não sejam obrigatórias para os alunos e a instituição assegure o respeito à diversidade de crenças e coíba o proselitismo, ou seja, a tentativa de impor um dogma ou converter alguém.

STF se tornou o centro de polêmica envolvendo decisão referente ao ensino religioso confessional em 2017. O tribunal rejeitou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4439, da Procuradoria Geral da República, que pedia que o ensino religioso fosse apenas uma apresentação geral das doutrinas e não admitisse professores que fossem representantes de nenhum credo- como um padre, um rabino, um pastor ou uma ialorixá (mãe de santo). Com “voto de minerva” da presidente da corte à época, a ministra Carmen Lúcia, o STF decidiu pela permissão do ensino religioso confessional nas escolas públicas.

Na prática, as leis brasileiras permanecem como estão, mas fica autorizado que professores de religião no ensino fundamental (para crianças de 9 a 14 anos) promoverem suas crenças em sala de aula. Também continuam autorizados o ensino não confessional e o interconfessional (aulas sobre valores e características comuns de algumas religiões).

Na primeira sessão do julgamento, Barroso (relator da ação), Fux e Weber concordaram com o argumento da PGR de que o ensino religioso, mesmo que facultativo, pode expor crianças a constrangimentos, caso elas escolham não frequentar as aulas, por exemplo.

Esta também é a posição da maior parte das associações de educadores, ONGs de direitos humanos e congregações religiosas que pediram para que seus argumentos fossem ouvidos pelo tribunal.

A maioria dos ministros do Supremo argumentou que há como pregar a religiosidade e crenças específicas em escolas públicas sem violar a laicidade do Estado. A oferta do ensino religioso é obrigatória para a escola e optativa para o estudante de ensino fundamental.

Mas na prática cabe aos municípios e Estado legislar a respeito e às escolas acordar com os pais como o ensino religioso é incluído na grade escolar, o que tem levado a uma interpretação de um modelo de ensino nas aulas, bem como, ao privilégio de determinados credos frente a outros.

Lenice Moura não contextualizou estas questões no vídeo que divulgou. Não há legislação ou decisão do STF sobre símbolos religiosos em repartições públicas, apesar de a existência deles ferir a laicidade prevista na Constituição do país. A decisão do STF sobre ensino religioso nas escolas públicas vai justamente na contramão da suposta ameaça que a professora ressaltou no vídeo.

Bereia conclui que as informações oferecidas pela professora de Direito Tributário, Lenice Moreira de Moura são falsas. A professora omite e manipula informações a fim de criar medo de perseguição religiosa na audiência do vídeo que criou e gerar rejeição às ações do STF e do TSE, instituições relevantes para o resguardo das bases constitucionais do país. A criação de medo é uma das bases da disseminação de desinformação para que ativistas políticos ganhem adesão às suas propostas e destruam reputações, seja de pessoas, seja de instituições.

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Referências de checagem

Senado Federal. Atividade Legislativa. Sugestão nº 27, 2007. https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/129902. Acesso em 27 jul. 2020

Senado Federal. SENADO FEDERAL Da COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS E LEGISLAÇÃO PARTICIPATIVA, sobre a Sugestão n° 27, de 2017, que Proibição de símbolos religiosos em repartições públicas. RELATOR: Senador Eduardo Girão PARECER (SF) Nº 104, DE 2019. https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8004805&ts=1569242438306&disposition=inline. Acesso em 27 jul. de 2020

STF quer “tirar Deus” da democracia e quer transformar o Brasil em uma China tropical- Canal Lenice Moreira de Moura: https://youtu.be/vjPq577KeRA. Acesso em: 25 jul. 2020

STF quer tirar Deus do povo (democracia)- cita advogada e professora – TV Eterno Aprendiz: https://youtu.be/RwJIl6P3hL0. Acesso em: 25 jul. 2020

UNI-RN diz que não vai tomar partido no caso da professora que divulgou foto adulterada da governadora; OAB não se posiciona. Agência de reportagem Saiba Mais: https://www.saibamais.jor.br/uni-rn-diz-que-nao-vai-tomar-partido-no-caso-da-professora-que-divulgou-foto-adulterada-da-governadora-oab-nao-se-posiciona. Acesso em: 26 jul. 2020

Professora do curso de Direito de faculdades privadas de Natal acusa governadora Fátima e prefeito Álvaro de fazerem macumba contra Bolsonaro. Blog Thaisa Galvão: https://www.thaisagalvao.com.br/2020/03/30/professora-do-curso-de-direito-de-faculdades-privadas-de-natal-acusa-governadora-fatima-e-prefeito-alvaro-de-fazerem-macumba-contra-bolsonaro/. Acesso em: 26 jul.2020

Prisão de bolsonarista segue coberta por sigilo no STF, quatro dias depois… Coluna Rubens Valente https://noticias.uol.com.br/colunas/rubens-valente/2020/06/30/inquerito-fake-news-supremo.htm. Acesso em 27 jul.2020

Correio Braziliense. Disponível em: < https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/07/19/interna_politica,873496/nao-e-verdade-que-blogueiro-oswaldo-eustaquio-foi-preso-em-brasilia.shtml>. Acesso em 27 jul 2020.

Folha de São Paulo https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/07/jornalista-bolsonarista-preso-negar-ter-incentivado-atos-antidemocraticos.shtml. Acesso em 27 jul 2020

Jornal Valor Econômico: https://valor.globo.com/politica/noticia/2020/06/25/fachin-propoe-que-abuso-de-poder-religioso-leve-a-cassacao-de-mandato-ja-em-pleito-de-2020.ghtml. Acesso em: 27 jul. 2020

TSE debate cassação por abuso de poder religioso; evangélicos preparam reação. Portal CNN Brasil: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/2020/07/01/tse-debate-cassacao-por-abuso-de-poder-religioso-evangelicos-preparam-reacao. Acesso em: 27 jul. 2020

Abuso de poder religioso para angariar votos pode ser motivo de cassação no TSE. Portal A Crítica: https://www.acritica.com/channels/cotidiano/news/abuso-de-poder-religioso-para-angariar-votos-pode-ser-motivo-de-cassacao-no-tse. Acesso em: 27 jul. 2020

Alexandre de Moraes determina quebra de sigilo de investigados e bloqueio de perfis na internet. Portal G1: https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/05/27/moraes-determina-quebra-de-sigilo-de-investigados-e-bloqueio-de-perfis-na-internet.ghtml. Acesso em: 27 jul. 2020

PF prende blogueiro bolsonarista em investigação de atos anti-STF. Jornal Poder 360: https://www.poder360.com.br/justica/pf-prende-blogueiro-bolsonarista-em-investigacao-de-atos-anti-stf/. Acesso em: 28 jul. 2020

A retirada dos símbolos religiosos das repartições públicas. Portal Jusbrasil: https://paulocwb.jusbrasil.com.br/artigos/183777616/a-retirada-dos-simbolos-religiosos-das-reparticoes-publicas. Acesso em: 28 jul. 2020

Ensino Religioso e escola pública: uma relação delicada. Portal Nova Escola: https://novaescola.org.br/conteudo/74/ensino-religioso-e-escola-publica-uma-relacao-delicada. Acesso em: 28 jul. 2020

STF decide que escola pública pode promover crença específica em aula de religião. Jornal El País: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/08/31/politica/1504132332_350482.html. Acesso em: 28 jul. 2020

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/109224/lei-de-diretrizes-e-bases-lei-9394-96#art-33. Acesso em: 03 ago. 2020.

A vantagem da imperfeição

Em tempos de risco à nossa liberdade é fundamental pensarmos na sua importância. Nascemos completos, mas imperfeitos. Não possuímos nenhum órgão especializado, como a maioria dos animais. Para sobreviver, temos que trabalhar e intervir na natureza. Os mitos esclarecem esta situação.

Os indígenas guaicuru, do Mato Grosso do Sul, perguntaram-se o porquê da imperfeição e do alto significado da liberdade. Demoraram longo tempo para chegar a uma resposta. A explicação veio pelo seguinte mito, portador de verdade.

O Grande Espírito criou todos os seres, e colocou grande cuidado na criação dos humanos. Cada grupo recebeu uma habilidade especial para sobreviver sem maiores dificuldades. A alguns deu a arte de cultivar a mandioca e o algodão, deste modo, podiam se alimentar e vestir. A outros deu a habilidade de fazer canoas leves e o timbó, desta forma, podiam se locomover rapidamente e pescar.

Assim fez com todos os grupos humanos na medida em que se distribuíam pelo mundo, mas com os guaicuru não aconteceu de igual modo. Quando quiseram sair para as vastas terras, o Grande Espírito não lhes conferiu nenhuma habilidade. Esperaram, suplicando por muito tempo e nada lhes foi comunicado. Mesmo assim resolveram partir. Sentiram muita dificuldade em sobreviver e logo resolveram procurar intermediários do Grande Espírito para receber uma habilidade.

Primeiro, dirigiram-se ao vento, que soprava aos quatro cantos: “Tio vento, tu que sopras pelas campinas, sacodes as matas e passas por cima das montanhas, venha nos socorrer”. Mas o vento que sacudia as folhas sequer ouviu o pedido dos guaicuru. Em seguida, se voltaram para o relâmpago, que estremece toda a terra. “Tio relâmpago, você que é parecido com o Grande Espírito, ajude-nos”. Mas o relâmpago passou tão rápido que sequer escutou o pedido deles. Suplicaram às árvores mais altas, aos cumes das montanhas, às águas correntes dos rios: “Meus irmãos, intercedam por nós junto ao Grande Espírito para não morrermos de fome”, mas nada acontecia.

Desesperados, vagavam por várias paragens, até que pararam debaixo do ninho de um gavião-real. Este, ouvindo seus lamentos, resolveu intervir e disse: “Vocês, guaicuru, estão todos errados e são uns grandes bobos”.

“Como assim?”, responderam juntos. “O Grande Espírito se esqueceu de nós. Você que deve ser feliz, recebeu o dom de um olhar penetrante e consegue até perceber um ratinho na boca da toca e caçá-lo”.

“Vocês não entenderam nada da lição do Grande Espírito”, retrucou o gavião-real. “A habilidade que Ele lhes deu está acima de todas as outras. Ele vos deu a liberdade. Com ela vocês podem fazer o que desejarem.”

Os guaicuru ficaram perplexos e cheios de curiosidade. Pediram ao gavião-real que lhes explicasse melhor esta curiosa habilidade. Ele, cheio de garbo, esclareceu: “Vocês podem caçar, pescar, construir malocas, fazer belas flechas, pintar os corpos, os potes, viajar para outros lugares e até decidir o que querem de bom para vocês e para a própria natureza”.

Os guaicuru se encheram de alegria e diziam uns aos outros: “Que bobos nós fomos, pois nunca discutimos juntos a vantagem de sermos imperfeitos. O Grande Espírito nunca se esqueceu de nós. Deu-nos a melhor habilidade, de não estarmos presos a nada, mas de podermos inventar coisas novas, sabendo das vantagens de nossa imperfeição“.

O cacique guaicuru perguntou ao gavião-real: “Posso experimentar a liberdade?”. “Pode”, respondeu o gavião. O cacique tomou uma flecha e derrubou do alto de uma jaqueira uma grande fruta. E todos se deliciaram.

Desde aquele momento os guaicuru exerceram a liberdade. Tornaram-se grandes cavaleiros e nunca puderam ser submetidos por nenhum outro povo. A liberdade os conduzia a novas formas de se defender e garantir a melhor habilidade dada pelo Grande Espírito.

Os mitos nos inspiram grandes lições, especialmente nos dias atuais, quando forças poderosas, nacionais e internacionais, nos querem submeter, limitar e até tirar nossa liberdade. Devemos ser como os guaicuru: saber defender o maior dom que temos, a liberdade. Devemos resistir, nos indignar e nos rebelar, pois só assim faremos o nosso próprio caminho como nação soberana e altiva. E jamais aceitarmos que nos imponham o medo, ou que roubem a nossa liberdade.

Fake god… Fake news!

Um povo nunca vai além do seu Deus. Ou, para ser mais honesto, nunca vai além dos discursos sobre o seu Deus, pois de Deus não sabemos quase nada, a não ser os discursos que sobre Ele propomos.

Um deus fake, que ama a violência, não vê a hora de vingar os seus inimigos, aqueles que não acreditam nEle e nem fazem o que ordena, ou o que “achamos” que Ele ordena.

Esse deus fake odeia homoafetivos, oprime mulheres e escraviza negros. 

Certamente, sua legião de seguidores imprimirá esse mesmo ódio por onde passar.

E, já que esse deus é um simulacro, uma piada sem graça, uma “mentira santa”, legitimará em seu exército quaisquer mentiras outras que façam valer o seu poder, todo baseado na ausência de verdade.

Por essas e outras, em nada me espanta a quantidade de fake news abraçada, infelizmente, por parte de muitos que se reconhecem como “Igrejas do Senhor”.  Eles apenas propagam aquilo do que seu coração está cheio: ódio e mentira. Nada novo para Jesus, que foi assertivo: “a boca fala do que o coração está cheio”. Na Bíblia, em linguagem “internética”, poderíamos afirmar: “os dedos teclam do que está cheio o coração.”

É necessária uma conversão coletiva. Um arrependimento em massa, pois muitos dos que se apresentam como cristãos têm servido o pai da mentira, um deus fake, que tem um evangelho fake, que nada se parece com a boa nova de Cristo. É, no máximo, um “jornalismo marrom” sobre um deus tirano, branco, hétero, macho e sem graça alguma. Nada de Evangelho, tudo de Fake News.

Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo, tende piedade de nós!

Abraços,

Zé Barbosa Junior