Conflito armado Israel x Palestina: Brasil na berlinda da desinformação – Parte 2

* Matéria atualizada em 18/04/2024 às 17:52 para ajustes de texto

O conflito na Faixa de Gaza está chegando ao sexto mês. Desde o ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro, o governo israelense tem impetrado um verdadeiro massacre na Palestina. Bereia publicou em 19 de março a primeira parte desta reportagem, nela abordamos a corrente de desinformação que surgiu a partir da fala do presidente Luís Inácio Lula da Silva durante visita à Etiópia, em 18 de fevereiro passado, enquanto participava da 37ª Cúpula da União Africana e de reuniões bilaterais com chefes de Estado, o presidente brasileiro se pronunciou sobre o conflito e comparou a resposta de Israel aos ataques promovidos pelo Hamas, ao extermínio de milhões de judeus por nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, o que gerou uma série de críticas e comoção nas redes. 

Nessa checagem, Bereia tratou também sobre a escalada da violência na região e como Israel vem perdendo o apoio da comunidade internacional diante das atrocidades praticadas sobre a população palestina. Leia a matéria completa.

Nesta segunda etapa, Bereia traz a origem histórica deste conflito, a motivação do apoio de cristãos evangélicos à Israel e as atualizações da guerra. 

O Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou, em 25 de março, pela primeira vez desde o 7 de Outubro, um pedido de cessar-fogo em Gaza. A resolução recebeu o apoio de 14 dos 15 membros do órgão, o único a se abster foi os Estados Unidos. O texto estabelece uma cessação de hostilidades durante o Ramadã, período sagrado para os muçulmanos, que começou em 11 de março e termina em 9 de abril. Apesar da aprovação histórica, e da pressão internacional, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu não acatará a ordem da ONU e ainda planeja um ataque terrestre à cidade de Rafah. “Não estamos dispostos a cessar-fogo”, declarou. 

Apesar da abstenção, o gesto do governo norte-americano causou uma rusga entre Biden e Benjamin Netanyahu. Assim que o resultado no Conselho de Segurança foi anunciado, o governo israelense suspendeu a visita planejada de uma delegação do país aos EUA. O grupo iria discutir com os americanos uma alternativa à invasão planejada por Israel à Rafah. O premiê israelense acusou a Casa Branca de abandonar sua “posição de princípio”. Entretanto, o governo de Biden correu para explicar que não havia mudanças na posição dos EUA de apoio a Israel.

“A única certeza em Gaza é a incerteza”

O grupo Hamas, por sua vez, pediu desculpas à população de Gaza pelo sofrimento causado pela guerra, entretanto, reiterou a intenção de prosseguir com o conflito que, segundo o comunicado, deve conduzir à “vitória e à liberdade” dos palestinos. O anúncio foi feito, no dia 31 de março, pelo canal oficial do grupo no Telegram.

Imagem: reprodução da Agência Brasil

Em entrevista à COTV – Causa Operária TV, canal de notícias do Partido da Causa Operária, o médico, ex-Ministro da Saúde do governo em Gaza e chefe de relações internacionais do braço político do Hamas, Basem Naim, fala sobre a Guerra em Gaza ao presidente da legenda, Rui Costa Pimenta, que esteve no Catar para o encontro. “Eles estão atingindo tudo para exterminar qualquer existência palestina. Existência humana, existência institucional, existência cultural, existência religiosa. Esta é a primeira vez na história das guerras que mulheres e crianças são mortas mais do que homens e que os feridos são apenas o dobro das pessoas mortas”, lamenta o líder palestino. “Eles destruíram quase todos os hospitais, o norte da Faixa de Gaza está todo destruído. O sistema de saúde está totalmente colapsado. Eles destruíram cerca de 70% das casas residenciais, todas as universidades, a maioria das escolas, cerca de 1.100 das 1.200 mesquitas”.

O chefe do Hamas conta que ao invadir o Hospital pediátrico Al-Rantisi, o exército israelense forçou as mães a deixarem seus bebês hospitalizados para trás. “Quando as famílias vieram depois de duas semanas para procurar os filhos, encontraram-nos mortos dentro das incubadoras porque eles fecharam o fornecimento de oxigênio. Portanto, é uma guerra de extermínio de todo um povo, genocídio. Para exterminar totalmente a nossa existência”. 

“Ninguém em Gaza tem a sensação de segurança. Sempre dizemos que a única certeza em Gaza é a incerteza. Israel é uma potência ocupante e, como tal, pela lei internacional, tem deveres claros que devem ser respeitados. Proteger os civis e não atacá-los. Eles estão usando nosso povo como alvo militar nesta batalha”, ressalta o ex-ministro da saúde e continua. “Infelizmente, estas potências coloniais são tão brutais e tão agressivas que não são uma organização de caridade que, de repente, virão dizer: ‘desculpe por tê-los  incomodado durante alguns anos, estamos de saída’. Eles não irão embora a menos que sejam forçados a sair”, frisa deixando claro que não vão desistir de lutar.

Imagem: reprodução do Twitter

Por que os cristãos evangélicos apoiam Israel incondicionalmente?

Segundo o professor de Teologia e doutorando em Filosofia pela PUC-SP Wallace Góis, os evangélicos têm uma visão escatológica do papel de Israel na história da humanidade e o consideram como o “Relógio de Deus no mundo”. “Para eles, você tem que ficar de olho no que acontece em Israel para entender o que está acontecendo no plano divino. Então os eventos que envolvem Israel, qualquer avanço político, ameaça militar ou instabilidade, vai ser interpretado à luz de alguma passagem bíblica que tenha mais ou menos a ver com essa situação e vai ser colocado como um sinal do fim dos tempos, como a volta de Cristo”, explica o professor em entrevista ao Bereia

“Eles dizem que Israel é a continuidade da história do povo de Deus, apoiam porque Israel é e sempre foi o povo perseguido das escrituras, o guardião da Palavra de Deus e as coisas que acontecem em Israel têm uma direta conexão com aquilo que ajuda a formar a cosmovisão cristã sobre a realidade”, afirma Góis se referindo ao que pensam os evangélicos brasileiros. 

Para o professor, que integra a coordenação brasileira do Programa de Acompanhamento Ecumênico na Palestina e Israel, do Conselho Mundial de Igrejas, e viveu por quatro meses, de julho a outubro de 2015, na região, há uma espiritualização exacerbada em tudo que se refere a Israel. “Tem toda uma aura mística que envolve o imaginário cristão evangélico sobre Israel e coloca o país como se fosse um lugar mágico, um lugar sagrado em que tudo que se toca e se vê é referência do Divino”. 

Além disso, o professor ressalta que o turismo religioso reforça a ideia de que a nação é o ideal de civilidade para todas as outras. “Há uma propaganda de Israel como um país civilizado, ético, abençoado por Deus e aberto à liberdade religiosa, mas é uma grande encenação, porque a liberdade religiosa é restrita. Principalmente, para os muçulmanos, as comunidades cristãs na Palestina também estão definhando, estão sofrendo com restrições”, relata.

Góis compara a ação do governo israelense ao Império Romano da época de Jesus. “Israel se tornou um grande império opressor e a população Palestina se vê perseguida pelos ideais imperialistas, pela opressão, pela sanha de poder, pela sede por territórios. As melhores áreas da Palestina estão sendo ocupadas pela extensão territorial israelense, as riquezas naturais estão sendo exploradas por Israel. Então, qualquer chance que a Palestina teria de se estabelecer, de construir uma história de demonstração da ‘benção de Deus’ foi previamente sequestrada por Israel e tudo isso vai sendo associada à imagem de que Deus está na verdade ao lado de Israel”. lamenta. 

O teólogo denuncia ainda que os direitos palestinos estão sendo minados para que Israel possa ser vitoriosa. “O próprio Monte do Templo, onde muitos evangélicos dizem que será reconstruído o Templo de Jerusalém, existem mesquitas no local e, por isso, para os cristãos há uma certa ojeriza, uma certa ideia de usurpação do lugar sagrado pela religião islâmica, sobre o judaísmo, uma tentativa de suplantar o Deus verdadeiro, então são detalhes e mais detalhes da geografia da organização social dos pontos turísticos que são utilizados na hora de tecer esses argumentos em favor de Israel”.

Jerusalém e as três religiões

De acordo com a antropóloga, professora e pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) Dra. Francirosy Campos Barbosa Ferreira, é importante ressaltar que aquela região é sagrada para judeus, cristãos e muçulmanos que dividem o espaço de Jerusalém. “O que a gente tem visto acontecer é uma captura, algo que costumamos chamar de leituras fundamentalistas da Bíblia. Os livros sagrados passam por leituras diversas, desde as mais rígidas, ipsis litteris, até as reformistas ou com interpretações diferenciadas. Então, acho que essa é uma das questões, é a ideia da Terra Prometida, associada com outras questões do judaísmo”, aponta a pesquisadora. 

A antropóloga da USP relembra o caso das senhoras cristãs que, em uma manifestação a favor do ex-presidente Jair Bolsonaro, disseram que Israel é um país cristão, assunto já abordado por Bereia, na primeira reportagem desta série. “É a distopia que a nossa sociedade chegou. Não é de estranhar que uma pessoa cristã diga, de repente, que judeus também são cristãos. Infelizmente, em nossa sociedade hoje, o nível de conhecimento religioso, e isso eu falo de qualquer religião, é muito pífio, é insignificante, não tem profundidade, não tem um contexto histórico. É uma espiritualidade vazia”, analisa. 

Para Campos, a ultradireita soube se apropriar dessa narrativa e cooptar pessoas com esse conhecimento dúbio sobre o cristianismo. “Assim começaram a criar outras figuras, outros seres, outras formas de interpretação. Então, acho que a extrema direita bolsonarista, junto com interpretações fundamentalistas, podemos até dizer equivocadas da bíblia, acabam distorcendo todo esse campo religioso, e fazendo mau uso dele”. 

Ela ressalta ainda, que precisamos lembrar que antes da criação do Estado de Israel em 1948, as três religiões viviam em harmonia na região. “Antes da ocupação da Palestina, da expulsão dos palestinos, a gente tem um histórico de uma convivência respeitosa entre cristãos, muçulmanos e judeus, isso em várias partes do mundo, seja na Síria, no Egito, enfim, a gente tem um histórico de boa convivência. havia festas religiosas e as pessoas se respeitavam mutuamente. Essa é uma forma de uso da religião, de uma instrumentalização religiosa muito equivocada, infelizmente, que gera todo esse conflito”.

A antropóloga e professora da Universidade de Brasília Jacqueline Teixeira também analisou a situação. Em entrevista à BBC Brasil, ela disse que o bolsonarismo trouxe uma novidade para o apoio que cristãos evangélicos sempre deram à Israel: o discurso bélico-religioso, ou seja, a ideia de que uma disputa entre o bem e o mal justificaria o uso da violência. “Tem me chamado a atenção a tentativa de construção de uma justificação ética para os bombardeios, para as políticas de violência e de guerra que Israel tem lançado sobre o povo palestino. Uma naturalização da violência ou da guerra”, explica.

Teixeira acredita ainda que a naturalização entre religiosos de medidas como restrição de comida e água para os palestinos, seria resultado de uma “circulação mais preeminente de imagens do bolsonarismo no contexto das igrejas”, que permitiu uma “naturalização um pouco maior da desumanização” dos palestinos.

Mas qual é a origem do conflito na região?

Para compreender o atual cenário na região é necessário voltar no tempo. Governada, destruída, povoada e repovoada por diversos povos, dinastias e impérios, Gaza foi conquistada pelo Império Otomano no século 16. A região que havia sido conquistada por Alexandre, o Grande, pelo Império Romano e pelo general Amr Ibn Al-As, mudou várias vezes sua fé religiosa e viveu períodos de declínio e prosperidade ao longo dos séculos.

Gaza fez parte do Império Otomano até 1917, quando passou a ser controlada pelo Reino Unido. Os britânicos se comprometeram a apoiar a formação de um reino árabe unificado.

Durante a Primeira Guerra Mundial britânicos e turcos chegaram a um acordo sobre o futuro da Faixa de Gaza e da maioria dos territórios árabes na Ásia antes pertencentes ao Império Otomano. 

No entanto, durante a Conferência de Paz de Paris, em 1919, as potências europeias vencedoras da Primeira Guerra impediram a criação do reino árabe unificado. Elas estabeleceram uma série de mandatos para que pudessem controlar e repartir toda a região. Assim, a Faixa de Gaza passou a integrar o Mandato Britânico da Palestina, autorizado pela Liga das Nações e se estendeu de 1920 até 1948.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o Reino Unido decidiu transferir a decisão sobre a Palestina para a recém criada Organização das Nações Unidas (ONU). A ONU aprovou, em 1947, a Resolução 181, que dividiu a Palestina da seguinte forma: 55% do território para os judeus, Jerusalém sob controle internacional e o restante para os árabes (incluindo a Faixa de Gaza). Ao entrar em vigor em maio de 1948, a resolução pôs fim ao Mandato Britânico da Palestina e Israel declarou sua independência.

Horas após a declaração de independência do Estado de Israel, os exércitos do Egito, Jordânia, Síria, Líbano e Iraque invadiram Israel. Os enfrentamentos iniciaram quase que imediatamente, levando ao conflito árabe-israelense. Ao fim da guerra, cerca de 6 mil israelenses e entre 10 mil e 12 mil árabes foram mortos e estima-se que de 700 mil a 800 mil palestinos foram expulsos de suas terras e entre 400 e 500 vilas palestinas foram destruídas. Os refugiados palestinos se deslocaram e acabaram se assentando na Faixa de Gaza. 

A crise econômica causada pela Guerra da Independência e a necessidade de sustentar uma população em rápido crescimento exigiram austeridade no país e ajuda financeira do exterior. A assistência prestada pelo Estados Unidos, os empréstimos de bancos americanos, as contribuições de judeus da Diáspora e reparações alemãs após a guerra foram usados para construir casas, mecanizar a agricultura, estabelecer uma frota mercante e uma companhia aérea nacional, além de favorecerem a exploração mineral, o desenvolvimento industrial e a expansão de rodovias, telecomunicações e redes elétricas.

Após o armistício, Gaza foi ocupada e administrada pelo Egito até a Guerra dos Seis Dias, em 1967 – um conflito entre a coalizão árabe formada pela Jordânia, Iraque e pela antiga República Árabe Unida, que reunia o Egito e a Síria.

Após seis dias de batalha, as antigas linhas de cessar-fogo foram substituídas por outras como Judeia, Samaria, Gaza, Península do Sinai e Colinas de Golã, sob controle israelense. A passagem para Israel através do Estreito de Tiran foi assegurada e Jerusalém, que estava dividida desde 1949 entre Israel e Jordânia, foi reunificada sob autoridade israelense. Desde o fim do conflito Israel ocupa a Faixa de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental. Esta ocupação desencadeou uma série de conflitos que chegaram até os dias atuais.

Evolução do território palestino – 1920 aos dias atuais

Imagens: reprodução da BBC Brasil

Pertencente à Palestina, localizado em uma estreita faixa de terra na costa oeste de Israel e fazendo fronteira com o Egito, a Faixa de Gaza é um território marcado pela pobreza e superpopulação, com 2 milhões de habitantes morando em um território de 360 km².

Foi na Faixa de Gaza que teve início uma série de conflitos armados, incluindo algumas das guerras que influenciaram a história recente da região. Entregue aos palestinos em 2005, a Faixa de Gaza passou a ser controlada pelo Hamas em 2007. 

A primeira intifada (levante) dos palestinos contra os israelenses na Faixa de Gaza ocorreu em 1987. No mesmo ano foi criado o grupo militante islâmico Hamas, que se estenderia posteriormente a outros territórios ocupados.

Os Acordos de Oslo entre israelenses e palestinos, em 1993, criaram a Autoridade Nacional Palestina (ANP) e concederam autonomia limitada à Faixa de Gaza e partes da Cisjordânia ocupada. Após uma segunda intifada, mais violenta que a primeira, Israel retirou suas tropas e cerca de 7 mil colonos da Faixa de Gaza em 2005.

No ano seguinte o Hamas venceu as eleições palestinas. Este resultado gerou uma violenta luta de poder em 2007 entre o Hamas e o partido Fatah, liderado pelo líder da ANP, Mahmoud Abbas. O grupo militante saiu vitorioso na Faixa de Gaza. Desde então, o Hamas mantém o poder na região, tendo sobrevivido a três guerras e a um bloqueio de 16 anos.

O Hamas jurou destruir Israel e substituir o país por um Estado islâmico. E, nos últimos anos, o grupo realizou diversos ataques, lançando foguetes sobre o território israelense.

Em comunicado no dia 22 de janeiro, o Hamas destacou essas origens históricas do conflito, afirmando que “a batalha do povo palestino contra a ocupação e o colonialismo não começou em 7 de outubro, mas se iniciou há 105 anos, incluindo os 30 anos de colonialismo britânico e os 75 anos de ocupação sionista e pretende responsabilizar legalmente a ocupação israelense pelo sofrimento infligido ao povo palestino”.

Netanyahu isolado

O Primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu tem sofrido vários reveses, por conta de sua condução do conflito em Gaza, considerada equivocada e desastrosa por analistas de todo o mundo. Para permanecer no poder, o líder israelense tem levado o país a se embrenhar cada vez mais fundo em conflitos regionais secundários. 

No dia 31 de março, um ataque de Israel ao hospital Al-Aqsa, em Gaza,deixou quatro mortos e 17 feridos. O cerco ao hospital palestino já durava duas semanas. De acordo com o governo israelenese, o alvo do exército era o centro de comando da jihad islâmica que, segundo o mesmo, atuava no local. Os militares anunciaram o fim das operações no local, após a invasão que deixou a maior parte do importante complexo médico em ruínas e inoperante. O Ministério da Saúde de Gaza informou que dezenas de corpos foram encontrados, e moradores locais disseram que áreas próximas foram devastadas.

No dia 01 de abril, Israel bombardeou e destruiu o consulado iraniano em Damasco, na Síria, e matou Mohammed Reza Zahedi, comandante da Guarda Revolucionária, a força de elite que protege o regime iraniano, além de outros alvos militares e civis. O motivo está ligado ao conflito em Gaza. De acordo com o governo israelense, o Irã é o principal financiador do Hamas e de outros grupos extremistas islamitas. O líder supremo do Irã aiatolá Seyyed Ali Khamenei lamentou a morte do general Zahedi e fez ameaças a Israel.

“O regime sionista será punido pelas mãos de nossos bravos homens. Faremos com que ele se arrependa desse crime e de outros que cometeu”, declarou o líder iraniano. 

No mesmo dia, mais um ataque israelita deixou líderes de todo o mundo em alerta. Desta vez, um drone israelense atingiu o carro onde funcionários da World Central Kitchen, ONG do chef espanhol José Andrés, estavam. O ataque vitimou sete voluntários. A organização não governamental havia acabado de levar uma carga de alimentos ao território palestino, horas antes do bombardeio. A entidade é uma das principais fornecedoras de alimentos à Faixa de Gaza desde o início da guerra. O premiê admitiu a culpa de Israel e disse que incidentes como este “’Acontecem em guerras’. “Infelizmente, no último dia houve um caso trágico em que as nossas forças atingiram involuntariamente pessoas inocentes na Faixa de Gaza. Acontece em guerras, e estamos verificando até o fim, estamos em contato com os governos, e tudo faremos para que isso não aconteça novamente”, declarou Netanyahu. 

Segundo a ONG, entre os mortos há três cidadãos do Reino Unido, um da Austrália, um dos Estados Unidos, um da Polônia, e um palestino. A World Central Kitchen é uma das mais atuantes em Gaza. Os dois veículos que transportavam as vítimas e que foram atingidos tinham o logotipo e o nome da ONG desenhados no teto e circulavam sozinhos em uma via de uma área sem conflitos. “Este não é apenas um ataque contra a World Central Kitchen, é um ataque a organizações humanitárias que se apresentam nas situações mais terríveis, em que os alimentos são usados ​​como arma de guerra. Isso é imperdoável”, disse o CEO da ONG, Erin Gore

Nem mesmo o governo americano tem poupado críticas e conseguido fechar os olhos para o que acontece em Gaza. O presidente americano Joe Biden disse estar “Indignado” com o ataque de Israel ao veículo de transporte da ONG World Central Kitchen e cobrou uma investigação “rápida” e que “traga responsabilidade”. Biden está em ano eleitoral e passou a ser acusado por sua própria base de ser cúmplice pelas mortes de palestinos. 

Imagem: reprodução site CNN

Os EUA vetaram três resoluções desde o início da escalada dos conflitos, em 7 de outubro de 2023, após ataques do Hamas no sul de Israel. Os cinco membros permanentes do Conselho, China, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos, têm o poder de vetar.

Apesar de dar sinais de mudança de atitude, o governo Biden continua enviando armamento para Israel. Os Estados Unidos enviaram dezenas de armas para Israel, incluindo bombas e munições de precisão, desde os ataques do Hamas em 7 de outubro. Atualmente, há 600 operações ativas de transferência ou venda potencial de armamento no valor de mais de US$ 23 bilhões entre os dois países, segundo autoridades do Departamento de Estado americano, denuncia o jornal Valor Econômico

Imagem: reprodução do Valor Econômico

Por causa do ataque ao carro da ONG norte-americana, o Ministro Britânico para o Desenvolvimento e África, Andrew Mitchell, convocou o embaixador de Israel para expor a “condenação inequívoca do governo ao terrível assassinato de sete trabalhadores humanitários da World Central Kitchen, incluindo três cidadãos britânicos”, disse ele num comunicado de imprensa do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Outra frente de batalha levantada pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu é contra a imprensa. O Parlamento de Israel aprovou, também no dia 01 de abril, uma lei que permite o fechamento temporário em Israel de emissoras estrangeiras consideradas uma ameaça à segurança nacional do país. O alvo do premiê é a TV Al Jazeera, com sede no Catar. “A Al Jazeera prejudicou a segurança de Israel, participou ativamente do massacre de 7 de outubro e incitou contra os soldados das Forças de Defesa de Israel. O canal terrorista Al Jazeera não transmitirá mais de Israel”, declara o líder israelense. 

Em nota, a Al Jazeera afirmou que Netanyahu faz uma campanha contra a rede. “Netanyahu não conseguiu encontrar nenhuma justificativa para dar ao mundo para seus ataques recorrentes contra a Al Jazeera e a liberdade de imprensa, exceto as mentiras e calúnias contra a rede e seus funcionários”, frisa o veículo. 

O desprezo pelo trabalho da imprensa é refletido em números. De acordo com a ONG Repórteres sem Fronteiras (RSF), em cinco meses de guerra, ao menos 103 jornalistas foram foram mortos em Gaza, pelo exército israelense. Segundo um balanço da RSF essa é  uma das guerras mais letais para jornalistas. A organização acionou duas vezes o Tribunal Penal Internacional contra Israel. “Esses 103 jornalistas não são números, são 103 vozes que Israel silenciou. 103 testemunhos a menos sobre a catástrofe que se desenrola na Palestina. (…) Reiteramos o nosso apelo urgente para proteger os jornalistas em Gaza”, disse o Secretário-geral da RSF Christophe Deloire, em comunicado no site da ONG

Protestos internos

As ruas de importantes cidades de Israel têm sido tomadas por milhares de manifestantes pedindo a libertação dos reféns na Faixa de Gaza e a destituição de Benjamin Netanyahu. Eles exigem eleições antecipadas e um acordo imediato para libertar os cerca de 130 reféns israelenses ainda detidos pelo Hamas. A situação do premiê israelense é cada vez mais insustentável e o futuro dele está atrelado à continuidade do conflito. 

Segundo dados do Serviço Prisional Israelense divulgados pela Human Rights Watch, as autoridades do país mantinham, até 1º de dezembro, 2.873 palestinos em detenção administrativa, sem acusação ou julgamento, com base em informações secretas. já a organização palestina de direitos humanos Addameer afirma que, até novembro de 2023, a população carcerária palestina em unidades carcerárias administradas por Israel tinha um total de 7.000 palestinos presos. Incluindo 80 mulheres e 200 crianças menores de 18 anos.

60 anos do golpe militar: mentiras sobre a ditadura persistem nos espaços digitais religiosos

Em 1º de abril de 2024, o golpe militar que depôs João Goulart completa 60 anos. Durante 21 anos (1964-1985), o Brasil viveu sob um regime que, além de atentar contra o Estado Democrático de Direito, privilegiou interesses empresariais e militares e promoveu graves violações de direitos humanos. 

Na última década, com a popularização das mídias sociais, algumas interpretações distorcidas sobre a ditadura militar brasileira ganharam adeptos e passaram a ocupar o debate público. Nesse contexto, há disseminação de desinformação sobre ditadura e religião no Brasil.

Na marca de 60 anos do golpe, Bereia relembra checagens e artigos que produziu sobre o tema.

Não é possível afirmar que o coronel Ustra tenha sido presbiteriano

Publicações de perfis evangélicos nas redes digitais afirmavam, em outubro de 2020, que o coronel do Exército e comandante da tortura de presos da ditadura militar no Brasil Carlos Alberto Brilhante Ustra, tratado como herói pela extrema-direita e exaltado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, seria integrante da liderança da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), o que Bereia classificou como informação imprecisa. 

Após verificação dos fatos, ficou esclarecida a impossibilidade de confirmar a fonte da informação propagada pelo teólogo e pastor da Igreja Presbiteriana Unida (IPU) Zwinglio Motta Dias, durante palestra na Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) em 2014, e anteriormente, em um capítulo de sua autoria no livro ‘Cristo e  Processo Revolucionário Brasileiro’, publicado em 2012.

A checagem produzida pela editora-geral Magali Cunha, com a colaboração de André Mello, também incluiu a verificação dos materiais produzidos pela Comissão Nacional da Verdade, por meio da qual foi possível encontrar o depoimento de uma das vítimas torturadas pelo regime militar, quem teria afirmado ter ouvido do próprio Ustra, que este seria metodista como ela. Também não foram encontradas provas contundentes de sua vinculação à denominação evangélica.

Por fim, o texto apresenta o histórico de cerimônias católicas associadas à morte do coronel, o linguajar característico do Catolicismo adotado por ele, e uma declaração pessoal de sua fé católica feita a jornalistas da revista Época, em 2008, como indícios  da ligação do militar, agente da ditadura, com a Igreja Católica.

A ameaça comunista e outras mentiras sobre o golpe

Em abril de 2021, após chamado do governo Jair Bolsonaro para as comemorações dos 57 anos do início da ditadura militar, líderes religiosos e fiéis exaltaram o golpe em espaços digitais religiosos. Os argumentos mentirosos mais comuns que circularam tentavam sustentar que o golpe teria ocorrido para “salvar” o Brasil da implantação do comunismo.

À época, Bereia reproduziu conteúdo publicado pelo UOL Confere que desmentiu, com auxílio de historiadores especialistas em ditadura militar, a existência de uma ameaça comunista no Brasil. Conforme contribuição do historiador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Carlos Fico, as tentativas de implantar o comunismo foram tímidas e sem apoio da população, e não chegaram a constituir uma ameaça.

A mesma publicação, assinada pela editora-geral do Bereia Magali Cunha, veiculou o material “10 mentiras sobre a ditadura militar no Brasil”, produzido pela Associação de Docentes da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (Adur-RJ). Entre as falácias desmentidas estão a ideia de que não houve corrupção na ditadura, de que a tortura não foi uma política de Estado, de que não havia violência urbana no período ditatorial, entre outras.

A ditadura militar fechou, sim, igrejas, deputado!

Em abril de 2021, Bereia publicou artigo de opinião assinado por Leonardo Viana e intitulado “A ditadura militar fechou, sim, igrejas, deputado!”. O artigo é uma resposta à declaração do deputado federal Marco Feliciano (então filiado ao Republicanos-SP, hoje filiado ao PL-SP) de que a “revolução” militar não teria fechado igrejas.

Viana demonstra informações que constam no relatório final da Comissão Nacional da Verdade e comprovam diversos ataques a pessoas e instituições religiosas. Destacam-se: violência contra 352 cristãos, assassinato de 18 católicos (entre eles, três padres), prisão de 27 evangélicos (com tortura na maioria dos casos), assassinato ou desaparecimento de sete evangélicos, fechamento de duas Faculdades de Teologia.

O artigo traz, ainda, alguns relatos de fiéis que contam sobre o fechamento de igrejas presbiterianas em Vitória (ES) e no Rio de Janeiro (RJ), ao contrário do que defendeu o deputado federal evangélico Marco Feliciano.

Falsa narrativa da ameaça comunista continua circulando nas mídias sociais

Em março de 2023, matéria assinada por Gabriella Vicente e João Pedro Capobianco mostrou que lideranças religiosas e políticos conservadores continuavam a propagar conteúdo falso sobre suposta “ameaça comunista”, desta vez associada ao atual governo federal liderado por Lula da Silva (PT).

O conteúdo traz pesquisa da doutora em linguística pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Bethania Mariani, que explica as origens da retórica de “ameaça comunista” ainda na década de 1920, no imediato pós-Revolução Russa.

Além de evidenciar a desinformação veiculada por personalidades e perfis religiosos em mídias sociais, Bereia demonstrou como o tema da “ameaça comunista” é amplamente explorado em contextos de desinformação e espalham pânico moral associado às ideologias de esquerda.

Filho de sindicalista morta pela ditadura desinforma sobre história da mãe

Bereia checou, em abril de 2022, a declaração de José de Arimatéia Alves, filho da sindicalista e mártir da luta camponesa Margarida Alves, assassinada na Paraíba durante o regime militar, sobre a reparação e indenização à família pelo crime que vitimou sua mãe, por parte do governo Bolsonaro. 

Alves, que é pastor da Assembleia de Deus, se disse agradecido ao governo Bolsonaro pela reparação e indenização do crime, durante cerimônia de filiação ao Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), em 17 de março de 2022. Naquele ano filiou-se ao partido aliado do então governo, e candidatou-se a deputado estadual pela Paraíba. 

Dias antes, o candidato já havia citado Sérgio Queiroz, então pré-candidato a senador pelo PRTB e integrante do segundo escalão do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos do governo Bolsonaro, como responsável pela resolução do caso que perdurava 20 anos, em discurso durante evento pelo Dia Internacional da Mulher, em João Pessoa.

No entanto, conforme levantado por reportagem de Magali Cunha e Xênia Casséte, a declaração de Alves é enganosa, por fazer uso de sensacionalismo para conquista de audiência em favor do então presidente Jair Bolsonaro, em ano de eleição, e não contextualizar que se tratou do cumprimento de uma decisão judicial, resultante de ações de diversas entidades e órgãos durante mais de 20 anos. 

Comunismo vs. patriotismo: desinformação em espaços religiosos

Levantamento do Bereia, realizado entre o período eleitoral iniciado em 2021 e 2 de outubro de 2022, apontou que o pânico associado ao comunismo, falso argumento utilizado largamente durante o regime militar e que cresceu em importância com amplos significados na sociedade brasileira desde então, permeia os cinco temas identificados como mais recorrentes em conteúdos falsos e enganosos disseminados em espaços digitais religiosos. 

A matéria ‘Comunismo e “ameaça comunista” vs. patriotismo é argumento que embasa temas com mais desinformação em espaços religiosos nas eleições’ aponta que a “ameaça comunista” é tema presente nas disputas políticas intensificadas pela imprensa brasileira desde os anos 1920, e especialistas defendem que há documentos do Exército que comprovam que o país nunca correu este risco. 

De acordo com texto de Hugo Silva e Diego Custódio, pesquisa do UOL Confere relatou que um informe do Serviço Nacional de Informações (SNI) já citava o desgaste do comunismo na Europa Ocidental e os militares também concluíram que não havia clima para a instalação do comunismo no Brasil, enquanto o historiador e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Carlos Fico disse à BBC, em 2019,   que as tentativas de implementar o comunismo no Brasil foram movimentos inexpressivos e não contavam com o apoio majoritário da população.

A pesquisa concluiu que, quando associado à religião, o termo ‘ameaça comunista’ assume o papel de enfrentamento moral/espiritual, e é colocado como afronta à família e à Igreja ao ligar-se a temas como perseguição religiosa e direitos sexuais e reprodutivos.

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O golpe militar de 1964 foi dado com base em desinformação e pânico moral sobre uma inexistente “ameaça comunista”. Lamentavelmente, esta estratégia política persiste e se fortaleceu com as mídias digitais. A tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023 é o mais forte exemplo da continuidade dessa estratégia e serve como alerta para as graves consequências políticas da desinformação.

Nesta oportunidade dos 60 anos do golpe militar de 1964, Bereia conclama leitores e leitoras à leitura crítica e ponderada dos fatos e de discursos políticos, especialmente daqueles que ocupam rapidamente os espaços digitais e utilizam o pânico moral como estratégia de mobilização.

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Foto de capa: Marcha da Família Com Deus Pela Liberdade, 1964/Memorial da Democracia

Deputado evangélico publica falsidade sobre a regulamentação do trabalho por aplicativos

O deputado federal evangélico Hélio Lopes (PL-RJ) publicou no X, em 4 de março,   conteúdo referente ao Projeto de Lei do governo federal para regularização e garantia de direitos a motoristas de aplicativo. Na legenda o deputado publicou: “Na ânsia da regulação, o desgoverno não mede o desemprego que suas médias vão gerar e nem os investimentos que deixarão de atrair! Dito governo dos mais pobres, né?!” 


Imagem:  reprodução / X 

A legenda estava relacionada a uma foto retirada  de matéria do veículo da extrema-direita Terra Brasil Notícias. O título da matéria, publicada no  mesmo dia, dizia: “‘Encerrar atividades’: essa é a resposta dos aplicativos de delivery que classificam como ‘inaceitável’ proposta do governo; ENTENDA”. 

Bereia verificou que a matéria reproduzida repercute conteúdo  do site Poder 360 publicado dois dias antes .


Imagem: Site Terra Brasil Notícias

A matéria do Poder 360 afirma : “Aplicativos de delivery classificam a possibilidade de pagamento mínimo de R$ 25,00 por hora trabalhada a entregadores como ‘inaceitável’. A avaliação entre empresas como iFood e Rappi é de que o custo as levaria ao encerramento das atividades, conforme apurou o Poder360. Só o iFood teria cerca de 500 mil entregadores afetados. Também há questionamentos em relação à contribuição previdenciária que incidiria sobre as empresas (20%), que não contaria para a aposentadoria do trabalhador”. 

Poder 360 não cita nomes de supostos entrevistados, nem fontes ou links que comprovem tais afirmações.

Imagem:  Site Poder360

O que diz o Projeto de Lei enviado pelo Governo

 Em cerimônia realizada no Palácio do Planalto, em 4 de março,  o presidente Luis Inácio Lula da Silva (PT) assinou o Projeto de Lei Complementar (PLC) que regulamenta os serviços prestados por trabalhadores de aplicativos no país.  Foi esta a data da publicação do deputado Hélio Lopes.

De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), do governo federal, “o documento aponta para a criação de mecanismos previdenciários e melhoria das condições de trabalho, a partir de quatro eixos: remuneração, previdência, segurança e saúde e transparência. O PLC será enviado ao Congresso Nacional e, caso seja aprovado, entrará em vigor no primeiro dia do quarto mês subsequente ao da publicação”.

O projeto vinha sendo estudado pelo Grupo de Trabalho Tripartite, criado em maio do ano passado e coordenado pelo MTE, que contou com representantes dos trabalhadores, das empresas e do governo federal. 

O MTE relata que o trabalho foi acompanhado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), Ministério Público do Trabalho (MPT), e outros.

Estudo divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no mesmo dia, trouxe um panorama do trabalho por meio de plataformas digitais no Brasil e apresentou os problemas que enfrentam os trabalhadores. “O trabalho principal por meio de aplicativos de transporte de passageiros em ao menos um dos tipos analisados de táxi ou excluindo táxi, alcançou 52,2%, ou 778 mil do total de trabalhadores de plataformas”, diz o estudo.

O trabalho do IBGE foi resultado do “inédito módulo Teletrabalho e Trabalho por Meio de Plataformas Digitais da Pesquisa Nacional  por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua”. Esta pesquisa mostrou ainda que no quarto trimestre de 2022, “o Brasil tinha 1,5 milhão de pessoas que trabalhavam por meio de plataformas digitais e aplicativos de serviços”.

A nova categoria

O ministro do Trabalho e Emprego Luiz Marinho disse que desde o ano passado, “a mesa tripartite debateu a regulamentação para trabalhadores que prestam serviços por meio de plataformas de transporte de pessoas. O resultado foi a criação de uma nova categoria: “trabalhador autônomo por  plataforma”. Segundo o ministro, essas pessoas passam agora a ter proteção social, com acesso a vários benefícios trabalhistas como outros trabalhadores do país.

Luiz Marinho ainda  explicou na ocasião: “O mercado de trabalho brasileiro sofreu um grande retrocesso entre 2016 e 2022 no Brasil nas relações de trabalho e nas leis trabalhistas, empurrando os trabalhadores para informalidade […] estamos reorganizando esse mercado para que esses trabalhadores tenham seus direitos assegurados e para que os empregadores também tenham segurança jurídica”.

As propostas apresentadas no PLC, que o presidente Lula assinou em 4 de março,  para encaminhamento ao Congresso Nacional são fundamentalmente: 

Cobertura dos custos – Para cada hora efetivamente trabalhada, será pago um valor de R$ 24,07/hora, destinado a cobrir os custos da utilização do celular, combustível, manutenção do veículo, seguro, impostos, entre outros. Esse valor é indenizatório e não compõe a remuneração.

Previdência – Os trabalhadores e trabalhadoras serão inscritos obrigatoriamente no Regime Geral da Previdência Social (RGPS), com regras específicas para o recolhimento da contribuição de cada parte (empregados e empregadores):

1) Os trabalhadores irão recolher 7,5% sobre os valores referentes à remuneração (que compõe 25% da hora paga, ou seja, R$ 8,03/hora);

2) Os empregadores irão recolher 20% sobre os valores referentes à remuneração (que compõe 25% da hora paga, ou seja, R$ 8,03/hora);

As empresas devem realizar o desconto e repassar para a Previdência Social, juntamente com a contribuição patronal.

Auxílio maternidade – As mulheres trabalhadoras terão acesso aos direitos previdenciários previstos para os trabalhadores segurados do INSS.

Acordo coletivo tripartite – O trabalhador em aplicativo será representado por entidade sindical da categoria profissional “motorista de aplicativo de veículo de quatro rodas”. As entidades sindicais terão como atribuições: negociação coletiva; assinar acordo e convenção coletiva; e representar coletivamente os trabalhadores nas demandas judiciais e extrajudiciais de interesse da categoria.

O Grupo de Trabalho Tripartite que elaborou as propostas foi composto por:

Centrais sindicais: Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Força Sindical (FS), Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST) e a União Geral dos Trabalhadores (UGT).

Representantes das empresas: Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), iFood, Uber, Zé Delivery, Lalamove, Movimento de Inovação Digital (MID), Mercado Livre, Rappi, 99, inDrive, Mercado Livre, Rappi, Associação Latino-Americana de Internet (Alai).

A posição das empresas de aplicativo sobre o Projeto de Lei

Bereia verificou o posicionamento das principais empresas cujos modelos de negócios são baseados em aplicativos. 

A Uber, destacada no ramo do transporte de passageiros, declarou em nota: 

“A Uber considera a proposta elaborada pelo Grupo de Trabalho Tripartite do governo federal como um importante marco visando a uma regulamentação equilibrada do trabalho intermediado por plataformas. O projeto amplia as proteções desta nova forma de trabalho sem prejuízo da flexibilidade e autonomia inerentes à utilização de aplicativos para geração de renda.

A empresa valoriza o processo de diálogo e negociação entre representantes dos trabalhadores, do setor privado e do governo, culminando na elaboração dessa proposta, a qual inclui consensos como a classificação jurídica da atividade, o modelo de inclusão e contribuição à Previdência, um padrão de ganhos mínimos e regras de transparência, entre outros.”

O Ifood, principal empresa de entrega de alimentos por aplicativo, emitiu nota em que afirma “sua posição ativa nas negociações e apoio contínuo à regulamentação do trabalho em plataformas.” O texto afirma também::

“A última proposta feita pelo próprio Ministro Marinho, com ganhos de R$17 por hora trabalhada, foi integralmente aceita pelo iFood. Depois disso, o governo priorizou a discussão com os motoristas, que encontrava menos divergência na bancada dos trabalhadores.

A empresa reforça que apoia desde 2021 a regulação do trabalho intermediado por plataformas e busca uma regulamentação para delivery que atenda as particularidades e necessidades diferentes dos motoristas, visando proteger os entregadores e preservar a sustentabilidade de seu ecossistema…”

Imagem: Site do Ifood

Já a nota da plataforma Mercado Livre, uma das maiores do ramo de venda e entrega de produtos pela internet, publicada no site de notícias CNN, afirma:

“Apesar de ainda não ter tido acesso ao texto da proposta em questão, o Mercado Livre segue aberto ao diálogo e continuará trabalhando colaborativamente nesta agenda a partir das diferentes frentes nas quais já está presente.”

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Bereia classifica a publicação do deputado federal evangélico Hélio Lopes (PL-RJ) sobre a regulamentação do trabalho de motoristas e entregadores por aplicativos, verificadas nesta matéria, como falsa. Como verificado pelo Bereia, a publicação repercutida por Hélio Lopes, não tem base em fatos. O parlamentar da extrema-direita tenta convencer seguidores que o Projeto de Lei do governo deve gerar desemprego, criando pânico por meio de desinformação.

Com base em notícias enganosas do site Terra Brasil Notícias e do Poder 360, Helio Lopes quer fazer crer  que as empresas de serviços por aplicativos não aceitariam a proposta do governo, por recusarem o teor do projeto. Entretanto, as empresas participaram da discussão do GT que indicou o conteúdo do PL e se manifestaram positivamente sobre ele.  Portanto,  é falso o conteúdo de pânico em torno de um suposto aumento do desemprego que seria acarretado ao mercado de trabalho brasileiro como resultado do movimento do governo em prol dos direitos de trabalhadores de empresas serviços por aplicativos.

Referências:

AGÊNCIA BRASIL. https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2023-10/ibge-pais-tem-21-milhoes-de-trabalhadores-de-plataformas-digitais. Acesso em 05 mar 2024

IBGE. https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/media/com_mediaibge/arquivos/448a4b1b10d3cba64647966eb2772316.pdf. Acesso em 06 mar 2024

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS IBGE. https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/38160-em-2022-1-5-milhao-de-pessoas-trabalharam-por-meio-de-aplicativos-de-servicos-no-pais. Acesso em 05 mar 2024

GOV.BR. https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/noticias-e-conteudo/2024/Marco/proposta-de-projeto-de-lei-cria-pacote-de-direitos-para-motoristas-de-aplicativos. Acesso em 05 mar 2024

PODER 360. https://www.poder360.com.br/economia/apps-de-delivery-dizem-que-pagar-r-25-por-hora-trabalhada-e-inviavel/. Acesso em 04 mar 2024

TERRA BRASIL NOTÍCIAS. https://terrabrasilnoticias.com/2024/03/encerrar-atividades-essa-e-a-resposta-dos-aplicativos-de-delivery-que-classificam-como-inaceitavel-proposta-do-governo-entenda/.  Acesso em 04 mar 2024

TWITTER. https://twitter.com/depheliolopes/status/1764605440925602198?. Acesso em 04 mar 2024

IFOOD. https://institucional.ifood.com.br/entregadores/nota-de-esclarecimento-regulamentacao/. Acesso em 06 mar 2024

CNN. https://www.cnnbrasil.com.br/politica/ministro-chama-modelo-de-negocio-de-ifood-e-mercado-livre-de-altamente-explorador/. Acesso em 06 mar 2024

VALOR ECONÔMICO. https://valor.globo.com/impresso/noticia/2024/03/05/projeto-regulamenta-motoristas-de-aplicativo.ghtml. Acesso em 05 mar 2024

Foto de Capa: Rovena Rosa/Agência Brasil

Publicação viral que compara nazismo, esquerda e direita distorce o debate político – PARTE 3

* Checagem publicada em três partes. Veja aqui a parte 1 e a parte 2

Veja abaixo a terceira parte da checagem na qual Bereia analisou, quadro a quadro, tabela que circula nas redes disseminando desinformação sobre supostos posicionamentos políticos e atitudes comportamentais. Bereia alerta para a fundamental necessidade de se checar as fontes dos conteúdos que circulam na internet e analisá-los criticamente, para que estratégias de desinformação sejam efetivamente combatidas. A síntese feita pelo quadro buscava reforçar a polarização entre direita x restante do campo político. 

Imagem: reprodução propositalmente desfocada

Sem liberdade individual x liberdade individual 

Historicamente, a defesa das liberdades individuais, também conhecidas como liberdades civis, ganhou força na Modernidade com o Iluminismo, os Humanismos e a Revolução Francesa, a partir do século 18. O professor da Universidade Federal do Espírito Santo Victor Gentilli explica que a noção moderna de liberdade entende o direito de ir-e-vir, o direito de escolher, o direito à privacidade, o direito de não ser preso, de não ser torturado. Enfim, a liberdade era vista pelos antigos como alguma coisa vinculada à esfera pública, enquanto para os modernos o conceito de liberdade é hoje nitidamente vinculado à esfera privada. 

A cientista política estadunidense Wendy Brown, na obra “Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no ocidente” (Editora Filosófica Politéia, 2019), explica que as estas noções de liberdade formuladas por agentes influenciadores neoliberais, deram base para a extrema direita política mobilizar um discurso de liberdade que justifica exclusões e violações que reasseguram privilégios históricos da hegemonia branca, masculina e cristã, além de expandir o poder do capital. Para a pesquisadora, esta noção de liberdade “demoniza o social, rotula a esquerda como tirânica em sua preocupação com a justiça social e, ao mesmo tempo, coloca-a como a responsável pelo esgarçamento do tecido moral e por premiar quem não merece”.

Wendy Brown afirma que esta propagada liberdade contribui para o desmantelamento das democracias com a demonização das propostas de justiça social em nome da liberdade, dos mercados e dos valores morais. Nesta trilha, a cientista política aponta como especialmente problemática a relação entre liberdade de expressão e liberdade religiosa no neoliberalismo. Ela expõe a estratégia de se usar a ideia de liberdade como instrumento para promover a desregulamentação dos mercados e barrar iniciativas antidiscriminatórias. Nesta direção, o indivíduo deve gozar de uma “liberdade ilimitada que desconhece limites éticos”, como direito de espalhar mentiras e falsidades pelas redes digitais até ofender e caluniar desafetos e opositores. 

A postagem checada pelo Bereia, ao atribuir “sem liberdade individual” às esquerdas políticas e “com liberdade individual” à direita, expõe os elementos expostos na análise de Wendy Brown. Porém, a pesquisadora alerta que, ao mesmo tempo há contradição nesta proposição com o uso do termo “liberdade” pois “os grupos extremistas que clamam por ela não toleram o pluralismo, abominam a diversidade de modos de vida e atuam para impor seus valores a toda a sociedade”. Brown indica que neste sistema de valores da liberdade individual estão no centro “o rancor, a reprimenda e a vingança” e um desejo de negar tudo: “a crise climática, o racismo, a afirmação de direitos a mulheres e à comunidade LGBT, a esfericidade da terra”, entre outros. 

Educação doutrinadora X educação de excelência

A publicação checada pelo Bereia atribui a ideia de “educação doutrinadora” às esquerdas políticas e a de “educação de excelência” à direita. Tal proposição tem relação com a ideologia que emergiu, recentemente, no Brasil, denominada “Escola Sem Partido” (ESP).

A professora da Universidade Federal de Juiz de Fora Andréa Silveira de Souza explica que ESP “é um programa e um projeto de lei oriundo de um movimento político surgido no Brasil em 2003, no âmbito da sociedade civil, capitaneado pelo procurador paulista Miguel Nagib. No contexto do surgimento, a principal pauta do ESP era o combate ao que Nagib denominou ‘doutrinação política e ideológica’ de crianças e jovens nas escolas brasileiras”.

Andréa Silveira mostra que segundo o procurador e os defensores do programa, a “‘doutrinação’ estaria sendo promovida por professores e professoras que, ardilosamente, se valem da ‘audiência cativa’ de estudantes vulneráveis nas salas de aula para promover uma suposta doutrinação a qual classificam como comunista ou ‘de esquerda’. 

A pesquisadora explana que por “doutrinação” entenda-se “toda e qualquer informação que seja diversa daquela que é preservada pelas famílias dos e das estudantes, as quais fazem parte da pluralidade de ideias que caracteriza os conhecimentos e os currículos de diferentes componentes para uma formação escolar ampla e cidadã”.

Andréa Silveira acrescenta que “compreender o ESP significa compreender que ele é um dispositivo jurídico que, assimilado por grupos religiosos fundamentalistas, reverbera um certo tipo de ideologia religioso-política pautada pela perseguição de educadores e educadoras, pela supressão do reconhecimento e do diálogo entre as alteridades, e cuja pretensão é garantir pela força da lei o apagamento da pluralidade de ideias, da liberdade e da diversidade em uma das principais instituições da vida moderna, a escola”. 

A publicação que o Bereia verificou atribui “doutrinação” apenas às esquerdas políticas, eximindo a direita de tal prática, o que não é verdade. Segundo a Enciclopédia do Holocausto, durante o regime nazista, professores considerados “não confiáveis politicamente” foram expulsos das escolas públicas e os que permaneceram foram associados a Liga de Professores ligada ao partido e ensinavam aos alunos, primordialmente, o amor a Hitler, o militarismo e o racismo. 

Conforme apontado pelo Centro de Referências em Educação Integral, durante a ditadura militar no Brasil “foram excluídas as aulas de Sociologia e Filosofia do currículo básico dos estudantes e também foram promovidas alterações importantes em outras disciplinas, notadamente as de humanas, como História e Geografia” com o objetivo de “consolidar outra visão de História, na qual o nacionalismo era ressaltado”.

Mais recentemente, no governo de direita de Jair Bolsonaro, foram implantadas as escolas cívico-militares com a justificativa de promover melhorias nos índices educacionais do país, no entanto, Bereia checou informações e identificou que o programa carecia de ajustes e justificativas técnicas para ser considerado totalmente eficiente. 

Relativismo x objetivismo e lógica

O Relativismo é uma corrente filosófica que compreende o conhecimento humano como uma variável, a depender de contexto histórico, cultural, social, político, econômico e temporal. Fortalecido a partir do movimento pós-modernista, em meados da década de 1960, está presente em diversas áreas, como cultural, moral e científica. 

O filósofo Friedrich Nietzsche é considerado um dos precursores do movimento, autor da frase que traduz a filosofia relativista em poucas palavras: “Não há fatos, apenas interpretações”. 

O Objetivismo, por sua vez, descarta a subjetividade do existir humano. Nas palavras de Ayn Rand, romancista e roteirista de filmes para Hollywood, quem estruturou esta vertente filosófica, “a realidade existe como algo absoluto e objetivo: fatos são fatos, independentemente das emoções, desejos, esperanças ou medos dos homens. A razão (a faculdade que identifica e integra o material fornecido pelos sentidos do homem) é o único meio do homem de perceber a realidade, a sua única fonte de conhecimento, o seu único guia para a ação e o seu meio básico de sobrevivência”.

A alegação contra o Relativismo é que esta filosofia vai contra verdades e fatos, ou seja, padrões estabelecidos, segundo ela, lógicos e fundamentados.

Conforme os estudos da cientista política Camila Rocha, o Objetivismo é uma das bases que orientam o que se pode denominar nova direita brasileira. Além de grupos como o Movimento Brasil Livre e o Partido Novo, há articulações que se estabeleceram para difundir ideias conservadoras ou de matriz liberal alinhadas à direita política. Entre elas estão: o Instituto de Estudos Empresariais, o Instituto de Formação de Líderes, o Instituto Mises Brasil, o Instituto Millenium, o Instituto Liberal, o Lola Brasil, que pretende engajar mulheres, entre outros. 

Boa parte destes grupos e movimentos, se baseia em ideias liberais clássicas, do século 17, a partir de pensadores como John Locke, até autores do século 20 como Ludwig von Mises e Friedrich Hayek. Outros defendem ideias de diferentes vertentes como o Objetivismo, de Ayn Rand, também Minarquismo, de Robert Nozick, o Anarcocapitalismo, de  Murray Rothbard, todos autores famosos na lista de “defensores da liberdade”. 

Quem produziu a publicação checada pelo Bereia se revela adepto da nova direita brasileira, da vertente objetivista, e nela expõe sua ideologia/filosofia, não uma informação.

***

Bereia classifica a publicação na forma de um quadro sem autoria, que consiste em uma tabela comparativa entre  Nazismo, “esquerda” e “direita” como informação FALSA. O material é um conjunto de expressões opinativas, de caráter ideologizado, não têm substância factual. É desinformação sem base comprobatória, identificado com a direita política. É conteúdo fabricado para parecer informação, porém se constitui um panfleto de campanha anti-esquerdas.

Referências de checagem:

VIZENTINI, P. F. A Guerra Fria: o desafio socialista à ordem americana. Porto Alegre: Leitura XXI, 2004

Scielo

https://www.scielo.br/j/rae/a/3gyNF765nj8nsRtD5vVnYGn/# Acesso em: 17 nov 2023

CNN Brasil

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/essencial-ou-dispensavel-entenda-o-papel-da-uniao-sovietica-na-2a-guerra-mundial/ Acesso em: 8 nov 2023

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/conhecido-pela-uniao-entre-moradores-kibutz-no-sul-de-israel-foi-palco-de-massacre/ Acesso em: 8 nov 2023

Bellingcat

https://www.bellingcat.com/news/2023/10/20/geolocating-hamas-led-attacks-on-israeli-civilians/?utm_source=aosfatos&utm_campaign=1508caad78-EMAIL_CAMPAIGN_2023_07_11_08_34_COPY_01&utm_medium=email&utm_term=0_-d376c0b720-%5BLIST_EMAIL_ID%5D Acesso em: 15 nov 2023

BBC

https://www.bbc.com/portuguese/articles/cd1kwg7320qo Acesso em: 8 nov 2023

https://www.bbc.com/portuguese/internacional-49877815 Acesso em: 10 nov 2023

https://www.bbc.com/portuguese/internacional-51071094 Acesso em: 10 nov 2023

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62521737 Acesso em: 10 nov 2023

https://www.bbc.com/portuguese/salasocial-39809236 Acesso em: 9 nov 2023

Unisinos

https://www.ihu.unisinos.br/categorias/188-noticias-2018/579759-discurso-do-estado-minimo-inebria-o-enfrentamento-das-desigualdades Acesso em: 8 nov 2023

Enciclopédia do Holocausto

https://encyclopedia.ushmm.org/content/pt-br/article/introduction-to-the-holocaust#:~:text=O%20Holocausto%20foi%20a%20persegui%C3%A7%C3%A3o,anos%20de%201933%20a%201945.&text=O%20antissemitismo%20foi%20a%20base%20do%20Holocausto. Acesso em: 9 nov 2023

https://encyclopedia.ushmm.org/content/pt-br/article/nazi-rule?series=60 Acesso em:  nov 2023

https://encyclopedia.ushmm.org/content/pt-br/article/indoctrinating-youth Acesso em: 10 nov 2023

Senado Federal

https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/276/r135-27.pdf?sequence=4&isAllowed=y Acesso em: 10 nov 2023

A Crise em Perspectiva: 1929 e 2008

https://www.scielo.br/j/nec/a/Tn53n6xsSgDmhbB3cFgL6Bh/?format=pdf&lang=pt Acesso em: 10 nov 2023

Politize!
https://www.politize.com.br/joao-goulart/#:~:text=Acuado%2C%20Jo%C3%A3o%20Goulart%20resolveu%2C%20de,personifica%C3%A7%C3%A3o%20de%20seus%20piores%20pesadelos. Aceso em: 10 nov 2023

Memorial da Resistência

https://memorialdaresistenciasp.org.br/noticias/lei-censura-imprensa-55-anos/ Acesso em: 10 nov 2023

FGV
https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/FatosImagens/AI5#:~:text=O%20Ato%20Institucional%20n%C2%BA%205,a%C3%A7%C3%B5es%20arbitr%C3%A1rias%20de%20efeitos%20duradouros. Acesso em: 10 nov 2023

Agência Brasil

https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2023-05/liberdade-de-imprensa-brasil-melhora-e-sobe-18-lugares-aponta-estudo Acesso em: 10 nov 2023

UFRGS

https://www.ufrgs.br/fce/liberalismo-bolsonarismo-e-nazismo/ Acesso em : 10 nov 2023

Educação Integral

https://educacaointegral.org.br/reportagens/ditadura-legou-educacao-precarizada-privatizada-anti-democratica/ Acesso em: 10 nov 2023

Humanidades

https://humanidades.com/br/relativismo/ Acesso em: 10 nov 2023

Ayn Rand Center Latin America
https://www.aynrandlatam.org/objetivismo Acesso em: 13 nov 2023

Lista de partidos políticos registrados no Brasil – e posicionamento político.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_partidos_pol%C3%ADticos_do_Brasil Acesso em: 16 nov 2023

Lista de Partidos (Oficial) – TSE

https://www.tse.jus.br/partidos/partidos-registrados-no-tse Acesso em: 16 nov 2023

Revista Ciência e Cultura

http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252016000300018 Acesso em: 17 nov 2023

Jornal da USP

https://jornal.usp.br/radio-usp/crescimento-de-neonazistas-no-pais-e-um-dos-desafios-das-eleicoes-2022/ Acesso em: 20 nov 2023

Organização Mundial da Sáude

https://abortion-policies.srhr.org/ Acesso em: 20 nov 2023

Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação

https://www.fndc.org.br/ Acesso em: 20 nov 2023

Revista FAMECOS

https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/view/3184 Acesso em: 20 nov 2023

PINTO, A. C. “O  regresso  das  ditaduras?”. Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2021

BROWN, W. “Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no ocidente”. Editora Filosófica Politéia, 2019

*** Foto de capa: Andrea Piacquadio/Pexels

Publicação viral que compara nazismo, esquerda e direita distorce o debate político – PARTE 2

* Checagem publicada em três partes. Veja aqui a parte 1 e a parte 3

Bereia analisou, quadro a quadro, tabela que circula nas redes disseminando desinformação sobre supostos posicionamentos políticos e atitudes comportamentais. Bereia alerta para a fundamental necessidade de se checar as fontes dos conteúdos que circulam na internet e analisá-los criticamente, para que estratégias de desinformação sejam efetivamente combatidas. A síntese feita pelo quadro buscava reforçar a polarização entre direita x restante do campo político. 

Imagem: reprodução propositalmente desfocada

Confira a parte 2 da checagem:

Defesa do aborto x contra o aborto 

O tema do aborto tem sido amplamente utilizado na mobilização de pânico moral nas redes digitais. Bereia já produziu extenso material sobre o assunto, desde checagem sobre acusações imprecisas envolvendo a Ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Carmem Lúcia, até a disseminação de conteúdo enganoso sobre aborto por sites e políticos religiosos. Nessas postagens, como no material checado nesta matéria pelo Bereia, atribui-se à esquerda política a defesa do aborto (classificado como “assassinato de bebês”), enquanto que a direita se coloca contra o aborto.

Esta divisão ideológica do tema pode ser desmentida pelo levantamento da Organização Mundial de Saúde sobre as políticas em relação ao aborto nos diferentes países do mundo. Tendências políticas tanto de esquerda, quanto de direita e de centro governam países que aprovam o aborto, desde por exclusiva solicitação da mulher, para preservar sua saúde física ou mental, por conta de violência sexual, por anomalia fetal grave.

Outro ponto a ser considerar, apesar das estratégias discursivas de tratar do assunto pelo viés moral, as discussões sobre aborto consideram questões de saúde pública, relacionadas às condições de vida e bem-estar de mulheres e direitos reprodutivos, por exemplo. Segundo uma das autoras da Pesquisa Nacional de Aborto (PNA), Débora Diniz, mesmo com queda nos registros, estima-se que meio milhão de abortos tenham sido realizados no Brasil em 2021, sendo que 57% foram realizados sem hospitalização.

Dados da PNA de 2021 divulgados pela Gênero e Número mostram que mulheres de diversas origens, escolaridades e práticas religiosas realizam abortos todos os anos, não havendo vínculo político-ideológico relacionado à prática. “A gente precisa falar com mais tranquilidade e menos estigma para que as pessoas possam compreender o aborto como uma necessidade de saúde, que é o que ele é”, afirma a ginecologista do Núcleo de Atenção Integral a Vítimas de Agressão Sexual (Nuavidas) do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) Helena Paro.

Desarmamentismo x cidadãos armados

A noção, defendida na postagem checada pelo Bereia, de que o regime nazista promoveu uma política desarmamentista e que, portanto, se os judeus perseguidos tivessem mais armas, estariam em condições de lutar contra seus perseguidores, é de difícil comprovação. Associar a figura de Adolf Hitler ao desarmamentismo é estratégia antiga, desvendada pelo professor da Universidade de Columbia Bernard Harcourt, em seu artigo “Sobre registro de armas, a NRA, Adolf Hitler e as leis nazistas sobre armas: Explodindo as guerras culturais com armas (um apelo aos historiadores)”.

Artigo de Adam Geller, para a Associated Press (AP) destaca, em primeiro lugar, que o debate atual sobre controle de armas não se aplica ao cenário da Alemanha no entreguerras, por diversos motivos. Em entrevista à AP, o historiador Steve Paulsson, descendente de sobreviventes do holocausto, acredita que, se judeus perseguidos tivessem mais armas à época, “poderia ter piorado as coisas”. Em suma, o debate sobre controle de armas durante a Alemanha nazista está longe de um consenso.

Em relação ao debate contemporâneo, estudos recentes mostram a correlação entre o maior número de armas de fogo à disposição da sociedade e o aumento da violência. Reportagem do jornal eletrônico Nexo sobre o tema destaca pesquisa do National Bureau of Economic Research, ligado ao governo dos Estados Unidos, que aponta o crescimento de 13% a 15% dos crimes violentos em locais que adotaram legislações mais permissivas. A facilidade de acesso a armas também aumenta casos de suicídio, feminicídio e mortes de crianças. 

Ditadura/opressão x democracia/liberdade 

Um dos pontos da publicação checada pelo Bereia atribui “ditadura/opressão à esquerda política” e “democracia/liberdade” à direita. Esta afirmação é desprovida de qualquer base analítica. Assim como um Estado absoluto, pela mesma razão, uma ditadura também pode ocorrer tanto em governos à direita como à esquerda. O Nazismo é um conhecido símbolo de um regime ditatorial de direita, apesar de pontuais tentativas de associar o Fascismo na Alemanha a um regime à esquerda, como neste conteúdo aqui checado, terem surgido no Brasil nos últimos anos.

Segundo o Dicionário de Política, de autoria do intelectual italiano Norberto Bobbio, ditadura é um regime caracterizado pela concentração absoluta do poder e pela subversão da ordem política anterior. Historicamente, os ditadores tomam o poder por meio de um golpe que destitui a governança em curso, como no caso dos militares no Brasil e a tentativa de Hitler em 1923.

A ditadura nazista teve na pessoa de Hitler a expressão do autoritarismo. O Partido Nazista era o único permitido na Alemanha e o parlamento existia apenas para confirmar as determinações do ditador, a base da política de governo. Como todo regime ditatorial, além da política e da economia, a educação, a cultura e as leis do país passaram a ser controladas pelo Nazismo, restringindo a liberdade dos cidadãos

As características de governo do Nazismo alinham-se às premissas do posicionamento político de extrema-direita. No Brasil, a Ditadura Militar foi a maior expressão deste posicionamento político. Durante os 21 anos do regime militar, 17 atos Institucionais (AI), a Lei de Segurança Nacional e a Lei de Imprensa garantiram a concentração do poder nas mãos dos militares, a permanência destes no poder e a privação da liberdade dos brasileiros. Esta ditadura foi estabelecida no Brasil, após um golpe militar destituir um governo de esquerda liderado por João Goulart, filiado ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).

Segundo o cientista político português António Costa Pinto, uma autoridade no tema, autor da obra “O  regresso  das  ditaduras?” (Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2021),  estes regimes ocupam, atualmente, mais de um terço de governos no mundo. O autoritarismo é a forma de governo dominante em potências como a Rússia, a China ou em países como a Arábia Saudita, a Venezuela, a Hungria, a Turquia, Coreia do Norte, Angola, entre outros. Costa Pinto afirma que, quando a política contemporânea é considerada, não é possível afirmar que os regimes autoritários estejam novamente  em  crescimento, porém é certo que o regime  democrático enfrenta uma dinâmica de crise associada à emergência da direita radical (extrema-direita).

Para o cientista político português há características que afastam e aproximam as diversas ditaduras da época fascista, como a do fascismo italiano, e distingue ditaduras socialistas, ditaduras militares e outras ditaduras. Costa Pinto reconhece que hoje o mundo vive uma erosão democrática por conta da chegada ao poder de líderes populistas de direita radical como Jair Bolsonaro no Brasil e chama a atenção para uma diferença fundamental desta nova forma de acesso ao poder. 

Enquanto no  passado, segundo o pesquisador,  a  ascensão  das  ditaduras  resultou  de  uma  aniquilação  imediata da  democracia,  na  atualidade  os  regimes  autoritários chegam legalmente ao poder, disfarçam-se de democracias e provocam lentamente a sua degradação. Costa Pinto cita a questão da censura como marca das ditaduras, e cita a Rússia como exemplo, porém destaca a  divulgação de conteúdo falso, desinformativo, como uma das maiores ameaças à democracia hoje, classificadas como um poderoso papel na manipulação da opinião pública.

Os ex-presidentes dos Estados Unidos e do Brasil, Donald Trump e Jair Bolsonaro,  são dois exemplos de políticos, citados por Costa Pinto, que lançaram mão da divulgação de notícias falsas em proveito próprio. O pesquisador alerta que também partidos de direita radical, em franco crescimento na Europa e com uma crescente representatividade parlamentar, são assíduos utilizadores de notícias falsas. 

Controle da imprensa x liberdade de imprensa

O conteúdo checado por Bereia atribui o controle da imprensa à tendência política da esquerda em contraposição à liberdade de imprensa como elemento defendido pela direita. A afirmação falaciosa não encontra base referencial que a comprove. Este discurso não é novo e aparece todas as vezes que há reivindicação de setores da sociedade civil pela regulação das mídias, para que haja livre comunicação das ideias, das notícias e das opiniões, em especial pelos veículos que são concessões do Estado.

O jornalista e professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo Eugênio Bucci explica que “sem imprensa independente não há democracia. Do mesmo modo, sem democracia não pode haver imprensa livre. Uma pede a outra, uma concorre para a outra”. Bucci afirma que “o cidadão livre precisa da imprensa por que é com base na existência da imprensa livre que ele se informa e debate ideias e, com isso, capacita-se a melhor delegar, fiscalizar e até mesmo exercer o poder”.

Na linha das reivindicações dos grupos que atuam pela democratização da comunicação no Brasil, país que tem onze famílias no controle das concessões estatais de mídias abertas de rádio e TV e de impressos, Eugênio Bucci explica o sentido da regulação necessária. O professor da USP afirma que “o problema dos monopólios (e também dos oligopólios) é que, controlando sozinhos o mercado numa determinada região do país, eles podem inibir a diversidade cultural, a diversidade das opiniões políticas e, além disso, a concorrência comercial saudável. Para a plena vigência da liberdade de expressão e do direito à informação, o Estado deve, na regulação do mercado (não dos conteúdos), inibir a formação de oligopólios e de monopólios”.

Bucci conclui que “em nenhum sentido precisamos de alguma regulação que venha para restringir os conteúdos. A regulação só é útil quando é necessária para assegurar a todos o direito à informação e à liberdade de expressão. Vejam que, para publicar um jornal impresso, ninguém precisa de concessão pública. Por isso, não há necessidade de regulação direta para essa modalidade de comunicação social. A regulação só é necessária quando sem ela não se pode proteger a liberdade de expressão e o direito à informação”.

Referências de checagem:

VIZENTINI, P. F. A Guerra Fria: o desafio socialista à ordem americana. Porto Alegre: Leitura XXI, 2004

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* Foto de capa: Engin Akyurt/Pexels

Publicação viral que compara nazismo, esquerda e direita distorce o debate político – PARTE 1

Com o crescimento de posicionamentos a respeito do conflito bélico entre Israel e Palestina voltou a circular, nas redes digitais, um quadro sem autoria, com baixa qualidade gráfica e sem fontes de pesquisa, que consiste em uma tabela comparativa entre  Nazismo, “esquerda” e “direita”. 

O quadro viralizou, no passado, em grupos e mídias sociais, em 2018 e 2022, por ocasião das eleições – associando a esquerda (com a foice e martelo, do movimento comunista) ao Nazismo. A síntese feita pelo quadro buscava reforçar a polarização entre direita x restante do campo político. 

Imagem: reprodução propositalmente desfocada

Como se pode constatar, entre os 29 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), há variadas expressões de “direita”, dentro e fora do Brasil. Ou seja, dentro da própria “direita” há variações e nuances. No artigo “Uma Nova Classificação Ideológica dos Partidos Políticos Brasileiros” os pesquisadores Bruno Bolognesi, Ednaldo Ribeiro e Adriano Codato constatam, a partir de pesquisa realizada junto à comunidade de cientistas políticos em 2018, uma movimentação à direita pelos partidos políticos brasileiros, bem como um predomínio de partidos fisiológicos, que desprezam seus programas partidários em prol da dinâmica voto-cargo.

Embora o Brasil tenha sido, e ainda seja, palco de movimentos como o Integralismo, de inspiração fascista, e o Neonazismo, não há, no país, partido nazista ou neonazista – e nenhum campo político institucionalizado assumiu ou é apontado, abertamente, como apoiador das ideologias do partido Nacional Socialista Alemão.

Nas mídias sociais que circulam no Brasil, em novembro de 2023, com destaque para o TikTok, a publicação ganhou novo impulso. No Twitter/X, uma única publicação soma mais de 620 mil visualizações e 20 mil curtidas, no momento do fechamento desta matéria. Em grupos de Telegram, Whatsapp e do Facebook, o quadro também apareceu em uma sequência de comentários, em fotografias alusivas ao Partido dos Trabalhadores e ao conflito bélico Israel-Palestina.

Esse tipo de campanha, com associação de ideias, com ou sem imagens, em quadros e sem frases, sem fontes, sem autoria e sem análises é muito comum nos “linchamentos virtuais” e nas estratégias de desinformação, que procuram disseminar também conceitos ou preconceitos através de memes – unidades de informação, e desinformação, que, ao veicular ideias, imagens e sons, se multiplicam facilmente nas redes.

Bereia analisou, quadro a quadro, a tabela que circula nas redes disseminando desinformação sobre supostos posicionamentos políticos e atitudes comportamentais. Diante do volume de informações, dividimos a checagem em três partes, que serão publicadas em sequência.

Bereia alerta para a fundamental necessidade de se checar as fontes dos conteúdos que circulam na internet e analisá-los criticamente, para que estratégias de desinformação sejam efetivamente combatidas.

Ódio aos judeus x apoio a Israel 

Segundo a publicação, o Nazismo e a esquerda odeiam os judeus, enquanto a direita apoia Israel.  Registros históricos ensinam que o Nazismo não apenas pregou o ódio aos judeus, mas promoveu o holocausto, tendo assassinado cerca de seis milhões de pessoas de origem judaica na Europa, de 1933 a 1945.

Associar o ódio aos judeus à esquerda, no entanto, é um erro. Ainda durante a 2ª Guerra Mundial, uma das principais forças que contribuíram para a derrota do Nazismo foi a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), como destaca o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Paulo Visentini, no livro “A Guerra Fria – O desafio socialista à ordem americana”. 

Outro aspecto a se destacar é que, na formação do Estado de Israel, comunidades agrícolas socialistas, os chamados kibutzim, tiveram um papel essencial no desenvolvimento rural, intelectual e político do país. Essas comunidades existem até hoje e os ataques de 7 de outubro contra Israel tiveram kibutzim entre seus alvos.

A associação da direita política ao apoio a Israel, por sua vez, pode ser explicada por posturas como o sionismo cristão, que defende o fortalecimento do Estado de Israel e a ampliação do território que ocupa. No Brasil, este fenômeno vem, gradativamente, alinhando-se a uma direita religiosa e ultraconservadora, fortalecida pelos discursos do ex-presidente Jair Bolsonaro, estabelecidos desde 2018. Além disso, o fato de o atual premiê israelense Benjamin Netanyahu ser ultraconservador contribui para que muitos confundam o Estado de Israel, o judaísmo, o nacionalismo e o conservadorismo defendido pelos governantes atuais do Estado.

Estado absoluto x Estado mínimo 

Associar “Estado absoluto” ao Nazismo e à esquerda e “Estado mínimo” à direita é, também, um erro. O uso do conceito de absolutismo em um debate contemporâneo está sujeito a diversas interpretações errôneas, já que se trata de um produto típico das monarquias nos séculos 16, 17 e 18. Desta forma, a própria utilização do termo torna o argumento equivocado.

Governantes com poderes irrestritos podem surgir em regimes à direita e à esquerda. No sentido que a publicação em questão aparentemente quer produzir, de um Estado que interfere em diversos aspectos da vida em sociedade, há exemplos históricos em ambas as vertentes. Ainda assim, atribuir o termo “Estado absoluto” a experiências do século 19 e 20 seria um erro.

Igualmente, a publicação apaga o mais importante agrupamento da esquerda no início do século 20, o Anarquismo, que propõe uma sociedade de liberdades individuais, sem autoridade ou poder estatal, baseada na ajuda mútua e na cooperação voluntária. Na Guerra Civil da Espanha (1936 – 1939), por exemplo, os anarquistas foram o grupo majoritário na luta contra o regime de Francisco Franco (conservador, ultracatólico, capitalista e direitista).

Já o “Estado mínimo”, defendido pela corrente extrema do liberalismo, conhecida, de forma curiosa, como libertarianismo, vem sendo difundido como sinônimo de um Estado que se concentra apenas em tarefas pontuais, atuando com pouca interferência na sociedade. O artigo “O projeto neoliberal e o mito do Estado Mínimo”, do professor do Programa de Estudos Pós-Graduados em Economia Política da PUC-SP Antônio Carlos de Moraes, explica que a própria dinâmica atual do capitalismo torna a ideia de “Estado mínimo” uma impossibilidade. Além disso, alguns estudiosos alertam para os efeitos nocivos do discurso do Estado mínimo, principalmente no enfrentamento às desigualdades. 

Anticapitalista x capitalista

A publicação diz que o Nazismo e a esquerda são anticapitalistas, enquanto a direita seria capitalista. A apresentação descontextualizada de conceitos amplos, e que carregam subjetividades, gera uma grande confusão e ainda apresenta o capitalismo como o “regime-modelo-salvador”. 

O capitalismo é um sistema econômico que busca a acumulação de riquezas por meio da propriedade privada dos meios de produção. Já o anticapitalismo seria a oposição a tais ideais, com a defesa do controle coletivo dos meios de produção e geração de riqueza.

O Nazismo, apesar de criticar o liberalismo econômico nos moldes vigentes na Europa dos anos 1930, não propunha a socialização dos meios de produção. Em entrevista à BBC News Brasil, a antropóloga e estudiosa de movimentos neonazistas Adriana Dias, falecida em 2023,  explica que o discurso nazista era radicalmente contrário às ideias de Karl Marx, por exemplo. “O nazismo e o fascismo diziam que não existia a luta de classes – como defendia o socialismo – e, sim, uma luta a favor dos limites linguísticos e raciais”, afirma.

No mundo globalizado, diferentes perspectivas político-ideológicas coexistem, como é o caso chinês, em que há ampla participação de empresas privadas em modelo comumente chamado de “capitalismo de Estado”. Além disso, grupos de esquerda, presentes em países capitalistas, não necessariamente defendem a abolição do sistema econômico vigente. A defesa de um modelo econômico não capitalista não guarda qualquer relação com a defesa das ideias nazistas, que caracterizam-se pela ideia de superioridade de uma raça sobre outra e de uma nação sobre a outra.

Estado controla a economia x livre mercado

A postagem checada pelo Bereia atribui à esquerda o controle da economia pelo Estado em oposição à direita política que trabalha pelo livre mercado. A ideia de que as transações financeiras e de bens e serviços devem acontecer sem interferência do Estado tem origem na corrente de pensamento que ficou conhecida como Liberalismo Econômico. Em suma, os defensores dessas ideias pregam que a dinâmica entre oferta e procura – por um bem ou serviço – deve ocorrer livre das decisões de agentes estatais.

A noção de que o “Estado controla a economia”, por sua vez, tem raízes, não apenas nas experiências de economia planificada, mas, principalmente, em uma visão crítica ao Liberalismo. Nela, o Estado deveria intervir no conjunto da economia nacional para corrigir assimetrias como desequilíbrios entre demanda e oferta, inflação, quadros recessivos, entre outros possíveis desafios.Em momentos de crise econômica, como em 1929 ou 2008, importantes intervenções estatais foram implementadas, inclusive em países símbolos do capitalismo, no intuito de controlar os impactos das crises. Em países com altos índices de desigualdade, o Estado pode ser um importante instrumento de direcionamento de recursos visando o bem-estar coletivo. O uso indiscriminado e descontextualizado de termos como “livre mercado” ou “controle estatal da economia” não contribui para uma completa compreensão dos fenômenos econômicos.

***

Bereia classifica a publicação na forma de um quadro sem autoria, que consiste em uma tabela comparativa entre Nazismo, “esquerda” e “direita” como informação FALSA. O material é um conjunto de expressões opinativas, de caráter ideologizado, não têm substância factual. É desinformação sem base comprobatória, identificado com a direita política. É conteúdo fabricado para parecer informação, porém se constitui um panfleto de campanha anti-esquerdas.

Referências de checagem:

VIZENTINI, P. F. A Guerra Fria: o desafio socialista à ordem americana. Porto Alegre: Leitura XXI, 2004

Scielo

https://www.scielo.br/j/rae/a/3gyNF765nj8nsRtD5vVnYGn/# Acesso em: 17 nov 2023

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https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_partidos_pol%C3%ADticos_do_Brasil Acesso em: 16 nov 2023

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https://www.tse.jus.br/partidos/partidos-registrados-no-tse Acesso em: 16 nov 2023

Revista Ciência e Cultura

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BROWN, W. “Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no ocidente”. Editora Filosófica Politéia, 2019

Evangélicos estão entre os que mais compartilham conteúdo falso sobre vacinas no Brasil

Pessoas identificadas como evangélicas, entre 35 e 44 anos, com grau de instrução até o ensino médio, integrantes das classes de renda mais baixa (D e E), usuários do Telegram, do TikTok e audiência do Jornal da Record, formam o perfil de quem mais compartilha conteúdo falso sobre vacinas no Brasil. A descoberta é parte do estudo “A comunicação no enfrentamento da pandemia de Covid-19”, produzido pelo Centro de Pesquisa em Comunicação Política e Saúde Pública, da Universidade de Brasília. O levantamento foi realizado em agosto passado, com 1.845 pessoas que têm acesso à internet, e os resultados foram divulgados no último 22 de outubro, pela Agência Brasil.

Para seleção dos entrevistados, os pesquisadores utilizaram um cadastro online com mais de 500 mil inscritos, no qual foram aplicadas cotas de gênero, idade, região e classe social para representar adequadamente a população brasileira. Os participantes selecionados responderam um questionário online, no qual foram convidados a compartilhar 12 notícias sobre vacinas, identificadas apenas pelo título, divididas igualmente entre verdadeiras e falsas.

De todos os pesquisados, 11,3% informaram que compartilhariam ao menos uma das notícias falsas e 3,7% informaram que compartilhariam cinco das seis notícias inverídicas.

O coordenador do CPS da UnB, e líder do estudo, Prof. Wladimir Gramacho, fez um destaque, com a Agência Brasil, sobre o perfil dos que mais propagam estes conteúdos:

“não quer dizer que pessoas que têm essas características são pessoas que automaticamente compartilham notícias falsas, mas o contrário: que pessoas que compartilham esses tipos de desinformação sobre vacinas costumam ter essas características”.

O professor acrescenta que outros estudos que tratam do tema da desinformação na internet indicam que o comportamento de pessoas que divulgam informações incorretas, ou notícias falsas, variam conforme o tema. Gramacho explica quando o tema em questão é político, há uma tendência de pessoas idosas compartilharem desinformação mais facilmente, mas quando o assunto é vacina este padrão é diferente no Brasil, inclusive quando comparado a pesquisas realizadas em outros países.

“A principal explicação para isso talvez seja o fato de pessoas mais velhas terem sido socializadas em uma época em que o país viveu grandes conquistas no seu Programa Nacional de Imunizações”, conclui o pesquisador.

Imagem: Agência Brasil

Telegram, TikTok e Jornal da Record em destaque na propagação de falsidades

Na pesquisa também foram analisados os hábitos de uso de mídias das pessoas que afirmaram que compartilhariam as notícias falsas. Foi observado que as pessoas que mais espalhariam desinformação são as que têm as mídias digitais como principal fonte de informação. “São usuários mais frequentes de plataformas como Telegram e Tik Tok que têm maior tendência de compartilhar notícias falsas sobre as vacinas”, indicou o Prof. Wladimir Gramacho à Agência Brasil.

Ao analisarem o uso da televisão, principal meio de informação no país, pesquisadores compararam entrevistados que declararam ser audiência do Jornal Nacional e os que declararam ser audiência do Jornal da Record. Os telespectadores do Jornal Nacional demonstraram compartilhar menos notícias falsas do que os da Record: os primeiros tiveram a metade das chances de divulgarem falsidades sobre vacinas.

Uma possível justificativa para esse comportamento, segundo Wladimir Gramacho, é um processo de exposição seletiva das pessoas entre esses dois telejornais. “A audiência mais frequente do Jornal da Record reúne pessoas simpatizantes do governo Jair Bolsonaro, que foi um governo que difundiu muitas informações incorretas sobre as vacinas e que, ele próprio, fez campanha contra a vacinação”, destaca o pesquisador.

As conclusões da pesquisa do CPS da UnB reafirmam os resultados da pesquisa que originou e o Coletivo Bereia e orienta suas ações: “Caminhos da Desinformação: Evangélicos, Fake News e WhatsApp no Brasil”. Realizada de 2019 a 2020, a pesquisa foi conduzida pelo Grupo de Estudos sobre Desigualdades na Educação e na Saúde (Gedes), do Instituto Nutes de Educação em Ciências e Saúde da UFRJ, sob a coordenação dos professores Dr. Alexandre Brasil e Dra. Juliana Dias, colaboradores do Bereia, com relatório publicado em 2021. 

Foto de capa: Agência Brasil

Parlamentares religiosos e lideranças de igrejas usam conteúdo falso e enganoso para eleger conselheiros tutelares

A escolha dos novos membros dos conselhos tutelares no Brasil aconteceu em 1º de outubro, e, pela primeira vez, as urnas eletrônicas foram utilizadas em todo o território brasileiro para o processo. Porém,antes mesmo do pleito, discussões sobre a interferência política e religiosa nas escolhas de representantes dos direitos da criança e do adolescente tomaram as redes digitais.

O Ministério Público Federal (MPF) notificou o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), em 28 de setembro, com alerta para a integridade do processo eleitoral e contra abusos religiosos. A notificação foi apresentada após denúncia da Associação de Ex-Conselheiros e Conselheiros da Infância (Aecci) em conjunto com o Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH).

Como todo processo de tomada de decisão, a votação é impactada pelas informações a que os eleitores têm acesso. Por isso, Bereia checou se houve desinformação antes do pleito, durante a campanha como estratégia pelos candidatos, e depois com outras abordagens sobre o tema. 

Estrutura dos Conselhos Tutelares

O Conselho Tutelar é um órgão permanente e autônomo, encarregado de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente. Conforme previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), todo município brasileiro, e toda região administrativa do Distrito Federal (DF) deve contar com um Conselho Tutelar, composto por 5 membros escolhidos para mandatos de 4 anos.

Embora o termo popular ‘eleição’ seja amplamente utilizado, segundo o Observatório dos Conselhos, o correto é processo de escolha. Os órgãos responsáveis pela organização deste processo são o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA). O Ministério Público (MP) faz a fiscalização e o Poder Executivo Municipal (ou do Distrito Federal) garante a estrutura e divulgação.   

Para se candidatar a cargo no Conselho Tutelar é necessário possuir mais de 21 anos, ter idoneidade moral reconhecida e residir no município de atuação do Conselho. Uma vez escolhidos, os membros do órgão gozam de benefícios como salário, cobertura previdenciária, férias remuneradas, gratificação natalina, entre outros.

Imagem: reprodução Governo Federal

O trabalho de um conselheiro tutelar consiste, em linhas gerais, em atender crianças e adolescentes que tiverem seus direitos ameaçados ou violados por ação, ou omissão da sociedade, ou do Estado, dos pais ou responsáveis, ou em razão de sua própria conduta. 

O acompanhamento dos casos pelos conselheiros tutelares se dá “em parceria com escolas, organizações sociais e serviços públicos”, como informa o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Atribuições do Conselho Tutelar

O ECA prevê que casos de suspeita ou confirmação de castigo físico, tratamento cruel ou degradante e maus-tratos contra criança ou adolescente devem ser comunicados ao Conselho Tutelar da localidade, independentemente de outras providências legais, que podem ser tomadas em conjunto.

Assim como qualquer cidadão pode acionar o Conselho Tutelar por meio de denúncia anônima, os dirigentes escolares devem informar os respectivos conselhos não apenas sobre situações de maus tratos envolvendo seus alunos, mas também situações de reiteradas faltas injustificadas, evasão escolar e repetência.

Dentre as atribuições do Conselho Tutelar, estão a adoção de medidas como encaminhamento da criança ou adolescente aos pais ou responsáveis, promoção de orientação e acompanhamento temporário do caso, matrícula em instituições de ensino, inclusão em programas oficiais ou comunitários de proteção e apoio à família, encaminhamento médico, psicológico ou psiquiátrico. 

Em suma, como informa o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, os conselheiros tutelares podem, de forma autônoma, requisitar serviços de qualquer área do Poder Público. O órgão não pode, entretanto, afastar a criança ou adolescente do convívio familiar, atribuição exclusiva da autoridade judiciária. 

Nos casos em que o Conselho Tutelar entender que há necessidade de afastamento do convívio familiar, o Ministério Público deve ser comunicado, para que avalie o caso na esfera judiciária.

Mobilização da extrema-direita para eleições do Conselho Tutelar

Matéria do jornal Estado de Minas, publicada na véspera da eleição para os conselhos, trouxe a informação de que houve um aumento na circulação de informações falsas e de discurso de ódio nas redes digitais, em razão da eleição de membros para os conselhos tutelares. Segundo o texto, a articulação teria sido detectada pelo grupo de ativismo digital Sleeping Giants Brasil, que reuniu informações no relatório “Vamos ocupar o Conselho Tutelar”.

A pesquisa foi realizada por meio do recebimento de denúncias em plataforma própria, busca avançada em mídias sociais e mapeamento de conteúdos desinformativos e com discurso de ódio monetizados em plataformas digitais.

Dos diversos conteúdos identificados nas redes, destaca-se a articulação de parlamentares da extrema-direita  que utilizam a religião como plataforma política, como a senadora Damares Alves (PL-DF), os deputados federais Gustavo Gayer (PL-GO), Nikolas Ferreira (PL-MG) e Carla Zambelli (PL-SP), e a deputada estadual Índia Armelau (PL-RJ) .

Imagem: reprodução X

Entre publicações de parlamentares e anônimos, o pânico moral é uma das principais características observadas nas postagens, como demonstra a fala da deputada estadual Índia Armelau, publicada em seu perfil no X. Armelau diz que é preciso “zunir a esquerda do conselho tutelar”, por considerar que a atuação deste grupo político tem interesse na vida de crianças e jovens.

Imagem: reprodução X



Em diferentes vídeos publicados nas redes digitais, o deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO) aparece no palco de uma igreja, junto a candidatos a conselheiros tutelares, orientando o voto dos fiéis.

Imagem: reprodução X

Após o dia do pleito, em publicação no Instagram, Gayer mostrou-se satisfeito com a articulação da direita para as eleições dos conselhos tutelares. “A eleição para os conselhos tutelares foi prova de que a direita, quando se organiza, consegue fazer a diferença na política do nosso país”, diz o deputado, que em seguida convoca os cidadãos a pressionarem seus deputados por uma paralisação das atividades do Congresso Nacional.

Gayer é investigado pelo TSE por ataques às eleições e abuso de poder político,  e usou cota parlamentar para pagar a empresa de um amigo que participou dos atos golpistas de 8 de janeiro. Segundo o jornal O Globo, o deputado foi listado em relatório feito pelo Google como o segundo perfil digital que mais ganhou dinheiro com a divulgação de informações falsas sobre a covid-19. Gustavo Gayer já teve seu perfil no X suspenso pela Justiça Eleitoral e, recentemente, a Procuradoria Geral da República (RPG) pediu que o deputado fosse ouvido sobre falas racistas proferidas durante uma entrevista.

Desinformação em torno da escolha dos conselheiros tutelares

Conforme divulgado pelo portal de notícias G1, líderes religiosos foram flagrados disseminando informações enganosas sobre candidatos que concorriam com os indicados pelas organizações religiosas, o que é irregular.

Em um dos casos, o representante de uma igreja evangélica, no Rio de Janeiro, teria afirmado que candidatos que concorrem com aquele que foi indicado pela instituição religiosa apoiam pedofilia e uso de drogas para induzir o voto dos fiéis.  


Imagem: reprodução G1

Nas redes digitais, canais do Telegram voltados para informações sobre homeschooling (educação domiciliar em inglês) foram usados para promover campanha de candidatos que diziam apoiar a modalidade de ensino não admitida no Brasil. 

Pais e responsáveis que defendem o ensino domiciliar têm um impasse com o  Conselho Tutelar devido a uma das atribuições do órgão, que é a de receber denúncias quando a criança não está frequentando as aulas. Segundo reportagem do Coletivo Catarinas, os grupos são um desdobramento do movimento Escola Sem Partido.

Entre outros assuntos que demandam“o direito dos pais de escolherem os conteúdos discutidos em sala de aula”, o responsável por um dos canais compartilhou desinformação antivacina e medidas para “contornar a obrigatoriedade de vacinas em crianças e adolescentes”, apontou o texto jornalístico. 

Após a escolha dos conselheiros tutelares por todo Brasil, circularam nas redes digitais mensagens enganosas, conforme checado pelas agências Aos Fatos e Lupa, sobre o Ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania Silvio Almeida querer anular a eleição em algumas partes do país. 

Posteriormente, outro conteúdo enganoso, checado pela agência Estadão Verifica, foi disseminado nas mídias sociais, desta vez associando a abertura do código-fonte das urnas eletrônicas, referentes às eleições municipais do próximo ano, ao pleito dos conselhos tutelares. 

Eleição de candidatos conservadores com motivação política 

A jornalista e coordenadora da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito Nilza Valeria Zacarias ressalta, em artigo publicado no Bereia, que é fundamental a sociedade “entender o papel da religiosidade brasileira na vida pública, e que a pauta moral não orienta somente a vida dos evangélicos, mas da maioria dos brasileiros.

“Tenho a impressão, ao olhar para o resultado dos Conselhos, que querem me fazer acreditar que os evangélicos são um grupo de talibãs que vivem normalmente no meio de uma sociedade com altos marcos civilizatórios. Apontar os evangélicos como culpados é esquecer do que preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente em relação à infância: somos todos responsáveis. Todos”, escreveu Zacarias.

De acordo com matéria publicada no jornal O Globo, logo após a mobilização da extrema-direita para polemizar sobre temas como a suposta instituição do banheiro unissex, o grupo político se articula antecipadamente para as eleições municipais do próximo ano, por meio do pleito dos conselheiros tutelares.

O texto pontua como exemplo, a eleição de candidatos de conselhos tutelares do Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul, com apoio de deputados federais, entre eles Gustavo Gayer (PL-GO), e aponta o contato direto com a população e a prestação de serviços à sociedade, por parte desses conselheiros aliados, como fatores de interesse dos parlamentares.

Em entrevista à Agência Pública, a professora da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pesquisadora e coordenadora do Observatório dos Conselhos Miriam Krenzinger destacou a importância deste “espaço popular” e de “entender o processo não só de desinformação, mas de uma formação política de base”.

Krenzinger também reafirmou o fato dos conselhos tutelares serem um dos espaços de entrada no campo político. “Não tem como dizer que esse espaço não é um lugar de política. É um espaço de poder. E todo espaço de poder é um espaço de política” explicou. 

***

Bereia considera os conteúdos que viralizaram nas redes digitais, promovidos por lideranças religiosas relacionadas à extrema-direita, durante e depois das eleições para os conselhos tutelares, como falsos. O teor distorcido das mensagens sobre este processo eleitoral estimula um grupo, no caso pessoas de fé cristã ou que se identificam como conservadoras, a julgamentos negativos sobre o tema.

Os discursos proferidos em certos púlpitos de igrejas evangélicas e nas publicações em redes digitais foram estruturados sobre uma estratégia de pânico moral e sensacionalista para prender a atenção, portanto, são classificados como desinformação e necessitam de correções.

A tática utilizada por líderes religiosos e políticos de extrema-direita se baseia na criação de um problema com o intuito de criar espaço para oferecer a solução, que neste caso foi apresentada como os candidatos a conselheiros tutelares ideais indicados por eles. Foi explorada ainda a figura de um “inimigo”, no caso, “a esquerda” ou personagens ligadas às esquerdas políticas, para contrapor campanhas opositoras e convencer por apoio a determinadas candidaturas.

O histórico deste tipo de metodologia abordada para indicação dos candidatos a conselheiros tutelares tem mostrado que o objetivo vai além da preocupação com o papel desempenhado pelos integrantes desses conselhos, como buscam apresentar. Conforme apontado na checagem, a eleição e o espaço de poder a que os conselheiros tutelares têm acesso demonstram compor  uma estrutura política que objetiva as próximas eleições municipais.

Bereia alerta sobre a importância de se conhecer os espaços de participação política, as funções e competências de cada órgão público, e principalmente verificar fatos e afirmações, antes de levar em consideração acusações feitas por lideranças comunitárias, religiosas e políticas contra adversários. É cada vez mais frequente o uso de desinformação para conquistar apoios e atacar opositores em processos políticos.



Referências de checagem:

Lei 8.069/2019 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm Acesso em: 4 out 2023

Conselho Nacional de Justiça

https://www.cnj.jus.br/cnj-servico-o-que-faz-um-conselho-tutelar/ Acesso em: 4 out 2023

Gov.br

https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2023/junho/voce-sabe-para-que-serve-o-conselho-tutelar Acesso em: 4 out 2023

Estado de Minas

https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2023/09/30/interna_politica,1569754/relatorio-alerta-para-discursos-extremistas-em-eleicao-do-conselho-tutelar.shtml Acesso em: 4 out 2023

G1

https://g1.globo.com/go/goias/noticia/2022/12/14/gustavo-gayer-e-um-dos-aliados-de-bolsonaro-investigado-pelo-tse-por-ataques-as-eleicoes-e-abuso-de-poder-politico.ghtml Acesso em: 5 out 2023

https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2023/09/30/grupos-religiosos-tentam-influenciar-votacao-para-conselhos-tutelares-do-rio-video.ghtml Acesso em: 5 out 2023

UOL

https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2023/05/31/gayer-usa-dinheiro-publico-para-pagar-empresa-de-politico-que-estava-no-81.htm Acesso em: 5 out 2023

Veja

https://veja.abril.com.br/politica/pgr-pede-que-deputado-seja-ouvido-sobre-fala-considerada-racista Acesso em: 5 out 2023

Blog Anselmo Santana

https://www.anselmosantana.com.br/wp-content/uploads/2023/09/bb2b08ac-4ebf-40db-84cb-82662c96e5e8.pdf Acesso em: 6 out 2023

Ministério Público Federal

https://www.mpf.mp.br/rj/sala-de-imprensa/noticias-rj/mpf-pede-que-o-conanda-adote-medidas-para-prevenir-abuso-de-poder-religioso-nas-eleicoes-para-conselhos-tutelares Acesso em: 6 out 2023

Observatório dos Conselhos https://www.observatoriosdosconselhos.org/eleicao-ct-2023 Acesso em: 6 out 2023


Catarinas

https://catarinas.info/canais-de-homeschooling-no-telegram-se-mobilizam-para-eleicao-do-conselho-tutelar/ Acesso em: 6 out 2023

Aos Fatos

https://www.aosfatos.org/noticias/falso-ministerio-direitos-humanos-cancelar-eleicao-conselhos-tutelares/ Acesso em: 6 out 2023


Lupa

https://lupa.uol.com.br/jornalismo/2023/10/03/ministro-de-lula-nao-quer-anular-eleicao-para-conselhos-tutelares-porque-direita-venceu Acesso em: 6 out 2023

Estadão

https://www.estadao.com.br/estadao-verifica/tse-abre-codigo-fonte-eleicao-conselhos-tutelares/ Acesso em: 6 out 2023

Bereia

https://coletivobereia.com.br/eleicoes-para-conselhos-tutelares-reafirmam-urgencia-de-se-compreender-lugar-da-religiosidade-na-vida-publica/ Acesso em: 6 out 2023

O Globo https://infoglobo.pressreader.com/article/281560885430721 Acesso em: 6 out 2023

https://oglobo.globo.com/politica/canais-na-internet-ganharam-dinheiro-com-fake-news-sobre-covid-informa-google-cpi-25058339 Acesso em: 9 out 2023

Agência Pública https://apublica.org/2023/09/eleicao-para-conselhos-tutelares-e-fundamental-diz-miriam-krenzinger/ Acesso em: 6 out 2023

Poder360

https://www.poder360.com.br/justica/saiba-quais-deputados-tiveram-contas-suspensas-nas-redes/ Acesso em: 9 out 2023

Iser
https://iser.org.br/wp-content/uploads/2023/10/Dicionario-para-entender-o-campo-religioso-Volume-1.pdf Acesso em: 9 out 2023

Deputado federal cristão usa montagem de oito vídeos para desinformar sobre atual gestão do Poder Executivo

O deputado federal, identificado como cristão, Carlos Jordy (PL-RJ) compartilhou, em sua conta pessoal no X (antigo Twitter), no Instagram e no Telegram, um compilado de vídeos críticos ao atual governo federal. Ao todo, são oito recortes de vídeos de diferentes jornais brasileiros, que apresentam notícias sobre a atual gestão do Poder Executivo federal. Ao compartilhar o conteúdo, o parlamentar afirma que “até quem não votou em [Jair] Bolsonaro está com saudade dele”.

A publicação alcançou quase cem mil visualizações e obteve mais de dois mil compartilhamentos até o fechamento desta matéria. Bereia checou as afirmações de cada um dos vídeos expostos.

Imagem: reprodução X

Vídeo 1 – Rombo nas contas do governo

O primeiro corte de vídeo apresentado refere-se à notícia, veiculada pela CNN Brasil, de que o governo federal registrou déficit de R$ 45 bilhões nas contas públicas em junho, sendo o pior resultado desde 2021, quando o déficit foi de R$ 84 bilhões. A informação também foi divulgada pelo Ministério da Fazenda, por meio dos canais oficiais do governo. Trata-se de dado apresentado pelo relatório Resultado do Tesouro Nacional (RTN), publicado mensalmente.

A informação publicada pelo deputado Carlos Jordy omite esta explicação importante. O secretário do Tesouro Nacional Rogério Ceron destacou que os resultados do primeiro semestre de 2023 foram impactados por desonerações (redução do recolhimento de tributos) implementadas em 2022, durante o governo anterior, como estratégia de campanha pela reeleição. “Por mais que o Ministério da Fazenda tenha adotado medidas para recompor as receitas que foram desoneradas, é preciso respeitar ciclos de noventenas”, disse Ceron, em referência   ao que a Constituição Federal determina (art. 150, inciso III): que sejam cobrados novos impostos somente depois de decorridos 90 dias da publicação da lei que o instituiu ou aumentou.

O Tesouro Nacional informa que, pela ótica das receitas, houve impacto na arrecadação graças à concessão da Eletrobras, ao pagamento de dividendos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e à queda na arrecadação de receitas administradas. Pela ótica das despesas, os motivos principais seriam o pagamento de benefícios previdenciários e o aumento do valor executado com o programa Bolsa Família.

Imagem: reprodução Tesouro Nacional

Vídeo 2 – Bloqueio do Bolsa Família

O segundo trecho de vídeo que compõe a publicação feita pelo deputado Carlos Jordy diz respeito ao bloqueio temporário do acesso ao Bolsa Família para 1,2 milhão de beneficiários. A notícia foi veiculada pelo telejornal SBT Brasil, em abril deste ano, mas o trecho veiculado omite que o bloqueio temporário foi aplicado a pessoas que dizem morar sozinhas e que começaram a receber o benefício durante o período eleitoral de 2022.

Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Assistência Social, Família e Combate à Fome informou em março deste ano, os bloqueios destinavam-se a combater possíveis fraudes e inconsistências na composição familiar declarada ao Bolsa Família. A medida foi implementada na esteira da percepção, por parte do gabinete de transição do candidato eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de que houve abuso de poder econômico durante a gestão Bolsonaro.  

A ex-ministra do Desenvolvimento, Assistência Social, Família e Combate à Fome Tereza Campello, que integrou o grupo técnico da transição na área de desenvolvimento social e combate à fome, apontou que houve crescimento anormal na quantidade de beneficiários unipessoais. Segundo Campello, de janeiro de 2019 a outubro de 2022, houve aumento de 200% nos cadastros unipessoais, com picos concentrados de crescimento.

Vídeo 3 – Taxação de compras internacionais online

No terceiro trecho que compõe a postagem crítica do deputado cristão, a notícia, retirada do Jornal da Band, trata da taxação de compras internacionais feitas pela internet. O vídeo de Jordy omite informações que permitam entender o novo modelo de tributação, que isenta remessas de até US$ 50 entre pessoas físicas ou entre pessoas físicas e empresas que se cadastrarem na Receita Federal.

Um dos objetivos do novo modelo de tributação é mitigar a sonegação de impostos por parte de empresas que tentam burlar a taxação. Recentemente, o secretário especial da Receita Federal Robinson Barreirinhas disse que a Receita identificou um cidadão que já realizou mais de 16 milhões de envios para o Brasil.

Em evento na Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB), Barreirinhas chamou atenção para a necessidade de regulamentação das remessas internacionais. “A gente tem que trazer as empresas para a conformidade. A ilegalidade é tão grande que é preciso um procedimento para que isso seja regularizado”, afirmou.

Vídeo 4 – Alta do preço da gasolina

O quarto trecho veiculado na montagem de vídeos reproduz matéria do telejornal CNN 360º sobre o preço de combustíveis. A notícia dá conta de que o preço da gasolina atingiu o valor mais alto em um ano, após o preço médio do litro chegar a R$ 5,88.

O trecho omite a informação, apresentada logo em seguida no mesmo jornal CNN 360º, de que, em julho de 2022, o preço do litro do combustível estava em R$ 6,06, ou seja, valor ainda mais alto do que o preço alcançado em 2023.

Em 2023, o tema do preço dos combustíveis tem sido usado para desinformar, como demonstraram checagens do Bereia, da AFP Checamos e do Estadão Verifica. Nas checagens, assim como no trecho utilizado pelo deputado federal Carlos Jordy (PL-RJ), são feitas comparações entre os governos de Lula da Silva e Jair Bolsonaro.

Vídeo 5 – Redução do Fundo de Participação dos Municípios

Na sequência, o conteúdo compartilhado pelo deputado apresenta o trecho de uma reportagem veiculada pelo jornal televisivo piauiense Jornal de Picos, que cita um protesto de prefeituras da região Nordeste, devido à redução do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

A reportagem em questão foi veiculada em 30 de agosto e informou que cerca de 150 prefeitos da região de Picos (PI) paralisaram suas atividades e participaram do ato, na Assembleia Legislativa do Piauí (Alepi), contra a redução do FPM, que chegou a 50% em agosto. Em entrevista ao jornal, o presidente da Associação Piauiense de Municípios (APPI) e prefeito de Caridade (PI) Toninho de Caridade afirmou que 16 unidades federativas aderiram à paralisação.

O deputado federal Carlos Jordy reproduz o tema esteira de outras publicações. Como demonstra checagem do Projeto Comprova, a mobilização de prefeitos em defesa do Fundo de Participação dos Municípios tem sido alvo de desinformação nas redes digitais.


A Confederação Nacional de Municípios (CNM) divulgou, em seu portal oficial, que em relação à 2022, o repasse de agosto teve redução de quase 8%. O cálculo do valor do FPM é feito sobre a arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI). Em 13 de setembro, um substitutivo ao Projeto de Lei Complementar (PLP) 136/2023 incluiu texto que define um apoio financeiro para recomposição de quedas no FPM. O projeto ainda deve passar pelo Senado.

Vídeo 6 – Lula se torna o presidente que mais liberou emendas parlamentares em um mês

O sexto trecho na sequência de vídeos publicada por Jordy (PL-RJ) corresponde a chamada do programa Os Pingos nos Is, de 21 de agosto, do canal de notícias Jovem Pan News no YouTube, sobre o valor de emendas parlamentares liberadas em julho. O quadro noticia economia e política a partir da discussão e análise dos apresentadores.

De acordo com o noticiário, foram liberados quase R$ 12 bilhões aos estados e municípios no mês. A matéria omite informações como um levantamento do portal de notícias Metrópoles, que considerou o valor liberado pelo atual governo mês a mês até a data e apresentou as circunstâncias políticas no Congresso que possivelmente pautam as decisões de Lula da Silva. 

O texto pontua que, nos quatro primeiros meses, não houve liberação e classifica o governo lento quanto a isso. Destaca ainda que, apesar dos R$ 11,8 bilhões liberados em julho, o acumulado até aquele momento era ligeiramente menor que o valor liberado no mesmo período de 2022.

Jordy, ao utilizar vídeo da Jovem Pan, despreza o fato de que este é um notório veículo de propagação de desinformação. A emissora, que tem concessões públicas de rádio e de TV, enfrenta, uma ação civil pública, ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF), em razão de campanhas de desinformação. O MPF pede o cancelamento de outorgas de concessão e permissão para radiodifusão da empresa por entender que a Jovem Pan propaga “desinformação em larga escala” com “potencial de incitação à violência e à ruptura democrática”.

Vídeo 7 – Mais de 400 mil empresas fechadas no primeiro semestre de 2023

Com mais uma chamada de reportagem televisiva, o deputado federal compõe a montagem de vídeos publicados com a informação de que mais de 400 mil empresas foram fechadas de janeiro a junho deste ano. O vídeo correspondente é a reportagem do Jornal da Tarde de 4 de setembro, da TV Cultura. 

A notícia apresenta que o número exato de empresas fechadas no período foi de 427.935 empresas, de acordo com pesquisa da Contabilizei, baseada em dados da Receita Federal. O levantamento também aponta que, desde o quarto trimestre de 2021, o saldo entre abertura e fechamento de empresas é negativo, gerando um acumulado de 750 mil. Os números não incluem Microempreendedores Individuais (MEIs).

A montagem de Carlos Jordy omite que a reportagem traz ainda informações do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) de que as micro e pequenas empresas criaram quase 710 mil vagas de trabalho, o equivalente a 70% das vagas com carteira assinada geradas no mesmo período e os valores são equivalentes aos primeiros semestres de 2021 e 2022. 

Segundo publicado pelo portal G1 no mesmo dia, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) contestou os valores apresentados pela Contabilizei e apontou saldo positivo de 212.654 empresas, desconsiderados os MEIs. A pasta se baseou em números do Mapa de Empresas, que considera dados de juntas comerciais e cartórios, além da Receita Federal.

Vídeo 8 – Poder 360

O oitavo e último vídeo da publicação de Jordy (PL-RJ) apresenta uma fala de Lula da Silva sobre o Desenrola, programa de renegociação de créditos inadimplidos criado pelo governo federal. O programa tem três etapas com atendimento a públicos diferentes, em que a terceira etapa, iniciada em setembro, atende pessoas endividadas no varejo em até R$ 5 mil. 

A esta última situação, em entrevista ao canal do portal Poder 360 no YouTube, Lula se refere ao “grosso” como uma injeção de valores importantes para o giro da economia. O trecho publicado pelo deputado atribui conotação distinta à fala do atual Presidente da República, ao insinuar que o atual mandatário estaria ironizando a situação da população enquanto alvo das políticas de seu governo.

***
Após checagem das informações apresentadas na publicação feita pelo deputado federal Carlos Jordy (PL-RJ), Bereia considera o conteúdo como enganoso. A postagem oferece conteúdos de substância verdadeira, mas não contextualiza as informações apresentadas e ainda omite explicações fundamentais para compreensão dos fatos. Tal prática, frequentemente tem a intenção de levar o público a julgamentos errôneos sobre os diversos temas ali presentes e, neste caso, sobre a condução do atual governo federal como um todo.

Ademais, a inclusão de um trecho de fala do atual Presidente da República Lula da Silva de modo sensacionalista contribui para uma percepção equivocada das informações anteriormente apresentadas. A postagem representa desinformação e carece de substância e contextualização. Bereia incentiva que o público exerça sempre uma leitura crítica dos discursos presentes nas redes digitais que se apresentam de forma recortada, longe do todo em que foram apresentados, procurando informações de qualidade, completas e contextualizadas.

Referências da checagem:

YouTube

https://www.youtube.com/watch?v=jCNSzhKin7w&ab_channel=CNNBrasil Acesso em: 13 set 2023

https://www.youtube.com/watch?v=F1Tse_nBgl4&ab_channel=SBTNews Acesso em: 13 set 2023

https://www.youtube.com/watch?v=R9LgDxWr1Wk&ab_channel=BandJornalismo Acesso em: 13 set 2023

https://www.youtube.com/watch?v=AyNwR6s_u40&ab_channel=CNNBrasilEconomia Acesso em: 13 set 2023

https://www.youtube.com/watch?v=4ATWYzz0FGk&t=417s&ab_channel=AVozTrabalhadora Acesso em: 13 set 2023

https://www.youtube.com/watch?v=Ty_a0gUzLi4&ab_channel=TVCidadeVerde Acesso em: 13 set 2023

https://www.youtube.com/watch?v=n_lQKXdF9LE&ab_channel=OsPingosnosIs Acesso em: 13 set 2023

https://www.youtube.com/watch?v=hBjk-XReQS8&ab_channel=JornalismoTVCultura Acesso em: 13 set 2023

https://www.youtube.com/watch?v=WW5m2ZLb8EQ&ab_channel=Poder360 Acesso em: 13 de set 2023

https://youtu.be/wfY6EU-bP5A?t=1780 Acesso em: 14 set 2023

Ministério da Fazenda https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assuntos/noticias/2023/julho/governo-central-registra-deficit-primario-de-r-45-22-bilhoes-em-junho-de-2023#:~:text=O%20Governo%20Central%20%E2%80%94%20Tesouro%20Nacional,no%20acumulado%20do%20primeiro%20semestre Acesso em: 14 set 2023

https://static.poder360.com.br/2023/07/sumario_executivo_jun23-1.pdf Acesso em: 14 set 2023

https://static.poder360.com.br/2023/07/apresentacao_jun23-1.pdf Acesso em: 14 set 2023

Tesouro Nacional https://www.gov.br/tesouronacional/pt-br/estatisticas-fiscais-e-planejamento/resultado-do-tesouro-nacional-rtn Acesso em: 14 set 2023

IPEA https://www.ipea.gov.br/portal/categorias/45-todas-as-noticias/noticias/13858-ipea-estima-deficit-primario-de-r-45-3-bilhoes-nas-contas-do-governo-central-em-junho Acesso em: 14 set 2023

Poder360 https://www.poder360.com.br/economia/governo-tem-rombo-de-r-425-bilhoes-no-1o-semestre-de-2023/ Acesso em: 14 set 2023

https://www.poder360.com.br/economia/brasil-recebe-ate-1-mi-de-pacotes-por-dia-em-2023-diz-fisco/ Acesso em: 13 set 2023

Diário Oficial da União

https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-mf-n-612-de-29-de-junho-de-2023-493173583 Acesso em: 13 set 2023

https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-mf-n-612-de-29-de-junho-de-2023-493173583 Acesso em: 13 set 2023

G1

https://g1.globo.com/economia/noticia/2023/09/04/brasil-perdeu-mais-de-400-mil-empresas-no-primeiro-semestre-de-2023.ghtml?utm_source=thenewscc&utm_medium=email&utm_campaign=referral Acesso em: 13 set 2023

https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/04/28/bolsa-familia-governo-suspende-ate-junho-bloqueio-de-pagamentos-por-descumprimento-de-requisitos.ghtml Acesso em: 14 set 2023

https://g1.globo.com/economia/noticia/2023/08/01/compras-internacionais-de-us-50-como-ficam-os-precos.ghtml Acesso em: 14 set 2023

https://g1.globo.com/economia/noticia/2023/06/30/governo-taxara-compras-internacionais-de-ate-us-50-feitas-em-sites-de-empresas-que-nao-pagam-impostos.ghtml Acesso em: 14 set 2023

https://g1.globo.com/economia/noticia/2023/08/25/preco-medio-da-gasolina-sobe-a-r-588-nos-postos-e-atinge-maior-patamar-em-mais-de-um-ano-mostra-anp.ghtml Acesso em: 14 set 2023

Folha de São Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2023/04/governo-bloqueia-bolsa-familia-de-12-milhao-de-pessoas-que-moram-sozinhas-veja-o-que-fazer.shtml Acesso em: 13 set 2023

https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/12/transicao-ve-abuso-de-poder-economico-no-auxilio-brasil-e-vai-representar-contra-bolsonaro.shtml Acesso em: 13 set 2023

Ministério do Desenvolvimento

https://www.gov.br/mds/pt-br/noticias-e-conteudos/desenvolvimento-social/noticias-desenvolvimento-social/para-combater-fraudes-no-bolsa-familia-governo-federal-antecipa-bloqueios-de-cadastros-unipessoais-irregulares Acesso em: 13 set 2023

Agência Brasil

https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2023-06/compras-de-ate-us-50-pela-internet-ficam-livres-de-taxacao-federal Acesso em: 13 set 2023

https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2023-06/mpf-pede-cancelamento-das-frequencias-da-jovem-pan-por-desinformacao Acesso em: 19 set 2023

CNN Brasil

https://www.cnnbrasil.com.br/economia/governo-volta-atras-e-estuda-imposto-federal-em-compras-internacionais-abaixo-de-us-50/ Acesso em: 14 set 2023

BBC

https://www.bbc.com/portuguese/articles/cjqdj1ew9wqo Acesso em: 14 set 2023

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63385867 Acesso em: 19 set 2023

AFP

https://checamos.afp.com/doc.afp.com.33TU3JU Acesso em: 14 set 2023

Estadão

https://www.estadao.com.br/estadao-verifica/postagem-tira-de-contexto-preco-gasolina-governos-lula-e-bolsonaro/ Acesso em: 14 set 2023

Petrobras

https://petrobras.com.br/en/our-activities/precos-de-venda-de-combustiveis/ Acesso em: 14 set 2023

CNM

https://www.cnm.org.br/comunicacao/noticias/terceiro-fpm-de-agosto-sera-repassado-na-quarta-feira-30-o-mes-fecha-negativo Acesso em: 16 set 2023

https://www.cnm.org.br/comunicacao/noticias/camara-aprova-projeto-que-antecipa-compensacao-do-icms-e-recompoe-perdas-no-fpm Aceso em: 16 set 2023

Câmara dos Deputados

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2372071 Acesso em:16 set 2023

Metrópoles
https://www.metropoles.com/brasil/governo-lula-ja-liberou-r-206-bilhoes-em-emendas-parlamentares-neste-ano Acesso em: 16 set 2023

Gov.br
https://www.gov.br/empresas-e-negocios/pt-br/mapa-de-empresas Acesso em: 16 set 2023

https://www.gov.br/fazenda/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/desenrola-brasil Acesso em: 16 set 2023

Supremo Tribunal Federal

https://constituicao.stf.jus.br/dispositivo/cf-88-parte-1-titulo-6-capitulo-1-secao-2-artigo-150 Acesso em: 19 set 2023

Comprova

https://projetocomprova.com.br/publica%C3%A7%C3%B5es/entenda-a-mobilizacao-dos-prefeitos-em-defesa-do-fundo-de-participacao-dos-municipios/ Acesso em: 19 set 2023

Ministério Público Federal

https://www.mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/acp-jovem-pan Acesso em: 19 set 2023

Foto de capa: Câmara dos Deputados

Desinformações praticadas pelos doutores da lei no meio evangélico

Não deveria ser assim, diria Jesus Cristo, mas infelizmente é. Alguns dos autointitulados intelectuais do meio evangélico, por falarem como doutores, cometem desonestidade intelectual. Ao longo das próximas semanas devo apresentar algumas delas, as quais selecionei ora pela importância da temática, ora por sua insistente repetição.

A primeira grande desonestidade é atribuir o fenômeno do pós-cristianismo europeu ao surgimento do chamado liberalismo teológico. Para estes intelectuais o declínio da fé cristã no continente europeu se deu por conta da crescente racionalização da fé, de um profícuo diálogo com a ciência. Ao contrário dos fundamentalistas que, quando muito, instrumentalizam a ciência, apropriando-se das partes que lhes interessam, os chamados teólogos liberais se propuseram a revisionar interpretações, incorporar métodos no fazimento teológico. A perspectiva era dialógica, e não ideológica como fazem os fundamentalistas, pelo simples reconhecimento que nem toda verdade estava na Bíblia.

Os que assim fazem esquecem o desgaste pela longevidade no continente (2000 anos), o que faz com que a institucionalidade ganhe expressões insuportáveis para quem quer viver a singeleza da fé. Em Estudos de Religião é recorrente a noção de as religiões possuem sua maior taxa de expansão justamente no seu início, período em que há mais espontaneidade e menos institucionalização. Ora, ao mesmo tempo que a institucionalização funciona como um foco de permanência, de resistência para um grupo religioso, ela também traz consigo o desgaste, que afasta a instituição da sua própria raiz, da sua crença primeira, como Dostoievski brilhantemente assinalou em O Grande Inquisidor.

Outro esquecimento que me parece seletivo é a ausência de menção das guerras de religião, que varreram o continente europeu, opondo católicos aos protestantes e produzindo milhares de mortes em nome da mesma fé, nos séculos XVI-XVIII. Voltaire chegou a comparar tal insanidade a um trovão irrompendo em pleno sol de meio dia. Ele também sarcasticamente assinalou, em uma de suas Cartas Inglesas, que a Bolsa de Valores de Londres produzia mais resultados em termos de tolerância religiosa e de respeito ao diferente, do que os templos religiosos, dos quais os participantes saíam com menos disposição ao diálogo. Estas estúpidas mortes pelo legado da Cristandade e não do Cristianismo, e muito menos do Cristo, marcaram profundamente a alma do europeu, tornando-o reticente a uma religião que discursa sobre o amor, mas que tem disposição de matar seu semelhante por divergência doutrinária.

Nesta mesma linha que conduz aos equívocos históricos, está o apoio de boa parte da Igreja cristã ao nazismo, bem como a insistência de certos grupos alienados da pesquisa histórica que sustentam que regime hitlerista foi de esquerda. Os que assim procedem esquecem que da invasão da URSS, e do apoio da elite alemã a Hitler para que freasse a escalada da simpatia alemã com a internacional socialista. Sim, minha prezada leitora, o nazismo sacrificou judeus e caçou comunistas. Uma vez desnudados os horrores praticados na 2ª Grande Guerra, a igreja cristã ficou adesivada com este selo da vergonha, deslegitimando sua pregação. Se para Paulo a questão era quem iria ouvir a mensagem do evangelho se não há pregadores que alcancem as diferentes etnias, após a passagem do nazismo a igreja se viu diante de uma atualização: quem vai QUERER ouvir sua pregação?

Por fim, em uma lista que não se esgota em si mesma, é preciso lembrar que parte do escanteamento da fé cristã se deu pela sua própria e inadequada pregação. Há um esquecimento do teor do querigma praticado que obsoletou Deus. Ora, se Deus é anunciado como o cirurgião do plantão eterno, ou como o Rei das melhorias sociais, quando a ciência avança encontrando novas formas, fármacos para a cura, ele se torna, como lembra Harry Emerson Fosdick, obsoleto. O mesmo procede com um governo antenado às necessidades do seu povo. Nesse caso a política traria respostas que antes eram buscadas no templo. Não foi por outro motivo que Ernst Troeltsch aventou a possibilidade da religião se substituída pela Ciência e pela Política.

Se os pregadores querem que Deus seja sempre atual, é preciso falar mais sobre Ele e menos sobre o que Ele pode fazer. Se os pregadores querem que Deus seja assunto do almoço em família, é preciso que eles dialoguem com esse tempo, com suas demandas, em suas prédicas. Caso contrário, seguirão confinando Deus ao passado e declarando sua obsoletização, sua perda crescente de importância, quanto mais respostas a Ciência e a Política fornecerem às pessoas.

Fica então a indagação: por que tais intelectuais evangélicos não abordam estes fatores ao explicarem o declínio cristão na Europa? Por que eles não mencionam que o fundamentalismo tem feito o principal estamento religioso dos Estados Unidos, a saber, a Convenção Batista do Sul, perder membros, entrar em declínio?

**Os artigos da seção Areópago são de responsabilidade de autores e autoras e não refletem, necessariamente, a opinião do Coletivo Bereia.

***Foto de capa: Imagem de Rudy and Peter Skitterians /Pixabay

Desinformação de gênero: violência política em perspectiva

De acordo com a pesquisa publicada no site no Departamento de Estado dos Estados Unidos da América, a desinformação de gênero vem ganhando cada vez mais espaço nas mídias, sendo um ataque direto à democracia de uma nação.

Ao definir a desinformação de gênero, o estudo refere-se à junção de abuso misógino e violência contra mulheres, que se utiliza de falas falsas ou enganosas, e narrativas com base em sexo onde muitas vezes são usadas estrategicamente pretendendo impedir mulheres de participar da esfera pública.

Essa lógica perversa também tem sido perpetrada por atores estatais estrangeiros e não estatais, usando coordenadamente a desinformação de gênero com o objetivo de silenciar as mulheres, desestimular o discurso político on-line e moldar as percepções em relação ao gênero e ao papel da mulher nas democracias.

A pesquisa Malign Creativity How gender, sex, and lies are weaponized Against Women online [Criatividade Maligna. Como gênero, sexo e mentiras se tornam armas on line contra mulheres] elencou algumas conclusões relevantes sobre o tema. São elas:

  • Dentre os perpetradores de desinformação de gênero voltada contra mulheres estão atores estatais estrangeiros; 
  • A desinformação muitas vezes tem como alvo mulheres com identidades interseccionadas; 
  • Os perpetradores costumam disseminar desinformação de gênero por meio de atividades coordenadas de redes sociais que são espontâneas ou pré-mediadas em várias plataformas; 
  • Atores estatais estrangeiros mobilizam a desinformação de gênero a fim de atingir uma variedade de indivíduos, grupos e legislação; 
  • O objetivo final da desinformação de gênero é baseada no ataque à identidade, desencorajando o exercício da liberdade de expressão e minando a democracia.

Violência Política no Brasil

Neste mês de julho, a agência Lupa publicou uma reportagem na qual reflete a temperatura na qual as parlamentares brasileiras estão inseridas.

A bola da vez foi a senadora evangélica Eliziane Gama (PSD-MA) , que atualmente exerce a função de relatora da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito de 8 de janeiro. Na reportagem, relata-se que a senadora é frequentemente chamada de ‘burra’ e ‘analfabeta’, como forma de descredibilizar sua competência e logo, o lugar que ocupa.

Essa prática, que aqui chamamos de Desinformação de Gênero, não é nova e podemos identificá-la ao longo da História, mas a roupagem que tem usado é recente e vem ganhando força com o alcance cada vez maior das mídias por todo o mundo.

Em matéria publicada pelo Coletivo Bereia, foram mostradas as ofensivas em ambientes digitais religiosos contra a ex-presidente Dilma, como tentativa para justificar o golpe sofrido.

Além desse episódio, o Coletivo Bereia também identificou o ataque do deputado federal evangélico Nikolas Ferreira (PL-MG), que profere um discurso misógino, em que diz para que as mulheres “retomem sua feminilidade, tenham filhos, amem a maternidade, formem a sua família porque, dessa forma, vocês colocarão luz no mundo e serão, com certeza, mulheres valorosas”. A fala foi proferida pelo deputado quando usava uma peruca loira. Nikolas Ferreira valeu-se do Dia Internacional da Mulher para, ditar às mulheres como proceder em suas vidas, a partir de suas crenças pessoais.

Em janeiro desse ano, a ministra do Meio Ambiente Marina Silva, também evangélica, foi hostilizada em um restaurante de Brasília, por pessoas que se opunham ao governo do presidente Lula. No local, a ministra foi defendida e aplaudida por clientes.

É de extrema importância que o tema da desinformação de gênero seja amplamente discutido e que haja meios de identificá-la. Além de contribuir para a corrosão da democracia, as fake news – popularmente chamadas – impedem o avanço dos direitos das mulheres e da sociedade em geral.

A desinformação já é vista como um problema crônico com o qual as sociedades têm lidado com dificuldade. A violência de gênero na política vislumbra a piora do cenário, onde a pouca representatividade no legislativo, a dissonância das bancadas sobre temas importantes, o tradicionalismo e fundamentalismo da maioria dos parlamentares, entre outros fatores, corroboram para que a desinformação se torne uma prática cada vez mais comum.

Referências:

Departamento de Estado dos Estados Unidos da América. https://www.state.gov/gendered-disinformation-tactics-themes-and-trends-by-foreign-malign-actors/desinformacao-de-genero-taticas-temas-e-tendencias-de-atores-estrangeiros-malignos/  Acesso em 20 JUL 2023

Coletivo Bereia.

https://coletivobereia.com.br/genero-politica-e-desinformacao-as-mulheres-sob-ataque/ Acesso em 20 JUL 2023

https://coletivobereia.com.br/deputado-federal-evangelico-nikolas-ferreira-promove-desinformacao-em-discurso-na-camara-dos-deputados/  Acesso em 20 JUL 2023

Correio Braziliense. https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2023/01/5063318-marina-silva-e-atacada-em-restaurante-mas-e-defendida-por-clientes-veja.html  Acesso em 20 JUL 2023

**Os artigos da seção Areópago são de responsabilidade de autores e autoras e não refletem, necessariamente, a opinião do Coletivo Bereia.

***Foto de capa: Pixabay

Cobrança de Pix para pessoa jurídica é alvo de desinformação nas redes digitais

Políticos religiosos voltaram a disseminar, nas redes digitais, que o atual presidente da República Lula da Silva irá taxar as transações financeiras por pix. Os deputados federais Carla Zambelli (PL) e Eduardo Bolsonaro (PL) foram alguns dos políticos que compartilharam a ideia, se valendo de uma suposta notificação enviada aos clientes de contas Pessoa Jurídica (PJ) da Caixa Econômica Federal sobre tarifas para esta modalidade, em seus perfis no Twitter.

O discurso sobre taxação da modalidade de pagamento foi bastante repercutido durante a disputa eleitoral presidencial. Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro usavam, como uma das estratégias políticas de ataque à campanha adversária, a afirmativa de que o então presidente teria criado o Pix e que o atual presidente, e adversário político à época, iria taxar a medida caso assumisse o poder. Bereia checou estas informações.

Imagem: reprodução Twitter

Taxação do Pix para Pessoa Jurídica (PJ) foi definida em 2020 e já é feita por outros bancos

A Caixa Econômica Federal publicou, em 19 de junho, em seu site oficial, uma nota sobre a situação. O texto da instituição financeira esclarece que as cobranças de fato acontecerão, a partir de 19 de julho, e que, portanto, informou com antecedência os clientes PJ. O banco reforçou que não cobra tarifa Pix de seus clientes pessoa física.

No entanto, as afirmações e publicações compartilhadas pelos deputados e outros políticos religiosos suscitam a ideia de que a decisão foi tomada pelo atual presidente da República e que o próximo passo será taxar as operações financeiras da modalidade Pix também para pessoas físicas.

A decisão da instituição financeira, divulgada neste mês de junho, se baseia na Resolução BCB nº 1/2020 que permite aos bancos a aplicação de tarifas em transações Pix relacionadas a contas PJ. A Caixa não foi a primeira instituição a optar pela aplicação das tarifas. 

O site do Banco Central do Brasil esclarece que a isenção da cobrança de tarifas para pessoas físicas apresenta exceções, como no caso de o Pix ser realizado utilizando canais presenciais da instituição, ao invés dos meios eletrônicos disponíveis, ou quando houver transferências em razão da venda de produtos ou serviços.

No caso das pessoas jurídicas, as possibilidades de cobrança são mais amplas, podendo ser aplicadas em caso de transações de transferência financeira ou compra, e pela contratação de serviços acessórios que permitam a oferta de atividades complementares pelas empresas. Os informes foram atualizados ainda em janeiro de 2023.

Grandes bancos, como Bradesco, Banco do Brasil, Santander e Itaú já aplicam tarifas a transações via Pix realizadas por pessoas jurídicas,a depender do valor da operação e do tipo de chave cadastrada. As taxas aplicadas por cada instituição foram compiladas pela CNN Brasil.

O que é o Pix

Pix é um meio eletrônico de pagamento instantâneo desenvolvido pelo Banco Central do Brasil. Trata-se de um recurso rápido para transações financeiras a partir de uma conta corrente, conta poupança ou conta de pagamento pré-paga, sendo possível realizar transações sem limite de data, horário ou instituição bancária. 

Além de ter instituído o método de pagamento, o Banco Central também exerce o papel de regulador do Pix, definindo suas regras de funcionamento, e de gestor das plataformas operacionais, ou seja, disponibilizando a tecnologia para diversas instituições.

A tecnologia, gestada durante o governo de Michel Temer, foi amplamente aceita pela população, conforme apontado por estudo da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) divulgado em dezembro de 2021. A rapidez e a gratuidade da transação para contas de pessoa física popularizou rapidamente a inovação.

O Pix já foi alvo de desinformação eleitoral checada por Bereia, em que se considerou falsa a afirmação, veiculada nas redes digitais, de que Jair Bolsonaro foi o criador da transação bancária. Na ocasião, também se afirmava que o Pix causaria prejuízo a bancos e que Lula da Silva poderia acabar com a transação, ambas consideradas falsas.

Imagem: reprodução Twitter

Repercussão nas redes digitais

Após o anúncio de que a Caixa Econômica Federal iniciará cobrança por transações via Pix, exclusivamente para pessoas jurídicas privadas, políticos de oposição ao atual governo federal repercutiram a medida, associando-a ao atual presidente da República Lula da Silva.

A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) compartilhou, em seu perfil no Twitter, uma imagem com os dizeres “Lula começou a taxar o Pix”, dizendo, ainda, que “Bolsonaro avisou”.

Já o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), também no Twitter, veiculou mensagem questionando: “dar tanto dinheiro do seu trabalho para o Lula por quê?”. Na imagem veiculada, é possível ler os dizeres “PT vai taxar o Pix”.

Reação do Governo Federal

Na tarde de 20 de junho,  a Caixa anunciou a suspensão da medida. A decisão teria sido tomada depois de um pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de acordo com o ministro da Casa Civil, Rui Costa. 

Costa afirmou que, em conversa com a presidente da Caixa Rita Serrano, pediu que aguardassem o retorno de Lula ao Brasil para uma reavaliação da medida. O presidente está em viagem oficial à Itália.

Segundo Costa,a presidente da Caixa mostrou-se surpresa com a repercussão do caso, já que trata de uma medida já praticada por outros bancos no país.

***

Bereia considera enganoso o conteúdo checado. As publicações feitas pelos deputados citados na checagem, considerando-se não apenas as imagens, mas também os textos veiculados, são apresentadas para confundir. A informação de que a Caixa Econômica Federal começaria a taxar transações financeiras via Pix para pessoa jurídica são verdadeiras, mas os deputados omitem que se trata de prática comum dos bancos brasileiros. 

A publicação feita por Eduardo Bolsonaro (PL-SP) sugere, ainda, que após a cobrança para pessoa jurídica, o público em geral também será taxado. Tal suposição não encontra respaldo nas informações disponibilizadas pela Caixa, pelo Banco Central ou por qualquer outra instituição que faz uso do Pix.

A ausência da informação de que a cobrança estava restrita apenas a pessoa jurídica, excetuados também os microempreendedores individuais (MEI), contribui para que o público em geral sinta-se atingido pela cobrança, o que não é verdade à luz dos fatos.

As mais recentes informações sobre a medida a ser adotada pela Caixa indicam que haverá uma suspensão de sua implementação, até que seja feita uma reavaliação conjunta sobre sua efetivação.

Referências de checagem:

Bereia. https://coletivobereia.com.br/apoiadores-do-governo-mentem-sobre-pix-ser-de-bolsonaro-causar-prejuizo-a-bancos-e-ser-ameacado-por-lula/ Acesso em: 20 jun 2023

Caixa. https://caixanoticias.caixa.gov.br/noticia/32049/nota-da-caixa-cobranca-pix-pj Acesso em: 20 jun 2023

Folha de São Paulo.

https://www1.folha.uol.com.br/mpme/2021/09/saiba-como-funciona-a-cobranca-de-taxa-do-pix-para-empresas.shtml Acesso em: 20 jun 2023

https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2023/06/planalto-manda-caixa-suspender-cobranca-de-pix-para-pessoa-juridica.shtml Acesso em: 20 jun 2023

UOL. https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2022/05/10/pix-banco-central-bolsonaro-eleicoes-2022.htm Acesso em: 20 jun 2023

Febraban. https://febrabantech.febraban.org.br/temas/meios-de-pagamento/pix-e-aprovado-por-85-dos-brasileiros-diz-estudo-da-febraban Acesso em: 20 jun 2023

CNN https://www.cnnbrasil.com.br/politica/lula-roma-visita-tera-encontro-com-o-papa-e-presidente-da-italia/ Acesso em: 20 jun 2023

Banco Central do Brasil.

https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/exibenormativo?tipo=Resolu%C3%A7%C3%A3o%20BCB&numero=1 Acesso em: 20 jun 2023

https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/papeldobcpix Acesso em: 20 jun 2023

https://www.bcb.gov.br/meubc/faqs/p/quais-as-tarifas-relacionadas-ao-pix Acesso em: 21 jun 2023CNN https://www.cnnbrasil.com.br/economia/pode-cobrar-pelo-pix-entenda-o-que-determina-o-banco-central/#:~:text=Taxa%20do%20Pix&text=A%20tarifa%20prevista%20varia%20de,BC%20desde%20novembro%20de%202020.&text=Segundo%20o%20BC%2C%20n%C3%A3o%20h%C3%A1,h%C3%A1%20s%C3%A3o%20regras%20de%20tarifa%C3%A7%C3%A3o. Acesso em: 21 jun 2023

***

Foto de capa: Pixabay

Trabalho do Bereia é utilizado como fonte para reportagem do jornal O Globo

Saiu no O Globo, impresso e digital, da terça 11 de abril, a matéria “Desinformação contra gestão petista cresce entre evangélicos, onde circulam ao menos 30 fake news sobre o governo Lula”, que cita o trabalho de checagem realizado pelo Bereia como fonte da reportagem. Desde o período eleitoral até recentemente, as checagens do coletivo têm abordado, em sua maioria, as temáticas da perseguição religiosa, “ideologia de gênero”, “ameaça comunista” e assuntos relacionados à pauta econômica. A editora-geral Magali Cunha analisou os recentes materiais em circulação:

— O discurso ainda permanece o mesmo e com alguma repetição na formação de memes que são criados com alertas de pânico e em torno de alguns vídeos. Uma diferença que nós estamos observando são alguns personagens que não estavam tão evidentes, como Nikolas (Ferreira) e Michelle Bolsonaro, que ocupa o lugar de Damares que agora está mais discreta.

A matéria completa do jornal O Globo está disponível aqui (para assinantes).

Perfis religiosos omitem dados de pesquisas científicas sobre a covid-19 e geram desinformação


Publicações feitas em perfis religiosos nas mídias sociais divulgaram informações que supostamente encerrariam duas grandes polêmicas envolvendo a pandemia de COVID-19: a origem do vírus e a eficácia do uso de máscaras. 

Baseando-se, principalmente, em artigo de opinião veiculado pela revista Veja, figuras ligadas à extrema-direita compartilharam postagens afirmando que a origem da pandemia está no vazamento do vírus, a partir de um laboratório chinês, e que o uso de máscaras não teve impacto na redução da propagação do vírus. 

Reprodução do Twitter

Reprodução: Twitter

A deputada federal Bia Kicis (PL-DF) e o pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, ecoaram, em seus perfis no Twitter, o artigo assinado pela colunista Vilma Gryzinski. Malafaia, em sua publicação, diz que a “matéria sensacional” da revista Veja “destrói toda safadeza montada na pandemia”. Outras contas também fizeram coro à tese, sempre utilizando a hashtag “BolsonaroTinhaRazão”. As narrativas sobre a origem chinesa do vírus e sobre a ineficácia do uso de máscaras foram amplamente disseminadas por Jair Bolsonaro durante a pandemia.

Reprodução do Twitter
Reprodução do Twitter

Informações retiradas de artigo de opinião

A jornalista Vilma Gryzinski, autora da coluna Mundialista na revista Veja, usa em seu texto intitulado Teste da realidade: vírus saiu de laboratório e máscaras foram inúteis, o termo “razoável convicção” para se referir às recentes declarações do Departamento de Energia dos Estados Unidos ao considerar a teoria de que o vírus da covid-19 teria escapado por acidente de um laboratório do governo chinês em Wuhan. 

Gryzinski afirma, sem apresentar referências, que a França cortou relações com o laboratório de Wuhan e avisou que este era utilizado para estratégias militares. Não foram encontrados dados suficientes para sustentar a veracidade desta afirmação. 

O texto continua e apresenta um levantamento da Cochrane Library – uma coleção de bancos de dados da área da saúde – que segundo Vilma, afirma a indiferença no uso de máscaras no combate à COVID-19. 

Uso de máscaras

A publicação da Cochrane Library, principal referência utilizada no artigo de opinião veiculado na revista Veja, intitula-se Intervenções físicas para interromper ou reduzir o espraiamento de vírus respiratórios. Trata-se de uma revisão sistemática, ou seja, um “estudo secundário, que tem por objetivo reunir estudos semelhantes, publicados ou não, avaliando-os criticamente em sua metodologia”, segundo definição da Cochrane Library.

Conforme o título da revisão indica, não se trata de uma pesquisa específica para o coronavírus, mas para vírus respiratórios de maneira geral, e as “intervenções físicas” podem ser não apenas o uso de máscaras, mas a lavagem das mãos, o distanciamento social e outras providências, conforme relata o pesquisador em clínica epidemiológica Leonardo Costa, em artigo para a revista Questão de Ciência. Ressalta-se, ainda, que a referida revisão teve início no ano de 2007, muito antes do início da pandemia de coronavírus e de toda a polêmica alimentada por grupos políticos que não necessariamente baseiam-se em evidências científicas.

O pesquisador explica que estudos laboratoriais sustentam, com alto grau de evidência científica, que o uso de máscaras apropriadas (N95, PFF2 ou máscaras cirúrgicas) constitui uma ótima barreira na contenção de diversos microrganismos transmissores de doenças.  A revisão da Cochrane, ampla e preocupada em entender o fenômeno na escala comunitária, inclui estudos com “alto risco de viés”, ou seja, com grandes chances de apresentar erros, graças à própria natureza dos estudos.

A má utilização de máscaras, seja porque as pessoas deixam nariz ou boca descobertos, retiram-na para falar, comer ou até para sentir algum alívio na respiração, também foi observada nos estudos avaliados pela revisão, podendo ocasionar erros nos resultados. A própria publicação da Cochrane ressalta a ocorrência de vieses nos estudos, algo que o artigo de opinião veiculado na revista Veja esconde.

Origem do coronavírus

As recentes publicações reverberadas por perfis ligados à extrema-direita afirmam, ancoradas no artigo de Vilma Gryzinski, que a covid-19 teve origem no vazamento de um laboratório chinês. Para sustentar a afirmação, Gryzinski apoiou-se em um relatório vazado do Departamento de Energia dos Estados Unidos da América e na posição divulgada pelo FBI, unidade de investigação ligada ao Departamento de Justiça norte-americano.

Segundo a colunista da Veja, as duas instituições apontam com “razoável convicção” a origem do vírus a partir de um vazamento de um laboratório chinês. O termo utilizado pelo FBI foi “moderado”. Apesar de semanticamente próximos, há ligeira diferença entre os termos, o que pode induzir a conclusões diferentes. O projeto Comprova, que se dedica a combater conteúdos enganosos, ressalta que o FBI não confirmou a origem do vírus.

A rede britânica BBC, em matéria publicada no início do mês de março, chama atenção para o fato de um debate “tóxico” sobre a teoria do vazamento estar atrapalhando as pesquisas sobre a origem do vírus. A possibilidade de um vazamento laboratorial ter originado a pandemia de covid-19 não está descartada, mas a contaminação política do tema impede uma abordagem isenta.

É preciso lembrar que Estados Unidos e China travam, há anos, uma intensa batalha geopolítica e que suas respectivas instituições tendem a culpar o rival pelo espraiamento do vírus. Apesar de diferentes teorias circularem em ambos os países, as mais altas autoridades nacionais são cautelosas. O conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, em entrevista recente à rede americana de televisão CNN afirmou que “no momento não há uma resposta definitiva que tenha surgido da comunidade de inteligência sobre esta questão”.

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As postagens em mídias sociais que foram analisadas por esta checagem trazem um tom de sensacionalismo ao se utilizarem única e exclusivamente do título do texto e da marca do veículo de comunicação, com o objetivo de trazer ao artigo opinativo uma relevância de matéria jornalística de um veículo reconhecido.

Além disso, Bereia checou o texto publicado na revista Veja – já que este foi compartilhado pelos perfis de extrema-direita e compunha a mensagem divulgada – e identificou a omissão intencional de informações com o objetivo de construir uma narrativa norteada pela inclinação ideológica da autora. 

O conteúdo checado traz alguma substância verdadeira, mas a maneira escolhida para apresentá-lo o torna enganoso, e portanto se faz necessária uma contextualização para o entendimento total da informação. 

Bereia alerta seus leitores e leitoras para sempre receberem criticamente conteúdo opinativo, que pode ser apoiado, contestado ou rechaçado. Afinal, opinião é a livre expressão de uma ideia sobre alguma coisa, tem caráter subjetivo. Opinião não é informação. Para um conteúdo ser classificado como informação precisa estar ancorado em fatos, contextos, referências objetivas, tais como dados e explicações, todos verificáveis. Se o conteúdo se apresenta como informação mas não tem estes elementos, ou é opinativo, então é desinformação, como as postagens verificadas nesta matéria. 

Referências de checagem:

Veja. https://veja.abril.com.br/coluna/mundialista/teste-da-realidade-virus-saiu-de-laboratorio-e-mascaras-foram-inuteis/ Acesso em: 8 mar 2023

Wall Street Journal. https://www.wsj.com/articles/three-years-late-the-lancet-recognizes-natural-immunity-great-barrington-declaration-tech-censor-antibodies-mandates-b3ba912c Acesso em: 8 mar 2023

BBC. https://www.bbc.com/news/world-us-canada-64819965 Acesso em: 8 mar 2023


Exame. https://exame.com/ciencia/relatorio-confidencial-de-agencia-dos-eua-revela-nova-teoria-sobre-origem-da-covid-19/ Acesso em: 9 mar 2023

Estadão. https://www.estadao.com.br/internacional/origem-do-coronavirus-departamento-de-energia-dos-eua-diz-que-virus-vazou-de-laboratorio-de-wuhan/ Acesso em: 8 mar 2023

Folha de São Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2023/03/polemica-das-mascaras-ciencia-constantemente-e-usada-como-uma-ferramenta-para-proselitismo.shtml Acesso em: 7 mar 2023

Questão de Ciência. https://www.revistaquestaodeciencia.com.br/questao-de-fato/2023/02/17/o-que-sabemos-sobre-eficacia-das-mascaras Acesso em: 8 mar 2023

Cochrane Library.

https://www.cochranelibrary.com/cdsr/doi/10.1002/14651858.CD006207.pub6/full Acesso em: 8 mar 2023

https://www.cochranelibrary.com/cdsr/doi/10.1002/14651858.CD015029/full/pt Acesso em: 8 mar 2023

CNN. https://edition.cnn.com/videos/politics/2023/02/26/covid-origin-wsj-report-national-security-advisor-jake-sullivan-sotu-bash-vpx.cnn Acesso em: 9 mar 2023

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Foto de capa: Getty Images, reprodução de site Veja

Gênero, política e desinformação: as mulheres sob ataque

No Mês da Mulher (a propósito do 8 de março, Dia Internacional da Mulher), temos visto as novas formas de exaltação do feminino por toda parte, mostrando os importantes avanços conquistados. 

No entanto, é central entendermos o quanto há de se lutar ainda nos dias atuais. Hoje, a desinformação ganhou espaço e, quem a produz, tem utilizado o gênero para mentir, forjar e até mesmo manipular os discursos. Como parte de sua estrutura, grupos que promovem desinformação têm criado, quase que diariamente, novas maneiras de fazer circular a atuação das mulheres, ora fazendo juízo de valor, com poucos elogios, ora massacrando as mulheres.

Em 2016, acompanhamos o impeachment da presidente Dilma Rousseff, alvo de um levante que desaguou em sua saída do governo. Tal evento mostrou que há pavor quando uma mulher governa, fala, se coloca e decide, principalmente quando há muitos interesses envolvidos, que tangenciam os privilégios de muitos. 

Em abril de 2016, a revista Carta Capital publicou matéria criticando a reportagem da revista ‘IstoÉ’, que com postura sexista, coroou o momento em que a misoginia mostrava-se (e permanece) como a regra para atacar as mulheres na política. Os termos usados para descrever a presidente variavam de “perda de condições emocionais” a “irascível”. Em contrapartida, a esposa do vice-presidente Michel Temer, Marcela Temer, acumulava elogios e como disseram alguns, só ela já servia como justificativa para a saída de Dilma do governo. 

Como se não bastasse a pressão de governar o país, Dilma Rousseff chegou a receber, de um jornalista o conselho de “fazer mais sexo”, defendendo que esta seria a solução para as supostas crises emocionais de Dilma. 

Em 2020, o Coletivo Bereia publicou um artigo que deu o tom sobre o desafio de pensar as relações de gênero nos âmbitos público e privado. De acordo com o teólogo Leonardo Boff, é relevante dizer que o movimento feminista fez a crítica mais necessária à cultura patriarcal. 

Na chefia do Estado, nos demais cargos públicos, nas Forças Armadas, nas guerras, nas divindades, e nas histórias de heróis, a figura masculina, está e é o principal personagem, do início ao fim. Homens ocupam a vida pública. À mulher, é destinada a casa, refúgio especial onde o patriarcado se fortalece. 

Em 2023, observamos um novo enquadramento. Depois de quatro anos de um governo que promoveu opressão sistemática das mulheres, após as últimas eleições, as mulheres voltam a arena pública, e com isso, novamente tornando-se alvos de novos ataques. Elas estão por toda parte: nas câmaras legislativas, no Senado, no Supremo Tribunal Federal, nos ministérios. Estão ocupando os espaços da vida pública. 

Fonte: Twitter | Elaboração: Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV

No entanto, é preciso acionar a memória e lembrar que quando todo o processo de mudança é visto como um avanço, há também um custo que a história nos mostra, que as mulheres precisam pagar. 

Mulheres na política: gênero em perspectiva

O levantamento realizado pela Escola de Comunicação, Mídia e Informação, da Fundação Getúlio Vargas (ECMI-FGV), que analisou publicações no Twitter, Facebook e Telegram, entre 13 de janeiro e 13 de fevereiro de 2023, mostra, entre outros assuntos, o protagonismo das mulheres na política, evidenciando a tendência da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, e da atual, Rosângela (Janja) Lula da Silva, como possíveis candidatas às eleições presidenciais de 2026. 

Mais do que isso, o levantamento analisou a constituição do que seria o perfil de “mulher ideal” para estar na política, associando a ex-primeira-dama à religiosidade, e simultaneamente, uma pessoa com altas capacidades políticas. Ao contrário, Janja aparece classificada como pouco “refinada” e com baixa influência política.

Fonte: Twitter | Elaboração: Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV

De acordo com o levantamento, “de modo mais lateral, ambas são alvo de críticas generificadas, seja em comentários sobre a prótese mamária de Michelle, seja em postagens sobre as roupas de Janja”.

Fonte: Twitter | Elaboração: Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV

As análises abarcam as ministras Marina Silva (Meio Ambiente), Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) – que aliás, tem sido colocada como antagonista ao presidente nas resoluções financeiras – , Nísia Trindade (Ministério da Saúde), Margareth Menezes (Cultura) e o suposto uso indevido da Lei Rouanet, Luciana Santos (Ciência, Tecnologia e Inovação), acusada de ser aliada do presidente venezuelano Nicolás Maduro. Em maior ou menor medida, os nomes de todas as ministras circulam pelas mídias, ora destacando criticamente suas atuações, ora com o registro de ataques.

Parece que, com o tempo, tudo muda, mas muitas coisas não. O ar que respiramos no fim de 2022 foi de esperança. Esperança para continuar, para lutar, para resistir e para avançar mas, como podemos constatar ainda há muito o que transformar.

Referências:

https://coletivobereia.com.br/o-dia-internacional-da-mulher-nos-desafia-a-pensar/

https://www.cartacapital.com.br/blogs/midiatico/quando-a-misoginia-pauta-as-criticas-ao-governo-dilma

https://lupa.uol.com.br/jornalismo/2023/03/07/posts-misoginos-janja-michelle-bolsonaro

https://a.storyblok.com/f/134103/x/f3555133e0/2023-02-15-ue002_mulheresgovernofederal.pdf?cv=1677852660403

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/12/28/impeachment-de-dilma-rousseff-marca-ano-de-2016-no-congresso-e-no-brasil

**Os artigos da seção Areópago são de responsabilidade de autores e autoras e não refletem, necessariamente, a opinião do Coletivo Bereia.

*** Foto de capa: reprodução site InternetLab

Lideranças evangélicas publicam falsidades sobre a crise humanitária dos Yanomamis

* Matéria atualizada em 24/01/2023 às 12:54 para ajustes de texto e inserção de informações

Bereia recebeu pedido/s de checagem quanto à crise humanitária do povo Yanomami. Após a /divulgação de denúncias  da grave situação de inanição e desnutrição de homens, mulheres e crianças indígenas, uma comitiva liderada pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e os ministros dos Direitos Humanos, da Saúde, dos Povos Originários e da Defesa visitou, em 21 de janeiro, a região dos yanomamis em Roraima.

Apesar dos documentos anteriores (que somaram várias páginas), ações de socorro aos povos da tribo Yanomami abortadas e dos relatos do drama daquelas pessoas, que vieram à tona nos últimos dias, influenciadores evangélicos e simpatizantes do ex-presidente Jair Bolsonaro disseminaram desinformação.  Publicações em mídias digitais passaram a questionar a veracidade das imagens, os dados apresentados, a nacionalidade dos indígenas (com a falsa alegação de que são venezuelanos) e, também, o grau de responsabilidade do governo anterior diante das denúncias de etnocídio e pelas mortes por inanição, que  entre elas mais de 500 crianças. 

Imagem: reprodução do site Poder DF
Imagem: reprodução do Instagram do pastor Ricardo Martins

O Ministério da Saúde instalou o Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública (COE – Yanomami) como mecanismo nacional da gestão coordenada da resposta neste campo. A gestão do COE estará sob responsabilidade da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai/MS), considerando a tipologia da emergência. 

Uma equipe da Força Nacional do Sistema Único de Saúde (SUS) com 13 profissionais instalou um Hospital de Campanha. Outra equipe multidisciplinar com oito profissionais da área de saúde da Aeronáutica (FAB) foi deslocada de Manaus (AM) para a região de Surucucu (a cerca de 270 km a oeste da capital roraimense).  Outra medida é o início do transporte de retorno para as aldeias dos yanomamis sem problemas de saúde e que se encontram na Casa de Saúde Indígena de Boa Vista. 

Por determinação do presidente Lula, os ministros de diversas áreas estão adotando uma série de medidas de enfrentamento à grave crise.

A ação interministerial irá acompanhar de perto a crise sanitária do povo Yanomami, vítima de desnutrição e de outras violações dos direitos humanos – com atenção especial para as ameaças de morte a autoridades, agentes de saúde e indigenistas, já anteriormente denunciadas ao Governo Federal (leia aqui o inteiro teor das denúncias anteriores)

Damares se defende, mas cai em contradição

No campo das denúncias que circulam nas mídias sociais, além de Jair Bolsonaro,  o nome mais citado de autoridades a serem responsabilizadas  é o da ex-ministra e senadora eleita Damares Alves (PL/DF).

Imagem: reprodução do site Yahoo!Notícias
Imagem: reprodução da coluna de Guilherme Amado, no site do jornal O Globo

Imagem: reprodução de tweets do procurador do MPF Mario Bonsaglia relatando a situação com os Yanomamis nos últimos três anos

Com a publicação de matérias jornalísticas que expuseram documentos e ofícios que mostram omissão do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos diante de denúncias da grave situação dos yanomamis, desde 2019, Damares Alves publicou tuítes nos quais alega ter realizado ações a favor dos indígenas, afirmando que os governos anteriores é que provocaram o caos. Tais justificativas, que serão checadas posteriormente pelo Bereia, acabaram contrapondo seus próprios apoiadores e os do governo Bolsonaro que insistiam nas publicações de negação da crise humanitária e da identidade dos yanomamis.

Imagem: reprodução do Twitter do Ministério da Saúde

Na noite de 23 de janeiro, o Ministério da Saúde publicou nota com a afirmação de que é falsa a informação de indígenas encontrados em estado grave não são brasileiros. 

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Bereia verificou serem falsas as publicações que circulam em mídias digitais de lideranças e influenciadores religiosos negadoras da crise humanitária e da própria identidade dos yanomamis brasileiros, habitantes da terra indígena em Roraima. Qualquer publicação neste sentido, além de falsa, é manifestação de desumanidade diante da situação dramática vivida por aquela população.

Referências de checagem:

Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI). https://www.gov.br/funai/pt-br/assuntos/noticias/2023/conheca-as-medidas-de-socorro-aos-yanomami-ja-anunciadas-pelo-governo-federal Acesso em: 23 jan 2023.

Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2197283 Acesso em: 23 jan 2023.

O Globo.
https://oglobo.globo.com/epoca/guilherme-amado/damares-alegou-falta-de-consulta-indigenas-ao-pedir-veto-para-oferta-de-uti-agua-potavel-24632056?versao=amp Acesso em: 23 jan 2023.

Yahoo!Notícias. https://br.noticias.yahoo.com/veto-de-bolsonaro-a-lei-de-protecao-a-indigenas-foi-pedido-de-damares-141323609.html Acesso em: 23 jan 2023.

Twitter.
https://twitter.com/Mario_Bonsaglia/status/1617315163626946560?t=4gdNGTxGwgxuBFU1LO-AYg&s=19 Acesso em: 23 jan 2023.

https://twitter.com/DamaresAlves/status/1617219040535089154?cxt=HHwWhMC8scSJwvEsAAAA Acesso em: 23 jan 2023.

https://twitter.com/minsaude/status/1617648714566471693 Acesso em: 23 jan 2023.

Ministério da Saúde. https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2023/janeiro/ministerio-da-saude-esclarece-que-indigenas-resgatados-no-territorio-yanomami-sao-brasileiros-1 Acesso em: 23 jan 2023.

FERNANDES, Rhuan Muniz Sartore. A epidemia do garimpo ilegal e o avanço da covid-19 na terra indígena Yanomami. Revista Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 7, nº 14, pp. 214-226, maio-agosto de 2021.

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Foto de capa: Ricardo Stuckert/Presidência da República

Matérias da Folha de S. Paulo e de O Globo alimentam desinformação sobre perseguição a igrejas no período pós-eleitoral

Matéria publicada pela Folha de S. Paulo, em 24 de novembro passado, com o título “Lula diz que vai cobrar apoio de evangélicos a vacinas ou responsabilizar igrejas por mortes” foi fonte para uma série de publicações críticas ao presidente eleito em mídias digitais religiosas. 

Imagem: Reprodução do site do jornal Folha de S. Paulo

As publicações, como as reproduzidas a seguir, em sites de notícias gospel e mídias sociais de apoiadores religiosos do atual governo, ganharam tom de terror verbal e deram fôlego ao tema desinformativo mais disseminado durante as eleições, segundo levantamento do Bereia, a “perseguição a cristãos e a igrejas”. 

Imagem: reprodução site Pleno.News

Interface gráfica do usuário, Texto, Aplicativo

Descrição gerada automaticamente
Imagem: reprodução do Twitter, perfil de Damares Alves, 24 nov 2022

Imagem: reprodução do Instagram do senador eleito Magno Malta (PL/ES), 26 nov 2022

A matéria da Folha de S. Paulo

A matéria que serviu de base para nova safra de publicações sobre “perseguição a igrejas”, relata reunião fechada da equipe de saúde do governo de transição com representantes de várias áreas da saúde, em 24 de novembro, em Brasília. Segundo o jornal, a reunião teve formato híbrido e a participação do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se deu por vídeo. 

No relato da Folha de S. Paulo, Lula teria afirmou aos participantes da reunião: “Eu pretendo procurar várias igrejas evangélicas e discutir com o chefe delas: ‘Olha, qual é o comportamento de vocês nessa questão das vacinas?’”. Ele teria dito ainda, segundo o texto: “Ou vamos responsabilizar vocês pela morte das pessoas”.

O presidente eleito ainda teria dito, de acordo com a matéria, que os primeiros cem dias de seu governo terão como foco a recuperação do PNI (Programa Nacional de Imunizações), o aumento da cobertura vacinal e a restauração da confiança da população, que, segundo a avaliação de Lula, foi afetada por fake news sobre o tema. “Vamos ter de agora pegar muita gente que combateu a vacina que vai ter de pedir desculpa”, teria dito o presidente eleito.

A matéria da Folha de S. Paulo relatou ainda que Lula se comprometeu a “enfrentar a burocracia da máquina pública” diante do sofrimento da população na busca de atendimento médico e atender demandas com a questão do autismo. Além destes temas e o da cobertura vacinal, o fortalecimento do Serviço Único de Saúde (SUS) também foi pauta do diálogo com o presidente eleito, segundo o jornal.

A reportagem cita a participação de ex-ministros da Saúde na reunião (Alexandre Padilha, Arthur Chioro, José Gomes Temporão, José Agenor e Humberto Costa, bem como de representantes do Instituto Butantan, da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, da Opas (Organização Pan-Americana da Saúde), da Fiocruz, do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde), do Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde) e ex-chefes de PNI, entre outros órgãos. 

A fala do presidente eleito na reunião fechada durou cinco minutos, foi assistida por algum interlocutor em um notebook, gravada em telefone celular e publicada em link da TV UOL. O link está inserido na matéria da Folha de S. Paulo. A menção às igrejas evangélicas foi uma parcela do total da exposição de Lula que durou 38 segundos.

Reações e novo destaque no noticiário

O destaque do jornal Folha de S. Paulo à parcela da fala do presidente que mencionou as igrejas provocou publicações críticas, como as citadas acima, e notas públicas de organizações evangélicas. A Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) publicou nota de repúdio à fala de Lula na reunião fechada, em 25 de novembro, com base na matéria do jornal. 

Segundo a nota da Anajure, o repúdio refere-se ao fato de Lula, “ao generalizar o segmento evangélico, desconsidera os múltiplos exemplos de colaboração de interesse público ocorridos na pandemia e na sociedade brasileira, afastando-se da via adequada para os debates acerca da vacinação com as entidades religiosas e o público em geral, qual seja, o do consentimento informado”. 

A Anajure afirma na nota que “tal perspectiva, que aposta num consentimento informado, colide com discursos excludentes que, próximos da ameaça, terminam por se mostrar contraproducentes”.

A Frente Parlamentar Evangélica também publicou nota de repúdio, assinada pelo presidente, o deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL/RJ), também em 25 de novembro. No texto, a FPE se coloca “em defesa de todos os Evangélicos do Brasil” para repudiar a fala de Lula. Segundo o texto, “ao complementar a fala LULA disse que vai ‘pegar muita gente’ demonstrando claro intuito de perseguir preconceituosamente à comunidade Evangélica, visto que não se referiu a nenhuma outra organização religiosa, sindical e ou a qualquer outro segmento da sociedade que defende a ampla liberdade de escolha de seus integrantes”.

A FPE, mantendo a postura de oposição ao presidente eleito com uso do terror verbal, ainda afirma na nota que: “Discursos como esse reforçam a necessidade de continuarmos conclamando nossa sociedade a refletir sobre os fundamentos e os princípios que nortearão a República, caso Lula assuma e permaneça na presidente, eis que tal fala conduz o país ao temeroso caminho da discriminação, preconceito e intolerância religiosa, especificamente contra os Evangélicos”.

O jornal O Globo repercutiu o caso, na mesma direção da Folha de S. Paulo, e publicou, em 26 de novembro, matéria com o título “Pastores e bancada evangélica reagem a cobrança de Lula sobre vacina”. 

Imagem: reprodução de O Globo, 26 nov 2022

Para o conteúdo, o jornal fez uso de um vídeo publicado em mídias sociais, pelo pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia, no qual ele critica o Partido dos Trabalhadores (PT) e afirma que o presidente eleito tem “preconceito com a igreja evangélica”.

O Globo ainda transforma em notícia um extrato da gravação do pastor Malafaia em que ele ataca o presidente eleito e o Supremo Tribunal Federal de forma grosseira: “Que moral o Lula tem para cobrar alguma coisa? Vai lavar essa sua boca de cachaça. você só está aí porque tem amiguinho no STF (Supremo Tribunal Federal) que liberou você. Você foi condenado em todas as instâncias por corrupção. Quero ver que líder evangélico que vai receber esse crápula”.

Além de Silas Malafaia, os pastores ouvidos por O Globo, críticos à fala de Lula, foram os deputados federais vinculados às Assembleias de Deus, apoiadores da reeleição de Jair Bolsonaro, Sóstenes Cavalcate, Otoni de Paula (MDB/RJ) e Marco Feliciano (PL/SP). Um deputado federal pastor foi ouvido “em contraponto”, Davi Soares (União/SP), da Igreja Internacional da Graça de Deus, que, segundo a matéria, afirmou que “sua igreja ‘é 100% a favor da imunização’ e que tomou quatro doses da vacina contra a Covid-19”. O pastor e deputado apoiador do atual governo, declarou à reportagem ter as portas abertas ao diálogo com Lula: “O presidente, tendo contato com as lideranças das igrejas, verá que apoiamos a vacinação por completo. Tomara que ele as procure”.

O tom da reunião da equipe de transição 

Para compreender o contexto da fala do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva na reunião com o Grupo de Trabalho em Saúde da equipe de transição para o novo governo, Bereia ouviu a pesquisadora da Fiocruz e ex-presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS) Dra. Socorro Souza. Ela integra o GT como representante da diversidade regional, racial e de gênero na área da saúde. 

Socorro Souza avalia que a matéria da Folha de S. Paulo cobre “incorretamente ou insuficientemente alguns dos importantes pontos abordados na reunião; que não somente a fala do presidente eleito”.   A ex-presidente da CNS relata que foi tratado o relevante tema da defasagem no orçamento da saúde decorrente do teto de gastos, superior aos 22,7 bilhões  anunciados. Segundo ela “este valor a ser recomposto resulta da aplicação da Lei 141/2012, que determina à União aplicar o valor do ano anterior somado à variação do PIB. Algo que se aproxima de 10% da receita corrente líquida da União”. 

Sobre a vacina e o Plano Nacional de Imunização (PNI), Socorro Souza explica que “o presidente iniciou sua fala referindo-se à importância de se falar com a sociedade, as famílias e o povo (e não somente os evangélicos) para que possam voltar a acreditar na eficácia das vacinas, e não mais nas ‘brincadeiras’ ditas pelo atual governo”.  

A pesquisadora acrescenta que Lula “fez elogios aos trabalhadores da saúde e afirmou que quer que o trabalhador tenha qualidade de vida. Que vai procurar conversar com líderes religiosos (das igrejas)”. Socorro Souza acrescenta que o presidente eleito “mencionou, neste contexto, a responsabilidade sanitária de autoridades. Sobre responsabilidade por mortes, a referência foi feita a Bolsonaro, atual Presidente da República”.

A ex-presidente do CNS ouvida pelo Bereia, reitera a fala do ex-ministro da Saúde Arthur Chioro, citada na matéria da Folha de S. Paulo, que, segundo ela, “contextualiza e usa palavras que retraram o exato sentido dos conteúdos abordados na reunião”. Ela se refere ao trecho da reportagem que cita a afirmação de Chioro: “Muito bom saber que nós temos um presidente que participa da reunião com a sociedade de especialistas e que se compromete [com a pauta]. O Brasil vai contar com o presidente da República liderando a retomada do nosso Programa Nacional de Imunização e do enfrentamento da pandemia”.

A fala de Lula na reunião (transcrição em blocos de assuntos):

00:00 a 1:30 (um minuto e meio): Primeiro, eu estou muito feliz com a reunião. Era exatamente este tipo de discussão que eu queria ouvir. E estou mais preocupado é como vocês vão sistematizar toda esta história. O dado concreto, gente, é que vou sair agora e só queria dizer o seguinte. Nós vamos ter que tratar neste mandato na saúde tentando vencer um pouco a burocracia na máquina pública. Você foi ministro, Padilha foi ministro, Humberto foi ministro, Temporão foi ministro, e sabe como às vezes a máquina emperra, a máquina não anda. Às vezes um burocrata faz e não faz, nós vamos ter que tentar lidar com isto porque todo o nosso lema, além da saúde de qualidade é a gente tentar atender este povo, povo está muito sofrido. Consegue até ir a Upa depois não consegue mais nada. O povo fica esperando, esperando e a gente não pode deixar isto. 

1:31-2:09 (38 segundos): A gente não pode, de forma precipitada, achar que a gente anunciar vacina, o povo vai tomar. Não. O povo tem que ser convencido outra vez da eficácia da vacina, e nós vamos ter agora que pegar muita gente que combateu a vacina, que vai ter que pedir desculpa. Eu, pelo menos, pretendo procurar várias igrejas evangélicas e discutir com o chefe deles o seguinte: ‘Qual é o comportamento de vocês nessa questão da vacina?’ Ou nós vamos responsabilizar vocês pelas mortes das pessoas.

2:10-2:19 (nove segundos): Outra coisa que me preocupa é que temos que levar médicos para o interior longínquo, para aqueles lugares que ninguém quer ir.

2:20-2:49 (29 segundos):  Estamos com um desafio muito grande. Nós temos que tentar fazer. Neste ano, eu tenho desejo de fazer neste ano tudo o que eu não fiz em oito anos. A gente não conseguiu fazer porque não conseguiu, não tinha expertise para fazer. Hoje nós temos muita gente com expertise, temos aí cinco ministros, muita gente com expertise para ajudar. 

2:50-3:00 (10 segundos): Nos próximos dias eu vou passar a escolher o ministério e qualquer ministro da saúde, da educação, vai ter uma gama de gente para ajudar, não para atrapalhar. 

3:01-3:36 (35 segundos): A saúde para mim é uma coisa muito dura porque a gente ouve no palanque, quando a gente desce do palanque, as pessoas que vêm abraçar a gente, muitas vezes, vêm pedir coisas, e uma coisa que me assusta é a preocupação com o autismo. Você não tem noção, Chioro, quantas pessoas no palanque falavam ‘Lula, faz alguma coisa pelo autismo, eu tenho um filho autista”. É uma coisa que eu nem me dava conta. 

3:37-4:16 (39 segundos): nós precisamos voltar a ter uma medicina humanizada, qualificada e funcional. Esta é a ideia básica e por isso é que eu estou gostando da reunião. Esta reunião serve de base para a gente ter um bom começo de mandato. Eu não posso estar anunciando algumas coisas e esperar três meses para começar. Tem que ser logo. Por exemplo, farmácia Popular, estas coisas, nós vamos ter que dar de bico, e começar a ganhar este jogo. 

4:17-5:00 (43 segundos): eu queria só agradecer. Padilha, a Janja acha que eu estou falando demais, eu queria agradecer [comentários]. Espero que vocês vão ter um relatório disto que eu gostaria de receber – está gravando, né Padilha? Eu quero receber tudo. Vocês vão ficar até que horas? [comentários]. Se eu puder eu entro um pouco à noite. Muito obrigado.

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Bereia classifica as matérias da Folha de S. Paulo e de O Globo como imprecisas. Os veículos de notícias desinformam com imprecisão em vários elementos.

A Folha de S. Paulo promove desinformação ao dar destaque à menção de 38 segundos sobre as igrejas evangélicas na fala do presidente eleito, sem contextualizá-la, no que dizia respeito ao tratamento do tema do Plano Nacional de Imunização, colocado na reunião como uma das prioridades para o novo governo na área da saúde.  O papel das igrejas evangélicas não foi o tema central da reunião e nem da fala de cinco minutos de Lula, que teve oito blocos temáticos, como se pode observar na transcrição oferecida pelo Bereia nesta matéria. 

A desinformação, produzida por extrato de material de reunião fechada da equipe com a participação do presidente eleito, destacada no título da matéria (muitas vezes, o único conteúdo lido pelo público), induz à compreensão de um destaque às igrejas evangélicas que não ocorreu. A opção do jornal por uma hierarquização temática, que provocou reações entre os evangélicos, citados brevemente na reunião, leva à conclusão de ter ocorrido uma deliberada alimentação da tensão já existente com o presidente eleito desde o período eleitoral, com a suposta ameaça de perseguição a igrejas em futuro governo de esquerda.

Isto se reflete na forma como as reações se deram em publicações de indivíduos e de mídias religiosas apoiadores do atual governo e nas notas públicas de organizações ligadas ao segmento evangélico. Elas reacenderam o tema desinformativo da “perseguição a igrejas” como usado na campanha eleitoral de oposição à candidatura de Lula. 

A ação desinformativa da Folha de S. Paulo se estende na matéria de O Globo, que repercute várias reações críticas de líderes evangélicos, a maioria políticos de oposição ao presidente eleito. O jornal chega a publicar um ataque grosseiro a Lula, em vídeo publicado na internet, que atinge também o STF e faz uso de mentiras, sem informação que ofereça contraposição. 

A reportagem de O Globo ouviu apenas um deputado federal pastor “em contraponto” e desconsiderou outros que teriam relevância para o tema, como lideranças fora do campo político, que pudessem opinar sobre uma possível cobrança de apoio das igrejas em relação à vacinação.

A desinformação se configura ainda no fato de que nem a Folha de S. Paulo nem O Globo recuperaram o papel exercido por diferentes lideranças evangélicas no contexto da pandemia de covid-19 para se verificar a pertinência de uma “responsabilização” em relação a “comportamento em relação a vacinas” da parte do futuro governo. Estes veículos de notícias também não buscaram informação dos participantes da equipe de transição sobre o porquê da menção de igrejas evangélicas pelo presidente eleito quando o tema tratado foram as vacinas.

Referências de checagem:

TV UOL. https://tvuol.uol.com.br/video/lula-participa-de-reuniao-online-com-grupo-tematico-de-saude-na-transicao-04028C183072C4897326. Acesso em 28 nov 2022.

Anajure. https://anajure.org.br/nota-publica-sobre-fala-de-lula-quanto-a-responsabilizacao-de-igrejas-evangelicas-em-relacao-a-vacinacao/. Acesso em 28 nov 2022.

Frente Parlamentar Evangélica. https://www.facebook.com/fparlamentarevangelica/posts/pfbid02uft5L2zjkaTD9fnfgS95NdKuxrvPFssrqVBsRQ4xJA9jJaX3uqDEKonbdya3cJ8Vl. Acesso em 28 nov 2022.

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Foto de capa: Pexels

Sites evangélicos desinformam ao endossar suposta fraude eleitoral denunciada por influencer argentino

Sites como PlenoNews, Gospel Mais e Gospel Prime divulgaram em 4 de novembro um relatório que seria uma prova contumaz de fraudes nas eleições brasileiras para a Presidência da República, cujo segundo turno foi realizado em de outubro e elegeu o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para mais um mandato como presidente do Brasil. 

A “auditoria” teria sido realizada por iniciativa privada de brasileiros e teria gerado um dossiê apócrifo de 70 páginas, enviado por uma pessoa não identificada ao dono do canal “La Derecha Diario”,  o argentino Fernando Cerimedo.  A apresentação foi feita em uma live transmitida por Cerimedo no YouTube e no Twitch no mesmo dia da publicação dos sites.  A transmissão foi derrubada pelo YouTube, e o canal não está mais disponível no Brasil, por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Imagem: reprodução do site Gospel Prime

Imagem: reprodução do site Gospel Mais

Imagem: reprodução do site Pleno News

Imagem: reprodução do site do jornal O Globo

O principal argumento apresentado na live afirma que cinco modelos antigos de urnas eletrônicas (UE2015, UE2013, UE2011, UE2010 e UE2009) usadas na eleição deste ano registraram mais votos para Lula (PT) do que para Bolsonaro (PL). Esses modelos, diz o dossiê, não teriam sido submetidos a testes de segurança. Ainda de acordo com o documento, apenas a urna UE2020 teria passado pelo crivo de peritos de universidades federais e das Forças Armadas. Essa informação, entretanto, é falsa porque todos os modelos de urna eletrônica já foram submetidos a testes, de acordo com o Superior Tribunal Eleitoral. Além disso, Cerimedo alega que há divergências entre os arquivos de log (registro de eventos) entre urnas do mesmo modelo. Em mensagem que circula no WhatsApp, apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) usam as alegações do marqueteiro argentino para espalhar mais informações falsas sobre o resultado do pleito 2022. 

Imagem: reprodução de mensagem no WhatsApp

Imagem: reprodução de site do TSE

As desinformações, ponto a ponto

O TSE e especialistas em segurança do voto, como o cientista de Dados. PHD em Quantum Computation, Tiago Batalhão, contestaram as informações do documento, e observaram inúmeras incongruências no relatório apresentado.

O argentino alega que recebeu dados de uma auditoria privada do Brasil, no entanto, não revela o nome do grupo ou empresa que levantou as informações. “Essa informação chegou em nossas mãos a menos de 72 horas e foi realizada por parte de pessoas privadas no Brasil que registraram anomalias em diferentes estados do Brasil”, afirma Cerimedo na live em que apresentou sua teoria. O vídeo com dados distorcidos foi assistido por mais de 400 mil pessoas, e foi amplamente divulgado entre aliados do presidente Bolsonaro, derrotado no pleito.

Tiago Batalhão rebate cada uma das alegações dispostas no relatório. “Ele (Cerimedo) comenta que ‘Modelos não-2020 têm ângulo fixo ‘máximo’, do qual os votos do Bolsonaro ou do Lula ‘não podem passar’. Obviamente, a soma dos votos de Bolsonaro e de Lula não podem passar do número de eleitores aptos a votar naquela urna”, explica Tiago em uma série de tuítes para esclarecer cada “denúncia” apontada na live. “Na minha opinião, isso já enfraquece bem o relatório, coloca uma dúvida sobre a capacidade técnica de quem fez. Porque ele trata como grande escândalo algo que na verdade é bem trivial”, argumenta.

Outro ponto rebatido por Batalhão é a homogeneidade da população apurada. O argentino alega que em uma mesma região homogênea, que deveria ter votos semelhantes, Bolsonaro fica 11% mais abaixo se comparar máquinas antigas com os votos nas máquinas novas. De acordo com o  cientista de dados, o relatório exclui as capitais, mas não as cidades próximas às capitais. “No interior dos estados do Nordeste, há poucas urnas novas (modelo 2020), com exceção de algumas regiões de Bahia e Piauí (ao redor da capital, a única que não fica no litoral), já era sabido desde antes que o Lula tinha um desempenho muito bom no interior do Nordeste e nem tanto assim no litoral. A votação maior do Lula nas urnas antigas parece fácil de entender ao olhar o mapa e ver que o litoral tinha urnas novas e o interior ficou com as antigas”. 

Imagem: reprodução do Twitter

As urnas com zero voto para Bolsonaro… e para Lula

Cerimedo levantou mais uma questão: o fato de haver urnas com zero voto para Bolsonaro. É fato que existem urnas com zero voto para o candidato do PL, mas há também para Lula. De acordo com o TSE, a predominância de votos para um dos candidatos não é indício de fraude eleitoral. A situação é comum e já ocorreu em eleições anteriores. “Foram apenas 144 urnas (com votos apenas em Lula), o que corresponde a 0,02% de todas as urnas utilizadas nessas eleições”, afirma o TSE em sua conta oficial no Twitter. O candidato do PL, Jair Bolsonaro, por sua vez, foi unanimidade em quatro seções eleitorais.

Os docentes do Laboratório de Arquitetura e Redes de Computadores (Larc) do Departamento de Engenharia de Computação e Sistemas Digitais da Escola Politécnica (Poli) da USP Wilson Ruggiero e Marcos Simplicio, também rebateram as desinformações veiculadas por Cerimedo.

Imagem: reprodução do Twitter
Imagem: reprodução do site do TSE

Quem é Fernando Cerimedo?

Fernando Cerimedo é estrategista, consultor especializado em marketing digital e político,  dono de diversos canais ligados à direita argentina e responsável pelo canal “La Derecha Diário” no YouTube, onde a live com as supostas fraudes foi transmitida. Cerimedo é apoiador declarado da família Bolsonaro e alega ter ajudado na campanha do presidente em 2018. O argentino teria se encontrado com o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) pouco antes do segundo turno deste ano.

Na live de 4 de novembro, Cerimedo diz que recebeu os documentos que comprovariam a fraude do Brasil, mas que não tinha qualquer relação com a família Bolsonaro. No entanto, nas mídias sociais, ele se mostra um apoiador convicto do clã, engajado durante todo o processo eleitoral em prol do presidente.

Imagem: reprodução do Instagram

Imagem: reprodução do Twitter

O que diz o TSE?

Leia parte da nota divulgada pelo TSE diante da divulgação das falsidades sobre as urnas:

Diferentemente do que foi dito, não é verdade que os modelos anteriores das urnas eletrônicas não passaram por procedimentos de auditoria e fiscalização. Os equipamentos antigos já estão em uso desde 2010 (para as urnas modelo 2009 e 2010) e todos foram utilizadas nas Eleições 2018. Nesse período, esses modelos de urna já foram submetidos a diversas análises e auditorias, tais como a Auditoria Especial do PSDB em 2015 e cinco edições do Teste Público de Segurança (2012, 2016, 2017, 2019 e 2021).

As urnas eletrônicas modelo 2020, que ainda não estavam prontas no período de realização do TPS 2021, foram testadas pelo Laboratório de Arquitetura e Redes de Computadores (Larc) da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (EP-USP), além de ter o conjunto de softwares avaliado também pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Nas três avaliações, não foi encontrada nenhuma fragilidade ou mesmo indício de vulnerabilidade.

É importante ressaltar que o software em uso nos equipamentos antigos é o mesmo empregado nos equipamentos mais novos (UE2020), cujo sistema foi amplamente aberto para auditoria dentro e fora do TSE desde 2021. A urna eletrônica é um hardware, ou seja, um aparelho. O que realmente importa é o que funciona dentro dela: o programa que ficou disponível para inspeção durante um ano, foi assinado digitalmente e lacrado em cerimônia pública com participação das entidades fiscalizadoras, como Ministério Público, Polícia Federal, Controladoria-Geral da União e Ordem dos Advogados do Brasil, por exemplo.

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Bereia classifica que as informações divulgadas pelos sites evangélicos Gospel Mais, Pleno News e Gospel Prime são falsas. Os veículos desinformam ao sugerir que houve fraude nas urnas eletrônicas usando como base apenas informações falsas divulgadas por um suposto dossiê do qual não se conhece nem mesmo a autoria. O site Pleno News, no entanto, sem retirar o conteúdo falso publicado em 4 de novembro, atualizou em 7 de novembro a matéria, acrescentando a nota do TSE que desmente e contradiz as informações divulgadas pelo influencer argentino em seu canal “La Derecha Diario”. 

Referências de checagem:

Twitter.

https://twitter.com/GuedinhoeFans/status/1588991759010648064?t=s9sjsnas19jY6MDT_c5kuw&s=19 Acesso em 11 nov 2022

https://twitter.com/tiagobbatalhao/status/1589337528888614912?t=FYZPcMpidakAhXxabZojCg&s=19 Acesso em 11 nov 2022

https://threadreaderapp.com/thread/1589337528888614912.html Acesso em 11 nov 2022

https://twitter.com/tiagobbatalhao/status/1590102202445574146 Acesso em 11 nov 2022

https://twitter.com/TSEjusbr/status/1591158822529368065 Acesso em 11 nov 2022

TSE.

https://www.justicaeleitoral.jus.br/fato-ou-boato/checagens/todos-os-equipamentos-utilizados-nas-eleicoes-gerais-de-2022-passaram-por-auditoria/# Acesso em 11 nov 2022

https://www.justicaeleitoral.jus.br/fato-ou-boato/checagens/predominancia-de-votos-para-um-dos-candidatos-nao-e-indicio-de-fraude-eleitoral/# Acesso em 11 nov 2022

https://www.justicaeleitoral.jus.br/fato-ou-boato/checagens/predominancia-de-votos-para-um-dos-candidatos-nao-e-indicio-de-fraude-eleitoral/#  Acesso em 11 nov 2022

Estado de Minas.

https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2022/11/05/interna_politica,1417735/quem-e-fernando-cerimedo-argentino-que-fez-live-com-mentiras-sobre-urnas.shtml Acesso em 11 nov 2022

Metropoles.

https://www.metropoles.com/brasil/tse-desmente-suspeita-de-fraude-nas-urnas-citada-por-canal-argentino Acesso em 11 nov 2022

USP. 

https://jornal.usp.br/atualidades/professores-da-usp-rebatem-informacoes-falsas-a-respeito-das-urnas-eletronicas/ Acesso em 17nov 2022

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Imagem de capa: frame de live no YouTube, reproduzido em sites evangélicos

Pânico moral sobre “ideologia de gênero”, aborto, erotização de crianças e defesa da família é usado para disputa eleitoral com base em desinformação

Na disputa político-eleitoral de 2022, o principal embate é travado no território da da linguagem. Uma das estratégias mais utilizadas neste conflito informacional é o pânico moral e o ataque à cognição (a forma de raciocínio e assimilação de conteúdo) dos eleitores via mídias sociais. Nas diversas declarações e notícias checadas pelo Bereia em processos eleitorais, temas como “ideologia de gênero”, aborto, erotização de crianças e defesa da “família tradicional” são temas recorrentes. 

O pânico moral pode ser compreendido “numa acepção mais abrangente, como o consenso, partilhado por um número substancial de membros de uma sociedade, de que determinada categoria de indivíduos estaria ameaçando a estrutura social e a ordem moral”. Esta ideia é explicada pelo professor associado de Direito Civil da UFMG César Fiúza e da doutora em Direito Privado pela PUC-MG, Luciana Poli.

Na guerra de discursos pela internet, este estado de pânico é desencadeado com terror verbal com falsas acusações a líderes políticos, partidos e formadores de opinião que não partilham das mesmas opiniões ou são uma ameaça à hegemonia dos grupos que estão atualmente no poder. 

A recente declaração em vídeo da ex-ministra de Estado e senadora eleita  Damares Alves sobre as criancinhas que teriam seus dentes arrancados por pedófilos, sob investigação do Ministério Público, segue uma cartilha já conhecida e bastante utilizada pela senadora eleita: falta de fontes ou provas; combinação e reconfiguração de temas anteriormente explorados; forte apelo à emoção e a fé; discurso exaltado; inimigo a ser combatido.

Segue uma seleção as checagens do Bereia sobre  declarações, publicações e mensagens que exploraram o pânico moral e  “viralizaram” nas mídias sociais religiosas:

Fake news sobre livro de educação sexual infantil nas escolas volta a circular – https://coletivobereia.com.br/fake-news-sobre-livro-de-educacao-sexual-infantil-nas-escolas-volta-a-circular/ 

Em vídeo que volta a circular, ministra propaga pânico sobre erotização em desenhos animados e universidades  – https://coletivobereia.com.br/em-video-que-volta-a-circular-ministra-propaga-panico-sobre-erotizacao-em-desenhos-animados-e-universidades/ 

Ministra Cármen Lucia é acusada em mídias digitais de assinar carta pró-aborto  – https://coletivobereia.com.br/ministra-carmen-lucia-teria-assinado-carta-pro-aborto/

Site religioso afirma que LEGO vai lançar brinquedos com “ideologia de gênero” – https://coletivobereia.com.br/site-religioso-afirma-que-lego-vai-lancar-brinquedos-com-ideologia-de-genero/ 

Site gospel repercute afirmação falsa de Bolsonaro contra STF e ministro Barroso – https://coletivobereia.com.br/site-gospel-repercute-afirmacao-falsa-de-bolsonaro-contra-stf-e-ministro-barroso/ 

Site evangélico diz que pediatra defende masturbação infantil – https://coletivobereia.com.br/site-evangelico-diz-que-pediatra-defende-masturbacao-infantil/ 

Deputado afirma que cartilha de escola em Palmas promove “ideologia de gênero” – https://coletivobereia.com.br/deputado-afirma-que-cartilha-de-escola-em-palmas-promove-ideologia-de-genero/ 

Unicef é contra pornografia para crianças: portais desinformam com interpretação distorcida de estudo do organismo – https://coletivobereia.com.br/unicef-e-contra-pornografia-para-criancas-portais-desinformam-com-interpretacao-distorcida-de-estudo-do-organismo/ 

Portais de notícias religiosas desinformam quanto a suposto projeto comunista para crianças.
https://coletivobereia.com.br/portais-de-noticias-religiosas-desinformam-quanto-a-suposto-projeto-comunista-para-criancas/

Mensagem anônima que circula em mídias sociais usa pânico moral contra partidos de esquerda
https://coletivobereia.com.br/mensagem-anonima-panicomoral/

As mentiras que circulam em ambientes religiosos no Brasil
https://coletivobereia.com.br/as-mentiras-que-circulam-em-ambientes-religiosos-no-brasil/

Referências de checagem:

CUNHA, Magali do Nascimento. Do púlpito às mídias sociais: Evangélicos na política e ativismo digital. Curitiba: Prismas, 2017.

Carta Capital. Artigo: Evangélicos foram alvo privilegiado de mentiras na campanha do 1º turno; veja as principais. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/blogs/dialogos-da-fe/evangelicos-foram-alvo-privilegiado-de-mentiras-na-campanha-do-1o-turno-veja-as-principais/ Acesso em 17 OUT 2022

Artigo. Direitos políticos, liberdade de expressão e discurso de ódio. Volume V – organização de Rodolfo Viana Pereira – Brasília: IBRADEP, 2022. Disponível em: https://abradep.org/wp-content/uploads/2022/06/Direitos-Politicos-Liberdade-de-Expressao-e-Discurso-de-Odio-volume-V.pdf#page=171 Acesso em 17 OUT 2022

Artigo. FIÚZA, Cesar e POLI, Luciana Costa. Famílias Plurais o Direito Fundamental à Família. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, n. 67, 2015, p. 151-180. Disponível em: https://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/1730-3302-1-sm.pdf Acesso em 17 OUT 2022

G1. https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2022/10/17/termina-nesta-segunda-feira-prazo-para-ministerio-dar-explicacoes-a-procuradoria-do-mpf-apos-relatos-de-damares-sobre-supostas-torturas-contra-criancas-no-marajo.ghtml Acesso em 17 OUT 2022

Revista Questão de Ciência. 

https://revistaquestaodeciencia.com.br/index.php/apocalipse-now/2018/12/05/ameaca-nossos-filhos-cuidado-com-o-panico-moral Acesso em 17 OUT 2022

JN.

https://www.jn.pt/opiniao/david-pontes/panico-moral-6234400.html Acesso em 17 OUT 2022

Uol.

https://noticias.uol.com.br/colunas/carlos-madeiro/2022/08/29/panico-moral-como-ala-evangelica-pro-bolsonaro-cresce-e-domina-as-redes.htm Acesso em 17 OUT 2022

Poder 360.

https://www.poder360.com.br/poderdata/poderdatacast-29-bolsonaro-deve-acionar-panico-moral-em-eleicoes/ Acesso em 17 OUT 2022

Ponte.

https://ponte.org/artigo-bolsonaro-e-o-panico-moral/ Acesso em 17 OUT 2022

Revista Eletrônica Internacional de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura.

https://brapci.inf.br/index.php/res/v/158606 Acesso em 17 OUT 2022

Fundação Maurício Grabois.https://grabois.org.br/2022/08/26/o-retorno-do-panico-moral-na-disputa-pelo-voto-evangelico/ Acesso em 17 OUT 2022

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Foto de capa: Pexels/Samer Daboul

Supostos feitos de Jair Bolsonaro configuram um dos temas com mais desinformação em espaços religiosos

Levantamento do Bereia a partir de suas checagens no período eleitoral iniciado em 2021 até o primeiro turno realizado em 2 de outubro passado, mostra que supostos feitos do governo Jair Bolsonaro estiveram entre os temas com mais conteúdo falso e enganoso circulante em espaços digitais religiosos. 

Desde 2019 circulam diversos conteúdos desinformativos em mídias e meios religiosos a respeito de realizações do governo de Jair Bolsonaro. Desde execução de obras públicas à gestão da pandemia, passando pela criação de mecanismos financeiros como o Pix, foram várias falsidades publicadas a respeito de ações do Poder Executivo.

Pronunciamentos do presidente da República em eventos ou à imprensa contendo desinformação também foram reproduzidos nos meios religiosos. 

Bereia oferece aqui uma seleção de checagens sobre supostos feitos de Jair Bolsonaro no comando da nação:

Realizações do governo

Vídeo atribui a Bolsonaro obras em estradas no MT feitas também por outros governos
https://coletivobereia.com.br/video-atribui-a-bolsonaro-obras-em-estradas-no-mt-feitas-tambem-por-outros-governos/

É enganoso que trecho de ferrovia em GO seja obra do governo Bolsonaro
https://coletivobereia.com.br/e-enganoso-que-trecho-de-ferrovia-em-go-seja-obra-do-governo-bolsonaro/

Mídias religiosas repercutem afirmação de Bolsonaro de que acabou com o Movimento Sem Terra
https://coletivobereia.com.br/midias-religiosas-repercutem-afirmacao-de-bolsonaro-de-que-acabou-com-o-movimento-sem-terra/

Apoiadores do governo mentem sobre Pix ser de Bolsonaro, causar prejuízo a bancos e ser ameaçado por Lula
https://coletivobereia.com.br/apoiadores-do-governo-mentem-sobre-pix-ser-de-bolsonaro-causar-prejuizo-a-bancos-e-ser-ameacado-por-lula/

Presidente Jair Bolsonaro não criou lei que transformou o 31 de Outubro de Dia das Bruxas em Dia do Evangelho
https://coletivobereia.com.br/presidente-jair-bolsonaro-nao-criou-lei-que-transformou-o-31-de-outubro-de-dia-das-bruxas-em-dia-do-evangelho/

Deputado da Bancada Evangélica afirma que apenas Bolsonaro comprou vacinas
https://coletivobereia.com.br/deputado-da-bancada-evangelica-afirma-que-apenas-bolsonaro-comprou-vacinas/

Governo Bolsonaro não criou cinco universidades federais
https://coletivobereia.com.br/governo-de-jair-bolsonaro-nao-criou-cinco-universidades-federais/

É verdade que Bolsonaro interfere na Receita Federal para tentar beneficiar igrejas
https://coletivobereia.com.br/e-verdade-que-bolsonaro-interfere-na-receita-federal-para-tentar-beneficiar-igrejas/

Ministro apresenta números descontextualizados sobre redução de violência no país em 2021
https://coletivobereia.com.br/ministro-apresenta-numeros-descontextualizados-sobre-reducao-de-violencia-no-pais-em-2021/

É falso que ‘novo presidente’ da Petrobras tenha demitido 300 funcionários da companhia
https://coletivobereia.com.br/e-falso-que-novo-presidente-da-petrobras-tenha-demitido-300-funcionarios-da-companhia/

Vídeo engana ao comparar dois trechos diferentes da Transamazônica para elogiar governo Bolsonaro
https://coletivobereia.com.br/video-engana-ao-comparar-dois-trechos-diferentes-da-transamazonica-para-elogiar-governo-bolsonaro/

Deputado Pastor Marco Feliciano infla lucro das estatais
https://coletivobereia.com.br/deputado-pastor-marco-feliciano-infla-lucro-das-estatais/

Pastor e deputado Marco Feliciano desinforma ao falar de inflação
https://coletivobereia.com.br/pastor-e-deputado-marco-feliciano-desinforma-ao-falar-de-inflacao/

Diretor da OMS elogia gestão brasileira no andamento da vacinação, segundo deputado evangélico
https://coletivobereia.com.br/diretor-da-oms-elogia-gestao-brasileira-no-andamento-da-vacinacao-segundo-deputado-evangelico/

PIB não cresceu 20% em 2019 e fala de Senador Humberto Costa ainda será avaliada
https://coletivobereia.com.br/pib-nao-cresceu-20-em-2019-e-fala-de-senador-humberto-costa-ainda-sera-avaliada/

Tweets de Onyx Lorenzoni enganam sobre enfrentamento da pandemia e CPI da covid-19
https://coletivobereia.com.br/tweets-de-onyx-lorenzoni-enganam-sobre-enfrentamento-da-pandemia-e-cpi-da-covid-19/

Pronunciamentos do presidente

Bolsonaro distorce informações na Cúpula do Clima
https://coletivobereia.com.br/bolsonaro-distorce-informacoes-na-cupula-do-clima/

Bolsonaro repete mentiras em pronunciamento com tom religioso
https://coletivobereia.com.br/bolsonaro-repete-mentiras-em-pronunciamento-com-tom-religioso/

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Foto de capa: Antônio Cruz/Agência Brasil

Bereia assina nota pública sobre desinformação eleitoral

Desde o início do segundo turno das eleições presidenciais as mídias sociais foram inundadas de conteúdos falsos. Como parte do nosso compromisso com a verdade nas redes, o Bereia assina a Nota Pública sobre Desinformação Eleitoral, elaborada pela Rede Nacional de Combate à Desinformação (RNCD) e apoiada por instituições, empresas de comunicação, coletivos, grupos e núcleos de pesquisas e demais atores da área de comunicação.

A Rede cobra das plataformas de mídias o enfrentamento à desinformação, ao discurso de ódio e à violência política. Segundo a nota, o movimento Democracia Pede Socorro “já apontava a fragilidade do cenário eleitoral, além disso, o próprio Tribunal Superior Eleitoral-TSE e inúmeras organizações publicaram relatórios, debateram o papel das plataformas e apontaram como poderiam atuar para minimizar os efeitos nocivos da circulação em grande quantidade e velocidade de mensagens com desinformação”.

Leia a nota na íntegra: 

NOTA PÚBLICA SOBRE DESINFORMAÇÃO ELEITORAL

Plataformas digitais devem coibir a desinformação eleitoral urgentemente

Canais diretos e agilidade nas respostas são caminhos possíveis para um segundo turno mais saudável e com enfrentamento real à desinformação. 

Em menos de 48 horas após o resultado eleitoral do primeiro turno das eleições de 2022 nos deparamos com um cenário já conhecido: uma enxurrada de desinformação que perpassa desde a pauta de costumes a ataque às pesquisas e urnas eletrônicas. O que mais nos surpreende diante disso tudo é que, infelizmente, a tragédia já estava anunciada.  A Rede Nacional de Combate à Desinformação, portanto, vem a público trazer o alerta e, principalmente, cobrar a responsabilidade de alguns atores envolvidos diretamente nessa desenfreada propagação de desinformação, são eles: as plataformas digitais e o poder público.

Não é de forma ingênua que cobramos as plataformas no enfrentamento à desinformação, ao discurso de ódio e à violência política. Um movimento da sociedade civil organizada denominado Democracia Pede Socorro já apontava a fragilidade do cenário eleitoral, além disso, o próprio Tribunal Superior Eleitoral-TSE e inúmeras organizações publicaram relatórios, debateram o papel das plataformas e apontaram como poderiam atuar para minimizar os efeitos nocivos da circulação em grande quantidade e velocidade de mensagens com desinformação.

No entanto, estamos cientes das ‘limitações’ das plataformas em uma atuação efetiva de combate, visto que medidas mais eficazes podem interferir diretamente em  seu modelo de negócios. As plataformas lucram com a desinformação.  Não à toa, como informado recentemente pela CNN, o custo por mil visualizações (CPM) de propagandas na internet aumentou mais de 1.800% nos primeiros quinze dias de campanha eleitoral. Os dados foram levantados na plataforma do Facebook Ads, que é o gerenciador de anúncios do Facebook e do Instagram. Segundo dados registrados no TSE até esta sexta-feira (7), os candidatos gastaram cerca de R$ 191 milhões com impulsionamento de publicações nas redes sociais e demais plataformas digitais. Sabemos que conteúdos desinformativos geram mais engajamento, e, em consequência, geram mais lucros a esses grupos econômicos. 

Diante desse reconhecimento de poder e concentração do debate na esfera pública virtual, o que fazemos aqui é solicitar que as plataformas ajam de forma responsável, defendendo a democracia como propagam e respondendo de forma imediata e ainda dentro do cenário eleitoral para que possamos garantir minimamente um ambiente de informação saudável. 

Diante do exposto, indicamos duas principais formas: reações mais céleres às denúncias desvelando de forma transparente a moderação de conteúdo e abertura de canais mais diretos aos especialistas da área que subscrevem essa nota, em especial, os componentes dessa Rede. 

Para a sociedade em geral e seus representantes eleitos para o próximo pleito fica o apelo ao apoio e aprovação ao projeto de Lei 2630/2020, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, para que esse cenário não se repita a cada dois anos e fiquemos à mercê das escolhas autorreguladas das plataformas. Precisamos agir de maneira coletiva responsabilizando os responsáveis, mas cientes de que para enfrentar a desinformação precisamos de um pacto coletivo entre todos os atores.

Subscrevem essa nota:

Instituições, Empresas de Comunicação, Coletivos, Grupos e Núcleos de Pesquisas e demais atores Pesquisadores e Especialistas.

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Foto de capa: site RNCD

Jornal desinforma ao tratar censura conservadora a pastor como punição por posicionamento político

No contexto da cobertura noticiosa dos casos de reação negativa de membros de igrejas evangélicas a discursos de campanha pró-reeleição do presidente Jair Bolsonaro, o jornal O Globo produziu, em 6 de setembro passado,  a matéria “Campanha eleitoral em cultos evangélicos provoca reação de fiéis e até troca de igreja”. O texto também enfatiza que algumas lideranças têm sido punidas internamente após as reações negativas a estas práticas.

Entre os casos mencionados na matéria está o do tiro disparado em uma igreja por um PM depois de um membro reagir a um pregação política contra esquerdas. É também  apresentada a situação do pastor da Igreja Batista de Água Branca Ed René Kivitz. O jornal afirma que ele teria sido punido pela Ordem dos Pastores Batistas de São Paulo depois de fazer pregação política. O jornal desinformou ao inserir este caso na matéria pois ele não corresponde à ênfase dada.

Imagem: reprodução do Youtube

Liderança evangélica com forte presença nas mídias, Ed René Kivitz há tempos é alvo de críticas de um público conservador das igrejas, tendo sofrido linchamentos virtuais e “cancelamentos”. Conhecido por sua crítica ao posicionamento político alinhado à extrema direita,  de algumas igrejas e religiosos, Kivitz manifesta-se contrário a uma série de pautas defendidas por apoiadores do governo Bolsonaro, entre eles o porte de armas e o apoio institucional de igrejas ao governo. Ele sofreu graves críticas por um sermão pregado em sua igreja, em culto online do dia 25 de outubro de 2020, intitulado “Cartas vivas contra letras mortas”, pelo qual desafia os fiéis a uma leitura da Bíblia mais contextualizada e relacionada à vida. No apedrejamento virtual que sofreu, o pastor foi acusado de herege por querer “atualizar a Bíblia”.

A abordagem de O Globo menciona   brevemente que Kivitz foi  excluído da Ordem dos Pastores Batistas de São Paulo por ser crítico ao candidato Bolsonaro. Sem aprofundar o tema, a matéria coloca o pastor entre outros que estão relacionados a punições por realização de discurso político em cultos. 

Imagem: reprodução do jornal O Globo

O pastor Kivitz comentou uma postagem de divulgação na matéria no Twitter e afirma que não foi expulso da  Ordem dos Pastores Batistas de São Paulo:

Imagem: reprodução do Twitter

Em vídeo publicado em suas mídias sociais em 2021, o pastor reconhecia o seu desligamento da Ordem Batista por conta da pregação online, de 2020, que gerou a acusação de heresia. Ele afirma:  “foram oito minutos, em um sermão de 50 minutos, numa série de treze sermões, numa história de mais de 30 anos; e foram exatamente esses oito minutos que deram origem a um processo disciplinar que culminou, nessa última semana, com o meu desligamento da Ordem dos Pastores Batistas do Brasil”.

Durante o vídeo em questão não há menção à perseguição religiosa por motivações políticas. Bereia tentou conversar com o Pastor, mas não obteve resposta. 

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Bereia classifica a informação levantada pelo Jornal O Globo como imprecisa. O Pastor Kivitz não foi ouvido pelo jornal para a construção da matéria, houve falha de apuração do caso que levou à redação de conteúdo superficial e inverídico, levando o público a uma compreensão distorcida dos acontecimentos que foram indevidamente utilizados no texto. 

Referências de checagem: 

Bereia.

https://coletivobereia.com.br/quem-dentre-vos-nao-tiver-pecado-publique-a-primeira-agressao-a-leitura-de-um-apedrejamento-virtual-na-controversia-com-o-pr-ed-rene-kivitz/ Acesso em: 7 set 2022

https://coletivobereia.com.br/uma-eleicao-sem-evangelicos/ Acesso em: 7 set 2022

Twitter. https://twitter.com/edrenekivitz/status/1567171101595246593?t=qXQF_NbiAjhlJ1rLjf2DCA&s=19 Acesso em: 7 set 2022

VEJA. https://veja.abril.com.br/coluna/matheus-leitao/igreja-evangelica-armada-entrevista-com-o-pastor-ed-rene-kivitz/  Acesso em: 7 set 2022

A Pública. https://apublica.org/2020/08/grupo-de-midia-evangelica-que-pertence-a-senador-bolsonarista-e-um-dos-que-mais-dissemina-desinformacao-afirmam-pesquisadores/ Acesso em: 7 set 2022

CNN Brasil. https://www.cnnbrasil.com.br/politica/estrategia-de-bolsonaro-para-evangelicos-inclui-participacao-online-em-cultos-pelo-pais/ Acesso em: 7 set 2022

Tribunal Superior Eleitoral. https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2021/Dezembro/voce-sabe-o-que-era-o-voto-de-cabresto-o-glossario-explica Acesso em: 7 set 2022

Youtube. https://www.youtube.com/watch?v=m2ivGEMK2rE Acesso em: 16 set. 2022

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Foto de capa: YouTube Ed René Kivitz

Imprensa desinforma sobre acordo do Tribunal Superior Eleitoral com religiosos

Ao contrário do que foi divulgado em pelo menos três matérias publicadas na Folha de São Paulo, o acordo assinado por lideranças de diferentes religiões com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pretende promover a paz e a tolerância nas Eleições Gerais de 2022 – e não combater as fake news, como publicado pelo jornal. 

Imagem: reprodução das matérias publicadas pela Folha de S. Paulo nos dias 2, 6 e 26 de junho, respectivamente

Segundo o Termo de Cooperação disponibilizado no site do TSE, os signatários do documento declararam a intenção de promover por meio dos seus meios de comunicação “ações de conscientização relacionadas com a tolerância política, legitimação do pensamento divergente e a consequente exclusão da violência” para preservação da paz social. Não há, no documento, menção sobre combate às fake news, notícias falsas ou a desinformação. 

Imagem: primeira folha do Termo assinado por uma das entidades signatárias. Reprodução/site do TSE

Entretanto, a Folha não ficou sozinha na divulgação da desinformação. Com exceção de alguns veículos da imprensa como Estadão, O Globo e CNN, a maioria dos veículos propagaram a notícia do suposto “acordo contra as fake news”, entre eles:  Gazeta do Povo, Correio Braziliense, O Antagonista, Diário do Centro do Mundo, Portal Comunhão, Brasil 247, Jornal GGN, Jornal do Comércio, Revista Forúm.

A questão da verdade apareceu no processo, contudo, foi mencionada apenas durante a cerimônia de assinatura do Termo, em 6 de junho no Salão Nobre do Tribunal, no discurso do atual presidente do TSE, Edson Fachin. “Defender a democracia é negar a cólera, fugir das armadilhas retóricas, fiar-se no valor da verdade”.

Acordo: sucesso ou fracasso

Para organizar o evento, o TSE convidou o desembargador William Douglas, do TRF (Tribunal Regional Federal) da 2ª Região, pastor ligado à igreja Batista. Em entrevista concedida ao Bereia, o desembargador federal declarou que foi procurado pelo TSE pelo fato de possuir experiência em magistratura e trânsito inter-religioso. 

Para o evento de solenidade foram convidadas 33 pessoas, no entanto, apenas 12 assinaram o documento. O desembargador federal atribuiu o fato à desinformação veiculada na imprensa, “[…] a imprensa noticiou, mais de uma vez, como sendo um projeto sobre combate às fake news. Não é o caso: neste projeto não há qualquer menção a fake news”. Segundo sua análise, o assunto foi politizado levando, assim, a discussão para temas que não estavam propostos no Termo de Cooperação.

Imagem: representantes posando para foto após assinatura do Termo de Cooperação. Reprodução/site TSE)

Outro ponto do evento que chamou a atenção foi a ausência de representantes de denominações históricas como Metodistas, Anglicanos e Luteranos para a assinatura do acordo. “A seleção [dos convidados] foi baseada em presença exemplificativa do segmento. O que se quis foi um rol exemplificativo e não exaustivo” explicou o desembargador, pontuando sobre a dificuldade da representação devido ao tamanho do segmento evangélico. 

Para o desembargador, o fato do evento não ter uma representatividade maior não configura um problema, “não se espera de nenhuma liderança alguma postura de ciúme em relação a outras, o que não é bíblico”, conclui o desembargador que, apesar de ser pastor, assinou o Termo na condição de escritor.

Bereia também ouviu a secretária-geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC), a pastora luterana Romi Bencke. A organização cristã que representa a Aliança de Batistas do Brasil, as Igrejas Episcopal Anglicana do Brasil,Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, Presbiteriana Unida, entre outras, não foi convidada para o evento. “Fizemos contato informando nossa disposição em participar, no entanto, as pessoas que nos representariam não foram procuradas pelo TSE. Desde uma perspectiva de laicidade do Estado, creio que a participação deveria ter sido o mais plural possível, sem discriminação”, reclama a secretária-geral. 

Romi Bencke conta que nas últimas eleições, para prefeitos e vereadores, em 2020, o CONIC foi convidado para apoiar as campanhas do TSE por eleições democráticas. “O TSE tem e deve ter o nosso nome em seu banco de dados. Após o encontro, fomos questionados por algumas organizações que estiveram presentes, por que não estávamos lá. A resposta foi: porque não fomos convidados ou informados. Por isso, pergunto pelos critérios considerados para deixar organizações de fora. Cabe ao TSE responder esta pergunta”, finaliza a pastora. 

Independente de estar ou não presente no evento, o CONIC tem apoiado as campanhas do órgão por eleições limpas e divulgou uma nota de apoio ao processo eleitoral, de repúdio à violência e a FakeNews. 

Imagem: nota divulgada pelo CONIC em seu site oficial. Reprodução/site do CONIC

O evento pela Paz e Tolerância não sofreu apenas com a desinformação e com a ausência de entidades importantes como o CONIC. Apesar dos esforços para agregar os diferentes religiosos, o pastor Silas Malafaia, apoiador do governo Bolsonaro, atacou a reunião e pediu boicote ao evento.

“Eu só acredito que um líder religioso vá aparecer na reunião hoje se ele for alienado, está por fora desses fatos ou é esquerdopata. Um líder religioso que sabe das coisas não vai cair nesse jogo. Nós não vamos ser usados por esses interesses mesquinhos”, disse o pastor em um vídeo publicado em seu canal no Youtube, no mesmo dia do evento.

Assinou, não assinou

A lista de convidados foi composta, na sua maioria, por pessoas e entidades ligadas à fé evangélica e oito ligadas às demais religiões como. A relação a seguir onde constam os nomes dos convidados foi obtida pelo jornal Folha de São Paulo mediante a Lei de Acesso à Informação (LAI): 

Abner Ferreira, presidente da Assembleia de Deus (Madureira/RJ). 

Teo Hayashi, pastor na Zion Church e líder do movimento “The Send”, checado pelo Bereia.

Samuel Câmara, presidente da CADB (Convenção da Assembleia de Deus do Brasil)

Roberto Brasileiro, presidente da Igreja Presbiteriana do Brasil

Hilquias Paim, presidente da Convenção Batista Brasileira, conta com 8 mil igrejas e em torno de 1,7 milhão membros.

Jesus Aparecido, presidente da Convenção Batista Nacional, atualmente conta com 2.700 igrejas com mais de 400 mil membros.

Thiago Rafael Vieira, presidente do IBDR (Instituto Brasileiro de Direito e Religião)

Eduardo Bravo, presidente da Unigrejas (União Nacional das Igrejas e Pastores Evangélicos)

Edna Zilli, presidente em exercício da Anajure (Associação Nacional de Juristas Evangélicos)

Ismael Ornilo, presidente da Aliança das Igrejas Evangélicas Congregacionais do Brasil

Girrad Mahmoud Sammour, presidente da Anaji (Associação Nacional de Juristas Islâmicos)

Thiago Crucitti, diretor-executivo da Visão Mundial, 

Claudio Lottenberg, presidente da Conib (Confederação Israelita do Brasil)

Juliane Penteado Santana, presidente da AJE-Brasil (Associação Jurídico Espírita do Brasil)

Augusto César Rocha Ventura, presidente da Associação Educativa Evangélica, mantenedora de instituições de ensino superior e colégios baseados em Goiás.

Stanley Arco, a Aneasd (Associação Nacional de Entidades Adventistas do Sétimo Dia) – é preciso explicar estas associações desconhecidas. Arco também é o atual presidente da Igreja Adventista do Sétimo Dia na América do Sul. 

Walmor Oliveira de Azevedo, presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).

Sóstenes Cavalcante, deputado federal e presidente da bancada evangélica

Antônio Carlos Costa, presidente da ONG Rio de Paz

Davi Lago, pastor e escritor

Paschoal Piragine Jr., presidente da Primeira Igreja Batista de Curitiba

Márcio de Jagun, fundador do Instituto Orí

Nilce Naira, coordenadora da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde

Augusto Cury, escritor

Cláudio Duarte, pastor e escritor

Carlos Wizard, empresário e escritor.

David Raimundo Santos, fundador da ONG Educafro

William Douglas, escritor e desembargador federal do TRF 2 e organizador do encontro.

Aaron Inácio Silva Freitas, presidente do Igreja Assembleia de Deus Ministério Internacional do Guará, sediada no Distrito Federal, conta com aproximadamente 1.500 igrejas pelo Brasil.

Coen Roshi, monja budista, primaz fundadora da Comunidade Zen Budista Zendo Brasil (2001).

Ademar Kyotoshi Sato, monge budista do Templo Shin Budista Terra Pura, em Brasília-DF.

Keizo Doi, monge regente do Templo Shin Budista Terra Pura, em Brasília-DF.

Luzia Lacerda, diretora do Expo Religião, organização que promove seminários, congressos e feiras inter-religiosas. Lacerda também é jornalista e apresentador do programa Expo Religião transmitido na TV Alerj.

Dessa lista, apenas 11 instituições foram as signatárias, além do desembargador federal William Douglas, que assinou na condição de escritor e pensador:

Instituto Orí

Rede Nacional de Religiões Afro-brasileiras e Saúde (Renafro),

Templo Shin Budista Terra Pura

Organização Não Governamental (ONG) EducAfro

Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

Associação Jurídico-Espírita do Brasil (AJE-Brasil)

Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure)

Associação Nacional de Entidades Adventistas do Sétimo Dia (Aneasd)

ONG Visão Mundial

Confederação Israelita do Brasil (Conib)

Associação Nacional de Juristas Islâmicos (Anaji)

O pastor Antonio Carlos Costa, presidente da ONG Rio de Paz, publicou no dia 29 de junho, em sua conta no Twitter, uma nota, declarando que não assinou o Termo, pois não havia recebido em tempo. Após o recebimento comprometeu-se a assiná-lo.

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Bereia classifica como enganosa a notícia sobre o acordo contra fake news veiculada no jornal Folha de S. Paulo e demais veículos da imprensa. O acordo proposto pelo TSE referia-se à promoção da paz e tolerância nas Eleições Gerais de 2022. Como está demonstrado nesta matéria, o Termo de Cooperação não faz qualquer menção à desinformação. O combate às fake news deve ser prioridade em um processo eleitoral e não pode ser utilizado como chamariz de assuntos. Ele se faz com informação de qualidade, apurada com rigor jornalístico em busca da verdade. Como Bereia prediz em sua Metodologia de Checagem, deve-se buscar, sempre que possível, as fontes originais da informação. 

Referências de Checagem:

TSE.

https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Junho/eleicoes-2022-tse-assina-acordo-com-liderancas-religiosas-para-a-promocao-da-paz-e-da-tolerancia-no-pleito Acesso em: 9 jul 2022.

https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Junho/tse-e-liderancas-religiosas-firmam-parceria-em-prol-do-dialogo-e-da-paz-nas-eleicoes-2022? Acesso em: 9 jul 2022.

Folha de S. Paulo.

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/06/tse-busca-pacto-com-lideres-religiosos-contra-fake-news-e-resistencia-as-eleicoes.shtml Acesso em: 9 jul 2022.

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/06/acordo-contra-fake-news-tem-adesao-de-menos-da-metade-de-religiosos-convidados-pelo-tse.shtml Acesso em: 9 jul 2022.

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/06/tse-faz-acordo-com-liderancas-religiosas-em-meio-a-ataques-de-malafaia.shtml Acesso em: 9 jul 2022.

G1. https://g1.globo.com/politica/noticia/2022/06/06/tse-se-reune-com-lideres-religiosos-e-firma-acordo-para-promover-eleicoes-pacificas-em-outubro.ghtml Acesso em: 9 jul 2022.

CONIC. https://www.conic.org.br/portal/conic/noticias/nota-do-conic-em-defesa-do-processo-eleitoral-brasileiro Acesso em: 11 jul 2022.

Foto de capa: Divulgação/TSE

Direita e esquerda no Brasil: o imaginário, o digital, o caos

Novas formas de ativismo passaram a compor o cenário político brasileiro, traduzindo as mudanças significativas na organização e mobilização política  na era das novas tecnologias, mídias sociais, influenciadores digitais, disparos de mensagens em massa etc, conferindo à esfera pública digital e à opinião pública um papel fundamental sobre as mediações que realiza entre os cidadãos e o Estado. 

A pesquisa “Cara da Democracia no Brasil” realizada pelo Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação fornece algumas pistas para tentar compreender estas e outras  importantes mudanças no comportamento, nas atitudes, nas crenças e valores dos cidadãos brasileiros com relação à democracia, temas que dominam o debate público desde a eleição de Jair Bolsonaro, como legalização do aborto, descriminalização das drogas e direitos das chamadas minorias. 

De acordo com a pesquisa, o dobro dos brasileiros se diz mais à direita do que  à esquerda no espectro político. Entretanto, devemos levar em conta que a compreensão do significado do que é pertencer à direita ou esquerda não alcança a maioria da população, e muitas percepções mudam ao longo do tempo. 

Direita e esquerda

Os termos direita e esquerda no campo político surgiram no turbulento período da Revolução Francesa de 1789. Durante os acalorados debates na Assembleia Constituinte a respeito do poder que o rei Luís 16 deveria ter a partir daquele momento, o grupo conservador, favorável à manutenção dos poderes da monarquia, ficaram à direita; enquanto os progressistas ou revolucionários, que defendiam diminuir os poderes do rei, sentaram-se à esquerda. 

Com o passar dos anos, as diferenças entre os grupos evoluíram para outros temas, além dos poderes da monarquia, que pouco tempo depois chegou ao fim. Com a direita em busca de uma república vinculada à Igreja e um Estado com mercado liberal e a esquerda lutando por um Estado laico e regulador na economia. Em alguns países os termos progressistas e reacionários, conservadores e liberais ou democratas e republicanos nomeiam esses espectros políticos opostos. No Brasil, mais de 200 anos depois das discussões na França,  os campos da esquerda e direita, com diversos tons entre os extremos de cada lado, continuam polarizando o debate político. 

A pesquisa “A Cara da Democracia”, para tentar compreender onde cada brasileira está posicionado neste debate, apresentou um questionário no qual os entrevistados deveriam marcar de 1 a 10, sendo 1 o máximo à esquerda e 10 o máximo à direita. 

Imagem: reprodução de O Globo

Entretanto, chama atenção na pesquisa – para além de uma direita sedimentada que convive com algumas opiniões progressistas pontuais – o grande número de brasileiros que acreditam em teorias da conspiração. Apresenta-se como um desafio compreender de que maneira essas bizarras teorias ocuparam o imaginário social, o conjunto de crenças, de parte da população.

É espantoso que 20% dos entrevistados acreditam que a Terra é plana, 21% que a cloroquina cura a covid-19, e 27%  não acreditam que o ser humano pisou na lua. No aspecto “ideológico” das conspirações, os números são ainda maiores,  49% acreditam que a China criou a covid-19 e uma das teorias mais difundidas pelo bolsonarismo, o globalismo (ideia de que  a globalização econômica passou a ser controlada pelo “marxismo cultural”), é acolhida por 44% dos entrevistados, que acreditam em uma conspiração global da esquerda para tomar o poder no mundo. O falecido guru do bolsonarismo, Olavo de Carvalho e o ex chanceler Ernesto Araújo difundiram o globalismo incansavelmente. 

Imagem: reprodução de O Globo

Como explica a jornalista e doutora em Ciências da Comunicação Magali Cunha, em seu artigo O lugar das mídias no processo de construção imaginária do “inimigo” no caso Marco Feliciano, “os seres humanos vivem de imagens, vivem de imaginação socialmente construída, o que forma e reforma suas crenças, sua linguagem e suas atitudes frente às demandas da vida e do outro”. 

Desta maneira, “o imaginário é, portanto, um componente da existência humana como experiência marcadamente social, que dá sentido à vida coletiva e é ressignificado por ela. Imaginário é a elaboração coletiva da coleção de imagens formada pelo ser humano, de tudo o que ele apreende visualmente e experencialmente do mundo.” 

O cientista político da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Leonardo Avritzer, afirma que Bolsonaro adota uma tática para (des)governar que está relacionada à ampla base constituída nas redes sociais e degrada as instituições a partir de uma rede impressionante de geração de fake news.   Especificamente a respeito da pesquisa “A Cara da Democracia” e número de brasileiros que acreditam em teorias da conspiração, Leonardo Avritzer destaca que há os dois caminhos para entender a adesão de brasileiros aos apelos conspiratórios: “Há, primeiramente, o nível baixo de escolaridade, especialmente em questões como se a terra é plana. Em outros temas, há um amplo processo de desinformação nas redes sociais, especialmente quando recebem informações das estruturas de confiança delas, como instituições religiosas, família, ou local de trabalho. 

Na campanha eleitoral de 2018, Jair Messias Bolsonaro reuniu os discursos conservador tradicional, neoliberal, populista e religioso em uma nova combinação e elaborou uma retórica sem precedentes no Brasil. Tal rearticulação discursiva materializa um projeto hegemônico para a constituição de uma nova base e agenda política, liberal na economia e conservadora nos costumes, que é uma das facetas de um projeto político mais amplo de reestruturação da hegemonia do bloco centrado na elite econômica e financeira do país em novas condições. 

De acordo com o sociólogo Jessé Souza, “distorcer o mundo social é parte do projeto das classes dominantes para subjugar os demais segmentos da sociedade e se apropriar da riqueza nacional e só a percepção adequada da dimensão cultural e simbólica da vida social nos permite uma compreensão mais profunda e verdadeira da vida que levamos como indivíduos”.  No Brasil de Bolsonaro, as pautas morais e o inimigo comunista alimentam o imaginário de grande parte da população. As mídias sociais são o caminho.

“Engenheiros do Caos”

Na obra “Os Engenheiros do Caos: Como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições, Giuliano da Empoli (2019) refaz os caminhos percorridos por figuras como Gianroberto Casaleggio _ cofundador do partido italiano Movimento Cinco Estrelas e um dos primeiros a utilizar a internet e as redes sociais para fazer política, Steve Bannon – guru de Donald Trump e um dos principais nomes da ultradireita no mundo, Milo Yiannopoulos – comunicador e “blogueiro” inglês, apoiador convicto da “liberdade de expressão” e crítico feroz do “politicamente correto” e Arthur Finkelstein – conselheiro de Viktor Orban, presidente ultraconservador da Hungria, que juntos “estão em vias de reinventar uma propaganda adaptada à era das selfies e das redes sociais, e, como consequência, transformar a própria natureza do jogo democrático”. Esses são os Engenheiros do Caos. 

O engajamento técnico: curtidas, comentários e compartilhamentos, tão buscados pelos executivos de marketing e publicidade das grandes empresas, é também o objetivo desses “profissionais” da esfera pública digital. Assim, colocam os algoritmos das redes sociais digitais ao seu favor, pois se os programadores do Facebook ou Instagram, por exemplo, trabalham para atrair e prender a atenção dos usuários pelo maior tempo possível, os algoritmos e ferramentas dos Engenheiros do Caos têm a mesma finalidade, capturar a razão dos indivíduos, neste caso, através da emoção, com iniciativas como o projeto Brasil Paralelo, produtora de conteúdo de extrema-direita, inspirado nas ideias de figuras como Olavo de Carvalho. Buscam “recontar” a História do Brasil,  e as teorias da conspiração são a matéria prima de suas produções e documentários. Um projeto que à primeira vista pode parecer independente e feito por alguns jovens conservadores com “uma ideia na cabeça”, é parte de um movimento bem orquestrado, organizado e muito bem financiado.                          

Não importa se as posições apresentadas são absurdas, mentirosas ou fantasiosas, pois estão pautadas em uma questão numérica de engajamento e não são baseadas em valores éticos. A meta é identificar e hackear as aspirações e os temores dos usuários das mídias sociais digitais e fazer com que interajam com outros que defendem as mesmas posições e com as páginas ou perfis que apresentam estes conteúdos.

Magali Cunha explica que exércitos precisam de inimigos e a Teologia de um Deus guerreiro e belicoso sempre esteve presente na formação fundamentalista dos evangélicos brasileiros, compondo o seu imaginário e criando a necessidade de identificação de inimigos a serem combatidos, através dos tempos estes inimigos foram, em maior ou menor grau, a Igreja Católica, as religiões afro-brasileiras, os comunistas e mais recentemente, a população LGBTQIA+. Parte das estratégias no quadro das disputas político-ideológicas baseadas no enfrentamento de inimigos estabelecidos simbolicamente é criar uma “guerra” pela visibilidade, que comumente envolve números e exposição nas mídias. 

As consequências na política nacional

 Jair Bolsonaro e os seus próprios Engenheiros do Caos deram ainda uma nova roupagem a esse discurso, unindo a ameaça aos valores tradicionais da família e da ameaça comunista. Esses temas não são novos, mas a utilização das redes sociais digitais é a novidade.

Jessé Souza afirma que “colonizar o espírito e as ideias de alguém é o primeiro passo para controlar seu corpo e seu bolso”.  De nada adianta os Engenheiros do Caos proclamarem as virtudes do governo atual e demonizar os governos de esquerda se ninguém acreditar nisso. E essa lavagem cerebral, ou melhor, privação sensorial, é turbinada pelas notícias falsas, teorias da conspiração, manipulação de dados e desinformação, turbinados pelas mídias sociais digitais e legitimadas por políticos, religiosos e influenciadores digitais. Algumas vezes, um indivíduo representa tudo isso, como o pastor presidente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia. 

Nessa bolha sinistra que comporta as mais inusitadas ideias e conspirações, os indivíduos em busca de acolhimento, reconhecimento e alguma explicação para seus anseios, parecem cada vez mais presos e hipnotizados. As teorias da conspiração, preconceitos e ódio sempre estiveram entre nós, no entanto, as redes sociais digitais conectaram pessoas com interesses em comum, inclusive os mais negativos. Os Engenheiros do Caos perceberam este poder das mídias sociais digitais e a utilizaram para manipulação da informação com fins políticos. 

Derrotar Jair Bolsonaro é, para muitos analistas, fundamental para estancar esse processo do que podemos chamar de privação sensorial. Temos o componente religioso e conservador, um grande número de evangélicos e católicos representados por líderes políticos e influenciadores digitais nada cristãos, além de um grande contingente, independentemente de classe social ou nível de escolaridade, que lê cada vez menos, escreve cada vez menos, interpreta cada vez menos e tem nas mídias sociais digitais sua única fonte de informação. 

Contudo, mesmo derrotando o atual presidente nas urnas, esse grupo extremista e seus métodos continuarão em atuação na esfera pública, buscando provocar uma ruptura no sistema democrático. Estes seres não estão mais nas sombras, são métodos e táticas são debatidos em artigos, livros e documentários, mas como um espectro sinistro, são difíceis de abalar ou capturar.

Imagem de capa: Gerd Altmann por Pixabay

Desinformação sobre elefante que matou idosa e teria destruído sua casa viraliza em espaços digitais religiosos

Voltaram a circular em mídias sociais do meio religioso  notícias, vídeos e fotos sobre a morte de Maya Murmu, 68, que foi pisoteada e morta por um elefante no último dia 9 de junho. O caso ocorreu na Índia e, segundo jornais locais, o animal teria ainda invadido o velório da idosa, pisoteando-a pela segunda vez. Logo após a invasão, uma manada de elefantes atacou a vila na qual a vítima morava, destruindo a casa de Murmu e matando sua criação de cabras.

Imagem: reprodução Portal do Trono

A vingança dos elefantes?

De acordo com o jornal Times of India, tudo se passou na vila de Raipal, localizada no estado indiano de Odisha. Supostamente, o elefante teria fugido do santuário de vida selvagem de Dalma, a 200 quilômetros do ocorrido. 

Moradores da vila relataram que o elefante selvagem atacou Maya Murmu enquanto ela pegava água. O animal teria invadido uma área povoada e pisoteado a idosa, que faleceu a caminho do hospital. Depois, ele retornou à comunidade com sua manada e destruiu três casas, dentre elas a residência de Murmu, que também teve o velório interrompido pelo animal. Ele retirou o corpo de Murmu da pira funerária — uma estrutura de madeira onde os mortos são queimados em cerimônias, geralmente hinduístas — e o pisoteou novamente.

O caso não é isolado na região. Odisha é uma área abundante em minerais usados para construção civil e a exploração é feita utilizando força animal, dentre eles, os elefantes. Nos últimos 20 anos, 1.356 elefantes foram explorados e mortos na região, segundo autoridades locais. Para a  jornalista e presidente fundadora da Agência de Notícias de Direitos Animais (ANDA) Silvana Andrade, consultada pelo Bereia, é comum na Índia que elefantes sejam explorados como força de trabalho em setores como a construção civil, turismo, indústria e mineração: “eles são submetidos a trabalhos terríveis e pesados, inclusive, como você faz um elefante puxar toneladas? Eles pegam um bebê elefante e o colocam na frente, e a mãe dele vai andando e puxando a carga para tentar alcançar seu bebê, levando com ela cargas pesadíssimas”.

O elefante responsável pelo ataque não foi identificado como pertencente à reserva animal, ou mesmo a qualquer habitante da região. A trajetória percorrida por ele até chegar ao vilarejo é desconhecida e ainda não há investigação sobre quando e como uma manada de elefantes atravessou mais de 200 km sem ser vista. 

A jornalista e defensora dos direitos dos animais destaca, ainda, que o vídeo divulgado não mostra nenhum indício de que a destruição das casas, mencionada por diversos portais de notícias, tenha realmente sido causada por uma manada de elefantes. No vídeo, é possível ver apenas um senhor pegando pedaços de escombros, sem nenhuma contextualização ou cena que leve a crer que tal destruição fora provocada por um elefante ou mesmo uma manada.

O apreço ao exótico no jornalismo 

As circunstâncias da morte da idosa ganharam destaque e a notícia repercutiu não só na mídia local, como também, e principalmente, no noticiário de diversos países, incluindo o Brasil. Aquilo que nos é estranho, exótico, não só atrai a atenção, como atende a certos critérios criados pelo jornalismo ocidental do que pode ou não ser notícia. 

Para compreender se algum acontecimento é noticiável é preciso que o acontecido siga critérios de noticiabilidade. Para a pesquisadora e professora universitária Gislene Silva, os “valores notícia” são criações culturais, que variam de acordo com a cultura local, mas tendem a seguir um modelo universal pré estabelecido como: acontecimentos inusitados, acontecimentos locais, celebridades, mortes, curiosidades, dentre outros. Assim, o acontecimento “estranho”, chama a atenção e se torna notícia, e, ao tornar-se notícia o fator estranho é acentuado, e os demais atenuados. 

O acontecimento se torna notícia se ele possuir potencialidade de chamar a atenção e atrair o público. Outra problemática presente em notícias como essa é a exotização de culturas. Para o antropólogo e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Jocélio Teles dos Santos, é comum que países do sul globals, como Brasil e Índia, sejam abordados não por suas culturas em seus termos, mas por aquilo que se convencionou chamar de “exótico”, por uma visão externa e objetificante de histórias, feitos e acontecimentos que levem a questionar a racionalidade, os valores e as culturas dos povos nativos, tidos como folclóricos e próximo a uma linha de selvageria. 

De todo modo, o que convém ressaltar é o privilégio que a cultura assume nessas interpretações  e  o  desenvolvimento  de  argumentações marcantes  que  atravessam  o século  XX.  Se  as  culturas  deixaram  de  ser  primitivas,  bárbaras,  exacerbadamente exóticas,  adentramos,  passo  a  passo,  em  discursos  sobre  a  ótica  das  culturas.    Se  no exotismo  da  cultura  do  “outro”,  as  narrativas  de  filósofos,  viajantes,  literatos,  da imprensa  no  século  XIX,  continham  um  desejo  nem  sempre manifesto,  no  final  da primeira metade do século XX, e até as últimas décadas desse mesmo século, o desejo é mais  que  manifesto,  pois  ele  vira  um  fetiche,  posto  que  a  cultura  assim  o  torna.    Uma reificação cada vez mais se apresenta no conceito de cultura. [p. 259]

O exótico é sempre algo fora de nossa realidade, algo que não veríamos e que nos chama a atenção por seu ineditismo ou por ser estranho ao nosso meio. O valor atribuído ao que acontece na vida cotidiana das pessoas se torna sujeito aos valores externos. A morte de uma idosa se torna parte de uma narrativa onde o exótico e o entretenimento se exaltam sob uma narrativa sensacionalista, sem levar em consideração feitos e acontecimentos internos que levaram ao caso. 

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Bereia classifica a notícia como imprecisa, uma vez que não é possível aferir a veracidade dos relatos. Há uma tendência à exotização somada à descontextualização e ao sensacionalismo das informações, transformando-as em narrativas superficiais de forte poder de entretenimento, capazes de repercutir e chamar a atenção, sem que haja um sério levantamento ou compromisso com a checagem dos fatos. 

Referências de checagem:

R7 .https://noticias.r7.com/hora-7/odio-animal-elefante-mata-idosa-comparece-ao-funeral-e-pisoteia-o-cadaver-dela-14062022  Acesso em: 23 de jun 2022

Correio Braziliense. https://www.correiobraziliense.com.br/mundo/2022/06/5015485-elefante-mata-idosa-de-70-anos-e-volta-no-funeral-para-pisotea-la.html Acesso em: 23 de jun 2022

PUC Minas.

http://periodicos.pucminas.br/index.php/cadernoshistoria/article/view/12182/9571 Acesso em: 23 de jun 2022

https://periodicos.ufsc.br/index.php/jornalismo/article/view/2091   Acesso em: 28 de jun 2022

OpIndia. https://www.opindia.com/2022/06/elephants-revenge-act-tusker-kills-woman-returns-after-hours-to-trample-her-corpse-destroys-her-house/ acesso em: 25 de jun 2022

Times of India. https://timesofindia.indiatimes.com/city/bhubaneswar/elephant-tramples-woman-to-death-in-mayurbhanj-district-attacks-villagers-again-before-funeral/articleshow/92193738.cms Acesso em: 25 de jun 2022

Twitter.
https://twitter.com/TOIBhubaneswar/status/1536557828156329985?cxt=HHwWgsDUwYTN-dIqAAAA Acesso em: 25 de jun 2022

Foto de capa: reprodução da internet

Igrejas e fake news

* Publicado originalmente em Ultimato

Pesquisas comprovam que evangélicos se rendem às fake news. Há grupos de igrejas dispostos a enfrentar este quadro

Paulina Santos, 53 anos, foi diagnosticada duas vezes com Covid-19 em 2020 e chegou a ficar internada. A professora, que é membro de uma igreja evangélica tradicional no interior do Estado do Rio de Janeiro, considera-se uma sobrevivente e agradece a Deus. Porém, ela tem muita tristeza de avaliar que o grupo de WhatsApp das mulheres da igreja pode ter sido um dos responsáveis pela dupla contaminação. Paulina havia seguido orientações diversas que circularam no grupo, que incluíam, além das orações pela proteção de Deus, tomar bastante sol, ingerir uma colher de chá de suco puro de limão todos os dias, tomar chá de alho. A fiel relata que houve indicações para comprar hidroxicloroquina na farmácia, mas ficou com medo e optou pelas outras receitas, tendo mantido uma vida normal com muita fé. Depois da segunda contaminação com internação, compreendeu que as orientações das irmãs da igreja não foram corretas. Ela sobreviveu, mas sofre com sequelas como queda de cabelo e perda de memória, além de “sentir muita tristeza com a igreja”.

Casos como o de Paulina Santos são inúmeros e representam um mal que não é novo e foi agravado durante a pandemia da Covid-19, pois colaborou para tornar pessoas doentes e até matar: as fake news. O termo em inglês, que significa “notícias falsas”, diz respeito a um fenômeno que permeia hoje, especialmente, as populares mídias sociais e atinge o jornalismo.

Do WhatsApp ao Facebook, do Twitter e do Instagram ao Youtube, para citar os mais populares, o processo é simples: alguém, intencionalmente, produz e divulga uma mentira na internet, geralmente no formato de notícia para criar mais veracidade, valendo-se até mesmo de dados científicos adaptados; ela é debatida nos espaços das mídias sociais; torna-se algo reconhecido, com caráter de sabedoria e verdade.

A propagação de fake news, que interferem em temas de interesse público, tem sido destaque em estudos de diferentes áreas do conhecimento e também de instituições. Entre elas estão a Comunidade Europeia, a Organização das Nações Unidas, e ainda empresas de comunicação, como o Facebook, que criou políticas de filtragem deste tipo de conteúdo.

A Comissão Europeia, por exemplo, criou, em 2018, um “Plano de Ação contra a Desinformação”1, uma compreensão mais abrangente do fenômeno, que passa não apenas pelo que é falso, mas também por todo conteúdo que vise ao engano e possa conter alguma verdade. No documento, desinformação é “Informação comprovadamente falsa ou enganadora que é criada, apresentada e divulgada para obter vantagens econômicas ou para enganar deliberadamente, podendo prejudicar o interesse público”.

Os episódios que envolveram a votação do Brexit, em 2016, na Grã-Bretanha, os processos eleitorais dos Estados Unidos, naquele mesmo ano, e do Brasil, em 2018, têm sido objetos de análise em vários espaços, que demonstram como a produção de desinformação interferiu prejudicialmente na formação da opinião pública e em ações políticas.

Neste contexto, emerge o lugar dos grupos religiosos, com destaque para os cristãos. Amplas parcelas deste segmento não só tiveram papel importante na dinâmica que levou à vitória Donald Trump e Jair Bolsonaro, como revelaram-se receptores e propagadores de fake news que alimentaram estas disputas. 

Fake news nos espaços cristãos

Por que as pessoas acreditam nas mentiras da internet e ainda ajudam a divulgá-las e a consolidá-las? Uma das respostas está na psicologia social, orienta o cientista social com estágio doutoral no Centro para o Cérebro, Biologia e Comportamento (Universidade de Nebraska,Estados Unidos) Davi Carvalho.2 O pesquisador esclarece que há pessoas que, ainda que constatem que acreditaram numa mentira, não abrem mão dela, pois ela se revela coerente com seu jeito de pensar, de agir, de estar no mundo, ou lhe traz alguma compensação, conforto. Isso é o que se chama “dissonância cognitiva”. Carvalho explica que isso acontece quando pessoas têm necessidade de estabelecer uma coerência entre suas cognições (seus conhecimentos, suas opiniões, suas crenças), que acreditam ser o certo, com o que se apresenta como opção de comportamento ou de pensamento.

Neste ponto se situa a perspectiva da religião e como os grupos religiosos, especificamente os cristãos, se tornam propagadores de fake news. Isto foi identificado por um grupo de pesquisadores, em um artigo científico intitulado “A crença em notícias falsas está associada a delírio, dogmatismo, fundamentalismo religioso e pensamento analítico reduzido”,3 publicado em 2019, em uma revista científica sobre memória e cognição. No artigo, os quatro pesquisadores reconhecem que cristãos estão propensos não só a assimilar as notícias e ideias mentirosas que circulam pela internet, coerentes com suas crenças, como também a fazer a propagação, a “evangelização”, espalhando estas notícias e ideias para que convertam pessoas ao mesmo propósito.


Imagem: reprodução da pesquisa

No Brasil, uma pesquisa realizada pelo Instituto Nutes de Educação em Ciências e Saúde, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, buscou compreender o uso intenso do WhatsApp no fortalecimento de redes de desinformação no segmento evangélico. Intitulada “Caminhos da desinformação: evangélicos, fake news e WhatsApp no Brasil”,4 a pesquisa, coordenada pelo sociólogo Alexandre Brasil Fonseca, trabalhou nos resultados de 1.650 questionários aplicados em congregações das igrejas Batista e Assembleia de Deus, no Rio de Janeiro e em Recife (as duas maiores igrejas evangélicas e as duas cidades de maior concentração de evangélicos no Brasil, segundo o Censo 2010), e formulários on-line com pessoas de todas as religiões e sem religião em todo o país. Foram também realizados grupos de diálogo nessas localidades.

Como resultado, 49%, ou quase metade, dos evangélicos que responderam aos questionários afirmaram ter recebido conteúdo falso, e, neste segmento religioso, 77,6% disseram ter recebido desinformação em grupos de WhatsApp relacionados à sua comunidade de fé. Na coleta com outros grupos religiosos, 38,5% de católicos, 35,7% de espíritas e 28,6% de fiéis de religiões afro-brasileiras afirmaram ter recebido mensagens falsas em grupos relacionados às suas religiões. Entre os entrevistados, 61,9% dos evangélicos afirmaram que as notícias sobre política eram as mais frequentes.

Esta pesquisa mostrou que, além do apelo que a desinformação exerce sobre grupos religiosos – porque se adequa mais a crenças e valores e menos a fatos propriamente ditos –, elementos relacionados à prática da religião entre evangélicos é que interferem mais fortemente na propagação de desinformação. O uso intenso das mídias sociais como “um novo ir à igreja” é uma dessas práticas, associada ao sentimento de pertencimento à comunidade, que gera uma imagem de líderes e irmãos como fontes confiáveis de notícias. Isso tem relação com o depoimento de Paulina Santos a esta reportagem.

Há ainda a retórica do medo que é utilizada para disseminar desinformação de um modo geral, mas afeta grupos religiosos, especialmente evangélicos, no Brasil. Estes cultivam o imaginário de enfrentamento de inimigos e da perseverança diante da perseguição religiosa como alimento da fé. Desinformação em torno da “defesa da família” e dos filhos das famílias, como núcleos da sociedade que estariam em risco, por conta da agenda de igualdade de direitos sexuais tem forte apelo. Na mesma direção, notícias falsas de que políticos ou o Supremo Tribunal Federal fecharão igrejas no Brasil têm sido fartamente propagadas nos ambientes cristãos em períodos de disputas políticas.

 O enfrentamento das fake news

São vários os projetos no Brasil voltados para o enfrentamento da desinformação por meio da checagem de fatos, com número ampliado desde as eleições de 2018, ligados a empresas de mídia e também de iniciativa independente. Destacam-se: Agência Lupa, UOL Confere, Estadão Verifica, Fato ou Fake, Projeto Comprova, Aos Fatos, Boatos.org e o Coletivo Bereia – Informação e Checagem de Notícias.

O Coletivo Bereia é iniciativa ímpar entre as listadas, pois é o único projeto de jornalismo colaborativo de checagem de fatos especializado em religião e tornou-se pioneiro no Brasil em verificação de fakes news que circulam em ambientes digitais religiosos, com atenção voltada para cristãos. Criado em 2019, o projeto é resultado da pesquisa do Instituto NUTES, da UFRJ.

O editor-executivo do Coletivo Bereia, Marcos Lessa, avalia: “Bereia é o primeiro coletivo de checagens especializado em religião do Brasil. E o que se percebe, e há pesquisas que apontam isso, é que a desinformação circula em ambientes de comunidades de confiança. E os ambientes das igrejas sempre tiveram essa característica. Irmão confia no que o irmão está dizendo. E aí muita desinformação ganha esse peso da confiança ao ser passada adiante. Checar o que está circulando nesse meio, conhecendo o meio, é um diferencial para o Brasil que vemos hoje”.

Além da equipe do Bereia, outros grupos cristãos têm realizado iniciativas para contribuir no enfrentamento das fake news. Durante o período eleitoral de 2020, foi realizada a Campanha #IgrejaSemFakeNews, promovida pela Igreja Batista em Coqueiral (Recife, PE), por meio do Instituto Solidare, em parceria com a Tearfund e a Aliança Bíblica Universitária do Brasil (ABUB). Uma das ações foi o lançamento da publicação Diga Não Às Fake News!,5 com reflexões acerca do tema, tanto à luz da Bíblia quanto da legislação brasileira. O livro gratuito permanece à disposição do público. Outro material resultante da Campanha #IgrejaSemFakeNews é o livro da ABU Editora, também com acesso gratuito,6 com estudos bíblicos indutivos, organizado por Morgana Boostel e Thiago Oliveira.

Em 2021, a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE) decidiu que sua campanha anual Primavera para a Vida, que estimula as igrejas a ações referentes a temas sociais emergentes, teria o tema “Buscar a verdade: um compromisso de fé”. Iniciada em setembro de 2021, a campanha conta com um seminário virtual sobre o tema,7 uma publicação gratuita,8 em português e em espanhol, cujo título é o mesmo da iniciativa, formação para igrejas9 sobre o impacto das fake news e indicação de formas de ação. Para este último objetivo, a CESE publicou um conjunto de cards10 com as principais mentiras que circulam em ambientes cristãos (identificadas pelo Coletivo Bereia) e atitudes preventivas diante delas. 

O membro da Igreja Batista em Coqueiral Nilton Leite de Sousa Júnior, um dos idealizadores da campanha #IgrejaSemFakeNews, lembra que as igrejas são unânimes em condenar a prática da mentira, mas reconhece: “Os locais de culto e seus públicos não estão isentos de serem contaminados pelas fake news”. O líder batista vê possíveis ações das igrejas neste enfrentamento como um passo responsável: “Ainda que o espalhamento das fake news seja rápido e generalizado como uma pandemia, a vacina para acabar com isso é assumir a responsabilidade de verificar os fatos que compartilhamos”. Paulina Santos agradece.


Notas

1. Plano de Ação contra a Desinformação. Acesso em 2 dez. 2021. 

2. Por que é tão difícil combater a crença em fake news, segundo a psicologia social. Acesso em 2 dez. 2021.

3. Belief in Fake News is Associated with Delusionality, Dogmatism, Religious Fundamentalism, and Reduced Analytic Thinking. Acesso em 2 dez. 2021.

4. Caminhos da Desinformação: Relatório de Pesquisa Evangélicos, Fake News e WhatsApp no Brasil. Acesso em 2 dez. 2021.

5. Diga Não Às Fake News. Acesso em 2 dez. 2021.

6. As Fake News e a Bíblia. Acesso em 2 dez. 2021.

7. Seminário de Lançamento da Campanha Primavera para a Vida 2021. Acesso em 2 dez. 2021.

8. Campanha Primavera Para a Vida. Acesso em 2 dez. 2021.

9. Formação IPU e CESE. Os impactos das fake news nas igrejas. Acesso em 2 dez. 2021.10. Textos e cards CPPV. Acesso em 2 dez. 2021.

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Imagem: Pixabay


Bereia é destaque no jornal O Estado de S.Paulo

O surgimento e o trabalho do coletivo Bereia foi tema de reportagem da edição de hoje do jornal O Estado de São Paulo. Nossa editora-geral Magali Cunha foi entrevistada e discorreu sobre o perfil diverso da equipe, a metodologia de checagem que junta jornalismo e pesquisa em religião, que tem sido compartilhada no meio religioso para combater a desinformação. Leia um trecho:

“O coletivo é o primeiro especializado em fact-checking religioso. Ao que se sabe, segundo Sérgio Lüdtke, editor do Projeto Comprova, é também o único projeto assim no mundo. O diferencial do Bereia não para por aí. Magali relatou que, após pesquisar o modus operandi de agências de checagem no Brasil e no exterior, o grupo criou sua própria metodologia “que junta jornalismo especializado em religião com fact-checking e com pesquisa voltada para a temática da religião no Brasil”

A reportagem completa pode ser acessada no Estadão, mas também foi distribuída no UOL, na IstoÉDinheiro, no Zero Hora, e no Jornal de Brasília.

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Foto de capa: Wilton Junior/Estadão

“Quando as pessoas recebem desinformação, o direito à informação é negado”. Entrevista com Magali Cunha

Publicado originalmente na Agência Signis de Notícias

Chega a parecer incoerente que cristãos sejam propagadores de notícias falsas, visto que o próprio Jesus aponta a “verdade” como um dos caminhos para segui-lo. Na teoria esse argumento bastaria. No entanto, vemos crescer o número de pessoas de religiões cristãs que não apenas recebem informações sem fundamento, como também se tornam promotoras desses conteúdos.

Incomodado com essa realidade, um grupo de jornalistas e pesquisadores, “com a cara e a coragem”, entendeu que era hora de agir. E, em 2019, surge o Coletivo Bereia e seu trabalho de fact cheking, especializado em conteúdos de caráter religioso.  

Quem está à frente dessa iniciativa é Magali Cunha, com sua larga experiência no jornalismo e pesquisa em comunicação. Além de editora-geral do Bereia, é doutora em Ciências da Comunicação, coordenadora do Grupo de Pesquisa Comunicação e Religião da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM), membro da Associação Internacional em Mídia, Religião e Cultura e da Associação Mundial para a Comunicação Cristã (WACC).

Nesta entrevista, Magali conta um pouco da sua caminhada na profissão, a proposta e desafios do Coletivo, num momento em que a própria religião é instrumentalizada de forma estratégica para alcançar objetivos políticos e econômicos.      

Como foi sua trajetória no jornalismo e sua experiência com checagem de notícias?

Minha trajetória é longa, eu me formei nos anos 1980, pela Universidade Federal Fluminense. O sonho do meu pai era que eu fizesse Direito porque, segundo ele, eu tinha que lutar pela verdade. Era o período da Ditadura Militar e meu pai era um sindicalista muito preocupado com a justiça, com a verdade. Eu disse a ele: “pai, eu vou lutar pela verdade e pela justiça mas por outros caminhos. Eu gosto muito de escrever e eu me vejo como jornalista”. Eu fui atrás dessa minha vocação, fiz o curso de jornalismo e depois fui convidada para trabalhar numa organização ecumênica de nome “Koinonia”, que naquela época se chamava Centro Ecumênico de Documentação e Formação. Eu tinha a tarefa de coordenar um pequeno jornal que se chamava “Aconteceu”, que reunia notícias relacionadas ao mundo religioso no Brasil, principalmente de católicos e evangélicos naquele momento. E a nossa tarefa era muito interessante: reescrever notícias que saíam nos jornais e que a gente identificava lacunas ou equívocos da cobertura sobre religião. Então, a gente reescrevia. Isso pra mim já foi uma escola saindo da universidade… Depois, eu fui fazer o mestrado e entrei no mundo acadêmico, me tornei professora, mas nunca deixei o jornalismo, sempre escrevendo, sempre atuando nesse campo.  

Como surgiu a ideia do Coletivo Bereia e qual a proposta? Essa iniciativa nasceu de uma pesquisa na universidade. Quem criou o Coletivo Bereia foram jornalistas e pesquisadores que, na época, trabalhávamos em pesquisa na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) sobre disseminação de fake news entre grupos religiosos. Aconteceu que vendo o resultado dessa pesquisa, que foi muito significativo, uma parte desse grupo se questionou sobre uma tomada de atitude para enfrentar o problema da desinformação. Então, resolvemos criar um projeto com a cara e a coragem, sem dinheiro, sem nenhum recurso, só a nossa vontade e o expertise, aquilo que podíamos fazer como jornalistas e pesquisadores em religião, voltado para o grupo religioso. E tivemos o apoio de uma organização cristã chamada “Paz e Esperança Brasil” que nos ajudou com recursos para colocar o projeto no ar, através de um site com os conteúdos que a gente estava criando. Assim começou.  

Poderia nos explicar o significado do nome do Coletivo?

O nome “Bereia” foi escolhido por ser um nome que está na Bíblia, é de uma cidade grega. A história, segundo o texto bíblico, é que as pessoas que receberam a pregação dos primeiros apóstolos do cristianismo nessa cidade foram conferir nas escrituras se o que estavam ouvindo era verdade. Então, a gente já procurou um nome relacionado à religião já pensando que poderia causar uma identidade com o público-alvo, especialmente os cristãos, como é identificada a maioria da população brasileira.

 

Como se dá a metodologia de checagem das informações?

Hoje, nós temos uma equipe formada por 23 pessoas. Desse grupo 22 são voluntárias, inclusive eu. Nós temos uma pessoa que recebe uma bolsa e, entre outras atividades, nos ajuda a colocar os conteúdos online. Para os voluntários, nós pedimos uma dedicação de 4 horas por semana e nós nos organizamos em equipes, de segunda à sexta-feira. Essas equipes fazem o trabalho de monitoramento de sites e perfis de mídias sociais e, além disso, estão atentas a discursos de personalidades de destaque político e a eventos sociais que envolvem a temática religiosa, como foi o caso do discurso do Presidente Jair Bolsonaro, durante a reunião da ONU, em setembro deste ano, e dos atos do dia 7 de setembro, no Brasil. O nosso prazo é muito curto para tamanha demanda. Por exemplo, a pesquisa de WhatsApp da UFRJ mostrou que desinformação das mídias digitais circulam por 48 horas. Então, se a gente quer concorrer com a desinformação, se a gente quer mostrar o outro lado, a gente tem um prazo muito curto que é de 24 a 52 horas para produzir uma matéria e, mesmo considerando a questão do voluntariado nessas equipes, a gente tem procurado cumprir esses prazos. Fundamentalmente é feita uma pesquisa do tema que é a contextualização. Todo trabalho de verificação precisa ser contextualizado. Que tema é esse, do que ele trata, como ele surgiu e, a partir daí, explicar esse tema nas suas nuances todas. Nesse processo, a gente recorre à entrevista com especialistas, pesquisas e fontes das mais diversas. Feito isso, é dado um parecer a este conteúdo: verdadeiro, falso, enganoso, impreciso ou inconclusivo.

 

Que fatores contribuem para a propagação de notícias falsas?

A propagação de conteúdo falso não é uma novidade. Isso é coisa humana. Desde que mundo é mundo as pessoas usam de falsidades, de engano para poder conseguir algum benefício próprio ou para poder interferir em alguma causa, algum objetivo. Então, isso é coisa antiga. E nas mídias, principalmente no jornalismo, a gente vai identificar vários exemplos, vários momentos em que o jornalismo se rendeu aos conteúdos falsos por questões políticas ou interesses econômicos de donos das mídias – porque a gente sabe que as mídias tem donos, tem perspectivas políticas e econômicas que muitas vezes comprometem o jornalismo. Mas a gente vai ver essa explosão do tema mais recentemente. Em 2016, a palavra do ano do dicionário Oxford foi “pós-verdade” e que está relacionada a este tema da desinformação justamente por conta dessa explosão das mídias digitais, das possibilidades que as pessoas têm hoje de serem produtoras de conteúdo, muito mais do que receptoras. Então, o público hoje, as pessoas que têm acesso às mídias digitais – e, é um acesso muito amplo, de diferentes camadas sociais, diferentes formações humanas – tornaram possível essa proliferação e essa participação intensa, tanto na produção quanto no recebimento também.  

Que característica torna esses conteúdos atrativos e aceitáveis? Quais são os principais assuntos abordados pelo Bereia?

A temática é a principal característica. Por exemplo, “política” é um tema chave. A religião na política hoje tem uma relação muito estreita. As pessoas querem saber o que os políticos estão fazendo relacionado à religião. Seja no Executivo, seja no Legislativo e também no Judiciário onde, recentemente, o tema da religião tem avançado. Temas relativos à moralidade também são muito compartilhados. Temas que tenham a ver com a sexualidade humana, idem. Por exemplo, uma das maiores fake news dos últimos tempos é a chamada “ideologia de gênero”. Esse termo é falso e enganoso também e sempre estamos trabalhando com ele. Outro assunto é a perseguição religiosa. Hoje se fala muito de cristãos que são perseguidos fora do Brasil, especialmente no Oriente Médio e nos países denominados “comunistas”. E, de 2020 para cá, conteúdo relacionado à Covid-19 foi campeão de verificações, inclusive, causando contaminação e morte. Desinformação mata, fake news mata e a gente observou isso com o uso da religião muito forte nessa temática.

 

Você citou a política como uma das temáticas mais presentes para a construção desses conteúdos desinformativos. A partir de que momento ela passa a ser usada de forma estratégica por grupos e pessoas?

A partir de 2016, o tema da desinformação ganhou novos contornos. E por quê? Porque 2016 é o ano do Brexit, da campanha pela saída da Grã Bretanha da União Europeia e houve muita desinformação para criar medo, fazer um terrorismo verbal e as pessoas votarem pela saída. Isso gerou, inclusive, uma série de processos na justiça. Também foi o ano da eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, que usou a mesma metodologia do Brexit para fazer a campanha eleitoral. Então, 2016 foi o ano em que esses temas começaram a ser discutidos porque, pela primeira vez na história, as mídias sociais apareceram com muita força para promover desinformação com interesse político. Diversos estudos passaram a ser desenvolvidos e a União Europeia tem um próprio sobre essa questão. E, partindo dessa pesquisa, foi criado um conceito de desinformação que a gente tem usado no Bereia. Ele define que desinformação é toda e qualquer informação deliberadamente produzida para interferir em interesses públicos ou para ganhos econômicos. Então, por exemplo, no caso da Covid a gente vai ver pessoas e empresas que ganharam muito dinheiro com cloroquina, com ivermectina, com tratamento precoce, empresas farmacêuticas, planos de saúde etc. Aqui no Brasil, a gente tem uma CPI das fake news nas eleições de 2018. Existem grupos que ganharam com isso.  

Nesse sentido, o que dizer dos órgãos reguladores? Acredito que é uma das grandes pautas de quem trabalha pela democratização da comunicação e da dignidade no trato com a informação. É preciso regulação, é preciso legislação porque as empresas de mídias sociais, as plataformas, as empresas jornalísticas se autorregulam e a gente precisa da sociedade civil participando desses processos. Mas o mais importante nisso é a legislação que garanta o direito à informação. Quando as pessoas recebem desinformação, é o direito à informação que está sendo negado. Então, é preciso acompanhar muito bem essas iniciativas, especialmente o andamento desse tema no Congresso.  

Se existem conteúdos desinformativos que partem justamente de veículos que são ditos “confiáveis”, um dos problemas não estaria na formação do profissional dessas instituições?

O Coletivo Bereia é um projeto que faz jornalismo especializado. E, há muito tempo nas escolas de jornalismo não há disciplinas que tratem da cobertura de religião. É uma certa defasagem. A gente encontra muitos erros de cobertura. Não é só a desinformação liberada, existem erros na reportagem porque não há muita formação. Se a pessoa não tem a iniciativa de buscar uma formação mais específica em religião, ela não vai conseguir cobrir adequadamente o tema. Agora, quando a gente fala dos espaços digitais, precisa muito pensar uma formação para compreender como as mídias operam. Não adianta só produzir para as mídias, não adianta só pesquisar. A gente precisa saber como elas operam. A velha história dos algoritmos, entender o que é isso, da monetização… Tudo isso implica em elementos que estão na forma de operar do universo digital. A gente tem a composição desses elementos todos nas mídias sociais… tudo isso a gente precisa entender. Não adianta saber fazer, saber ler, saber pesquisar se a gente não sabe como é que opera, o que está por trás. Isso é uma coisa muito importante. Outro ponto está na apuração. Muita coisa que sai em grandes mídias é por falta de apuração. O jornalista se conforma com o material, não procura especialista, não fez leituras para além do que acompanhou em sites, esquece dos livros, esquece dos artigos… É preciso ir fundo na apuração, conhecer as fontes, não dá para ficar só com o superficial  

O trabalho que o Bereia realiza é, em certa medida, de reparo dentro de uma cadeia de desinformação. É separar o joio do trigo, como diz o lema do Coletivo. Mas o que pode ser feito para essa erva daninha nem chegar a aparecer?

A gente tem um desafio. A gente entende que não adianta só publicar uma matéria dizendo que um conteúdo é falso ou enganoso e apresentar uma contextualização. É preciso fazer educação para a informação. Então, um trabalho que vai junto com a verificação que a gente faz é o trabalho educativo, formativo. Nosso projeto também oferece palestras, minicursos, apoia grupos religiosos que estão preocupados com esse tema, e a gente tem no nosso site uma seção chamada “Areópago”, que é um espaço de discussão ampla, em que a gente publica também artigos sobre o tema, pequenas instruções sobre como cada pessoa pode por si mesma fazer uma verificação de informação. Não é só o trabalho de fact cheking. O trabalho não se esgota numa matéria de verificação, na publicação jornalística de um conteúdo. O nosso trabalho também é o de educadores e educadoras, formadores para a informação digna e coerente.

Relatório da CPI da Pandemia aponta autoridades e influenciadores de perfil religioso na rede de desinformação

Após quase seis meses de trabalho, a CPI da Pandemia, que apura responsabilidades referentes à atuação de autoridades e cidadãos brasileiros no trato com a pandemia do coronavírus, aproxima-se do fim. E seu relatório final cita  diversas autoridades e influenciadores digitais de perfil religioso como atuantes na propagação de notícias falsas e desinformação a respeito do tema. O relatório ainda passará pelos integrantes da comissão, podendo sofrer emendas ou alterações.

Segundo consta no relatório, a disseminação de notícias falsas era operada por vários núcleos, que contavam com a participação de diversos atores de identidade religiosa. São eles:

Núcleo Central:

Eduardo Bolsonaro, deputado federal (PSL-SP), evangélico batista

Carlos Bolsonaro, vereador (Republicanos-RJ), evangélico batista

Núcleo Formulador:

Filipe Martins, assessor internacional da Presidência da República, cristão

Núcleo Político:

Bia Kicis, deputada federal (PSL-DF), católica

Onyx Lorenzoni, ministro da cidadania, evangélico luterano

– Carlos Jordy, deputado federal (PSL-RJ), católico

Núcleo de Produção e Disseminação – Influenciadores:

Bernardo Kuster, influenciador digital, católico

– Allan dos Santos, católico; Oswaldo Eustáquio, evangélico;  e Barbara Zambaldi Stefani, católica, que há pouco tempo tiveram seus canais bloqueados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob a alegação de propagarem desinformação. Ontem Allan teve prisão preventiva decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF.

O relatório e suas consequências

Conforme descrito pelo Nexo Jornal, “o relatório final de uma CPI é o documento que reúne as provas colhidas ao longo das investigações conduzidas pela comissão parlamentar, indicando possíveis crimes que, na visão dos autores do texto, foram cometidos pelas pessoas investigadas. (…) Esse pedido de punição costuma ser chamado por parlamentares e imprensa de “indiciamento”. Isso porque uma CPI cumpre por vias parlamentares o papel que normalmente é exercido pela polícia. Ou seja, a comissão não acusa formalmente, não julga nem pune, apenas investiga”.

A partir da aprovação do texto final pela CPI, o relatório é encaminhado ao Ministério Público, que pode propor a responsabilização civil e criminal dos investigados, além de acionar outros órgãos para encaminhamento de outras providências.

Além dos indiciamentos, o relatório da CPI da Pandemia também propôs sugestões aos poderes Legislativo e Judiciário no sentido de combater a disseminação de desinformações:  

– Tipificação da conduta de produzir ou disseminar notícia falsa no âmbito do Direito Penal;

– Aperfeiçoamento da identificação de usuários e perfis de redes sociais na internet. Somente a partir da devida identificação do eventual infrator é que se pode responsabilizá-lo por seus atos e exigir a reparação dos danos causados;

– Aumento da responsabilidade dos provedores de aplicação de internet, uma vez que já se sabe que essas empresas dispõem de recursos tecnológicos para, no mínimo, restringir o alcance de conteúdos maliciosos;

– Limitar ou mesmo de eliminar os ganhos financeiros auferidos por meio das fake news, tal como já adotado de forma pontual em algumas decisões judiciais

No entanto, algumas propostas estão sendo criticadas por especialistas. Embora se reconheça o esforço de combater a prática da desinformação, o que se aponta é que da maneira que está colocada, a lei pode dar margem para arbitrariedades. Bia Barbosa, pesquisadora da organização Repórteres Sem Fronteiras e participante do Comitê Gestor da Internet, pontua:

“O relatório do senador Renan Calheiros para a CPI da Covid erra nas duas propostas que traz para combater a desinformação nas plataformas digitais. Primeiro, porque cria um crime com pena de dois anos para quem divulgar notícia  falsa, ameaçando todo mundo em vez de focar na indústria das fake news. Segundo, porque tenta definir “notícia falsa”, um conceito extremamente subjetivo e que abrirá margem para arbitrariedades da Justiça. O problema é tão grande que nem o  PL das Fake News  propôs uma definição para o termo, entendendo que o combate à prática passa por outros caminhos”.

A pesquisadora ainda aponta que as propostas alteram o Marco Civil da Internet sem debater com a sociedade, alterando regras sobre guarda e uso de dados pessoais e sobre liberdade de expressão nas redes sociais. “A CPI faria melhor se remetesse as propostas para o GT-Net, presidido na Câmara pela deputada Bruna Furlan, onde uma dezena de parlamentares está há um ano discutindo a fundo o tema do enfrentamento às fake news”.

Referências:

Relatório da CPI da Pandemia. https://legis.senado.leg.br/comissoes/mnas?codcol=2441&tp=4 Acesso em: 21/10/2021.

Bereia.

https://coletivobereia.com.br/?s=filipe+martins Acesso em: 21/10/2021.

https://coletivobereia.com.br/?s=bia+kicis Acesso em: 21/10/2021.

https://coletivobereia.com.br/?s=onyx+lorenzoni Acesso em: 21/10/2021.

https://coletivobereia.com.br/?s=bernardo+kuster Acesso em: 21/10/2021.

https://coletivobereia.com.br/varios-canais-e-perfis-bloqueados-pela-justica-por-veicularem-fake-news-tem-identidade-religiosa/. Acesso em: 21/10/2021.

G1.

https://g1.globo.com/politica/cpi-da-covid/noticia/2021/10/19/cpi-identifica-organizacao-com-sete-nucleos-para-disseminar-fake-news-sobre-covid.ghtml Acesso em: 21/10/2021.

https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/10/21/moraes-determina-prisao-preventiva-de-blogueiro-bolsonarista-e-pede-que-ministerio-inicie-extradicao.ghtml. Acesso em: 22/10/2021.

Nexo Jornal. 

https://www.nexojornal.com.br/expresso/2021/10/19/O-que-voc%C3%AA-precisa-saber-sobre-a-fase-final-da-CPI-da-Covid Acesso em: 21/10/2021.

https://www.nexojornal.com.br/expresso/2021/10/20/O-que-h%C3%A1-no-relat%C3%B3rio-testado-e-ajustado-pela-CPI-da-Covid. Acesso em: 21/10/2021.

Desinformante. https://desinformante.com.br/o-que-mais-diz-o-capitulo-sobre-fake-news-do-relatorio-da-cpi-da-pandemia/. Acesso em: 21/10/2021.

Twitter. https://twitter.com/BiaBarbosa2020/status/1450601932884688905?t=NU48HUFUJrtBQrQ_YXOz1g&s=19 Acesso em: 21/10/2021.

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Foto de capa: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Unicef é contra pornografia para crianças: portais desinformam com interpretação distorcida de estudo do organismo

No último sábado, 5 de junho,o portal gospel Pleno News publicou notícia com o título “UNICEF sugere que pornografia pode ser positiva para crianças”. Nos últimos dias, a informação foi replicada por sites como ContraFatos, AcessePolítica, O Nortão e Gospel Prime. O conteúdo também circulou pelo aplicativo de mensagens WhatsApp em grupos religiosos.

Imagem: Reprodução da matéria publicada pelo Pleno News em 05/06/2021

A notícia foi replicada por políticos, como os deputados federais Marco Feliciano e Bia Kicis:

Postagem do pastor e deputado Marco Feliciano
Postagem da deputada federal Bia Kicis

A informação foi desmentida pelo próprio Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em nota pública no site e em suas mídias sociais.

O Unicef explicou que  o relatório “Ferramentas de garantia da era digital e direitos das crianças online em todo o mundo” discute como melhorar a proteção das crianças na internet e apresenta os numerosos riscos e danos associados ao acesso das crianças à pornografia e a outros conteúdos nocivos online. “A posição do UNICEF é clara: nenhuma criança deve ser exposta a conteúdo nocivo, online ou offline”, informa o comunicado.

Em virtude dessa desinformação em relação aos resultados do estudo, o Unicef o retirou do ar para revisão e ajustes necessários.       

O relatório mencionado na matéria do Pleno News só se encontra disponível no momento no site do Centro da Família e Direitos Humanos (C-Fam, no original em inglês), que serviu de fonte para o portal gospel. No entanto, ao contrário do que diz a C-Fam e a notícia do Pleno News, o estudo não menciona qualquer “direito humano ao consumo de pornografia”, nem implica que o consumo de pornografia possa ser benéfico para crianças.O estudo – que estava disponível somente em inglês – não chegou a ser publicado no site do UNICEF no Brasil.

Muitos perfis em mídias sociais compartilharam a afirmação de que o UNICEF defende pornografia

O estudo original

Em seu subcapítulo sobre “Quais os riscos que ferramentas de restrição de idade ajudam a mitigar, e quais as evidências que corroboram esses riscos”, o Unicef apresenta um intertítulo denominado “Pornografia”, páginas 35 à 39. Neste trecho, o estudo afirma que:

“Há vários riscos e males que foram associados à exposição de crianças a pornografia, mas não há consenso em que grau a pornografia é prejudicial a crianças. Proeminentes críticos apontam que as pesquisas mostram como o acesso à pornografia, em tenra idade, é associado a uma saúde mental empobrecida, sexismo e objetificação, agressão sexual e outros males. A evidência sugere que algumas crianças aparentam ser prejudicadas pela exposição a pornografia por algum tempo, mas a natureza do dano e sua duração variam de caso a caso”.

Trecho de Estudo do Unicef

Pelo menos seis estudos são citados para corroborar a posição do órgão, citados em revistas científicas revisadas por pares e bem classificadas em termos de credibilidade. O trecho que é mal interpretado pelos portais, diz respeito a uma pesquisa, realizada pelo grupo European Union Kids Online, em que se avaliava as reações emocionais de crianças a pornografia. Em nenhum momento o estudo ratifica que a pornografia é boa ou ruim, mas avaliava como as crianças se sentiam ao ter contato com ela. Dessas, o maior número foi de indiferente, seguido por crianças que se sentiam mal, e por fim, crianças que alegavam ter se sentido mais alegres. Dessas, 39% eram espanholas.

Mais à frente o relatório diz: “Como discutido acima, a evidência é inconsistente, e não há consenso quanto a natureza ou extensão do mal causado pelo consumo de pornografia por crianças”. “Natureza”, em um estudo científico, se refere a perguntar “o que é afetado”. Determinar se é um mal para a psicologia, a neurofisiologia, os órgãos sexuais, comportamental, é definir sua natureza. A “extensão” é definida pelo tempo de duração – se são problemas causados por toda a vida ou que podem ser remediados. Em nenhum dos casos se propôs que a pornografia não causasse mal às crianças.

O Unicef

O Fundo das Nações Unidas para a Infância, do inglês United Nations Children’s Fund (UNICEF), foi criado em 11 de dezembro de 1946, em Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), como meio de fornecer assistência às crianças no período pós-Segunda Guerra Mundial da Europa, no Oriente Médio e na China. Tornou-se órgão permanente em 1953 e atua defendendo e protegendo os direitos das crianças e adolescentes de todo o mundo.

“O bem-estar das crianças de hoje está inseparavelmente ligado à paz do mundo de amanhã.”

Henry Labouisse, diretor executivo do UNICEF de 1965 a 1979

O Unicef está presente no Brasil desde 1950 e a atuou diretamente “na aprovação do artigo 227 da Constituição Federal e na elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente; do movimento pelo acesso universal à educação; dos programas de enfrentamento ao trabalho infantil; entre outros grandes avanços para a garantia dos direitos de meninas e meninos brasileiros”, segundo seu site.

Em 7 de junho passado o Unicef declarou publicamente que a notícia do Pleno News que circulava pelos canais de WhatApp brasileiros é fake. O Unicef afirma na nota pública que “nenhuma criança deve ser exposta a conteúdo pornográfico nem a qualquer outro conteúdo nocivo online e offline”. Após as interpretações incorretas e a dissipação das fake news,o orgnaismo afirmou que retirou do ar o estudo para que ajustes fossem feitos e o artigo revisado.

O Unicef declara ainda estar  alarmado com a quantidade de conteúdos pornográficos disponíveis para crianças e reforça como a atitude é prejudicial para o desenvolvimento infantil. A nota pública indica também que o organismo trabalha para promover a segurança online das crianças e que incentiva governos, indústria de tecnologia, escolas, pais e comunidades a que façam tudo ao seu alcance para proteger as crianças de todos os conteúdos prejudiciais. No Brasil, o Unicefatuana proteção de meninas e meninos contra as diferentes formas de violência.

É possível saber mais sobre a atuação do Unicef no Brasil em unicef.org/brazil/protecao

Pleno News não se retrata e ainda usa desmentido da UNICEF

Em 8 de junho, o Pleno News publicou a notícia de que o Unicef retirou o estudo do ar depois da controversa interpretação errônea e ter gerado repercussão negativa. O portal afirmou também que, embora o órgão tenha classificado as notícias como fake news, decidiu retirar o estudo para revisão mantendo o tom de suspeita sobre o conteúdo.

Mais uma vez o deputado Marco Feliciano repercutiu a desinformação dizendo que a retirada do relatório do site do Unicef foi uma “vitória”:

Postagem do pastor e deputado Marco Feliciano

Diversas agências de checagem e veículos de comunicação realizaram a verificação sobre este caso que se alastrou pelas mídias sociais e classificaram a alegação em favor da pornografia no estudo como enganoso e falso, como Boatos.orgEstadão Verifica e o Portal R7 da Rede Record.

Bereia entrou em contato com o secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos Maurício Cunha para uma declaração sobre como o órgão está atuando na superação desta desinformação contra o Unicef, parceiro do governo federal. O secretário indicou que Bereia deveria entrar em contato com a assessoria de imprensa do ministério, o que foi feito. Até o fechamento dessa verificação não houve retorno. Tão longo se consiga o posicionamento governamental esta matéria será atualizada.

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Com base na apuração, o Coletivo Bereia conclui ser enganosa a notícia do Pleno News de que o UNICEF sugere que pornografia pode ser positiva para crianças. Apesar do estudo tratar do tema, as conclusões tiradas dele por meio de interpretações incorretas,e divulgadas de forma a comprometer a reputação do organismo, são tratadas de forma imprecisa. Pleno News age na linha dos veículos e grupos que disseminam desinformação para provocar pânico moral com temas sobre sexualidade e sobre a educação de crianças, gerando, assim, engajamento em suas matérias.

Bereia alerta leitores e leitoras que uma das formas de se avaliar se um conteúdo é falso ou enganoso é identificar matérias de cunho bizarro ou ausentes de sentido. No caso da publicação do Pleno News, pode-se avaliar como bizarro que um organismo da ONU, historicamente respeitado pelo trabalho dedefesa dos direitos das crianças e adolescentes, em várias frentes em todo o mundo, como o Unicef, com atuação no Brasil há 70 anos, seja acusado de sugerir que “pornografia seja positiva para crianças”. Uma afirmação fora de sentido como esta deve gerar desconfiança no primeiro acesso, a veracidade deve ser imediatamente buscada e os promotores da calúnia devem ser denunciados.

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Foto de capa: Pixabay/Reprodução

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Referências

Unicef, https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/e-fake-noticia-que-circula-no-whatsapp-e-em-sites-sobre-unicef-e-pornografia Acesso em 08 de junho de 2021

C-Fam, https://c-fam.org/friday_fax/unicef-report-says-pornography-not-always-harmful-to-children/ Acesso em 08 de junho de 2021

EU Kids Online, https://www.lse.ac.uk/media-and-communications/assets/documents/research/eu-kids-online/reports/EU-Kids-Online-2020-10Feb2020.pdf Acesso em 08 de junho de 2021

Unicef, https://www.unicef.org/brazil/sobre-o-unicef Acesso em 08 de junho de 2021


Senadores evangélicos abusam das fake news na CPI e são confrontados por senadora evangélica

*Matéria atualizada para acréscimo de informações sobre a trajetória do senador Heinze em 13/06 às 12h28 após acionamento de leitor. Atualizada novamente em 16/06 às 08h30 para correção de filiação do senador Flávio Bolsonaro.

Em cada sessão da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, há uma polarização entre os senadores alinhados com o governo federal e a oposição. Senadores independentes, também, acabam sendo atraídos por essa polarização. De um lado, os aliados do presidente da República Jair Bolsonaro defendem o chamado “tratamento precoce” (com um kit farmacológico), apregoam que o governo federal sempre trabalhou pela compra de vacinas, defendem ministros e ex-ministros e espalham desinformação, tanto para atacar opositores, quanto para defender investigados pela CPI. De outro, acompanhando o relator do processo Senador Renan Calheiros, ou desnudando as falhas e incompetências, opositores do governo e parlamentares independentes polarizam as narrativas – demonstrando, com fontes externas, ou documentos, que houve uma série de erros na condução da pandemia – os quais provocaram um agravamento da contaminação e incremento do número de mortos e sequelados. Bereia verificou, a partir de uma consulta a perfis de mídias sociais, os senadores que se autodeclaram evangélicos, constatando uma polarização idêntica dentro do campo religioso.

Marcos Rogério e Luiz Carlos Heinze:  senadores evangélicos pró-governo abusam das fake news e viralizam nas redes

Dois senadores, ligados a igrejas evangélicas, têm se destacado na linha de defesa do governo federal – Marcos Rogério e Luiz Carlos Heinze

Marcos Rogério da Silva Brito (de Ji-Paraná, Rondônia foi filiado ao PDT (2007-2016) e atualmente é filiado ao DEM. Destacou-se como relator do processo de cassação do presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB), no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar. É cristão evangélico, pastor da Igreja Evangélica Assembleia de Deus, mas frequenta, em Brasília, a Igreja Batista Central. Seu perfil na CPI tem sido o de alternar a defesa do tratamento precoce (kit farmacológico defendido pelo governo federal e seus apoiadores) ao lado de uma argumentação que sustenta que estados e municípios são responsáveis pelas mortes. 

Em sua atuação parlamentar, tem reiterado ataques ao governador de São Paulo João Dória e aos parlamentares de oposição ao governo federal, em especial os senadores relator da CPI Renan Calheiros (MDB/AL), o vice-presidente da CPI Randolfe Rodrigues (Rede/AP) e Otto Alencar (PSB/BA, que é médico). Marcos Rogério e Otto Alencar, confrontaram-se na Globo News (Programa Estudio I), em 2 de junho, sobre a convocação de governadores e prefeitos como depoentes na CPI. Na ocasião, Marcos Rogério voltou a defender que o governo repassou verbas para os estados e municípios, sem discriminar que os repasses eram regulares, segundo a lei, e diziam respeito a vários itens além do combate  à covid-19. Também, argumentou que o STF atravessou a atuação do governo (o que já foi verificado pelo Bereia como enganoso). Marcos Rogério foi advertido, ao vivo, por uma das apresentadoras do Estúdio I, de que tinha posturas machistas, interrompendo e elevando a voz diante de colegas senadoras na CPI.  Marcos Rogério lidera o ranking digital de presença nas redes sociais – segundo levantamento da Folha de São Paulo. O senador aparece em listas de disseminadores de fake news e seu comportamento na CPI reforça esta exposição.

Em sua performance mais flagrante, Marcos Rogério levou à CPI vídeos com declarações antigas (de março de 2020) de governadores adversários de Bolsonaro, como João Dória (PSDB-SP), Flávio Dino (PC do B- MA)e Renan Filho (MDB-AL).  Nas imagens, governadores como Flávio Dino, Wellington Dias, Helder Barbalho não falam contra o uso de cloroquina e hidroxicloroquina – remédios sem comprovação de eficácia contra a covid-19. Em expediente muito conhecido e criticado entre evangélicos, Marcos Rogério utilizou a o texto da fala destes líderes políticos fora de contexto, em período em que não se tinha dados sobre os malefícios destas medicações no tratamento da covid-19, como pretexto para defendê-las, acompanhando opresidente, Jair Bolsonaro. O fato omitido pelo senador é que em julho de 2020, quando Bolsonaro “ofereceu” uma caixa de cloroquina às emas do Palácio do Planalto, cientistas e também os governadores já haviam abandonado esta possiblidade – ainda que o tivessem defendido no início da pandemia.

O Democratas, partido de Marcos Rogério, pronunciou-se, oficialmente contra o senador, afirmando que não endossa suas posições. “Desde o início da pandemia, o compromisso do Democratas com a ciência e a preservação da vida se faz evidente em nossas gestões pelo Brasil”, comentou o partido em resposta à jornalista da CNN Daniela Lima (20.mai.2021).

Marcos Rogério também editou uma fala da infectologista Luana Araújo sobre corticoides e retirou a afirmação da médica de que não existe tratamento precoce. Em sua edição omitiu a parte em que a médica diz que corticoide deve ser usado em um momento específico da doença e postou na internet como recomendação e prova de que o tratamento precoce existe e é combatido pelos adversários de Bolsonaro. O perfil do Twitter Desmentindo Bolsonaro disponibiliza a íntegra do vídeo, desmontando a edição de Marcos Rogério.

Luiz Carlos Heinze (PP/RS) é um engenheiro agrônomo, ex-prefeito de São Borja, atualmente senador do Rio Grande do Sul. É cristão evangélico, membro da Igreja Evangélica Luterana. Também é ligado ao agronegócio, definindo-se como “produtor rural”, representante de associações de classe e cotista de empresas, todas ligadas ao segmento arrozeiro, dono da empresa familiar de alimentos Heinze (sem qualquer relação com a marca de alimentos da Kraft Foods, Heinz). Por sua defesa reiterada do governo federal e do presidente da República, a quem define como honesto, tem se destacado na tentativa de construir uma agenda “positiva”. Destaca o número de “recuperados” (vidas salvas) e defende o tratamento farmacológico (kit covid), como ferramenta para a redução de mortes. Ataca o governador de São Paulo João Dória, por ser opositor ao presidente Bolsonaro e, também, destaca os “baixos índices de mortalidade” de cidades que adotaram o protocolo farmacológico do suposto tratamento precoce – ainda que, em sua lista, a maioria dos municípios não ultrapasse 100 mil habitantes.

Em 2 de junho, Luis Carlos Heinze disse que o Amapá adota o tratamento precoce e tem a “menor letalidade do país”. A afirmação provocou reação contundente  de Randolfe Rodrigues, senador pelo Amapá”O senhor está mentindo. Esse dado é falso como todos os dados que o senhor está publicando aqui. Esse dado é fraudado. O senhor está mentindo”, disse o amapaense. Heinze tirou os números de contexto (como faz ao chamar os recuperados da covid-19 de “vidas salvas”). O número citado pelo senador (e também pela médica Nise Yamaguchi, que depôs na CPI) para defender a cloroquina – medicamento utilizado no combate à malária – é um referencial que mede a quantidade de mortes em função da quantidade de pessoas que contraíram a doença. Ou seja, não é possível falar de taxa de letalidade como taxa de mortalidade (índice que mostra o número de mortos em relação à população. A mortalidade é usualmente demonstrada por 100 mil habitantes.A taxa de letalidade não é o indicador ideal para medir os efeitos da pandemia, já que a subnotificação e a falta de testagem podem subdimensionar o resultado. 

Nas mídias sociais, Heinze acabou virando meme por causa das fake news divulgadas em suas intervenções na CPI da Pandemia. Em quase todos os momentos, quando este senador tem a palavra, ele cita termos como Didier Raoult (chamado nas redes de DJ Raul), o município de Rancho Queimado, Big Pharma, entre outros. Há também  um meme em que uma ex-atriz pornô libanesa Mia Khalifa teria sido citada pelo senador.



Em 25 de maio, o nome de Mia Khalifa, que circulou em um meme no início da pandemia, apareceu no topo dos assuntos mais comentados do Twitter, já que boa parte de quem acompanhava a sessão julgou que o senador governista havia cometido uma gafe em seu discurso. O meme com Khalifa – que circulou na internet em 2020, a partir de campanhas, em sites de direita, atacava a pesquisadora Marcela Pereira – que estudava a eficácia do uso de cloroquina – utilizando, ironicamente, fotos da ex-atriz pornô.

Porém, o senador Heinze citou a empresa Surgisphere, que conduziu um teste publicado na revista científica “The Lancet” condenando o uso da cloroquina contra a  covid-19.  Logo após o estudo ser publicado, foi revelado que, entre os funcionários da Surgisphere, trabalhava uma atriz pornô e um escritor de livros de ficção científica”. O artigo sobre a eficácia da cloroquina citado pelo senador durante a CPI foi retratado pelo “The Lancet”, que detectou um erro nos estudos, retirando-o do ar. A empresa Sugesphere fez a auditoria independente depois de críticas de outros pesquisadores. O meme com Heinze foi verificado pela agência Lupa.

A intensa atuação do senador Heinze em defesa do governo federal com o uso de conteúdo falso e enganoso, porém, já provocou uma reação do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) que indicou entrar com uma representação no Conselho de Ética do Senado contra o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), por disseminação de informações falsas na CPI da Pandemia. Heinze, por sua vez, disse ter confiança nos dados que apresenta. O senador continua a disseminar desinformação na CPI da Covid, como relata outra matéria do Bereia.

Eliziane Gama: senadora evangélica polariza com Heinze, Marcos Rogério e questiona o governo federal

A senadora Eliziane Pereira Gama Melo é jornalista e política brasileira filiada ao Cidadania do estado do Maranhão. Membro da Assembleia de Deus, Eliziane Gama passou a participar da CPI da Pandemia por acordo a partir de demanda da Bancada Feminina no Congresso Nacional, uma vez que nenhuma parlamentar mulher havia sido indicada por partidos para integrar a comissão. É fato que a composição dos 11 titulares da CPI apenas com homens, traduz a realidade do congresso (dos 81 senadores, apenas 12 são mulheres). Ela ganhou destaque, logo no início da do processo da CPI, ao ser interrompida em suas intervenções por senadores governistas que não aceitaram o acordo para a participação da Bancada Feminina na CPI. Eliziane Gama tem sido uma voz evangélica em contraponto aos senadores governistas deste grupo religioso. A senadora afirma frequentemente que o governo federal colocou a ideologia acima da ciência e defende mais atenção com as novas cepas.

Em entrevista ao Portal Terra,  Eliziane Gama avaliou, que a CPI já obteve informações comprometedoras para o governo Jair Bolsonaro e embora não seja integrante da comissão (com direito a voto), ela liderou reação à tentativa de aliados do governo de romper o acordo que garantiu às mulheres o direito de se manifestar nas reuniões – tendo, inclusive, confrontado o senador Flávio Bolsonaro (Patriota/RJ), denunciando sua postura “machista”.Em suas entrevistas e atuação, a senadora reitera que já existem indícios de ações criminosas e de falhas no combate à pandemia, por parte do governo federal. “Tentar mudar uma bula é, no meu entendimento, algo criminoso”, disse ela ao Correio Braziliense

Eliziane Gama também se uniu aos senadores da CPI Renan Calheiros, Humberto Costa, Tasso Jereissati e Randolfe Rodrigues, que repudiaram, em 2 de junho,  um ataque verbal do presidente Jair Bolsonaro à jornalista da CNN Daniela Lima. A agressão ocorreu em frente ao Palácio do Alvorada, no dia anterior quando, em conversa com apoiadores, o presidente se referiu à jornalista como “quadrúpede”. O senador Heinze, como representante da ala governista, declarou que esse é o “jeito” do presidente falar. 

O blog da jornalista comentarista da Globo News Ana Flor destaca que Eliziane Gama foi incluída no chamado G7 – grupo de integrantes formado por senadores de oposição e independentes que se contrapõe à bancada governista. Com isso, embora sem ter direito a voto, a senadora tem se destacado por intervenções e pela postura ativa de confronto aos quatro senadores da base governista que se caracterizam pela negação da realidade da pandemia. É dela a declaração que viralizou nas redes, durante o depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. “O Senhor já mentiu demais”.

Bereia infere que a CPI divide os evangélicos

Em artigo publicado pelo Coletivo Bereia, as  Assembleias de Deus são um exemplo da polarização em torno da realidade política do Brasil, o que também se pode perceber na CPI da Pandemia. Assim como há dois senadores assembleianos em polarização (Marcos Rogério e Eliziane Gama), é possível perceber pelo que se dá na arena pública, que nas bases políticas e nas comunidades de fiéis ocorre o mesmo fenômeno, pois a representação política não é diferente da realidade nacional.

De acordo com o censo de 2010, as Assembleias de Deus são o maior segmento evangélico, com 12 milhões de fiéis, e o segundo maior do Brasil, atrás da Igreja Católica (dados Censo/IBGE). Ao todo, as Assembleias de Deus têm 64 milhões de membros espalhados no mundo e 363.450 ministros, divididos entre 351.645 igrejas e presentes em 217 países. O Brasil lidera essa lista com 22,5 milhões de membros, de acordo com as estimativas da igreja nos EUA

A cisão entre os representantes evangélicos e os fiéis das igrejas também apareceu nas sondagens de voto do DataFolha. Porém, o mais importante é perceber que mesmo com uma forte campanha de desinformação no meio do segmento, com fake news sobre a China e vacinas que assolaram os sites e redes evangélicas, a CPI demonstra que nem todos os membros das igrejas são permeáveis às redes de desinformação. 

Ou talvez, demonstre, entre as 490 mil famílias que perderam entes queridos pela covid-19, que um percentual considerável dos mortos seja também de membros das igrejas e de seus pastores e pastoras – o que pressiona seus representantes políticos.

Referências: 

Senado Notícias, https://www12.senado.leg.br/noticias. Acesso em 09 jun 2021.

Senado Notícias, https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/05/19/a-cpi-dia-a-dia. Acesso em 09 jun 2021.

Senado,  https://www12.senado.leg.br/verifica. Acesso em 09 jun 2021.

Valor Econômico, https://valor.globo.com/politica/noticia/2021/05/27/agencia-senado-e-consultores-farao-checagem-de-dados-para-cpi-diz-renan.ghtml.  Acesso em 09 jun 2021.

Valor Econômico, https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/05/27/contra-a-desinformacao-senadores-exaltam-o-trabalho-de-checagem-feito-pela-imprensa-e-redes-sociais. Acesso em 09 jun 2021.

Senado, https://www25.senado.leg.br/web/senadores/senador/-/perfil/5718. Acesso em 09 jun 2021.

Senado Notícias, https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2018/10/22/eliziane-gama-brasil-precisa-de-uma-resposta-consolidada-com-mais-emprego-e-renda. Acesso em 09 jun 2021.

Partido Cidadania, https://cidadania23.org.br/2019/08/09/eliziane-gama-promove-debate-sobre-fe-e-politica-com-teologos-e-parlamentares/ Acesso em 09 jun 2021.

Senado Notícias, https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2018/10/22/eliziane-gama-brasil-precisa-de-uma-resposta-consolidada-com-mais-emprego-e-renda. Acesso em 09 jun 2021.

Senado Notícias, https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/06/13/eliziane-lembra-os-108-anos-da-igreja-assembleia-de-deus-no-brasil. Acesso em 09 jun 2021.

Portal Terra, https://www.terra.com.br/noticias/nao-queriam-a-voz-das-mulheres-na-cpi-diz-senadora,b011f7042a03d17a017f534db44cf1a20j1o6yho.html. Acesso em 09 jun 2021.

O Estado de São Paulo, https://politica.estadao.com.br/ao-vivo/cpi-da-covid-no-senado/729392. Acesso em 09 jun 2021.

O Estado de São Paulo, https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,bbb-da-cpi-de-capita-a-general-che-guevara-a-penis-inflavel-cloroquina-perde-espaco-na-cpi,70003725973. Acesso em 09 jun 2021.

Correio Braziliense, https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/05/4923634-cpi-mostra-que-governo-colocou-a-ideologia-acima-da-ciencia-diz-eliziane-gama.html. Acesso em 09 jun 2021.

UOL Vídeos, https://www.uol.com.br/play/videos/noticias/2021/06/02/cpi-da-covid-eliziane-gama-avalia-depoimento-de-luana-araujo-e-falta-de-mulheres–uol-news-noite.htm. Acesso em 09 jun 2021.

Blog da Ana Flor, https://g1.globo.com/economia/blog/ana-flor/post/2021/06/02/cpi-da-covid-grupo-conhecido-como-g7-ganha-integrante-da-bancada-feminina.ghtml. Acesso em 09 jun 2021.

Fronteira Final, https://fronteirafinal.wordpress.com/2011/07/02/assembleia-de-deus-brasil-maior-do-mundo/. Acesso em 09 jun 2021.

Blog do Reinaldo Azevedo, https://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/o-ibge-e-a-religiao-cristaos-sao-86-8-do-brasil-catolicos-caem-para-64-6-evangelicos-ja-sao-22-2/. Acesso em 09 jun 2021.

UOL Notícias, https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2021/05/13/datafolha-bolsonaro-lula-religiao.htm. Acesso em 09 jun 2021.

Folha de S. Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/05/empate-de-bolsonaro-e-lula-no-voto-evangelico-e-recado-para-quem-ve-rebanho-em-vez-de-gente.shtml. Acesso em 09 jun 2021.

Programa Estúdio I, GloboNews, https://g1.globo.com/globonews/estudio-i/video/cpi-da-covid-marcos-rogerio-e-otto-alencar-debatem-sobre-convocacao-de-governadores-9555287.ghtml. Acesso em 09 jun 2021.

Estado de Minas, https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2020/07/23/interna_politica,1169707/bolsonaro-e-as-emas-depois-bicadas-presidente-leva-cloroquina-aves.shtml.  Acesso em 09 jun 2021.

Estado de Minas, https://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2020/07/23/interna_nacional,1169652/estudo-mostra-que-cloroquina-nao-funciona-para-caso-leve-e-moderado-de.shtml.  Acesso em 09 jun 2021.

Correio Braziliense, https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/05/4925783-dem-diz-que-falas-de-marcos-rogerio-na-cpi-nao-refletem-pensamento-do-partido.html Acesso em 09 jun 2021.

Blog Coronavírus, Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, https://coronavirus.saude.mg.gov.br/blog/81-taxa-de-mortalidade-da-covid-19  Acesso em 09 jun 2021.Correio Braziliense, https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/05/4925614-cpi-da-covid-quem-e-quem-na-comissao-que-investiga-acoes-e-omissoes-do-governo-bolsonaro.html Acesso em 09 jun 2021.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/senador-da-bancada-evangelica-distorce-informacoes-publicadas-em-veiculos-estrangeiros/. Acesso em 11 jun 2021.

Pleno News desinforma sobre pobreza no Brasil

O portal de notícias Pleno News indicou em texto de 23 de maio de 2021, que “Brasil e Panamá são únicos (países) latinos a reduzir pobreza”. 

A informação se valia de uma suposta notícia do portal da BBC de Londres. A matéria, na verdade, estava no portal “BBC News Mundo”, divisão em espanhol do portal BBC, e se valia de um estudo da Comissão Econômica Para a América Latina (CEPAL). No entanto, o estudo não apresenta dados sobre 2020-2021, apenas projeções.

O Estudo Original

A notícia do Pleno News se baseia em uma notícia veiculada pela BBC News Mundo, publicada no dia 20 de maio de 2021. O texto usava como dados estudo publicado pelo CEPAL em que se analisava os índices de pobreza, extrema pobreza, mercado de trabalho e outras variantes para a América Latina. A informação de que Brasil e Panamá reduziram pobreza foi exibida da seguinte maneira:

“O paradoxo do Brasil e Panamá – os únicos países onde se diminuiu a extrema pobreza foram Brasil e Panamá. Enquanto no Brasil a extrema pobreza caiu de 5,5% para 1,4%, no Panamá se registrou uma diminuição de 6,6% para 6,4%. Fonte: Projeção Cepal (Comparação 2029-2020).”

Há dois problemas na notícia original. O primeiro é a data de comparação: o estudo original compara de 2019-2020 (na notícia se escreveu 2029-2020, o que provavelmente constitui erro de digitação). O segundo diz respeito ao caráter do estudo: originalmente oi publicado no site do CEPAL em março de 2021, porém foi finalizado em 2020, usando dados de 2014-2019. Logo, não haviam dados sobre a situação da pandemia no mundo, uma vez que esta acometeu o país a partir de março de 2020, período não contabilizado no levantamento.

Quadro original que indica as projeções de pobreza e extrema pobreza em 2020, com base em 2019. Página 85 do estudo.

Um comunicado à imprensa no site do CEPAL, em 4 de março, no entanto, desfaz as projeções iniciais: no informe nota-se que a pobreza e a pobreza extrema aumentaram na América Latina como um todo e não é feita nenhuma menção em particular ao Brasil. 

Pobreza no Brasil

Diferentemente do que a notícia do Pleno News afirma em seu primeiro parágrafo, a extrema pobreza no Brasil aumentou durante a pandemia. Dados recentes, divulgados pela FGV Social, informam o aumento da pobreza e da desigualdade nos últimos quatro anos (2018 – 2021). O estudo “Qual foi o impacto da crise sobre a pobreza e a distribuição de renda?”, baseado em dados do IBGE, mostra que 23,3 milhões de pessoas vivem abaixo da linha de pobreza (R$ 232,00 por mês), equivalente a 11,2% da população. “A miséria subiu 33% nos últimos 4 anos. Foram 6,3 milhões de novos pobres”, relata a FGV Social.

Outros portais compartilharam a informação enganosa

A pesquisa do Bereia para esta matéria levantou que a notícia de que Brasil e Panamá reduziram a extrema pobreza foi replicada em outros portais, como o Terra Brasil Notícias, A Província do Pará, ContraFatos e o Focus.Jor – as referências usadas eram a notícia da BBC News Mundo, o estudo do CEPAL ou o próprio Pleno News. Todos, no entanto, seguiam a mesma lógica de tratar como realidade a projeção do CEPAL. A notícia dada pela Agência Brasil no dia 4 de março se destaca como cobertura jornalística que não corroborou a desinformação.

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Bereia classifica a notícia publicada pelo Pleno News como enganosa, a fim de levar leitores e leitoras a crerem que há políticas bem sucedidas na área da economia pelo governo do Brasil. O dado que embasa a matéria não diz respeito a uma queda na extrema pobreza, mas a uma projeção feita a partir de dados anteriores à pandemia, o que não foi contextualizado pelo portal de notícias. A desinformação encontra terreno mais fértil para proliferar com a ausência de estudos robustos como o do IBGE, cujo corte no orçamento inviabilizou a realização plena de pesquisas atualizadas sobre o dado.

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Referências

BBC,

https://www.bbc.com/mundo/noticias-57165791. Acesso em 27 de maio de 2021. 

CEPAL, https://www.cepal.org/sites/default/files/publication/files/46687/S2100150_es.pdf. Acesso em 1º de junho de 2021.

CEPAL, https://www.cepal.org/es/publicaciones/46687-panorama-social-america-latina-2020. Acesso em 27 de maio de 2021.

CEPAL, https://www.cepal.org/pt-br/comunicados/pandemia-provoca-aumento-niveis-pobreza-sem-precedentes-ultimas-decadas-tem-forte. Acesso em 1º de junho de 2021.

FGV Social, https://cps.fgv.br/. Acesso em 1º de junho 2021.

FGV Social, https://cps.fgv.br/fgv-social-divulga-dados-ineditos-sobre-o-aumento-da-pobreza-e-da-desigualdade. Acesso em 1º de junho de 2021.


Agência Brasil, https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2021-03/pandemia-de-covid-19-eleva-indices-de-pobreza-na-america-latina. Acesso em 1º de junho de 2021.

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Foto de Capa: Cristiano Mariz

Campanha da Fraternidade Ecumênica é alvo de desinformação e ataques

A Campanha da Fraternidade que, em 2021, é ecumênica tem sido alvo de desinformação e ataques de grupos católicos fundamentalistas nos últimos dias. Os ataques têm como vítima principal a pastora luterana, secretária-geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC) Romi Márcia Bencke, que está à frente da realização da campanha 2021. A pastora admitiu ter sofrido agressões pelas mídias sociais, o que tem gerado, inclusive denúncias judiciais. 

Romi Bencke acredita que a campanha de difamação contra ela também tenha motivação para além da religião. “Avalio que esses ataques têm muita relação com o pedido de impeachment que a gente protocolou na Câmara algumas semanas atrás”, diz a secretária-geral do CONIC. Ela foi uma das lideranças religiosas que esteve em Brasília para protocolar o documento que pede o impeachment do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), assinado por um grupo de 380 líderes católicos e evangélicos. 

O que é a Campanha da Fraternidade Ecumênica? 

A Campanha da Fraternidade ocorre no cerne da Igreja Católica do Brasil há mais de 50 anos, sob responsabilidade da Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB). Desde os anos 2000 a campanha é realizada de forma ecumênica, a cada cinco anos, e conduzida pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC), reunindo diversas denominações cristãs e movimentos. 

A campanha de 2021 tem como tema “Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor”, com o  objetivo principal: “Através do diálogo amoroso e do testemunho da unidade na diversidade, inspirados e inspiradas no amor de Cristo, convidar comunidades de fé e pessoas de boa vontade para pensar, avaliar e identificar caminhos para a superação das polarizações e das violências que marcam o mundo atual”. 

Em 2021, participam da campanha, organizada pelo CONIC, a Igreja Católica Apostólica Romana, por meio da CNBB; Aliança de Batistas no Brasil; Igreja Episcopal Anglicana; Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil; Presbiteriana Unida; Sirian Ortodoxa de Antioquia; Igreja Betesda (igreja convidada); e CESEEP, organismo ecumênico. O Papa Francisco enviou uma mensagem em apoio à CFE 2021 bem o secretário geral do Conselho Mundial de Igrejas.

Desinformação sobre a CFE e ataques à coordenação 

Entre os vários conteúdos de ataque à CFE 2021 e à coordenação da Pastora Romi Bencke e da CNBB, está um vídeos de grande repercussão, publicado pelo pregador e influenciador católico Anderson Reis. As declarações de Anderson Reis em seu canal do Youtube disseminam desinformação sobre o tema. 

Os ataques à pastora Romi Márcia Bencke e à CNBB se baseiam em afirmações falsas. No vídeo, o autor afirma:

Essa pastora é a favor do aborto, feminista e a favor da ideologia de gênero. Isso é uma agenda que vem sendo imposta para nós e depois dessa pandemia avançou com uma velocidade supersônica. E o dever da igreja que deveria ser uma resistência profunda contra essas trevas do quinto dos infernos está permitindo no Brasil um documento cuja alma desse documento é a favor de tudo isso

Anderson Reis

“Essa pastora é a favor do aborto” diz o influenciador aos 0:43 segundos do vídeo. Anderson Reis realiza aqui prática comum na desinformação, que é mudar o contexto de declarações e favorecer interpretações rasas do conteúdo. 

A pastora Romi Márcia Bencke, registra sua posição sobre o tema no artigo para a Open Society Foundation: é a favor da legalização do aborto, o que diz respeito a uma posição distinta de ser a favor do aborto.

A legalização do aborto é a existência de uma legislação que ampare a mulher que opte por abortar. Envolve acompanhamento psicológico das gestantes, condições específicas para seu cumprimento, e tem um papel relevante no combate às clínicas clandestinas.

Um estudo publicado em 2013, por Karla Ferraz dos Anjos, Vanessa Cruz Santos, Raquel Souzas e Benedito Gonçalves Eugênio, expõe a realidade das mulheres que realizam abortos clandestinos: tem maiores taxas de mortalidade, se encontram desamparadas e geram custos sociais e econômicos para os sistemas de saúde do país. Outro estudo, de Wendell Ferrari e Simone Peres, mostra como a falta de amparo leva a tomadas de decisão trágicas entre jovens que recorrem ao aborto clandestino.

Desta forma, ser a favor da legalização do aborto é se colocar contra o aborto clandestino, e não a favor de que se aborte. A questão é recorrente em debates feministas e busca esclarecer essa diferença primordial entre o direito a se tomar uma atitude e o apoio à atitude.

“O aborto não é um tema bíblico. Como apontou a Pra. Lusmarina Campos Garcia em audiência ao STF existem apenas dois textos no Primeiro Testamento que fazem referência à prática do aborto. O primeiro, em Êxodo 21:22- 23, determina que se uma mulher, por estar envolvida na briga entre o seu marido e outro homem, for ferida e abortar, o agressor deve pagar uma indenização para o marido. Isto significa que, à época, a perda do feto em decorrência de uma agressão sofrida não era considerada grave e passível de penalidade maior, uma vez que o feto não era considerado um “ser vivo”, diz a pastora Romi Bencke no seu artigo.

A segunda situação é ainda mais marcante: “Números 5:11-34, que relata um aborto ritual praticado pelo sacerdote.  Se a mulher abortasse estava comprovado que ela tinha sido infiel e o marido podia puni-la, inclusive com a morte por apedrejamento. Ressalte-se que a punição era por causa da infidelidade e não por causa do aborto realizado”, conclui a pastora, destacando que o debate em torno do aborto comumente se pauta pelo mandamento “não matarás”. “Como pode-se ver, não era considerado vida”, conclui.

Anderson Reis usou de um conteúdo descontextualizado em relação à pastora Romi Bencke para agredi-la, atacando também a CFE. 

O fantasma da ideologia de gênero

Anderson Reis também acusa a CFE 2021 de ser a favor da falaciosa “ideologia de gênero”. Ao acessar o texto base da campanha, Bereia verificou que a palavra “gênero” aparece três vezes no documento, nos itens 67 e 125, destacando a questão da violência contra a mulher:

“Os dados nos mostram quem são as pessoas atingidas pelo sistema de violência. As mulheres, em especial as negras e indígenas, são impactadas em todas as dimensões da sua existência. Observar esta realidade evidencia a necessidade de se discutir as questões de gênero, não se limitando à igualdade entre os sexos, mas, compreendendo que a libertação das mulheres da situação histórica de opressão passa pela discussão da propriedade privada, da divisão sexual do trabalho, da laicidade do Estado e da Teologia quando impõe um patriarcado como modelo divino de hierarquia social. Além disso, é importante salientar que as relações sociais de classe, de gênero, de raça, de etnia estão historicamente interligadas.”

“(…) Efésios (2,1-10) alerta para a necessidade premente de se aceitar plenamente as pessoas, que são diferentes, e ver nas diferenças a riqueza do corpo de Cristo. Não é possível estar com Deus e, ao mesmo tempo, discriminar e desrespeitar as outras pessoas por causa das suas diferenças étnicas, religiosas ou de gênero.” 

Texto-base da CFE

O texto também se manifesta contra a violência contra pessoas LGBTQI+ no item 68:

“Outro grupo social que sofre as consequências da política estruturada na violência e na criação de inimigos, é a população LGBTQI+. O já citado Atlas da Violência de 2020, mostra que o número de denúncias de violências sofridas pela população LGBTQI+ registradas no Dique 100 no ano de 2018 foi de 1685 casos. Segundo dados do Grupo Gay da Bahia apresentados no Atlas da Violência 2020, no ano de 2018, 420 pessoas LGBTQI+ foram assassinadas, destas 164 eram pessoas trans. Percebe-se que em 2011 foram registrados 5 homicídios de pessoas LGBTQI+. Seis anos depois, em 2017, este número aumentou para 193 casos. O aumento no número de homicídio de pessoas LGBTQI+, entre 2016 e 2017, foi de 127%. Estes homicídios são efeitos do discurso de ódio, do fundamentalismo religioso, de vozes contra o reconhecimento dos direitos das populações LGBTQI+ e de outros grupos perseguidos e vulneráveis.”

Texto-base da CFE

A defesa da vida de mulheres e da população LGBTQI+ é relacionada, pelo influenciador católico, como uma “ideologia” em sentido negativo, sendo, portanto, desqualificada.

Bereia já publicou em verificação anterior sobre o fantasma da “ideologia de gênero”, termo falacioso que é objeto de muita desinformação, especialmente entre grupos religiosos. Como demonstra a matéria, líderes políticos e outros grupos de tendência conservadora têm se apropriado dessa pauta para ganhar adesão política, por meio de pânico moral

Consultada por Bereia, a coordenadora nacional do movimento Evangélicas pela Igualdade de Gênero (EIG) professora Valéria Vilhena explica que não existe e nunca existiu uma “ideologia de gênero”. “Essa narrativa foi construída para se opor aos direitos da mulher e da população LGBT. Eles constroem esse discurso para mais uma vez se posicionarem e reforçarem a negação da dignidade humana. Essa é a questão. Porque não existe uma “ideologia de gênero” – algo que se referem como uma “crença”, uma crença que se impõe para destruir a família (…) O que há é a construção de uma narrativa se utilizando do conceito “gênero” que vem dos estudos de gênero, mas que não tem nada a ver com o que dizem”, declara.

Texto-base não foi redigido por uma só pessoa

Outra acusação de Anderson Reis, no vídeo que circula nas mídias sociais, é que o texto-base da CFE 2021 é de autoria de uma só pessoa, não tendo a participação da CNBB.

O CONIC publicou nota desmentindo esta afirmação::

“A redação do Texto-Base foi resultado de um processo coletivo de construção, que iniciou no final de 2019. Teve participação direta de pessoas de diferentes áreas do conhecimento, em especial, sociologia, ciência política e teologia. A parte bíblica do Texto contou com a colaboração de biblistas de diferentes igrejas cristãs. Todas pessoas com profundo conhecimento bíblico. Depois de escrito, o Texto-Base foi amplamente discutido por uma Comissão Ecumênica formada por 8 pessoas, sendo 6 indicadas oficialmente pelas igrejas-membro do CONIC, uma igreja convidada e um organismo ecumênico.”

Nota do CONIC

A CNBB publicou nota em que ressalta que a CFE é marca e riqueza da Igreja Católica no Brasil e diz que lhe cabe “cuidar dela, melhorá-la sempre mais por meio do diálogo, assim como nos cabe cuidar da causa ecumênica, um ideal que se nos impõe”.

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Bereia conclui que as informações do vídeo sobre a CFE são enganosas e buscam gerar pânico moral em torno dos temas do aborto e do fantasma da “ideologia de gênero”. O texto-base da campanha, na verdade, defende o fim da violência contra mulheres e pessoas LGBTQI+. 

A Campanha da Fraternidade ocorre desde 1964 e tem como objetivo promover a união entre pessoas de diversas manifestações de fé, tendo apoio do próprio Papa Francisco e de outros líderes religiosos mundiais. 

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Matéria atualizada em 11 de março de 2021 às 9h14 para correção de dado sobre ano de início da CFE.

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Foto de capa: CONIC/Reprodução

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Referências 

Nota da CNBB, https://www.cnbb.org.br/wp-content/uploads/2021/02/Nota-da-presid%C3%AAncia-da-CNBB-CFE-2021.pdf. Acesso em: 10 mar. 2021.

Nota do CONIC, https://conic.org.br/portal/noticias/3776-leia-a-integra-do-texto-base-da-campanha-da-fraternidade. Acesso em: 09 mar. 2021.

Artigo de Romi Márcia Bencke, https://www.cfemea.org.br/images/stories/publicacoes/laicidade_direito_aborto.pdf. Acesso em: 09 mar. 2021.

Entrevista de Romi Márcia Bencke, http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/606498-bolsonaro-sabe-jogar-muito-bem-com-a-religiao-entrevista-com-a-pastora-romi-bencke. Acesso em: 09 mar. 2021.

Texto-base da Campanha da Fraternidade Ecumênica, https://www.conic.org.br/portal/files/cf_texto_base_2021.pdf. Acesso em: 10 mar. 2021.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/o-presidente-do-brasil-e-a-falaciosa-ideologia-de-genero/. Acesso em: 10 mar. 2021.

Canal católico não está sendo perseguido, como site gospel quer fazer crer

O portal de notícias Gospel Mais publicou em 16 de fevereiro uma reportagem que afirma que o YouTube teria excluído o maior site católico conservador do mundo, o Life News Site, com cerca de 300 mil seguidores na plataforma. A matéria diz que a empresa de tecnologia baniu o canal do LifeNews Site por desinformação médica, mas o texto não detalha quais conteúdos específicos levaram ao que o Gospel Mais chama de “censura”.

O texto do Gospel Mais também reproduz o que a diretora de marketing do Life News Site Rebekah Roberts disse ao canal norte-americano Christian Broadcast Network News. Rebekah afirma que ela considera o banimento como mais um episódio de perseguição ideológica a veículos conservadores e cristãos. Além disso, a matéria relaciona esse caso à remoção do canal bolsonarista brasileiro Terça Livre do Youtube.

O que motivou a exclusão do Life News Site

A matéria do Gospel Mais reproduz a justificativa do porta-voz do Google (detentora do Youtube) veiculada no Christian Broadcast Network. Originalmente, a declaração foi dada ao portal conservador The Blaze, que também considera o banimento uma censura. “De acordo com nosso antigo sistema de strikes [exclusão de conteúdo], encerramos o canal Life News Site por violar, repetidamente, nossa política de desinformação sobre a COVID-19, que proíbe conteúdo que promova métodos de prevenção que contradizem as autoridades de saúde locais ou a OMS. Qualquer canal que viole nossa política de desinformação sobre a COVID-19 receberá um aviso, que restringe temporariamente o envio ou a transmissão ao vivo. Os canais que receberem três avisos no mesmo período de 90 dias serão removidos permanentemente do YouTube”. A mesma mensagem foi enviada à VICE norte-americana, em reportagem sobre o tema.

No entanto, o site brasileiro não informa quais foram as infrações que o LifeNews Site cometeu até receberem a exclusão. A reportagem da VICE informa que não está claro qual conteúdo levou à última remoção, já que o canal do site não existe mais.

Porém, um vídeo do apresentador John-Henry Weston, no próprio LifeNews Site, mistura críticas ao presidente Joe Biden e à esquerda norte-americana e ao imunologista Anthony Fauci (líder no combate à pandemia nos governos Trump e Biden) e aponta alguns conteúdos que poderiam ter justificado o banimento

De acordo com o vídeo, a primeira exclusão teria vindo por veicular o áudio de um patologista canandense que considera a covid-19 “a maior farsa já perpetrada” e “apenas uma gripe forte”, além de questionar o uso de máscaras, distanciamento social e outras medidas de combate à pandemia. Esse conteúdo já foi verificado como falso pela Associated Press. A seguir, a plataforma deu um alerta ao canal católico por publicar um vídeo em que uma freira também classifica a pandemia como farsa para promover controle, uma Nova Ordem Mundial e uma Grande Restauração. Teorias da conspiração como essas já foram verificadas como falsas pelo Coletivo Bereia.

O vídeo ainda cita exclusões devido a conteúdos relacionados a vacinas ou pesquisas científicas. Bereia já verificou desinformações sobre o tema e explicou a posição oficial da Igreja Católica de apoiar a vacinação por entender que o uso dessas vacinas não constitui legitimação da prática do aborto.

Segundo a reportagem da VICE, um dos conteúdos diz respeito a uma entrevista da bióloga Pamela Acker. A respeito da posição da Academia do Vaticano pela Vida (citada na verificação do Bereia) ela diz: “Você não pode simplesmente dizer: ‘As vacinas salvam vidas, portanto esta vacina é uma ótima ideia’. Você tem que olhar para as vacinas caso a caso, e aquelas que usam células fetais abortadas, em geral, são não. Elas não são realmente vacinas que salvam vidas”. Ela esclarece que não há células fetais nas vacinas Pfizer e Moderna, o que é correto.

Em seguida, ela levanta a hipótese de que pessoas com comorbidade talvez não deveriam ser contadas como mortes por coronavírus – uma interpretação que já foi verificada como falsa – e outros dados sobre expectativa de vida nos EUA para concluir que a pandemia não é causa tão grave. No entanto, em outubro de 2020 a covid já era a terceira maior causa de óbitos nos EUA e em dezembro o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, em inglês) norte-americano concluiu que a pandemia tornou 2020 o ano com mais mortes na história do país. Os EUA lideram a estatística de óbitos por covid em todo mundo, com mais de 490 mil mortos e ocupa o 8º lugar de mortes por 100 mil habitantes, de acordo com o monitoramento da Universidade Johns Hopkins.

O que dizem as políticas do Youtube sobre desinformação relacionada à pandemia

De forma geral, o Youtube monitora o conteúdo que é postado na plataforma em duas fases. A primeira é feita por sistemas automatizados que ajudam a sinalizar violações de políticas e diretrizes. Depois, esses conteúdos passam por revisão humana, como explica este vídeo do Youtube sobre as ações tomadas sobre o coronavírus, datado de 20 de março de 2020. As políticas da plataforma foram atualizadas ao longo do tempo.

O Youtube tem uma política específica para desinformação médica. Conforme o porta-voz do Youtube diz, o Life News Site violou termos que tratam de conteúdos que contradizem métodos de prevenção indicados por autoridades locais e a OMS. O Life News Site diz em seu vídeo de defesa que strikes vieram também por causa de conteúdos que relacionavam vacinas a abortos. A política da plataforma também tem um termo em que pede para criadores não postarem conteúdo que “afirme que uma vacina contra a COVID-19 aprovada contenha substâncias que não estão na lista de ingredientes da vacina, como tecido fetal”.

O caso Terça Livre

Em situação semelhante no Brasil, o encerramento do canal Terça Livre no Youtube se deu pelo mesmo mecanismo de “strikes” explicadas acima e nas matérias do Poder 360 e UOL citadas pelo Gospel Mais. O desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Mathias Coltro considerou a medida do Google desproporcional e que a ação violou o direito constitucional de expressão e informação. Ao UOL, a Google disse que não foi intimada sobre a decisão e que não comenta casos judiciais em andamento.

Debate sobre liberdade de expressão e o controle das big techs

O debate sobre liberdade de expressão e a responsabilidade das Big Techs e mídias sociais no combate a fake news e discurso de ódio tem crescido nos últimos anos. A Lei das Fake News (Projeto de Lei n° 2630, de 2020), aprovada no Senado e aguardando tramitação na Câmara dos Deputados, trata do assunto em seu primeiro artigo:

Art. 1º Esta lei estabelece normas, diretrizes e mecanismos de transparência de redes sociais e de serviços de mensageria privada através da internet, para desestimular o seu abuso ou manipulação com potencial de dar causa a danos individuais ou coletivos.

Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet

Procurada por Bereia, a professora de Comunicação Social na Universidade Federal do Ceará e membro do Coletivo Intervozes Helena Martins respondeu a algumas perguntas sobre liberdade de expressão e as Big Techs. Confira a entrevista:

Bereia: O que é liberdade de expressão? Significa poder falar o que quiser?

A liberdade de expressão é um direito fundamental, reconhecido já na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789): art. 11: “A livre comunicação dos pensamentos e opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem; todo cidadão pode, então, falar, escrever e imprimir livremente, salvo responder ao abuso desta liberdade nos casos determinados pela lei”. A Constituição brasileira a consagra explicitamente no art. 5º, IV, que diz “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.

Portanto, a liberdade de expressão é um direito, mas os direitos não são absolutos. Eles devem ser postos sempre em relação com outros direitos. A liberdade de expressão não comporta, por exemplo, a incitação a uma violência, porque é um crime. A injúria, o racismo e tantos outros são exemplos de crimes que já são tipificados. Então, não, a liberdade de expressão não quer dizer que se pode dizer tudo. Quer dizer que você tem direito de falar, mas não o direito de praticar crime. Também é importante ponderar que, além do direito de dizer, a pessoa que diz se torna responsável pelos seus atos. Então, as pessoas ficam sujeitas a possíveis repercussões e até mesmo a responsabilização em caso de ter ultrapassado o limite da liberdade de expressão e incorrido em crime.

Helena Martins

Bereia: Quais são os limites e responsabilidades das Big Techs no combate às fake news? Qual a importância da criação de leis e mecanismos de garantia de liberdade de expressão?

As Big Techs têm um papel central na circulação de informações, na própria convivência em sociedade, já que cada vez mais as várias atividades passam a ser mediadas pelas plataformas digitais. Plataformas que não apenas suportam as redes, mas também definem os seus contornos, o que pode ou não ser dito nelas a partir da determinação unilateral – infelizmente – dos seus termos de uso. Muitas vezes, por meio de algoritmos, as redes facilitam ou dificultam a circulação de determinados conteúdos. Tudo isso mostra uma centralidade muito grande das plataformas digitais no momento atual.

Isso quer dizer que elas devem cooperar para a busca por soluções de problemas. Ao meu ver, as plataformas devem ser repensadas em seus próprios modelos de negócios porque eles são baseados na captura de dados, disputa de atenção e na mercantilização das informações. Esses elementos estão na base, inclusive, do funcionamento das fake news, por exemplo. Então, elas devem ser cobradas a contribuir para a resolução desses problemas.

Por outro lado, no direito internacional (e aqui no Brasil com o artigo 19 Marco Civil da internet), há toda uma compreensão que aponta também limites para atuação nas plataformas. Sobretudo quando há uma atuação isolada, unilateral, sem participação e definição pública. Por exemplo, quando a plataforma definir unilateralmente retirar um conteúdo do ar, ela pode, sim, acabar gerando censura em relação àquele conteúdo. Então, é muito preocupante que as plataformas sejam alçadas à posição de donas da verdade, de gatekeepers da informação que circula no cenário nacional e até mesmo mundial. Então há a responsabilidade, é importante que que isso seja cobrado, mas também há limites. Eu apontaria a necessidade sobretudo de um processo de co-regulação, de debate entre os diversos agentes, inclusive o Judiciário e a sociedade para que não haja riscos de, com o intuito de buscar sanar alguns problemas, acabarem incorrendo à censura privada .

Helena Martins

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Bereia conclui que é enganoso que o canal católico LifeNews Site, bem como o canal Terça Livre, tenham sofrido censura do YouTube. Os dois canais infringiram regras previstas nas políticas da plataforma sobre fake news, ao publicarem informações falsas sobre a pandemia que já matou mais de 2 milhões de pessoas no mundo, e sofreram penalidades em decorrência disso.

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Foto de Capa: Pixabay/Reprodução

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Referências

The Blaze, https://www.theblaze.com/news/youtube-bans-lifesitenews-removes-videos. Acesso em: 17 de fevereiro de 2021.

Youtube, https://support.google.com/youtube/answer/2802032. Acesso em: 17 de fevereiro de 2021.

Youtube, https://support.google.com/youtube/answer/9891785?hl=en. Acesso em: 17 de fevereiro de 2021.

VICE, https://www.vice.com/en/article/z3v5mx/youtube-just-banned-a-popular-anti-abortion-channel-for-covid-conspiracies. Acesso em: 17 de fevereiro de 2021.

Associated Press, https://apnews.com/article/fact-checking-afs:Content:9765563716. Acesso em: 17 de fevereiro de 2021.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/videos-falsos-alegam-vacinacao-e-medicao-de-temperatura-como-forma-de-controle-da-populacao/. Acesso em: 18 de fevereiro de 2021.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/padre-engana-ao-falar-de-fraudemia-e-cria-panico-sobre-vacinacao/. Acesso em: 18 de fevereiro de 2021.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/vacina-contra-covid-19-nao-usa-celulas-de-bebes-abortados-como-afirma-site-gospel/. Acesso em: 17 de fevereiro de 2021.

Nebraska Medicine, https://www.nebraskamed.com/COVID/you-asked-we-answered-do-the-covid-19-vaccines-contain-aborted-fetal-cells. Acesso em: 17 de fevereiro de 2021.

Aos Fatos, https://www.aosfatos.org/noticias/e-falso-que-pesquisa-americana-disse-que-so-6-das-vitimas-de-covid-19-morreram-pela-infeccao/. Acesso em: 17 de fevereiro de 2021.

Scientific American, https://www.scientificamerican.com/article/covid-19-is-now-the-third-leading-cause-of-death-in-the-u-s1/. Acesso em: 18 de fevereiro de 2021.

NBC News, https://www.nbcnews.com/health/health-news/covid-pandemic-turned-2020-deadliest-year-u-s-history-cdc-n1252078. Acesso em: 18 de fevereiro de 2021.

Johns Hopkins University, https://coronavirus.jhu.edu/data/mortality. Acesso em: 18 de fevereiro de 2021.

Youtube, https://youtu.be/i352PxWf_3M. Acesso em: 17 de fevereiro de 2021.

Poder 360, https://www.poder360.com.br/midia/youtube-tira-do-ar-canais-do-terca-livre/. Acesso em: 17 de fevereiro de 2021.

UOL, https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2021/02/12/justica-concede-liminar-e-manda-youtube-reativar-canais-do-terca-livre.htm. Acesso: 17 de fevereiro de 2021.

Senado, https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/141944. Acesso em: 18 de fevereiro de 2021.

Senado, https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8110634&ts=1612303001672&disposition=inline. Acesso em: 18 de fevereiro de 2021.

Vacina da Pfizer não causou mortes; Anvisa tem prazo para avaliar uso de imunizantes no Brasil

Postagens em ambientes digitais religiosos têm divulgado que seis pessoas imunizadas com a vacina da Pfizer contra a Covid-19 na Inglaterra teriam morrido.

As postagens surgiram depois que a agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos responsável pela saúde pública, controle de medicamentos, produtos biológicos, dispositivos médicos, alimentos e cosméticos, a FDA (Food and Drug Administration), aprovou, em 11 de dezembro, a vacina do Laboratório Pfizer e da empresa BioNTech. Era a etapa que faltava para permitir o início da distribuição das doses nos Estados Unidos.

Em entrevista coletiva em 12 de dezembro, o diretor da FDA Stephen Hahn negou que tenha sofrido pressão política para acelerar a liberação e garantiu que a avaliação manteve a integridade científica e afirmou que os americanos devem ter plena confiança nos cientistas.

A verificação feita pelo Estadão constatou que a informação é falsa. Duas das pessoas que morreram haviam tomado a vacina, e as outras quatro haviam tomado um placebo (formulação sem efeito farmacológico, administrada ao participante do ensaio clínico com a finalidade de mascaramento ou de ser comparador, segundo a ANVISA, RDC nº9, de 20/02/2015. Uma substância que não contém ingredientes ativos, feito para ter gosto e aparência idêntica da droga real a ser estudada). Portanto, a FDA descartou relação entre as mortes e o imunizante.

A vacina da Pfizer

O imunizante da Pfizer utiliza a técnica de RNA mensageiro, em que informações genéticas levam o organismo a produzir proteína do vírus e assim ativar a produção de anticorpos no sistema imunológico contra o vírus. Já aprovada em alguns países como Reino Unidos, EUA, Chile, Bahrein e México, a chegada da vacina norte-americana ainda é negociada pelo Governo Federal do Brasil. Em 17 de dezembro, a farmacêutica protocolou os dados da fase 3 na Anvisa e a agência analisará os dados recebidos. A próxima fase trata de registrar a vacina para uso emergencial. Até o momento de publicação desta reportagem, nenhuma empresa fez esse pedido no Brasil.

Autorizações para campanhas de vacinação

A Lei 14.006 de 2020, sancionada em maio, estipula que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitário) deve analisar em 72 horas a liberação de vacina que for aprovada por pelo menos uma das seguintes autoridades sanitárias estrangeiras: FDA (Estados Unidos), European Medicines Agency (EMA), da União Europeia; Pharmaceuticals and Medical Devices Agency (PMDA), do Japão; National Medical Products Administration (NMPA), da China.

Nesse sentido, a aprovação da vacina da Pfizer no FDA deveria levar à análise desse imunizante pela Anvisa em até 72 horas. No entanto, matéria do jornal Folha de São Paulo explica como a autoridade brasileira faz uma interpretação restritiva da lei, segundo a qual a regra não se aplicaria à aprovação de uso emergencial no exterior. 

Por outro lado, especialistas ouvidos pela Folha discordam dessa leitura. “Não faria sentido excluir da regra vacinas aprovadas de forma emergencial numa lei editada para fazer frente à situação emergencial da pandemia”, afirma o diretor da Faculdade de Direito da USP, Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto, especializado em direito administrativo. O médico e advogado sanitarista  Daniel Dourado, pesquisador do Institut Droit et Santé da Universidade de Paris, também critica a interpretação feita pela autoridade sanitária. “No debate da inclusão desse prazo no Congresso, a lógica foi a de agilizar o processo. Acrescentar um dispositivo para acelerar, mas esperar o registro definitivo em outro país, que demora três ou quatro meses, não faz sentido”, afirma.

A liberação da vacina da Pfizer pela autoridade sanitária norte-americana ocorreu em 11 de dezembro, já no dia 14 de dezembro, a Anvisa publicou nota em que fixou prazo de 10 dias para avaliar pedidos de uso emergencial de vacinas contra a Covid-19. A Agência determinou que só irá realizar a avaliação “se todos os documentos necessários tenham sido enviados pela fabricante da vacina” e possuam ensaios clínicos em condução no Brasil.

A agência também argumentou que nenhum país deu aprovação automática de uma vacina baseada na liberação de agência reguladora estrangeira. Além disso, a Anvisa divulgou uma lista de questões que devem ser respondidas pela fabricante, que vão desde o tipo de vacina, qualidade dos insumos e até mesmo qual é a população-alvo para uso no país.  

Anvisa e CoronaVac

A nota da Anvisa critica os critérios chineses para autorização de uso emergencial da CoronaVac (vacina contra o coronavírus desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan de São Paulo) e menciona a consideração de questões geopolíticas envolvidas na discussão sobre a vacina da Covid-19. Ainda assim, a fixação do prazo de dez dias para análise do pedido de uso emergencial fez o Instituto Butantan divulgar que vai solicitar a aprovação do imunizante nessa modalidade

Mais cedo naquele dia 14 de dezembro, o governador de São Paulo João Doria havia decidido já buscar o registro definitivo do fármaco. Em lugar de divulgar de imediato o estudo preliminar da fase 3 do imunizante foi decidida uma apresentação do ensaio completo no dia 23 de dezembro para o registro definitivo do fármaco. Também no dia 23, a Sinovac vai pedir o registro à NMPA, agência sanitária chinesa. Dessa forma, o governo paulista busca tanto o uso emergencial quanto o registro definitivo.

Limiar do Supremo Tribunal Federal

Em 17 de dezembro, o ministro do STF Ricardo Lewandovski permitiu que estados e municípios distribuam vacinas já aprovadas por autoridades sanitárias estrangeiras, caso a Anvisa não autorizá-las seguindo o prazo de 72 horas estipulado na Lei 14.006/2020. Se o Plano Nacional de Imunização, entregue pelo governo federal ao STF, por exigência do órgão, em novembro, for descumprido, estados e municípios também poderão distribuir e aplicar imunizantes aprovados pela Anvisa.

Em entrevista, o presidente da Anvisa Antônio Barra Torres afirmou: “Não tivemos acesso ao texto oficial, mas faremos todo o possível para o acatamento integral do que está ali preconizado. É claro que prazos podem ser difíceis de serem cumpridos em função do volume de informações, mas, nem por isso, deixaremos de tentar esse cumprimento. Aguardamos obter formalmente essa definição para que possamos fazer os ajustes necessários”.

Estratégias de combate à desinformação

Em 16 de dezembro, o Twitter atualizou sua política de combate a informações falsas sobre a Covid-19 e as vacinas contra a doença. Em uma postagem no blog oficial da empresa, a plataforma afirmou que irá remover postagens com conteúdo enganoso sobre a vacinação a partir da próxima semana. Para as semanas seguintes planejou um esforço maior para inserir avisos marcando tuítes sobre vacinas como potencialmente incorretos.

Já está incluída atualmente na política da empresa a remoção de conteúdos falsos sobre a natureza do coronavírus, transmissões, eficácia de medidas de segurança, tratamentos, diretrizes oficiais de controle da doença e o risco de infecção e morte ligado à Covid-19. Com as novas regras, também serão retiradas as postagens que afirmarem que vacinas causem danos ou são usadas para controle populacional, alegações falsas sobre efeitos colaterais das vacinas e tuítes que digam que a Covid-19 não é real ou um problema sério e que, portanto, não requer vacinação. A partir de 2021 a rede social planeja incluir um aviso em tuítes que espalhem conteúdo falso, informações não verificadas ou incompletas a respeito das vacinas. A inteligência artificial e a análise humana devem estar juntas na checagem das informações.

Pesquisadores ao redor do mundo decidiram se unir em meio à pandemia provocada pelo coronavírus para um desafio que vai além das análises e descobertas em laboratório. Os cientistas estão produzindo conteúdo sobre a Covid-19 em redes como TikTok, Instagram e Twitter para se comunicar com um público amplo de forma direta e didática.

A iniciativa é da Equipe Halo, uma ação global criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e outras organizações internacionais para apoiar e celebrar a colaboração científica em busca de vacinas seguras e eficazes.

Por meio dos aplicativos os pesquisadores mostram seu dia a dia de forma voluntária e publicam vídeos, nos quais contam histórias, explicam detalhes sobre as pesquisas, respondem perguntas do público, esclarecem boatos e informações incorretas. 

Os profissionais são oriundos de diversos países e conta com a participação de seis brasileiros. Entre eles, o professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), diretor regional da Sociedade Brasileira de Imunologia.

Em entrevista, o pesquisador André Báfica afirmou que “esse engajamento é um processo fundamental para que cientistas capilarizem conteúdo confiável e não autoritário para as pessoas. Precisamos ocupar esses espaços e naturalmente as pessoas compreenderão o que a nossa universidade produz e como a ciência é uma grande aliada das nossas vidas”, ressalta.

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Bereia conclui que é falsa a informação de que pessoas morreram em decorrência da imunização pela vacina da farmacêutica Pfizer. O imunizante tem a segurança atestada pelos países em que já está sendo utilizado e. no Brasil. tem seguido as fases necessárias para sua aprovação. Quanto à CoronaVac, vacina produzida em parceria da chinesa Sinovac e o Instituto Butantan, o mais recente status é de espera pelo pedido de uso emergencial, anunciado pelo governo paulista em 17 de dezembro. Em todos os casos, a Agência tem prazo determinados para realizar as avaliações requisitadas para a aprovação de vacinas no país. Bereia também checou e classificou como falsas as informações a respeito da CoronaVac disseminadas por um pastor durante pregação no Ceará.

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Foto de capa: Pixabay/Reprodução

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Referências

Portal FDA, https://www.fda.gov/. Acesso em: 16 dez. 2020

Estadão Verifica, https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/agencia-dos-eua-descartou-relacao-de-vacina-com-morte-de-voluntarios-da-pfizer-maioria-dos-obitos-ocorreu-em-grupo-de-placebo/. Acesso em: 16 dez. 2020.

Instituto Nacional do Câncer (INCA), https://www.inca.gov.br/perguntas-frequentes/o-que-e-placebo. Acesso em: 18 dez. 2020.

Portal UOL, https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2020/12/16/pfizer-protocola-resultados-de-testes-da-fase-3-de-vacina-na-anvisa.htm. Acesso em: 17 dez. 2020.

Portal do Planalto, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L14006.htm. Acesso em: 17 dez. 2020.

Folha de São Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/12/aprovacao-da-vacina-da-pfizer-nos-eua-e-pedido-no-brasil-obrigam-anvisa-a-examinar-liberacao-em-72h.shtml. Acesso em: 17 dez. 2020.

Anvisa, https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2020/uso-emergencial-de-vacinas-anvisa-estabelece-prazo-de-ate-10-dias-para-dar-decisao. Acesso em: 17 dez. 2020.

Portal G1, https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/12/17/governo-de-sp-volta-atras-e-diz-que-pedira-uso-emergencial-da-coronavac-a-anvisa-doria-aguarda-formalizacao-da-compra-pelo-governo-federal.ghtml. Acesso em: 17 dez. 2020.

Folha de São Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/12/doria-prepara-estudo-completo-e-registro-chines-para-pressionar-anvisa-a-aprovar-coronavac.shtml. Acesso em: 17 dez. 2020.

Ministério da Saúde, https://www.gov.br/saude/pt-br/media/pdf/2020/dezembro/16/plano_vacinacao_versao_eletronica.pdf. Acesso em: 18 dez. 2020.

Portal UOL, https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/12/17/stf-libera-estados-a-darem-vacinas-se-anvisa-nao-autorizar-em-ate-72-horas.htm. Acesso em: 17 dez. 2020.

CNN Brasil, https://www.cnnbrasil.com.br/saude/2020/12/17/presidente-da-anvisa-pede-entendimento-a-autoridades-ja-temos-problemas-demais. Acesso em: 17 dez. 2020.

Twitter Brasil, https://blog.twitter.com/pt_br/topics/company/2020/covid-19-nossa-abordagem-para-informacoes-enganosas-sobre-vacinas.html. Acesso em: 16 dez. 2020

Portal Cultura Notícias, https://cultura.uol.com.br/noticias/14892_twitter-vai-remover-postagens-com-informacoes-falsas-sobre-vacina-da-covid-19.html. Acesso em: 16 dez. 2020

Brasil de Fato, https://www.brasildefato.com.br/2020/11/23/cientistas-combatem-desinformacao-sobre-covid-19-em-apps-como-tiktok-e-instagram. Acesso em: 16 dez. 2020

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/pastor-usa-informacoes-falsas-em-pregacao-sobre-vacina-contra-covid-19/. Acesso em: 17 dez. 2020.

Site circula desinformação sobre ataque islâmico na Indonésia

O site Conexão Política publicou matéria, em 03 de dezembro de 2020, com o título “Cristãos do Exército da Salvação são mortos e decapitados; seis capelas queimadas na Indonésia”.

O vídeo usado como fonte para a reportagem do Conexão Política é de autoria do blogueiro e youtuber canadense Abdullah Sameer, publicado em seu canal no YouTube em 28 de novembro de 2020, baseado em matéria original da Agência France Presse (AFP). Sameer professou o islamismo durante muitos anos até abandonar a fé e decidir compartilhar suas posições contrárias ao islamismo, como ele mesmo afirma em seu blog.

Vídeo de Abdullah Sameer utilizado como fonte pelo Conexão Política

No vídeo, Sameer relata o ocorrido na vila de Lemban Tongoa, localizada na ilha de Sulawesi, ao leste da Indonésia, em 28 de novembro, conforme reportado pela AFP. Sameer aponta que seis casas foram incendiadas, sendo que uma delas seria utilizada como capela para orações. A BBC também reproduziu essa informação em matéria do dia 01 de dezembro. Já o Conexão Política, afirma na matéria que publicou, que “foram seis capelas incendiadas no ataque”.

Contradições

A contradição está no fato de que não há prova de que as casas incendiadas, eram de fato, capelas. As autoridades locais não as reconheceram como capelas. A afirmação partiu de um pronunciamento do Exército da Salvação, que assumiu que a casa incendiada era um local de culto e que os cristãos mortos atuavam no Exército da Salvação.

Conforme a própria reportagem do Conexão Política, o inspetor de polícia de Sulawesi Rakhman Baso, “disse que ‘nenhuma igreja foi queimada’ – os edifícios que foram queimados não foram oficialmente reconhecidos como igrejas oficiais”. Entretanto, no texto original produzido pela AFP, a fonte é o chefe da polícia de Sigi Regency Yoga Priyahutama, e Rakhman Baso não é citado.

Segundo a matéria do Conexão Política, quem afirma que as casas eram utilizadas como capelas pelo Exército da Salvação é o , presidente do “Sínodo Cristão Protestante, o reverendo Gumar Gultom”.

O Conexão Política também traz a afirmação de que Gumar Gultom condenou os ataques e admitiu que as vítimas eram membros do Sínodo Cristão Protestante, organização de igrejas protestantes na Indonésia. A fala do reverendo (tampouco a sua ligação com as vítimas do ataque) não está presente no vídeo de Abdullah Sameer, nem no texto da AFP. A fala do pastor aparece em texto da Asian News, site de notícias católico, publicado em 28 de novembro. O texto da BBC, embora não cite o pastor Gumar Gultom, também traz trechos da nota emitida pelo Exército da Salvação e pelo Sínodo Cristão Protestante.

A matéria da AFP não oferece conteúdo referente às vítimas serem do Exército da Salvação ou membros do Sínodo Cristão Protestante, e está ancorada no relato das autoridades locais, que afirmam que apenas uma das casas incendiadas era utilizada como capela. Também nada cita sobre as vítimas assassinadas serem membros de uma mesma família, conforme trouxe a Asian News Católica, e o Conexão Política reproduziu.

O vídeo de Abdulla Sameer, apesar de também não citar ligação do ataque ao Sínodo Cristão Protestante, nem ao Exército da Salvação, apresenta uma análise do caso a partir da qual especula sobre o grupo terrorista apontado como principal suspeito pelo atentado, indicando suas possíveis motivações e comentado sobre o que chama de “Ideologia Terrorista”, que colocaria em risco os cidadãos não muçulmanos.

O grupo terrorista Mujahideen

A única informação que não foi passível de contradições entre os textos e o vídeo publicados sobre o ataque foi a autoria do atentado, atribuída ao East Indonesia Mujahideen ou Mujahidin Indonesian Timur (MIT) . “Chegamos à conclusão de que eles [os atacantes] eram do MIT depois de mostrarem fotografias dos seus membros aos familiares das vítimas” que testemunharam a emboscada, disse o chefe da polícia de Sigi Regency, Yoga Priyahutama.

O Mujahideen é um grupo extremista criado em 2010 que apoia ações do Estado Islâmico e é responsável por diversos ataques em Sulawesi e em outras ilhas da Indonésia, mas estava inativo desde 2016. Conforme o Conselho de Segurança das Nações Unidas o “Mujahidin Indonesian Timur (MIT) foi listado em 29 de setembro de 2015 nos termos dos parágrafos 2 e 4 da resolução 2161 (2014) como estando associado à Al-Qaeda por ‘participar no financiamento, planejamento, facilitação, preparação ou perpetração de atos ou atividades por, em conjunto com, sob o nome de, em nome de, ou em apoio do’ Estado Islâmico no Iraque e no Levante (ISIL), listado como Al-Qaida no Iraque (QDe.115)”.

O site Conexão Política já publicou outros conteúdos enganosos sobre perseguição a cristãos na Ásia. Bereia já realizou verificações de alguns deles.

Título retirado do site do Conexão Política, de mesma autoria do texto sobre o ataque na Indonésia

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O Bereia classifica a notícia veiculada pelo site Conexão Política sobre ataque a cristãos na Indonésia como imprecisa. Foi verificado, conforme publicações da AFP, da BBC e de sites de notícias religiosos, como a Asian News Católica, que há contradições sobre o parentesco das vítimas, sobre se o atentado foi de fato a capelas ou somente a casas de cristãos locais. Por fim, a matéria está ancorada em material opinativo de um blogueiro ex-islâmico sem pesquisa de dados, importante para um jornalismo comprometido com a informação.

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Referências

“Jihadis Attack and Behead Christians in Indonesia”, https://www.youtube.com/watch?v=kS1RwOHCPeY&bpctr=1607176350. Acesso em: 02 Dez. 2020.

“Is linked militants kill four christians in indonesia police”, https://www.barrons.com/news/is-linked-militants-kill-four-christians-in-indonesia-police-01606559404?tesla=y. Acesso em: 03 Dez. 2020.

“East Indonesia Mujahideen”, https://www.trackingterrorism.org/group/mujahidin-indonesia-timur-mit. Acesso em: 04 Dez. 2020

“Exército da Salvação”, https://www.exercitodesalvacao.org.br/. Acesso em: 04 Dez. 2020

“Mujahidin Indonesian Timur (MIT) – Conselho de Segurança das Nações Unidas”, https://www.un.org/securitycouncil/sanctions/1267/aq_sanctions_list/summaries/entity/mujahidin-indonesian-timur-%28mit%29. Acesso em: 04 dez. 2020.

“Sobre Abdullah Sammer- Site”, https://abdullahsameer.com/about/. Acesso em: 03 Dez. 2020.

“Família cristã morta e decapitada em Sulawesi Central; fogo ateou seis capelas”, http://www.asianews.it/news-en/Christian-family-killed-and-beheaded-in-Central-Sulawesi%3B-fire-set-to-six-chapels-51718.html. Acesso em: 03 dez. 2020.

Religiosos viralizam vídeos com máscara invisível e receita contra a Covid-19 nas mídias sociais

Circulam em grupos de WhatsApp dois vídeos com conteúdo desinformativo a respeito da Covid-19. Em um deles, o pastor da Assembleia de Deus em Praia Grande (SP) Waldeir de Oliveira, ensina uma receita de gargarejo que supostamente eliminaria o coronavírus.

O outro trata de um anúncio da personagem de humor religioso “Pastor” Adelio, que venderia máscaras invisíveis que protegeriam e curariam o coronavírus por R$ 300. Esse vídeo foi veiculado com a legenda “Este superou o pastor Valdomiro”, em referência ao líder da Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD) Apóstolo Valdemiro Santiago, que no início da pandemia no Brasil vendeu sementes de feijão com a promessa de falsa cura para a Covid-19, conforme verificado anteriormente por Bereia.

É falso que gargarejo mate coronavírus e que receita tenha sido recomendada por Israel

O vídeo do pastor Waldeir de Oliveira mostra a preparação de uma receita anti-coronavírus com água morna, uma colher de chá de bicarbonato e limão para gargarejo. Ele ainda diz que o limão pode ser substituído por vinagre de maçã.

“O coronavírus fica quatro dias alojado na garganta e os judeus mandaram essa receita para todo cidadão de Israel. E lá o coronavírus não está reagindo. Pode ver, a mídia não fala de Israel. Lá estão fazendo isso e lá não se propagou. Você vai fazer todos os dias antes de dormir e você não vai pegar o coronavírus. Porque o coronavírus demora quatro dias alojado na garganta”

Pastor Waldeir de Oliveira

O material foi alvo de verificação da Agência Lupa. De acordo com o médico e professor da Universidade de São Paulo (USP) João Focaccia, procurado pela Lupa, o vírus vai das vias respiratórias ao pulmões e fica na garganta e não o contrário, como o vídeo do religioso quer fazer crer. Além disso, é também falso que o governo israelense recomenda a todos os cidadãos a prática desse gargarejo. O site Fact-Check.org verificou que o governo de Israel tomou medidas de isolamento social para combater o vírus, como fechamento de serviços não-essenciais e quarentena.

Desde o início da pandemia, Israel registrou acima de 350 mil casos e pouco mais de 2.900 mortes (até o momento de publicação desta reportagem). Para efeito de comparação, a partir dos dados disponibilizados pela universidade norte-americana John Hopkins, Israel tem 318 mortes por milhão de habitantes enquanto essa proporção é 868 no Brasil.

Mentiras como esta circularam antes da gravação do pastor Waldeir de Oliveira, que é de maio e repercutiu na imprensa do litoral paulista. O jornal A Tribuna procurou o religioso, que alegou ter falado sobre prevenção em vídeo. No entanto, conforme a transcrição reproduzida acima, o vídeo leva a entender com a afirmação de que a receita do pastor evita a infecção, gerando desinformação.

A “máscara espiritual” do “Pastor” Adelio

Já o vídeo do “Pastor” Adelio acabou se configurando uma “pegadinha” na qual muitas pessoas relacionadas a igrejas caíram bem como a própria mídia de verificação de conteúdos. A Agência Lupa realizou verificação do conteúdo do vídeo em maio deste ano e concluiu que muitas pessoas que acompanham a personagem nos espaços religiosos já sabiam, que se trata de uma sátira.

No vídeo que acabou sendo compartilhado por pessoas que acreditaram ter sido produzido por um pastor verdadeiro, Adelio diz:

“Meus irmãos, aqui é o Pastor Adelio e eu quero dizer a vocês que estou aqui também como representante de Cristo para dar uma solução aos irmãos que vêm sofrendo aí com essa pandemia. Nós estamos oferecendo máscaras, que você pode comprar pela internet, através da Igreja do Pastor Adelio. Aí muita gente fala ‘mas pastor, eu abri a caixa, não tinha nada’. É invisível, porque o poder de Deus é invisível. Você vê o vento? Não vê. Mas você sente. A máscara do Pastor Adelio é uma máscara espiritual. É pra você sentir. Você coloca… Olha, eu estou usando a minha agora (o pastor faz o gesto de por a máscara no rosto). Coloquei. Olha, estou usando. Esta é a máscara do Espírito Santo. Contra essa não tem corona, não tem H1N1, HB, HV, HVI, HIV… Não tem. Porque a máscara do Espírito Santo…Olha, você pode até puxar e você sente (o pastor faz o gesto como se estivesse puxando a máscara). Então você que quer comprar a máscara contra o coronavírus, você entra em contato, tá aqui o número da conta. Você não vai comprar, você vai dar uma oferta, quanto você quiser, a partir de 300 reais. E você meu irmão, não só estará protegido, como será curado. Aleluia?”.

Humorista Márcio Américo representando o personagem Pastor Adelio

O Pastor Adelio é um personagem fictício, criado pelo humorista paranaense Márcio Américo. Na página oficial do humorista no Facebook, a descrição informa que “Pastor Adelio, é um personagem criado pelo humorista Marcio Americo, quaisquer semelhanças com pessoas, nomes ou fato, tera (sic) sido mera coincidência”.

Mesmo se tratando de uma performance, muitos usuários de mídias sociais compartilharam o vídeo como se se tratasse de mensagem de um pastor verdadeiro. O humorista divulga por meio de sua página no Facebook cursos online sobre “teologia do absurdo” e promove lives.

Márcio Américo, que foi entrevistado, em 2014, no antigo Programa The Noite, do SBT, tem canal no Youtube, onde os vídeos tratam de temas ligados ao cristianismo com humor. Criado em abril de 2009, o canal conta com 145 mil inscritos e os vídeos têm centenas de milhares de visualizações.

A personagem Pastor Adelio já foi tema de estudos acadêmicos publicados em 2016 e 2018.

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O Coletivo Bereia conclui que o conteúdo dos dois vídeos que circulam entre grupos cristãos é falso. O primeiro vídeo, publicado por um pastor da Assembleia de Deus, desinforma ao divulgar uma receita caseira que supostamente eliminaria o coronavírus do organismo, sem embasamento científico e ainda faz uso do imaginário em torno de Israel para dar credibilidade à farsa. O segundo vídeo, divulgado amplamente em mídias sociais, se trata de conteúdo humorístico, sátira explicitada pelo criador, que foi apropriado por disseminadores de desinformação. Bereia alerta que a ampla divulgação do conteúdo analisado, sem a devida contextualização, representa riscos para o direito à informação e para a preservação de vidas.

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Referências

Portal UOL, https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/06/12/ministerio-da-saude-fake-news-mpf.htm. Acesso em: 10 dez. 2020.

Agência Lupa, https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2020/12/09/verificamos-limao-bicarbonato-israel/. Acesso em: 10 dez. 2020.

Fact-Check, https://www.factcheck.org/2020/04/lemon-juice-tea-does-not-cure-covid-19-in-israel-or-anywhere-else/. Acesso em: 10 dez. 2020.

Johns Hopkins University, https://coronavirus.jhu.edu/map.html. Acesso em: 10 dez. 2020.

Reuters, https://in.reuters.com/article/uk-factcheck-coronavirus-israel/false-claim-there-have-been-no-deaths-in-israel-due-to-covid-19-drinking-sodium-bicarbonate-and-lemon-kills-the-virus-idUSKBN21O1U2. Acesso em: 10 dez. 2020.

A Tribuna, https://www.atribuna.com.br/cidades/praiagrande/pastor-de-praia-grande-espalha-fake-news-com-receita-que-cura-o-coronav%C3%ADrus-v%C3%ADdeo-1.100027. Acesso em: 10 dez. 2020.

Agência Lupa: https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2020/05/18/verificamos-pastor-adelio-coronavirus/. Acesso em: 11 dez. 2020

Pastor Adelio (Facebook): https://m.facebook.com/PastorAdelio/. Acesso em: 11 dez. 2020

Márcio Américo (Youtube): https://youtube.com/c/M%C3%A1rcioAm%C3%A9rico. Acesso em: 11 dez. 2020

Coletivo Bereia: https://coletivobereia.com.br/e-verdade-que-apostolo-valdemiro-santiago-oferece-semente-que-cura-covid-19/?amp. Acesso em: 12 dez. 2020

Site gospel repercute pânico moral divulgado por líder evangélico sobre fraude nas eleições

No último dia 24, o portal evangélico Gospel Prime publicou a matéria “Pastor critica insegurança das urnas eletrônicas e perigo do ‘roubo do voto'”. De acordo com Gospel Prime, o pastor ligado a organização Jovens Com Uma Missão (Jocum) Marcos de Souza Borges, conhecido como pastor Coty, afirmou que as urnas eletrônicas representam grave risco, pois geram “insegurança política e moral” e alertou contra o “roubo de voto”.

A matéria repercutiu tuítes do líder religioso que criticavam a suposta insegurança das urnas eletrônicas. “A insegurança política e moral gerada pelas urnas eletrônicas é mil vezes pior que a antiga, simples e morosa contagem manual de votos. Contagem de votos sem publicidade e que fica sujeita à avaliação de meia dúzia de especialistas é ilegal e imoral”, afirmou. O pastor Coty ainda acrescentou:

“O maior roubo em evidência no Brasil é o roubo do voto. O problema da urna eletrônica sem voto impresso é que a fraude torna-se irredimível”.

Pr. Coty

Em especial, as publicações do Pastor Coty trazem duas questões: a de que a avaliação da contagem dos votos por poucos especialistas seria ilegal e imoral e que a urna eletrônica torna uma possível fraude irremediável. O pastor não apresenta evidências que justifiquem estas suspeitas.

Desconfiança sobre urna eletrônica é tema recorrente

Esse tipo de questionamento não é novo e tende a ser um assunto em períodos eleitorais, conforme mostra o Google Trends, ferramenta que permite analisar a incidência da pesquisa por um termo no site de buscas norte-americano (veja os prints abaixo).  O tema atingiu maior proporção a partir de 2014, quando o PSDB questionou os resultados do pleito presidencial depois de seu candidato à Presidência da República Aécio Neves ser derrotado por Dilma Rousseff (PT). O partido entrou com o pedido de uma auditoria no TSE. que foi autorizada, feita e o partido não encontrou qualquer evidência de fraude

Em março deste ano eleitoral de 2020, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou, sem provas, que houve fraude nas eleições de 2018, apesar de ele ter vencido o pleito. Essa tal declaração é uma repetição do discurso que Bolsonaro sustenta desde a disputa presidencial daquele ano.  

Como é feita a contagem dos votos

A urna eletrônica foi utilizada pela primeira vez no Brasil em 1996, ano de eleições municipais, e a lei federal 9.504 de 1997 estabelece as normas para os pleitos no país. De acordo com artigo da Agência Brasil, o voto do eleitor tem sigilo garantido, uma vez que o sistema apenas contabiliza os votos, sem identificar em quem cada cidadão votou. 

Antes da votação, o presidente da seção eleitoral deve imprimir a zerésima, listagem de todos os candidatos que demonstra que não há nenhum voto contabilizado antes dos eleitores escolherem seus representantes. Esse procedimento é acompanhado por mesários e fiscais dos partidos ou coligações, que devem assinar a zerésima.

Ao fim do período de votação, é impresso o Boletim de Urna (BU), um extrato dos votos que informa também qual seção emitiu, qual urna e quantos eleitores compareceram. Três vias são anexadas à ata e encaminhada à seção eleitoral e também uma via é entregue aos fiscais dos partidos. A partir daí, os dados das urnas são codificados em dispositivos de memória e, após ter sua autenticidade verificada, são transmitidos ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Nesse processo não é utilizada a internet.

Outra reportagem, publicada pelo Portal UOL, detalha ainda mais o processo de verificação da segurança e autenticidade da urna eletrônica. Em primeiro lugar, o TSE acompanha as urnas desde a sua fabricação pela empresa vencedora da licitação. Posteriormente, especialistas externos são chamados para procurar e encontrar brechas nos programas das urnas. Em 2018, data da publicação da reportagem, especialistas da Polícia Federal e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) realizaram esses testes. Caso haja erros, o TSE corrige e submete a uma segunda fase de testes – naquele ano, o Tribunal informou que quatro erros foram descobertos e resolvidos antes das votações. Além disso, é importante ressaltar que cada urna emite uma assinatura digital, um código que garante ao TSE a autenticidade de cada dispositivo.

Ou seja, não apenas há acompanhamento e verificação da autenticidade das mídias para recontagem de votos como cada cidadão brasileiro pode ver o resultado dos BUs por zona e seção eleitoral, informa matéria do Projeto Comprova. Ou seja, a apuração não é secreta. 

Voto impresso

As controvérsias envolvendo o voto em urna eletrônica já foram pautadas pela imprensa e mereceram análise, como a verificação realizada pelo Projeto Comprova em 2017. Nesta análise, Comprova verificou o conteúdo de uma postagem no Twitter que questionava o motivo que levou ao Supremo Tribunal Federal (STF) dizer que o voto impresso era inconstitucional, argumentando que em 1988 (ano da promulgação da Constituição Federal), os votos eram no papel e não havia urna eletrônica.

Comprova concluiu que o conteúdo da postagem era enganoso. Na realidade, o STF declarou a inconstitucionalidade de um artigo da reforma eleitoral de 2015, que previa a impressão de um comprovante após os registros dos eleitores nas urnas eletrônicas. Para embasar a verificação Comprova buscou a lei 13.615/2015 (Minirreforma Eleitoral) e a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5889.

Em janeiro deste ano o Projeto Comprova realizou outra verificação relacionada ao tema. Desta vez a análise se referiu a uma postagem no Facebook que afirmou que além do Brasil, apenas Cuba e Venezuela usam urnas eletrônicas. Dados do Institute for Democracy and Electoral Assistance (IDEA) consultados pelo Comprova mostraram que 46 países utilizam votação eletrônica em algum tipo de eleição (seja nacional, regional ou para escolha de dirigentes sindicais). 

Desses, ao menos outros 15 países, além do Brasil, utilizam máquinas de votação eletrônica de gravação direta (que não usam boletins de papel e registram os votos eletronicamente, sem que o eleitor interaja com qualquer cédula física). O Comprova concluiu também que é falso que Cuba utilize urnas eletrônicas, já que a legislação eleitoral do país prevê a votação por cédulas de papel em eleições ou referendos. Na Venezuela as urnas eletrônicas são utilizadas desde 2004 com equipamentos fornecidos pela empresa Smartmatic.

Em matéria publicada no Jornal do Comércio referente às eleições 2018, de acordo com projeção do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a impressão do voto nas urnas eletrônicas deve gerar um valor de custo de R$ 2,5 bilhões aos cofres públicos nos próximos dez anos. Além dos gastos elevados com a troca das atuais urnas, ministros da Corte Eleitoral acreditam que a reprodução do voto em papel vai provocar transtornos como aumento nas filas e equipamentos com defeito.

O voto impresso é uma exigência prevista na minirreforma eleitoral, sancionada em 2015 com veto pela então presidente Dilma Rousseff (PT). Um relatório da Corte Eleitoral sobre a experiência eleitoral de 2002 com a implantação do voto impresso em 150 municípios brasileiros concluiu que houveram “vários inconvenientes”, “nada agregou em termos de segurança ou transparência”, além de criar problemas, como filas maiores e alta porcentagem de urnas defeituosas.

Corregedores da Justiça Eleitoral pediram através de carta a revogação ou o adiamento do voto impresso. “O Brasil não tem condições neste momento de pagar esse preço quando as prioridades deveriam ser outras”, afirmou na ocasião o corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Herman Benjamin.

Apesar de questões operacionais, o voto impresso dificulta a possibilidade de fraudes tecnológicas, avalia o professor Diego Aranha, pesquisador do Laboratório de Segurança e Criptografia Aplicada (LASCA), da Unicamp. “Implementar o voto impresso é tornar a tecnologia eleitoral tão transparente quanto a utilizada em outros países. Vejo como avanço na questão da transparência por permitir que o eleitor confira na urna se há um registro em papel compatível com a intenção de voto dele”, argumenta o pesquisador. 

Desinformação em outras ocasiões

Os questionamentos em torno da credibilidade do sistema eleitoral brasileiro já foram motivo de debate, denúncias e desinformação . Nas eleições municipais realizadas este ano não foi diferente. O TSE recebeu relatos de mensagens em redes sociais que divulgavam uma suposta fraude em curso nas eleições “com a chancela da Justiça Eleitoral”.

Segundo a mensagem, “os votos válidos e os de quem justifica estão em bancos de dados diferentes” e os supostos “votos de quem justifica” poderiam ser atribuídos a “candidatos de esquerda”. Em nota o TSE informou que a alegação não é cabível pois o eleitor que justifica o voto no pleito não vota. A urna somente computa os votos que foram efetivamente recebidos, digitados pelos eleitores que compareceram à seção eleitoral e tiveram acesso liberado após a identificação pelos mesários.

O TSE esclareceu ainda que não há separação de banco de dados em relação aos votos, às abstenções e às justificativas. Todas essas informações são tratadas em um mesmo sistema de totalização, devidamente auditado e com assinaturas digitais lacradas em audiência pública, com a participação de partidos políticos, Ministério Público e Ordem dos Advogados do Brasil. O TSE conclui a nota reiterando que toda urna eletrônica emite um boletim com os votos coletados ao longo do dia. Assim, uma eventual tentativa de alteração de banco de dados seria identificada na conferência do boletim, que é impresso e entregue aos representantes dos partidos políticos presentes nos locais de votação e posteriormente é disponibilizado na internet.

A desinformação mais recente sobre a suposta facilidade em se fraudar urna eletrônica foi verificada pelo serviço de checagem Fato ou Fake do Portal G1. Foi analisado um vídeo que circulou em aplicativos de mensagens mostrando uma espécie de urna eletrônica feita em casa. Legendas dizem que as imagens provam que é possível alterar votos nas urnas brasileiras sem que isso seja identificado e a verificação do conteúdo demonstrou que o vídeo é falso.

O vídeo foi editado a partir de publicação que deixava claro se tratar de modelo amador feito para fins didáticos. O equipamento demonstrado no vídeo tem configurações e software completamente diferentes da urna eletrônica real, protegida por criptografia e testada por especialistas antes das eleições, de acordo com a checagem feita por G1.

O vídeo repercutiu nas mídias sociais e foi compartilhado com frases como “Olha aí, como funciona a fraude nas urnas eletrônicas”. No vídeo é apresentada uma versão amadora de uma espécie de urna eletrônica e ativa um modo que realiza uma nova votação e aponta a alteração de parte dos votos simulados.

O trecho divulgado nas redes foi criado a partir da edição de uma postagem, de 14 de novembro, no canal “Brincando com Ideias”. Nele, o professor Flávio Guimarães ensina princípios básicos de informática e robótica usando brinquedos inteligentes. O vídeo original foi excluído do canal e, dias depois, Guimarães publicou novo vídeo sobre o tema, no qual afirma que “pessoas mal intencionadas” removeram trechos da publicação original e postaram como demonstração de como realizar uma fraude real. “Nossa intenção com o vídeo é ensinar tecnologia, jamais entrar em polêmica e muito menos discutir questões políticas”, diz o professor.

Desinformações como essas foram reproduzidas pelo presidente Bolsonaro no último dia 29 de novembro, data do segundo turno das eleições municipais. Ele questionou a segurança da urna eletrônica, defendeu o voto impresso e afirmou, sem provas, que houve fraude no pleito presidencial norte-americano em novembro, que elegeu o democrata Joe Biden. A respeito de ataques hackers ao TSE, o projeto Comprova verificou que a ação não violou a segurança das eleições. Bereia também produziu matéria sobre desinformações envolvendo as eleições norte-americanas.

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Bereia conclui que é enganoso que o voto na urna eletrônica represente grave risco por gerar “insegurança política e moral”, ocasionando desconfiança no resultado das eleições. Esta ideia provoca pânico moral e põe em dúvida a confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro e questiona a credibilidade de instituições como o TSE, confundindo o eleitorado e não permite que outras perspectivas sejam observadas. Ao repercutir conteúdos opinativos superficiais de um líder religioso, emitidos em uma mídia social, sem qualquer base substancial,  como se fossem informação, o site Gospel Prime dissemina desinformação entre seus leitores. 

Referências

Google Trends, https://trends.google.com.br/trends/?geo=BR. Acesso em: 26 nov. 2020.

Tribunal Superior Eleitoral (TSE), https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2015/Novembro/plenario-do-tse-psdb-nao-encontra-fraude-nas-eleicoes-2014. Acesso em: 1º dez. 2020.

Congresso em Foco, https://congressoemfoco.uol.com.br/eleicoes/eleicoes-sem-fraudes-foram-uma-conquista-da-democracia-rebate-tse/. Acesso em: 1º dez. 2020.

Folha de São Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/bolsonaro-diz-que-foi-alvo-de-fraude-e-pede-mobilizacao-a-eleitores.shtml?origin=folha. Acesso em: 1º dez. 2020.

Agência Brasil, https://agenciabrasil.ebc.com.br/eleicoes-2020/noticia/2020-11/agencia-brasil-explica-como-e-feita-apuracao-dos-votos-no-brasil. Acesso em: 26 nov. 2020.

Portal UOL, https://noticias.uol.com.br/politica/eleicoes/2018/noticias/2018/10/20/entenda-seguranca-da-votacao-eletronica-e-saiba-como-ela-pode-ser-auditada.htm. Acesso em: 26 nov. 2020.

Tribunal Superior Eleitoral (TSE), https://resultados.tse.jus.br/oficial/#/eleicao;e=e426;uf=sp;mu=71072/boletins-de-urna. Acesso em: 26 nov. 2020.

Projeto Comprova, https://projetocomprova.com.br/publica%C3%A7%C3%B5es/apuracao-da-eleicao-brasileira-e-aberta-a-qualquer-pessoa-ao-contrario-do-que-afirma-post/. Acesso em: 26 nov. 2020.

Projeto Comprova: https://projetocomprova.com.br/publica%C3%A7%C3%B5es/tuite-engana-ao-dizer-que-o-stf-decidiu-que-voto-impresso-e-inconstitucional/. Acesso em: 29 nov. 2020

Projeto Comprova: https://projetocomprova.com.br/publica%C3%A7%C3%B5es/e-falso-que-apenas-tres-paises-inclusive-o-brasil-utilizem-urnas-eletronicas/. Acesso em: 29 nov. 2020

Jornal do Comércio: https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/2017/07/politica/575305-voto-impresso-vai-custar-r-2-5-bilhoes-ao-tse.html. Acesso em: 30 nov. 2020

Tribunal Superior Eleitoral (TSE): https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2020/Novembro/nota-de-esclarecimento-sobre-suposta-fraude-nas-eleicoes-municipais-de-2020?SearchableText=Urna%20fraude. Acesso em: 30 nov. 2020

Portal G1: https://g1.globo.com/fato-ou-fake/noticia/2020/11/18/e-fake-que-video-prove-que-e-possivel-fraudar-urna-eletronica.ghtml. Acesso em: 30 nov. 2020.

Portal UOL, https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/11/29/sem-provas-bolsonaro-diz-que-houve-fraude-nas-eleicoes-dos-eua.htm. Acesso em: 1º dez. 2020.

Projeto Comprova, https://projetocomprova.com.br/publica%C3%A7%C3%B5es/ataque-de-hackers-no-sistema-do-tse-nao-viola-seguranca-da-eleicao/. Acesso em: 1º dez. 2020.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/site-de-noticias-gospel-do-brasil-publica-desinformacao-sobre-eleicoes-presidenciais-dos-eua/. Acesso em: 1º dez. 2020.

Eleitores evangélicos viram público-alvo de fake news na campanha pelo segundo turno das eleições municipais

São quatro as campanhas eleitorais para prefeituras consideradas as mais sujas do Brasil, no tocante à disseminação de desinformação e calúnia contra concorrentes. O Coletivo Bereia teve acesso a materiais impressos e digitais de contracampanha para prefeituras do Rio de Janeiro, Fortaleza, Recife e São Gonçalo, e identificou conteúdos muito semelhantes, com alertas de pânico moral, acusações e mentiras, especialmente contra de candidatos de partidos de esquerda com chances de vitória. Além da disseminação de desinformação, com linguagem religiosa voltada a eleitores evangélicos, a quase totalidade tem autoria desfocada ou era anônima, o que configura crime eleitoral.

Os ataques de contrapropaganda, visando associar candidatos às prefeituras dessas cidades a perseguição religiosa e a perversão moral, foram repetidos pelo presidente da República no Facebook, na transmissão ao vivo que faz semanalmente, em 26 de novembro.

Os apelos do presidente da República

Na transmissão, Jair Bolsonaro (sem partido) repetiu conteúdo da campanha difamatória contra o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), em favor do candidato a reeleição no Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (Republicanos). A campanha ataca o PSOL para atingir o concorrente de Crivella, Eduardo Paes (DEM). Depois de ser derrotado no primeiro turno das eleições, o PSOL não declarou apoio em Eduardo Paes, mas conclamou seus partidários a derrotarem Crivella nas urnas no segundo turno. O partido foi mais bem sucedido em São Paulo, com a candidatura de Guilherme Boulos que disputou o segundo turno com Bruno Covas (PSDB). Bereia publicou matéria sobre as fake news contra o PSOL proferidas por Marcelo Crivella o início do segundo turno.

Bolsonaro estava acompanhado na transmissão ao vivo pelo pastor evangélico ministro da Educação, Milton Ribeiro. Foram feitas várias afirmações contra a política de educação dos governos anteriores e contra o fechamento das escolas durante a pandemia. Ele desafiou que alguém provasse que tenha chamado a COVID-19 de gripezinha. A doença atingiu mais de 6 milhões de brasileiros e já matou mais de 171 mil – entre os quais um senador da República, o integrante da bancada evangélica Arolde de Oliveira (DEM-RJ), apoiador de Bolsonaro e crítico das medidas de contenção. Esta mentira proferida pelo presidente repercutiu fortemente nas mídias noticiosas, uma vez que um dos usos do termo “gripezinha” por Bolsonaro ocorreu em março passado, em pronunciamento oficial.

No final da transmissão de 26 de novembro, o presidente da República repetiu as mentiras da campanha eleitoral de Marcelo Crivella, que levaram a Justiça Eleitoral a retirar do ar o vídeo de divulgação desse conteúdo e concedeu direito de resposta ao PSOL no Facebook do candidato:

Domingo eu vou no Rio de Janeiro, está previsto vou votar. O pessoal já sabe em quem eu vou votar. Fiz campanha pro Marcelo Crivella. Não me interessa pesquisa. Nunca acreditei em pesquisa. E quem vai pro segundo turno, boa sorte. Uma boa decisão. E leva em conta, sim, o partido, a qual esse candidato no segundo turno pertence. O que esse partido defende, sempre defendeu . Ideologia de gênero, desgaste dos valores familiares, ignorando educação, um montão de coisa. Veja o que esses partidos defenderam, e você então não votar nesses candidatos a prefeitos, desses partidos. Vocês sabem é PT, PC do b, PSOL, PDT entre outros ali. Esse é o apelo que eu faço, porque o futuro do teu filho vai passar pelas mãos desse prefeito. Esse prefeito vai decidir se a escola vai tá fechada, ou não. E o que em parte vai ser ensinado em sala de aula. O quê ele vai defender. O que, muitas vezes, esse candidato a prefeito prometeu a um partido coligado a ele. Por exemplo, vamos supor, no Rio de Janeiro o candidato a prefeito lá, prometeu ao Psol a secretaria da educação. Se esse cara ganhar, não reclame do lixo que teu filho vai ter, quando chegar em sala de aula”.

Jair Bolsonaro

Bereia já havia produzido verificação sobre estas mentiras, em matéria de 20 de novembro.

Bereia ouviu o advogado Gabriel Antunes, que fez o alerta de que os eleitores ou candidatos que veicularem, ou repassarem este tipo de propaganda, em tese, podem ser responsabilizados perante a Lei Eleitoral. De acordo com o disposto na Lei 13.834, de 4 de junho de 2019, os perfis de mídias sociais e os usuários poderão ser enquadrados no crime de denunciação caluniosa com finalidade eleitoral. São considerados agravantes, o anonimato e aquele que divulga “incorrerá nas mesmas penas deste artigo quem, comprovadamente ciente da inocência do denunciado, e com finalidade eleitoral, divulga ou propala, por qualquer meio ou forma, o ato ou fato que lhe foi falsamente atribuído”. A aplicação dessa pena, ou mesmo indiciamento, porém, ainda não está clara. Todavia, o alerta é: se há lei, está tipificado o crime.

O curioso ataque em São Gonçalo

O presidente Jair Bolsonaro também declarou curioso apoio a uma candidatura de cidade com pouco destaque no quadro político nacional, São Gonçalo, da região do Grande Rio.

Foto: Reprodução/Facebook

O capitão Nelson, candidato do Avante a prefeito em São Gonçalo, agradeceu ao presidente Bolsonaro pelo apoio nos segundo turno e fez circular o vídeo que lhe é favorável. O adversário de Nelson é Dimas Gadelha, do PT, cuja vitória no primeiro turno reforça tendência de consolidação de um “cinturão da esquerda” na região metropolitana do Rio, o que pode explicar a investida do presidente.

Pesquisa do Instituto Inteligence Serviços, entre 23 e 24 de novembro, apontava em Dimas Gadelha (PT) com 61% das intenções de voto e o Capitão Nelson (Avante) tem 39%.

A campanha pró-Nelson usa o mesmo argumento de pânico moral pró-Crivella, de que PT, PSOL e a esquerda são contra a família, a favor da “ideologia de gênero” e da erotização de crianças nas escolas. Uma das mentiras propagadas era a de que o candidato adversário iria instalar banheiros unissex nas escolas da cidade. O boato foi desmentido pelo site Boatos.org.

São Gonçalo já teve uma prefeita evangélica, Aparecida Panisset (PDT), de 2005 a 2012. Ela foi denunciada pelo Ministério Público por repasses de verbas à duas igrejas evangélicas em um convênio de 600 mil reais. Além da pauta de costumes, comum aos evangélicos, Aparecida Panisset também promovia “guerras espirituais” contra as religiões e monumentos de matriz africana. Desde Panisset, a força do eleitorado evangélico é disputada por todos os candidatos em São Gonçalo.

Em estratégia para enfrentar os ataques do Capitão Nelson, Dimas Gadelha acabou assinando uma carta em que nega apoiar as pautas relacionadas à perversão moral de que foi acusado, como trata análise publicada na seção Areópago do Coletivo Bereia.

O ataque a Marília Arraes em Recife

Foto: Autoria desconhecida/Reprodução/Época

As acusações contra Marília Arraes (PT) no segundo turno em Recife, seguem os mesmos temas de pânico moral e, também, a mesma estética dos demais folhetos espalhados entre eleitores cristãos no Rio e em Fortaleza.

Os folhetos (atribuídos à coligação de João Campos) acusavam Marília Arraes, ainda, de ser contra a presença e a leitura da Bíblia nas escolas. O projeto Comprova, com a colaboração do Coletivo Bereia, checou as alegações e concluiu que as acusações distorceram as falas da candidata com objetivos eleitorais.

O ataque a João Sarto, em Fortaleza, mesmo ele sendo evangélico

O candidato ao segundo turno de Fortaleza João Sarto (PDT) é evangélico, mas isto não foi suficiente para livrá-lo dos ataques que apelam à fiéis do segmento a não votarem nele, favorecendo o concorrente, o Capitão Wagner (PROS).

O mesmo tipo de material impresso, sem autoria, foi distribuído em Fortaleza nos últimos dias.

Foto: Autoria desconhecida

O Coletivo Bereia produziu matéria com a verificação deste conteúdo classificado como falso.

O Coletivo Bereia chama a atenção para a análise publicada no Observatório das Eleições, do UOL, que constatou que as campanhas de desinformação buscaram mobilizar grupos de eleitores conservadores contra os líderes em intenção de voto da esquerda, em uma reação às derrotas do primeiro turno e ao encolhimento das bancadas conservadoras para Câmaras Municipais em várias cidades. A estratégia de voltar às pautas morais exploradas na campanha eleitoral de 2018 é uma tentativa de repetir os êxitos e surpresas daquele ano. Somente após a divulgação dos resultados será possível avaliar se a estratégia alcançou resultado.

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Foto de Capa: Desconhecido/Reproduzido por Época

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Referências

Youtube, https://www.youtube.com/watch?v=UqEQfL6il8M. Acesso em 28 nov. 2020.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/marcelo-crivella-e-deputado-federal-apoiador-proferem-mentiras-na-campanha-para-prefeitura-do-rio/. Acesso em 28 nov. 2020.

Folha de S. Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/11/bolsonaro-nega-que-chamou-covid-19-de-gripezinha-apos-ter-usado-o-termo-em-pronunciamento-oficial.shtml. Acesso em: 28 nov. 2020.

Estado de Minas, https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2020/11/11/interna_politica,1203769/justica-tira-do-ar-propaganda-de-crivella-por-exposicao-excessiva-de-b.shtml. Acesso em: 28 nov. 2020.

G1, https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/eleicoes/2020/noticia/2020/11/27/justica-concede-direito-de-resposta-ao-psol-apos-crivella-dizer-que-paes-levaria-pedofilia-para-escolas-com-apoio-do-partido.ghtml. Acesso em: 28 nov. 2020.

O Globo, https://oglobo.globo.com/brasil/eleicoes-2020/pt-pdt-buscam-consolidar-cinturao-de-esquerda-na-regiao-metropolitana-do-rio-24760393. Acesso em: 28 nov. 2020.

O São Gonçalo, https://www.osaogoncalo.com.br/politica/90732/dimas-gadelha-pt-vence-por-61-contra-39-de-capitao-nelson-em-votos-validos-aponta-pesquisa. Acesso em: 28 nov. 2020.

Boatos, https://www.boatos.org/politica/dimas-gadelha-banheiro-unissex-escolas-sao-goncalo.html. Acesso em: 28 nov. 2020.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/para-fugir-de-estigma-candidato-de-esquerda-embarca-em-fake-news/. Acesso em: 28 nov. 2020.

Comprova, https://projetocomprova.com.br/publica%C3%A7%C3%B5es/panfletos-distorcem-frase-de-marilia-arraes-sobre-a-biblia/. Acesso em: 28 nov. 2020.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/folheto-contra-o-candidato-sarto-pdt-ce-tem-conteudo-falso/. Acesso em: 28 nov. 2020.

UOL, https://noticias.uol.com.br/colunas/observatorio-das-eleicoes/2020/11/26/campanhas-de-desinformacao-mobilizam-conservadores-contra-lideres-em-votos.htm. Acesso em: 28 nov. 2020.

Saiba como enfrentar a disseminação de desinformação na reta final do segundo turno das eleições

A poucos dias do segundo turno das Eleições Majoritárias para prefeito e vice no Brasil, a disseminação de material falso em mídias digitais de cristãos aumenta vertiginosamente. Bereia montou uma força-tarefa para verificar conteúdos e instruir os leitores a analisar criticamente os conteúdos que recebem.

Ganhou destaque essa semana a avalanche de fake news e propagandas negativas (propagandas contra candidatos) visando fins eleitorais. Em 57 municípios do Brasil haverá segundo turno e a disputa eleitoral incentiva uma panfletagem específica, direcionada contra alguns e em favor de outros. Durante a campanha, em 5.567 municípios, voltaram a circular boatos, acusações e “fake news” que já circularam na eleição de 2018, com objetivos eleitoreiros. O volume foi tão grande que o TSE criou um chatbot (um serviço automático de mensagens, com o endereço http://wa.me/556196371078) para desfazer boatos e criou a campanha com a hashtag #EuVotoSemFake com o mote: “se for fake news, não transmita”.

Como acontece em outras notícias falsas, os autores e aqueles que as repassam pedem para não serem identificados, para dificultar a apuração dos responsáveis pelos crimes eleitorais. Por isso, desconfie de notícias alarmistas, de suposta perseguição religiosa, vinculadas a uma suposta ideologia de gênero, ou “contra a Bíblia”.

Bereia recebeu folhetos de leitores com campanha difamatória e os tons alarmistas sem autor identificado – ou então com a autoria da peça ilegível. Por que isso acontece? Porque os verdadeiros autores sabem que se trata de um crime eleitoral – e passam adiante a responsabilidade, tentando dificultar o rastreamento de sua autoria.

Os eleitores deverão retornar às urnas no próximo dia 29 de novembro para escolha final do próximo prefeito ou prefeita das cidades. É importante tomar cuidado com as falsas acusações.

Fique atento! Há muita campanha no segundo turno fazendo uso de material falso não apenas para apoiar candidatos mas também para destruir a reputação de candidatos opostos.

Lembre-se que isto já ocorreu em 2018 e é objeto de investigação no STF, na Polícia Federal. E em comissão parlamentar mista de inquérito no congresso. No Rio de Janeiro, Espírito Santo, Recife e Fortaleza, Bereia recebeu material que busca manipular a população religiosa contra adversários políticos de alguns candidatos. A estratégia, como em 2018, é de pânico moral e terrorismo verbal para convencer pessoas pelo medo.

Mais uma vez, pela falta de provas e autoria duvidosa, Bereia verifica que quem cria o material busca fazer de quem o repassa cúmplice de um crime eleitoral e de uma campanha difamatória.

Seja prudente e fique alerta. Se você receber algum conteúdo alarmista e tem dúvidas se é falso ou verdadeiro, envie por e-mail para coletivobereia@gmail.com ou entre em contato pelo nosso WhatsApp – (38) 98418-6691 ou clique aqui e envie o seu conteúdo.

Confira gravação abaixo para o Jornal Brasil Hoje, da Rede Católica de Rádio (RCR), que vai ao ar esta semana:

Site de notícias gospel do Brasil publica desinformação sobre eleições presidenciais dos EUA

O site evangélico de notícias Gospel Prime publicou matéria, em 7 de novembro, intitulada: “Joe Biden vence eleições nos EUA em disputa com suspeita de fraude”, apresentando um panorama de como se deu o pleito.

Inicialmente, Gospel Prime trouxe os números das eleições atualizados em 05 de novembro. Segundo a publicação, em uma disputa acirrada pela Casa Branca, Joe Biden foi eleito presidente dos Estados Unidos com 284 delegados e 50,6% dos votos populares, contra 214 delegados e 47,7% dos votos populares do republicano Donald Trump. Para além dos números, a matéria apontou a possibilidade de fraude no processo de apuração. “Biden usou sua conta no Twitter para se declarar vencedor, apesar de ainda ter de enfrentar uma longa batalha judicial que será travada pelo seu adversário, Donald Trump, atual presidente do país e que aponta indícios de fraudes”, ressaltou a publicação, que afirmou também que, ainda durante o processo de contagem, Trump chegou a usar o Twitter para colocar em dúvidas a apuração, dizendo que estava liderando em vários estados-chave controlados por democratas, mas que essas vantagens desapareceram após “cargas surpresas de votos” serem contabilizadas.

Gospel Prime afirmou que o republicano alertou que os democratas estariam “tentando roubar” as eleições e sugeriu que entraria com ação na Suprema Corte do país, já que havia suspeita de fraudes. Trump disse ainda na madrugada que, por direito, havia ganhado a eleição e que entraria com a ação para impedir uma “fraude”. Como já evidenciado anteriormente, apesar da Suprema Corte poder ser solicitada a intervir, as alegações parecem não ter qualquer perspectiva de sucesso.

Apenas repetindo o que é veiculado pela campanha de Trump, sem pesquisa e verificação próprias do jornalismo, a publicação no site evangélico ainda retomou as alegações infundadas do presidente dos Estados Unidos sobre o estado de Wisconsin, onde diversas denúncias de fraudes começaram a surgir na internet. De acordo com a matéria, o diretor de campanha de Trump, Bill Stepien, teria informado que o republicano pediria recontagem de votos naquele estado. “Wisconsin tem sido uma disputa frágil como sempre soubemos que seria. Tem surgido relatos de irregularidades em vários condados de Wisconsin, que levantam sérias dúvidas sobre a validade dos resultados. O presidente está bem dentro do limite para solicitar uma recontagem e faremos isso imediatamente”, reproduziu Gospel Prime a partir da afirmação em nota divulgada por Bill Stepien.

O processo eleitoral nos EUA

A matéria do site Gospel Prime, já mencionado em diversas checagens do Bereia categorizadas como falsas e enganosas, se junta a outros conteúdos sobre as eleições dos EUA, veiculados em espaços digitais religiosos no Brasil e no exterior, classificados como desinformação. Boa parte desses conteúdos diz respeito a supostas fraudes no processo eleitoral daquele país para favorecer o candidato Joe Biden (Partido Democrata).

Até a data de apuração desta reportagem, em 13 de novembro de 2020, as eleições presidenciais dos Estados Unidos ainda não contavam com um vencedor oficial, embora o democrata Joe Biden venha sendo amplamente aclamado presidente eleito do país. Segundo matéria da BBC, no último dia 07, de acordo com as projeções de resultados, o candidato ultrapassou o número de 270 votos do Colégio Eleitoral (de 538) necessários para chegar à presidência. No mesmo dia, Biden e sua companheira de chapa à vice-presidência Kamala Harris, à frente na apuração, fizeram discursos comemorando a vitória e, desde então, falaram sobre planos de governo.

Com comparecimento recorde, não visto no decorrer de 120 anos, Biden foi o candidato que mais recebeu votos na história recente do país, ultrapassando a marca anterior, de 69,5 milhões de votos recebidos pelo democrata Barack Obama em 2008.

De acordo com matéria publicada pela BBC News Brasil, a disputa foi apertada, uma vez que, nos Estados Unidos, o presidente é eleito de forma indireta, pelo Colégio Eleitoral, e receber a maioria do voto popular não desponta como sucesso garantido. A disputa pelos 270 votos do Colégio Eleitoral, necessários para ganhar a Presidência, segundo a BBC, foi acirrada e incerta até o último momento.

O cenário aponta para o fato de que, apesar de ter sido derrotado, Trump teve desempenho melhor do que o esperado e, segundo números parciais, recebeu neste ano mais de sete milhões de votos a mais do que havia recebido em 2016, quando também perdeu o voto popular, mas conquistou os votos necessários no Colégio Eleitoral para chegar à Casa Branca.

BBC News Brasil indicou ainda que, contrariando as expectativas dos democratas, o Partido Republicano ampliou a presença na Câmara dos Representantes (equivalente à Câmara dos Deputados no Brasil), recuperando algumas das cadeiras perdidas na eleição legislativa de 2018.

A expectativa de que o Partido Democrata conseguiria a maioria no Senado também foi colocada em xeque, apontou a mesma publicação. Assim, com poucas cadeiras ainda sem resultado confirmado, a única esperança do partido é vencer em janeiro duas disputas de segundo turno na Geórgia, Estado tradicionalmente republicano, apesar de Joe Biden aparecer à frente na apuração da eleição presidencial.

A base eleitoral fiel e o apoio de quase metade do país devem fazer com que, mesmo fora da Casa Branca, Trump continue sendo um líder influente no Partido Republicano. “O resultado desta eleição demonstra que o trumpismo continua firme e forte”, disse à BBC News Brasil o cientista político Justin Gest, professor da Universidade George Mason, na Virgínia. “Mesmo perdendo, será uma forte influência sobre os americanos e o futuro do Partido Republicano daqui para a frente”, afirmou o cientista político, autor do livro The New Minority: White Working Class Politics in an Age of Immigration and Inequality (A Nova Minoria: Política da Classe Trabalhadora Branca em uma Era de Imigração e Desigualdade, em tradução livre).

Enquanto isso, todo o mundo acompanha os desdobramentos do pleito, cuja previsão de finalização corresponde a 08 de dezembro, segundo estabelecido pela lei federal americana.

O pontapé das denúncias infundadas de fraude

Antes mesmo do início da contagem dos votos, o atual presidente Donald Trump já fazia alegações sobre fraudes nas eleições presidenciais, mesmo sem provas. Ele chegou a citar os votos antecipados pelos correios como possível brecha para fraudes, e chegou a afirmar que entraria com um processo para parar as contagens de votos recebidos pelo serviço postal após o dia 03 de novembro, quando ocorreu a eleição.

Em seu perfil no Twitter, diversos posts do dia 04 de novembro apontavam para supostas ações fraudulentas:

“Eles estão encontrando votos de Biden em todos os lugares – na Pensilvânia, Wisconsin e Michigan. Tão ruim para o nosso país!”, dizia em um dos posts, que contou com quase 180 mil comentários, 200 mil retuítes e cerca de 630 mil curtidas.

No dia 05 de novembro, a apuração na Filadélfia, maior cidade do estado da Pensilvânia, foi suspensa para que a Justiça tomasse decisão sobre qual deve ser o papel dos observadores dos partidos. Segundo informado em matéria publicada no G1, os partidos podem indicar representantes para acompanhar a abertura e a contagem dos votos nos centros de apuração. Após um homem, aparentemente do Partido Republicano, reclamar que não conseguia enxergar as informações escritas do lado de fora de uma das cédulas, a campanha de Trump protocolou – e ganhou – uma ação na Justiça estadual. A distância permitida para os observadores acompanharem a contagem foi reduzida para seis pés (cerca de 1,5 metro). A decisão judicial veio na manhã da quinta-feira, 05 de novembro.

No dia posterior, o presidente acusou, via perfil no Twitter, o Estado da Pensilvânia de má conduta nas eleições. “Legislatura. Eles simplesmente ignoraram isso, ignoraram a Constituição. Agora nós trazemos isso para as casas de contagem e, escandalosamente, os observadores, que são as sentinelas da integridade e transparência, foram excluídos. A Pensilvânia tem se conduzido de uma maneira horrível e sem lei, e espero que isso seja corrigido na Suprema Corte dos Estados Unidos. Além disso, essas votações tardias após o dia das eleições são ilegais, exatamente o que o presidente tem dito. O Supremo Tribunal, em circunstâncias extraordinárias, foi capaz de proferir decisões em questão de dias”, dizia Trump.

A administração da cidade, comandada por democratas, no entanto, recorreu a uma instância superior para reverter a decisão, mas o recurso ainda não foi julgado. A disputa judicial fez com que os trabalhos de contagem ficassem parados de uma a duas horas, segundo o jornal “Philadelphia Inquirer“.

Depois da aparente derrota, um movimento se iniciou nas redes sociais quando Trump afirmou que milhares de votos haviam sido recebidos “ilegalmente” na Pensilvânia e em outros estados-chave das eleições.

Contudo, de acordo apuração realizada pelo Portal G1, até a data de fechamento desta matéria, 13 de novembro, nenhuma prova concreta foi apresentada pelo atual presidente americano. Mesmo assim, Trump iniciou uma ofensiva judicial contra o resultado das eleições em estados-chave, porém, várias das ações já foram rejeitadas por tribunais estaduais. As ações dos republicanos visam principalmente os votos enviados pelo correio.

Publicação do Portal UOL do dia 12 de novembro apontou outras proposições sobre as medidas do presidente Trump e seus aliados para reverter os resultados. Segundo a matéria, eles insistem por diferentes meios, a exemplo do Twitter, de entrevistas e de comunicados, que todas essas investigações em torno das urnas levarão à reversão do resultado das eleições. UOL afirma que, no dia seguinte à eleição, após falar em fraude eleitoral sem provas, Trump anunciou: “Iremos ao Supremo Tribunal Federal”. Mas para que isso aconteça, várias etapas anteriores devem ser superadas. As equipes jurídicas precisam primeiro contestar o resultado nos tribunais estaduais, ainda que o procurador-geral do país também tenha aprovado “investigações preliminares” por procuradores federais, uma medida bastante incomum nos EUA.

Os juízes estaduais teriam então que decidir a favor da disputa e ordenar uma recontagem. Neste sentido, a Suprema Corte poderia ser solicitada a intervir. Mas, por mais que a campanha de desinformação em torno de Trump diga o contrário, nenhum dos casos acima mencionados parece ter qualquer perspectiva de sucesso.

O ponto comum entre todas essas ações judiciais que já foram indeferidas por juízes ao redor do país é que os advogados de Trump acabam, por falta de provas, apresentando no tribunal uma versão bem mais branda das acusações que o presidente faz em público. Enquanto o presidente fala sem provas no Twitter em “fraude desenfreada”, os advogados, ao contrário de Trump, têm de fundamentar suas alegações perante o juiz, o que desponta como uma difícil missão.

Na mesma semana, circulou em mídias sociais uma postagem mostrando supostas cédulas de votação das eleições dos Estados Unidos despejadas em uma estrada. Segundo a publicação, a imagem foi feita pelo FBI, que teria descoberto que houve fraude no pleito. Por meio de filtro de verificação de notícias do Facebook, usuários do aplicativo solicitaram que esse material fosse analisado, o que foi checado pela Agência Lupa, que categorizou a informação como falsa.

Fonte: Agência Lupa

A imagem é de setembro de 2018 e trata-se, na verdade, de correspondências que foram encontradas despejadas no chão por um funcionário dos correios na região de Pennsauken, em Nova Jersey, Estados Unidos. Portanto, não há qualquer relação com as eleições presidenciais norte americanas de 2020.

Segundo reportagem do The Philadelphia Inquirer, a foto enganosa foi feita por um morador da região, que publicou a cena em seu Facebook em 30 de setembro de 2018, com a seguinte legenda: “Se você está procurando sua carta, talvez esteja na estrada do rio pela estação 36…Compartilhe esse post”. De acordo com o texto do Philadelphia Inquirer, o carteiro responsável pela entrega pediu demissão do serviço. “O Correio da Estação Roxborough vai entregar a correspondência”, informou o Escritório do Inspetor Geral dos Correios dos EUA, na ocasião.

A peça de desinformação vem sendo compartilhada nos Estados Unidos desde setembro deste ano e já tinha sido desmentida por diversos veículos internacionais, a exemplo da NBC. Entretanto, voltou a ser usada para se disseminar desinformação s em mídias sociais, após a campanha do presidente Donald Trump pedir a recontagem de votos nos estados de Wisconsin e Michigan. Devido à pandemia da Covid-19, milhões de eleitores votaram por correio.

Desinformações sobre as eleições americanas continuam a circular em sites brasileiros

Mesmo sem o resultado do pleito à presidência dos EUA, iniciado em 03 de novembro, no Brasil, notícias falsas e enganosas continuam a circular nas redes sociais digitais e sites noticiosos.

No dia 10 de novembro, o portal G1 publicou matéria sobre a utilização da plataforma que se mostrou capaz de detectar centenas de contas brasileiras no Twitter disseminadoras de desinformações sobre a eleição americana.

De acordo com o criador do sistema que monitora robôs Christopher Bouzy, os autores das contas nem ao menos tentam disfarçar a origem, deixando claro que são brasileiras.

Fonte: Portal G1

A plataforma Bot Sentinel, que monitora atividade de robôs no Twitter, alertou no dia 10 de novembro, a existência de mais de mil contas brasileiras tentando espalhar desinformação sobre a eleição americana na rede social. Entre os exemplos apresentados estão contas que repetidamente publicam a hashtag #BidenWasNotElected (“Biden não foi eleito”), mensagem de apoio às alegações sem provas de Donald Trump sobre um suposto “roubo” na disputa presidencial para beneficiar o democrata Joe Biden.

À reportagem da GloboNews, Bouzy informou: “Desde a semana passada, acompanhamos as atividades das eleições e, desde o primeiro dia, percebemos que contas brasileiras estavam espalhando desinformação. Mas na semana passada eram aproximadamente 370-400 contas brasileiras no Twitter. Agora são bem mais de 1000 se aproximando de 2000″. O depoimento também foi publicado na matéria do portal G1.

Segundo o portal, o estadunidense nota que muitas das contas repetem insistentemente as mesmas mensagens de desinformação. “O curioso e bizarro é que não estão tentando esconder seu país de origem. A maioria dos atores estrangeiros que estão disseminando desinformação tenta se disfarçar como alguém dos Estados Unidos. Mas esses [brasileiros] estão fazendo isso à vista de todos”, comentou. “Contas estrangeiras no Twitter que disseminam desinformação sobre as eleições nos EUA não são raras, mas é incomum que haja um número significativo de contas brasileiras no Twitter que tentam semear a discórdia em uma eleição presidencial dos EUA”, disse o criador do Bot Sentinel à reportagem.

Em sua conta no Twitter, Bouzy também publicou as constatações evidenciadas pela plataforma de checagem:

Fonte: Twitter

Neste cenário, sites religiosos como o Gospel Prime entram novamente no rol da desinformação.

Entenda como será definido resultado das eleições

Ao contrário de muitos outros países, os Estados Unidos não têm um órgão eleitoral central que decide e certifica os resultados das eleições nacionais — o equivalente ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no Brasil, por exemplo. Vale ressaltar que cada um dos 50 Estados tem suas próprias regras e prazos diferentes, o que explica os desarranjos dos últimos dias, com foco em alguns Estados em disputa.

Em 2020, porém, enfrenta-se uma situação incomum por vários motivos. Por um lado, a pandemia do coronavírus e as precauções necessárias fizeram com que a votação pelo correio disparasse, o que desacelerou a contagem em alguns lugares.

Por outro lado, de acordo com matéria da BBC “há um presidente que não quer assumir as projeções de Estados que dão vitória a Biden, rompendo com uma tradição em que o perdedor reconhece a derrota e oferece sua colaboração ao presidente eleito”. Segundo a publicação, ao invés disso, a campanha de Trump e sua equipe jurídica entraram com ações judiciais em Estados importantes para bloquear o processo pelo qual as autoridades eleitorais certificam os resultados.

É importante entender ainda o conceito de Certificação de Resultados, ou seja, a comprovação que os Estados emitem confirmando o vencedor das eleições naquele território. Embora o processo varie por Estado, a certificação geralmente é concluída nas semanas seguintes às eleições, antes que a delegação de cada Estado no Colégio Eleitoral se reúna, em meados de dezembro, para emitir seus votos.

Os resultados geralmente divulgados na noite das eleições são considerados não oficiais e as autoridades de cada Estado levam algum tempo após as eleições para encerrar a contagem dos votos.

Para verificar os resultados, os funcionários checam os dados da contagem dos votos e confirmam se o manuseio das cédulas foi correto. O ato de certificação é normalmente realizado pelo chefe do órgão eleitoral estadual, pelo governador ou por uma junta de membros de campanha.

Cada Estado tem processos diferentes para verificar a contagem final dos votos antes que as autoridades certifiquem formalmente os resultados, o que pode demorar algumas semanas, com cada condado certificando os resultados de sua região e enviando-os às autoridades eleitorais estaduais em um prazo que varia de local para local.

Muitos dos Estados já concluíram esse processo, mas em muitos deles o período de certificação permanece aberto. Nos atemos aos prazos dos seguintes Estados, apurados pela BBC:

  • Nevada – Prazo termina em 16 de novembro.
  • Wisconsin – Condados devem fornecer resultados certificados à comissão eleitoral estadual até 17 de novembro.
  • Geórgia – Prazo termina em 20 de novembro.
  • Michigan e Pensilvânia – Condados devem certificar os resultados até 23 de novembro.
  • Arizona – Prazo termina em 30 de novembro.

Segundo a mesma publicação da BBC, em dois desses Estados, Wisconsin e Geórgia, foi anunciado que haverá uma recontagem de votos, uma ação que só pode começar depois que a certificação for feita.

As autoridades eleitorais de cada Estado verificam os resultados para garantir a precisão da contagem final e detectar possíveis problemas técnicos, erros humanos ou fraudes (que, segundo dados históricos, são muito raras nos Estados Unidos).

Vale lembrar que essas etapas de verificação e o ato de certificação geralmente não produzem mudanças drásticas nas projeções.

Segundo estabelecido pela lei federal estadunidense, existe uma data como prazo final para as contagens denominada de “porto seguro”, que neste ano corresponde a 08 de dezembro. Até lá, de acordo com a lei federal, todas as informações de resultados estaduais devem ter alcançado o “porto seguro”, ou seja, devem ter sido entregues pelas autoridades eleitorais de cada Estado.

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Bereia categoriza a matéria de Gospel Prime, que afirma suspeitas de fraude nas eleições dos Estados Unidos, como enganosa. Isso porque, segundo apurações de importantes veículos que seguem acompanhando o andamento das eleições, como a BBC, até 12 de novembro, nenhuma evidência de fraude apareceu.

Não se pode descartar que, devido às alegações do presidente de suposta fraude, algumas legislaturas estaduais em mãos dos republicanos decidam não aceitar como válidos os resultados das eleições em seu próprio Estado. Assim, no dia 14 de dezembro poderia ocorrer, no Colégio Eleitoral, uma divisão entre delegados de um mesmo Estado, com um grupo dando seu voto ao vencedor nas urnas do Estado e o outro, seguindo a orientação do legislativo do Estado. Nesse caso, a lei estabelece que cabe ao Congresso dos Estados Unidos escolher entre os dois grupos de delegados enviados pelo Estado, o que não acontece desde 1876.

A matéria de Gospel Prime também falha ao não informar seus leitores/as sobre os processos que envolvem a finalização da eleição e o papel da Suprema Corte americana em relação à intervenção na contagem dos votos, o que poderia elucidar a clareza nas apurações dos votos.

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Foto de Capa: Getty Images/Reprodução

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Referências de checagem

Eleição nos EUA 2020: por que a vitória de Biden não significa o fim do trumpismo? Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-54843658. Acesso em 11 de novembro de 2020.

Plataforma detecta centenas de contas brasileiras no Twitter disseminando desinformação sobre a eleição americana. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/eleicoes-nos-eua/2020/noticia/2020/11/10/plataforma-detecta-centenas-de-contas-brasileiras-no-twitter-disseminando-desinformacao-sobre-a-eleicao-americana.ghtml. Acesso em 11 de novembro de 2020.

Como Trump quer reverter o resultado das urnas e qual a resposta de Biden. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2020/11/12/como-trump-quer-reverter-o-resultado-das-urnas-e-a-qual-a-resposta-de-biden.htm Acesso em 13 de novembro de 2020.

Nem Trump nem a mídia: quem realmente decide oficialmente a eleição presidencial nos EUA. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-54930248. Acesso em 13 de novembro de 2020.

Contagem de votos na maior cidade da Pensilvânia é brevemente interrompida por disputa judicial. https://g1.globo.com/mundo/eleicoes-nos-eua/2020/noticia/2020/11/05/contagem-de-votos-na-maior-cidade-da-pensilvania-e-interrompida.ghtml. Acesso em 11 de novembro de 2020.

É antiga imagem de ‘cédulas de votação’ das eleições dos EUA jogadas em estrada. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2020/11/05/verificamos-imagem-cedulas-votacao/. Acesso em 13 de novembro de 2020.

Mensagem anônima que circula em mídias sociais usa pânico moral contra partidos de esquerda

A seguinte mensagem circula por diversos grupos de evangélicos no WhatsApp:

A mensagem não tem autoria, não apresenta fontes, e não esclarece os motivos pelos quais defende que os candidatos dos partidos supostamente coligados com o “PT e a Esquerda” não devam receber votos. Apenas lista 16 partidos com a indicação de que “não podemos deixá-los vencer e tomar os municípios”. O texto chama para a divulgação e para o esclarecimento dos “cidadãos de bem” que ainda estariam “desinformados”.

O Coletivo Bereia recebeu de leitores/as a indicação para verificação desta mensagem de contracampanha política e encontrou alguns pontos que a classificam como desinformação.

1. “Partidos coligados com o PT e a Esquerda”

Nestas eleições municipais de 2020 no Brasil, pela primeira vez, candidatos ao cargo de vereador não poderão concorrer por meio de coligações. O Congresso Nacional, por meio da reforma eleitoral de 2017, aprovou diversas modificações na legislação eleitoral, dentre elas, o fim das coligações na eleição proporcional. Com isso, o candidato a uma cadeira na câmara municipal somente poderá participar do pleito em chapa única dentro do partido ao qual é filiado. Para o cargo de prefeito, continua sendo possível a união de diferentes partidos em apoio a um candidato.

As coligações formadas em todos os municípios do país podem ser consultadas no site do Tribunal Superior Eleitoral. A postagem que circula em mídias sociais verificada pelo Coletivo Bereia não informa quais coligações para Prefeituras envolveriam estes partidos com “o PT e a esquerda” e ainda inseriu o Partido dos Trabalhadores (PT) na própria lista.

Curiosamente, o PT e o Partido Social Liberal (PSL), expoentes da atual polarização política no país em nível nacional, fazem parte da mesma coligação em 136 municípios. O PSL não consta nesta lista alarmista divulgada contra o “PT e a esquerda”.

2. Partidos de direita e de centro classificados como esquerda

Entre os 16 partidos listados na postagem que circula entre grupos religiosos, estão um que não existe mais, o PPL (Partido Pátria Livre) e o PPS (Partido Popular Socialista, vertente do antigo PCB – Partido Comunista do Brasil), que também não existe mais como tal, pois alterou o nome para Cidadania. Só este tipo de erro já descredencia a lista.

Há ainda, na postagem, um partido que não têm qualquer identidade com a esquerda, o DEM (Democráticos), que tem raízes na direita brasileira sustentadora da ditadura militar (originalmente ARENA – Aliança Renovadora Nacional, depois PFL – Partido da Frente Liberal) Também constam na lista apócrifa, dois que são identificados com o centro: PSDB (Partido Social Democrático Brasileiro) e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro).

O jornal O Estado de São Paulo publicou matéria, em 2019, sobre a classificação dos partidos no Brasil, depois de ouvir como cada um se autoidentifica, tendo publicado o seguinte gráfico-síntese:

Para o cientista político da FGV Cláudio Couto, a autodenominação de centro é uma tentativa retórica dos partidos se mostrarem mais moderados. “Alguns que se definem como centro são claramente partidos de direita, o que não quer dizer que seja uma direita radical. Já o PSL a gente não sabe o que é, ainda mais depois dessas confusões que ele se meteu, mas se a gente for tomar pelo bolsonarismo ele seria uma extrema-direita, não uma direita moderada”, afirmou Couto.

Ainda que se tome por base nesta autoidentificação, a mensagem que circula nas mídias sociais desinforma e confunde ao listar como “coligados”, no sentido de alinhados, partidos que de forma alguma se enquadrariam na esfera ideológica da esquerda.

3. Pânico moral

Bereia já tratou em matéria anterior sobre o uso do pânico moral em conteúdos desinformativos que circulam em espaços digitais. Ao usar o termo “não podemos deixá-los vencer e tomar os municípios”, a mensagem induz à noção de um perigo, com base em ideia construída no Brasil por campanhas de direita, de que governos de esquerda representam uma ameaça, atrelando-a a temas como “corrupção”, “destruição das famílias”, “comunismo”.

Segundo o pesquisador Richard Miskolci no artigo “Pânicos morais e controle social – reflexões sobre o casamento gay”, a construção de bases políticas conservadoras e de extrema direita, e a adesão a elas, têm sido conquistadas por meio do pânico moral, da retórica do medo, para gerar insegurança e promover afetos.

Pânicos morais são fenômenos que emergem em situações nas quais sociedades reagem a determinadas circunstâncias e a identidades sociais que presumem representarem alguma forma de perigo. São a forma como as mídias, a opinião pública e os agentes de controle social reagem a determinados rompimentos de padrões normativos e, ao se sentirem ameaçados, tendem a concordar que “algo deveria ser feito” a respeito dessas circunstâncias e dessas identidades sociais ameaçadoras. O pânico moral fica plenamente caracterizado quando a preocupação aumenta em desproporção ao perigo real e geral. O que foi construído no Brasil em relação à esquerda política, a partir de 2014, como base para o processo de impeachment de Dilma Rousseff, e que alimentou a campanha eleitoral de 2018, reverbera ainda em 2020 nesta contracampanha que circula nas redes.

Pesquisas científicas, como a de Richard Miskolci, indicam a circulação de intensa quantidade de material desinformativo, baseado em pânico moral e medo para disseminação de conteúdos que se revertem em apoio a grupos políticos de extrema direita.

4. O clima anti-campanha entre cristãos

Lideranças religiosas alinhadas com o pensamento progressista se uniram e lançaram o Movimento pela Bancada Evangélica Popular nas eleições de 2020. O mesmo ocorreu com o grupo Cristãos contra o Fascismo. Este movimentos lançaram dezenas de candidatos por partidos identificados com a esquerda para o pleito de 2020.

A Bancada Evangélica Popular define a iniciativa como um movimento que deseja participar de forma direta na política e à luz da Palavra de Deus, promover políticas públicas concretas que cessem com a desigualdade social e promover justiça, paz e dignidade para todas e todos.

Seu propósito é ocupar as câmaras e assembleias com uma Bancada Evangélica Popular, indicando e apoiando irmãos e irmãs que se dispõem a esta luta nas candidaturas, de forma pluripartidária. Não há intenção de promover um pensamento único, mas parte do princípio que o papel dos cristãos evangélicos, como agentes do Reino de Deus, é promover a transformação social.

A campanha do Movimento pela Bancada Evangélica Popular e de Cristãos contra o Fascismo tem alcançado grande repercussão nas mídias noticiosas. UOL, Folha de São Paulo e Yahoo Notícias, por exemplo, deram espaço ao grupo evangélico progressista.

A visibilidade desta iniciativa vem provocando reações negativas de atores importantes do cenário político-religioso, como a Igreja Universal do Reino de Deus, que em seu site e no jornal Folha Universal, fez a seguinte publicação: “O que está por trás da Bancada Evangélica Popular. Grupo de esquerda deseja criar uma bancada socialista voltada para cristãos”.

De acordo com a matéria, partidos de esquerda apresentam um discurso de justiça social e apoio aos direitos do povo, no entanto, quando chegam ao poder, restringem a liberdade individual e perseguem o cristianismo. Além disso, defendem os ideais do comunismo e do socialismo, como o Partido dos Trabalhadores, que governou o país por treze anos. Por fim, a publicação afirma que “a ideia não é defender a direita política, apesar de esta ser mais coerente com a necessidade das pessoas”.

Já o Deputado Pastor Marco Feliciano (Republicanos -SP) publicou em seu Twitter um vídeo pedindo aos “cristãos católicos e evangélicos e ateus que são de bem” para não votarem em candidatos do PT, PC do B e PSOL , pois estes partidos defendem a “chamada ideologia de gênero” e “atacam políticos conservadores”, além de não concordarem com o pensamento cristão. Fazendo uso do pânico moral no ataque aos candidatos de esquerda, o deputado diz que cristãos devem votar nos políticos que defendem a “família tradicional” e a “família civilizatória”.

O Coletivo Bereia publicou diversas matérias sobre divulgação de pânico moral em relação a “ideologia de gênero” e “proteção à família”: São falsos vídeos sobre suposta Operação Storm no Brasil, É verdadeiro que Disney tem protagonista bissexual em série, mas portal evangélico faz apelo enganoso, É impreciso que Xuxa lançará livro sobre homoafetividade para público infantil, Presidente Bolsonaro mente ao dizer que “esquerda” quer descriminalizar pedofilia e O Presidente do Brasil e a falaciosa ideologia de gênero. A mais recente verificação do Bereia sobre a temática identifica o uso eleitoral do pânico moral em torno da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5668, de 2017, ajuizada pelo partido de esquerda Socialismo e Liberdade (PSOL), que visa garantir que escolas previnam e coíbam práticas de homofobia em seus espaços. Bereia mostrou como são enganosos conteúdos que afirmam que a ação foi movida pelo PSOL, “para tornar obrigatória a ideologia de gênero nas escolas públicas e privadas”.O Movimento pela Bancada Popular fez uma transmissão ao vivo em sua página no Facebook, em 6 de outubro, para acusações feitas pela Igreja Universal do Reino Deus .

A partir desta verificação, o Coletivo Bereia classifica a mensagem que circula em mídias sociais de grupos evangélicos como falsa. Além de apresentar características recorrentes de material desinformativo (não contém autoria, registra informações equivocadas, faz uso de pânico moral e de tom alarmista e convoca ao compartilhamento imediato), o conteúdo se soma à contracampanha empreendida por algumas lideranças religiosas que se autoidentificam como “conservadoras” ou “de direita”, como reação à ampliação da visibilidade da atuação política de esquerda neste período eleitoral, em especial de grupos cristãos.

A desinformação, sobretudo para desqualificar a articulação política de movimentos progressistas evangélicos, está sendo utilizada como ferramenta político-eleitoral e como contracampanha, desinformando, confundido e impondo medo sobre eleitores.

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Referências

Twitter Marco Feliciano, https://twitter.com/marcofeliciano/status/1314255134503960577 Acesso em 13/10/2020.

Site Bancada Evangélica Popular, https://www.bancadaevangelicapopular.com/ Acesso em 09/10/2020.

Página no Facebook Bancada Evangélica Popular, https://www.facebook.com/BancadaEvangelicaPopular/?ref=page_internal Acesso em 09/10/2020.

Live Resposta às Fake news da Igreja Universal Contra a Bancada Evangélica Popular https://www.facebook.com/BancadaEvangelicaPopular/videos/636527180343176 Acesso em 15/10/2020.

Yahoo – Igreja Universal lança ofensiva contra Bancada Evangélica Popular por ser considerada de “esquerda”, https://bit.ly/3lNqFhY Acesso em 13/10/2020.

UOL, https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2020/09/09/contra-neopentecostais-1-bancada-evangelica-de-esquerda-se-lanca-em-2020.htm Acesso em 14/10/2020.

Igreja Universal, https://www.universal.org/noticias/post/bancada-evangelica-popular/ Acesso em 15/10/2020.

Coletivo Bereia https://coletivobereia.com.br/sao-falsos-videos-sobre-suposta-operacao-storm-no-brasil/ Acesso em 30/10/2020.

Coletivo Bereia https://coletivobereia.com.br/e-verdadeiro-que-disney-tem-protagonista-bissexual-em-serie-mas-portal-evangelico-faz-apelo-enganoso/ Acesso em 30/03/2020.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/e-impreciso-que-xuxa-lancara-livro-sobre-homoafetividade-para-publico-infantil/ Acesso em 29/10/2020

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/presidente-bolsonaro-mente-ao-dizer-que-esquerda-quer-descriminalizar-pedofilia/ Acesso em 30/10/2020

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/o-presidente-do-brasil-e-a-falaciosa-ideologia-de-genero/ Acesso em 30/10/2020

Portal UOL, https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2020/09/09/contra-neopentecostais-1-bancada-evangelica-de-esquerda-se-lanca-em-2020.htm Acesso em 03/11/2020

Folha de São Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2020/07/liderancas-religiosas-lancam-bancada-evangelica-popular-para-lancar-candidaturas.shtml Acesso em 03/11/2020

Yahoo Notícias, https://br.noticias.yahoo.com/igreja-universal-lanca-ofensiva-contra-bancada-evangelica-popular-por-ser-considerada-de-esquerda-150741391.html Acesso em 02/11/2020

Jornal O Estado de São Paulo, https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,maioria-dos-partidos-se-identifica-como-de-centro,70003135964 Acesso em 02/11/2020

Presidência da República, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13488.htm Acesso em 05/11/2020

Congresso em Foco, https://congressoemfoco.uol.com.br/eleicoes/coligacoes-pt-e-psl-eleicoes-2020/ Acesso em 01/11/2020

TSE, https://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/repositorio-de-dados-eleitorais-1/repositorio-de-dados-eleitorais Acesso em 01/11/2020

Com anúncio de testes no país, vacina contra Covid-19 continua sendo alvo de desinformação nas redes sociais

Mais uma vez, a deputada católica Bia Kicis (PSL/DF) desponta nas mídias sociais digitais com discursos que ratificam sua militância antagônica à obrigatoriedade da vacinação contra a Covid-19.

No último dia 16 de outubro, ela retuitou o post do perfil Médicos pela Liberdade, autointitulado como “grupo em prol das liberdades individuais e contra o totalitarismo disfarçado de ciência”.

Fonte: Perfil Bia Kicis no Twitter

A publicação, que parabeniza a ação do grupo, gerou 3,4 mil curtidas, 769 retuítes e 61 comentários. Já o conteúdo original, publicado no perfil Médicos pela Liberdade, angariou 6,9 mil curtidas, 2,3 mil retuítes e 190 comentários.

Fonte: Perfil Médicos pela Liberdade no Twitter

O post foi motivado após o governador de São Paulo, João Doria, no mesmo dia, se pronunciar sobre a obrigatoriedade da vacina contra a Covid-19 em todo o estado paulista, caso ela seja aprovada nos testes e tenha o aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Segundo Doria, em entrevista à Agência Brasil, apenas pessoas com atestado médico serão liberadas de receber o imunizante.

“Em São Paulo a vacinação será obrigatória, exceto para quem tenha orientação médica e atestado médico de que não pode tomar a vacina. E adotaremos medidas legais se houver contrariedade nesse sentido”, disse Doria, em entrevista coletiva em São Paulo.

O governador revelou ainda que os testes com a vacina chinesa CoronaVac deveriam ser finalizados no final da semana e os resultados desses testes deveriam ser anunciados em coletiva à imprensa na segunda-feira, 19. Contudo, matéria do UOL, publicada no dia 19 de outubro, noticiou que Doria recuou e adotou um tom mais cauteloso, dizendo que ainda não seria possível precisar quando as doses estarão disponíveis. Anteriormente, o governador Doria havia dito que a Coronavac, vacina contra o coronavírus que será produzida pelo Instituto Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac, poderia começar a ser aplicada em profissionais de saúde a partir de 15 de dezembro, caso fosse aprovada em todos os testes. Contudo, durante a entrevista coletiva no Palácio dos Bandeirantes na tarde do dia 19, ocasião do recuo de Doria, o diretor do Instituto Butantan Dimas Covas explicou que “as perspectivas são otimistas, mas não podemos dar data precisa de quando isso vai acontecer. Esperamos que até o final desse ano”.

Na ocasião da coletiva, Doria também disse que a vacina do Butantan é a que está em estágio mais avançado entre todas as que estão em produção no mundo. “Os primeiros resultados do estudo clínico comprovam que, entre todas as vacinas, a Coronavac é a mais segura e a que apresenta melhores índices e mais promissores. É, de fato, a vacina mais avançada neste momento”, declarou. O governo do estado divulgou hoje os resultados dos testes da Coronavac com nove mil voluntários no país. De acordo com Covas, a vacina teve poucos efeitos colaterais e os resultados no Brasil comprovam que a vacina é segura.

Segundo a matéria do UOL, os resultados apresentados mostraram que 35% dos voluntários apresentaram algum tipo de efeito colateral após a aplicação da vacina, sendo dor no local de aplicação a mais comum, relatada por 18% dos que receberam a dose. Não foram apresentadas reações de grau 3, que são mais graves. Apenas 0,1% dos voluntários tiveram febre. “As outras reações foram insignificantes do ponto de vista estatístico. O mais frequente foi dor de cabeça, que pode ter relação com vacina ou não. Os outros sintomas foram muito baixo”, afirmou Covas. “Portanto é a vacina mais segura não só no Brasil, mas no mundo”.

Nas mídias sociais, grupos antivacina seguem usando o espaço para dar eco a conteúdo enganoso e gerar desconfiança sobre futura campanha de vacinação. No caso do perfil Médicos pela Liberdade, a postagem mostra a resistência dos profissionais frente à suposta obrigatoriedade de vacina contra o vírus, classificado como “vírus chinês’, e ainda aponta que esta foi produzida “a toque de caixa, sem nenhum estudo a médio e longo prazo”, fato que dividiu a opinião entre os usuários e seguidores.

Entenda o movimento antivacina

Em 2019 o movimento antivacina passou a figurar na lista das dez maiores ameaças à saúde global, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) A informação consta no Repositório Institucional da Fiocruz. Segundo a organização, o movimento seria um dos fatores responsáveis pelo aumento de 300% no número de casos de sarampo no mundo todo, sendo que, a doença havia sido oficialmente erradicada no Brasil em 2016.

Desconfiança em relação às formas de imunização oferecidas pelo governo e teorias da conspiração sobre os efeitos das vacinas são elementos que sustentam o movimento antivacina pelo mundo. O fenômeno não é recente, tanto é que, a mais de um século, em 1904 ocorreu a revolta da vacina no Rio de Janeiro, movimento de motim popular que rejeitava a obrigatoriedade da vacina contra a varíola. No entanto, a comunidade médica acredita que os movimentos mais recentes e organizados foram desencadeados por um estudo publicado pelo médico britânico Andrew Wakefield na renomada revista de ciência Lancet, em 1998.

Nesse estudo, Wakefield relacionava a vacina tríplice viral, que previne contra caxumba, sarampo e rubéola, à manifestação de quadros de autismo. O médico teria examinado 12 crianças para seu artigo, das quais oito supostamente manifestaram autismo duas semanas após receberem a vacina. Segundo ele, o sistema imunológico das crianças havia sofrido uma sobrecarga com a imunização.

O estudo foi descartado após descobertas de que Wakefield, estava envolvido com advogados que queriam lucrar a partir de processos contra fabricantes de vacinas. Além disso, ele utilizou dados falsos e alterou informações sobre os pacientes.

Portanto, observa-se que dados falsos, mesmo hoje, são um dos principais argumentos utilizados pelo movimento antivacina, que relaciona não só a tríplice viral, como várias outras vacinas à manifestação do autismo.

Outro sistema de imunização que também foi e ainda é alvo de boatos e fake news é a vacina que previne contra o papilomavírus humano (HPV). Ela começou a ser distribuída em 2014 tendo como público-alvo garotas adolescentes entre nove e 14 anos e visa combater o vírus, sexualmente transmissível e causador de doenças como câncer no colo do útero. Na época em que surgiu a vacina contra o HPV, o boato circundante era o que o produto causaria paralisia, segundo matéria publicada no UOL. Contudo, tais alegações foram checadas e comprovadamente declaradas falsas por pesquisadores da área.

No que tange o combate à pandemia de Covid-19, a elaboração e distribuição de uma vacina eficaz no combate ao vírus é a principal esperança das autoridades e da população, mas, mesmo diante desse cenário de expectativa, movimentos antivacinas se fortalecem a partir das incertezas e inseguranças fomentadas pela pandemia e ganham visibilidade, fazendo circular diversos conteúdos falsos ou desinformativos, que atribuem mortes em decorrência de vacinações e substâncias tóxicas que comporiam as vacinas.

Exemplo de conteúdo enganoso sobre vacinação (Fonte: Internet)

O caminho da desinformação sobre a vacina contra o vírus

A cada novo fato sobre os testes de vacinação contra a Covid-19, um turbilhão de desinformação avança por todo o país, invadindo as redes sociais digitais e dividindo as opiniões na sociedade. Percebe-se que, para além da pandemia de uma grave e mortal doença, outra ainda mais sutil e tanto quanto perigosa vem se desenvolvendo: a onda de notícias falsas, desinformativas e enganosas.

A constatação pode ser justificada pelos números levantados pela União Pró-Vacina – UPVacina, um grupo de instituições ligadas à Universidade de São Paulo – Ribeirão Preto, cujo objetivo é esclarecer informações falsas sobre vacinas. Segundo o levantamento, houve um aumento de 383% em postagens contendo postagens com conteúdos falsos ou distorcidos envolvendo o tema, o que aponta que a desinformação quase quintuplicou em apenas dois meses.

De acordo com informações apresentadas pela UPVacina, a análise foi feita com base em postagens dos dois principais grupos antivacina brasileiros no Facebook, os quais já haviam sido objeto de outro estudo da entidade em março. Entre os dias 1º de maio e 31 de julho, foram identificadas no total 155 postagens ligadas à vacina em desenvolvimento contra a covid-19. O volume de interações chama a atenção: foram 3.282 reações, 1.141 comentários e 1.505 compartilhamentos.

A rapidez com que o número de postagens cresce no decorrer do tempo impressiona. Durante todo o mês de maio, apenas 18 postagens abordavam assuntos ligados à vacina contra a covid-19. Em junho, elas chegaram a 50 e, em julho, a 87.

Fonte: União Pró-Vacina

A análise, apresentada no mês de agosto, também levou em conta os números por períodos. Assim, percebeu-se que em dois há uma frequência maior na disseminação de conteúdo falso: entre 11 e 20 de junho e entre 21 e 31 de julho. Os picos coincidem com informações bastante difundidas pela imprensa e ligadas à temática. Entre elas estão o anúncio da parceria entre o Instituto Butantan e o laboratório chinês Sinovac Life Science para a produção de uma vacina contra a covid-19; o início dos testes dessa vacina no País; e os primeiros testes, no Brasil, de outra vacina para combater a doença, desenvolvida pela Universidade de Oxford.

Assim como na análise anterior da UPVacina nos mesmos grupos, há um pequeno número de pessoas produzindo a maior quantidade das postagens. De acordo com a pesquisa, 56 autores foram responsáveis por todas as 155 postagens. Cinquenta deles publicaram 52% (81) do total e os outros seis, 48% (74).

Os resultados apontaram também que a grande maioria das postagens gira em torno de possíveis perigos e ineficácia das vacinas (24,52%), além de uma variada gama de teorias da conspiração (27,10%). Contudo, outras temáticas também se destacam pelo grau de desinformação que trazem. Uma delas já era bastante citada pelos grupos antivacina: a de que vacinas podem alterar o DNA dos seres humanos, que aparece em 14,84% das postagens.

Até mesmo o empresário americano Bill Gates, um dos fundadores da Microsoft, está sendo alvo de grupos antivacina, segundo dados da pesquisa da UPVacina. No rol das notícias enganosas, que aparece em 14,19% das postagens, está a informação enganosa de que ele também fomenta pesquisas e o desenvolvimento de vacinas, patrocinando estudos por meio da Fundação Bill and Melinda Gates. As postagens geralmente associam essa atividade a um possível controle populacional realizado a partir das vacinas ou até mesmo a teorias da conspiração envolvendo o controle da mente humana usando chips implantados com a aplicação dos imunizantes.


Fonte: União Pró-Vacina

De acordo com a análise de UPVacina, um dos vídeos com informações falsas e alarmistas sobre as vacinas, que apresentou maior engajamento entre os usuários, foi produzido pelo jornalista e servidor público da Câmara dos Deputados, Cláudio Lessa, que ganhou destaque pela publicação no site Jornal da Cidade Online, citado na CPMI das Fake News, e pelo compartilhamento na página da deputada Bia Kicis (PSL-SP), investigada em inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF) pelo financiamento de notícias falsas.

Fonte: YouTube

No vídeo, Lessa afirma que vacinas modificam o DNA do ser humano e contêm “nanopartículas de controle social” – argumentos recorrentes entre grupos antivacina e que têm tido maior alcance devido ao alto volume de buscas pelas vacinas em fase de testes. O servidor ainda se refere à vacina como “lixo que está sendo produzido” contra a “peste chinesa” e, sem citar quaisquer referências e atribuindo as afirmações a “opiniões” de “várias pessoas”, apresenta informações falsas sobre a imunização. Na ocasião, agências de checagem de informações, como Projeto Comprova, Agência Lupa e Aos Fatos classificaram as alegações do vídeo como falsas.

De acordo com matéria publicada na Carta Capital em 08 de outubro, Lessa consta como Analista Legislativo da Câmara dos Deputados e, segundo o Portal de Transparência da Câmara, ganha mais de 34 mil reais mensalmente como salário bruto. Ele chegou à Casa por indicação política do ex-deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ), que atualmente cumpre pena domiciliar por corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Já a deputada católica Bia Kicis Kicis recebe mais de 33 mil reais como deputada federal.

Carta Capital traz ainda outros números importantes para se entender a dimensão da questão. As publicações no site e na página de Kicis, juntas, tiveram 232,3 mil interações, entre curtidas, comentários e compartilhamentos no Facebook, sendo feitas respectivamente em 24 e 25 de setembro, segundo a análise da UPVacina. Os estudos mostraram também que o post e a matéria foram compartilhados por 79,7 mil usuários, enquanto as outras sete notícias provenientes de sites jornalísticos com maior engajamento no mesmo mês, como Carta Capital, G1 e Folha de S. Paulo, tiveram 79,6 mil compartilhamentos em conjunto.

Seguindo a mesma proposição de checagem, em setembro, o Coletivo Bereia verificou dois vídeos que viralizaram em mídias sociais no referido mês, especialmente no WhatsApp . O primeiro apresenta um suposto médico que fala contra a testagem e vacinação em massa, pois segundo ele são um projeto de redução da população mundial. O segundo vídeo trata da aferição de temperatura na testa, que supostamente atinge a chamada glândula pineal e pode prejudicar o funcionamento do corpo. Ambos foram categorizados como falsos, baseados em teorias da conspiração com fundo religioso, mas que não se comprovam com dados científicos. Este tipo de conteúdo tem sido disseminado em mídias sociais para causar pânico, alimentar a relativização da gravidade da pandemia de coronavírus e diminuir o engajamento nas medidas preventivas, podendo causar prejuízos graves à população.

No caso da nova postagem checada, que trata sobre a total resistência do grupo Médicos pela Liberdade à vacinação contra a Covid-19, chancelada pela deputada Bia Kicis, o Coletivo Bereia a categoriza como enganosa. O conteúdo traz o rótulo de“vírus chinês” para o coronavírus, tipificação descartada por organismos internacionais e descabida para qualquer organização reconhecida. Apresenta também, a afirmação de que a vacina teria sido produzida “a toque de caixa”, argumento falso, uma vez que as instituições de pesquisa seguem os protocolos internacionais no tocante a processos e prazos. Da mesma forma, dizem que não foi oferecido estudo a médio e longo prazo, argumento que, por si só, não aponta qualquer informação precisa e devidamente apurada.

É importante ressaltar que no dia 21 de outubro, o presidente em exercício, Jair Bolsonaro, causou polêmica no Twitter ao afirmar que o governo só irá disponibilizar a vacina se comprovada cientificamente pelo Ministério da Saúde e certificada pela ANVISA, ratificando que não é possível justificar um aporte financeiro bilionário em um medicamento que “sequer ultrapassou sua fase de testagem”. Tal proposição adiciona mais um fator desinformativo que circula nas mídias envolvendo o desenvolvimento da vacina contra a Covid-19 no Brasil.

Fonte: Twitter/Reprodução

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Foto de Capa: Youtube/Reprodução

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Referências de checagem

Covid-19: vacina será obrigatória em SP quando estiver disponível. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-10/covid-19-vacina-sera-obrigatoria-em-sp-quando-estiver-disponivel Acesso: 19 de outubro de 2020.

Notícia falsa associa vacina da Covid a ‘nanopartículas de controle social’. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/saude/vacina-da-covid-19-noticia-falsa-e-a-mais-vista-sobre-o-tema-no-facebook-em-setembro/ Acesso: 19 de outubro de 2020.

Vídeos falsos alegam vacinação e medição de temperatura como forma de controle da população https://coletivobereia.com.br/videos-falsos-alegam-vacinacao-e-medicao-de-temperatura-como-forma-de-controle-da-populacao/ Acesso em 20 de outubro de 2020.

“Entenda o que é o movimento antivacina” Guia do Estudante, Disponível em: https://guiadoestudante.abril.com.br/atualidades/entenda-o-que-e-o-movimento-antivacina/ Acesso em 20 de outubro de 2020

“O movimento antivacina e suas ameaças”. Disponível em: https://periodicos.fiocruz.br/pt-br/content/sarampo-o-movimento-antivacinas-e-suas-amea%C3%A7as Acesso em 20 de outubro de 2020

“Universo antivacinas se expande em plena Pandemia e aumenta desinformação”. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2020/06/25/universo-antivacina-se-expande-em-plena-pandemia-e-aumenta-desinformacao.amp.htm#aoh=16032411954849&referrer=https%3A%2F%2Fwww.google.com&amp_tf=Fonte%3A%20%251%24s Acesso em: 20 de outubro de 2020

“Vacina de HPV pode causar paralisia”. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/confere/ultimas-noticias/2017/12/06/vacina-de-hpv-pode-causar-paralisia-ela-pode-passar-o-virus.htm. Acesso em: 20 de outubro de 2020

“Movimento antivacina: como surgiu e quais consequências ele pode trazer”. Disponível em: https://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/nid/movimento-antivacina-como-surgiu-e-quais-consequencias-ele-pode-trazer/. Acesso em 20 de outubro de 2020

“Movimento antivacina e suas ameaças”. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/33659. Acesso em 26 de outubro de 2020.

União Pró-vacina. Disponível em: https://sites.usp.br/iearp/uniao-pro-vacina/. Acesso em 11 de outubro de 2020.

“Nota do Gabinete do Ministro Alexandre de Moraes”. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=444198&ori=1. Acesso em 26 de outubro.

Era da desinformação: pessoas estão mais atentas sobre veículos de informação confiáveis

Se a desinformação transborda em meio às mídias sociais, o jornalismo profissional feito por jornais impressos, portais de notícias e programas de TV e rádio continua sendo a fonte mais confiável para os eleitores quando o assunto são as notícias sobre as eleições municipais. Pesquisa do Instituto Datafolha revela, entre outros dados, que a desconfiança em relação a mídias sociais como o WhatsApp pode chegar a 78%. Confira maiores informações na matéria publicada por O Globo e reproduzida, na íntegra, abaixo.


População aponta jornalismo profissional como a fonte mais confiável para se informar sobre eleição, diz Datafolha

* Publicado originalmente por O Globo em 10 de outubro de 2020.

RIO — Jornais impressos, sites de notícias, programas de rádio e televisão foram apontados como os meios mais confiáveis para obter informações sobre as eleições municipais. Os eleitores de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Recife avaliam as as redes sociais como o meio com menos credibilidade. Facebook e WhatsApp são os principais canais onde conteúdos sobre política são compartilhados. Essas são algumas das conclusões da pesquisa Datafolha realizada nos dias 5 e 6 de outubro, encomendada pela “Folha de S. Paulo” e pela TV Globo. A margem de erro é de três pontos percentuais para mais ou para menos.

Entre os eleitores da capital paulista, 41% confiam mais em jornais para se informar sobre o pleito municipal que ocorre em novembro deste ano. Os programas de televisão possuem a mesma taxa de confiança. Das 1.092 pessoas entrevistadas na cidade, 35% disseram que confiam parcialmente nos jornais e 20% disseram que não confiam. Em relação aos programas de TV, 33% não confiam e 24% confiam parcialmente.

Quando se trata das redes sociais, apenas 6% dos entrevistados em São Paulo afirmaram que confiam no Whatsapp, e 7% no Facebook. A taxa de desconfiança é de 78% e 74%, respectivamente. Já os que confiam parcialmente no Facebook são 11% e no WhatsApp, 13%.

No Rio de Janeiro foram ouvidas 900 pessoas. A confiança nos jornais impressos está em 35%, no mesmo patamar que em São Paulo se considerado o limite da margem do erro. Entre os respondentes no Rio, os programas de rádio são os mais confiáveis para 37%, seguidos pelos televisivos, com 36%.

Assim como os paulistas, os cariocas também manifestaram descrença em relação aos conteúdos que circulam nas redes sociais. Apenas 6% afirmaram que confiam nas informações sobre as eleições veiculadas pelo WhatsApp,enquanto 13% disseram acreditar em parte. O grau de desconfiança no WhatsApp é de 74%, enquanto apenas 6% informaram não utilizar o aplicativo de mensagens. Em relação ao Facebook, só 8% confiam, 16% confiam em parte, 67% não confiam e 9% não usam a plataforma.

Os números de Belo Horizonte e Recife apresentam a mesma tendência observada em Rio e São Paulo, com pequenas variações. Nas duas cidades, 67% dos eleitores afirmaram que não acreditam no que leem sobre a eleição na rede social.

De acordo com os dados da pesquisa, à medida que cresce a idade do entrevistado, maior a desconfiança nos meios de comunicação profissionais. A índice de maior confiança nos jornais foi registrado entre jovens de 16 a 24 anos de São Paulo (57%).

Bereia integra a Rede Nacional de Combate à Desinformação; lançamento será quinta

Na próxima quinta-feira, 24/09, será lançada a Rede Nacional de Combate à Desinformação (RNCD), iniciativa que reúne pesquisadores, jornalistas, projetos, agências, coletivos, movimentos sociais, revistas e instituições científicas, e entre os integrantes, o Coletivo Bereia. O lançamento acontece a partir de 19h por meio de transmissão ao vivo no Youtube da RNCD.

A editora-geral do Coletivo Bereia, Magali Cunha, classificou a decisão de integrar a rede como um “passo a mais da nossa consolidação [enquanto coletivo de verificação fatos]”. Bereia é reconhecido nacionalmente por ser o primeiro coletivo jornalístico do Brasil especializado em fact-checking religioso.

A Rede

São mais de 30 projetos que trabalham em várias frentes combatendo a desinformação em diversos ambientes e cujo escopo vai da pandemia da COVID-19, passa pela política e pelo ambiente religioso e chega aos direitos humanos com ataques à integridade das pessoas LGBT, mulheres, negros, indígenas, dentre outros.

A RNCD reúne uma diversidade de abordagens contra a desinformação englobando projetos de monitoramento de fake News, de jornalismo de fact-checking, projetos que trabalham com comunicação proativa levando informação precisa e necessária para a sociedade, projetos de contranarrativas, além de muitos que trabalham com informação científica e popularização da ciência.

Sobre o evento de lançamento é válido destacar que além da apresentação da plataforma da RNCD e dos parceiros da iniciativa, haverá uma palestra do jornalista e Professor Doutor Eugênio Bucci que dentre outras atividades é Professor Titular da Escola de Comunicação e Artes (ECA-USP), colunista do jornal O Estado de São Paulo e foi Presidente da Radiobrás entre 2003 e 2007. Publicou vários livros, alguns focado na ética jornalística e, por último, publicou, em 2019, o livro Existe democracia sem verdade factual?.

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Q-Anon, ou o novo discurso desinformativo

Na última sexta-feira (28) o Bereia realizou verificação sobre a Operação Storm. A suposta Operação (da qual não há registro, processo, prisões ou indiciados) visaria desbaratar uma rede de pedofilia e cultos satânicos no país. A premissa parece absurda: poderosos influenciadores da mídia, do Legislativo e Judiciário do país consumiriam em rituais satânicos fetos abortados para perpetuar sua influência e poder. Algo digno de um filme de terror.

Porém muitos não consideram esse discurso absurdo. E no momento não falo de brasileiros (embora tenhamos indícios de que sim, já há crença nessa realidade em solo nacional), mas de estadunidenses. Mais especificamente os Q-Anon.

O nome, que mais parece um filho ou sobrinho de Elon Musk (CEO da Tesla Motors e da SpaceX), tem agitado tanto os mais irreverentes quanto os mais sérios. O “grupo”, que começou como uma teoria da conspiração no 4chan, como explicou muito bem a matéria da Vice, veicula a mesma matriz discursiva da Operação Storm: o presidente da República é um guerreiro que luta secretamente para desmontar um esquema perverso no qual estão envolvidas as elites do país. Aliados a ele estão seus ministros que defendem a família e a tradição – afinal, por que outro motivo seriam eles tão atacados pela imprensa?

Mas onde está o indício de que esse discurso encontra solo fértil no Brasil? Podemos ver traços desse comportamento na matéria mencionada acima. Para isso, vamos revisitar como funcionam as agências de checagem.

Há algumas maneiras pelas quais as agências de checagem podem receber informações a serem verificadas. Uma comum e quase unânime entre as agências são os mensageiros virtuais: quase toda agência de checagem recebe mensagens com informações que levantaram a suspeita de alguém. Seja um número de WhatsApp para o qual você encaminhe um áudio do grupo da família até um perfil no Facebook para onde pode colar um link suspeito, é a partir daí que se constrói a checagem, partindo-se do pressuposto de que há interesse público para checar a informação (afinal, alguém pediu).

Mas o que é o interesse público para que haja a checagem? Significa que alguém recebeu uma informação que considerou suspeita. Passível de ser checada. Isso demanda dúvida. Vamos nos imaginar como a pessoa que encaminhou a mensagem da Operação Storm: estamos em um grupo, seja de família ou de amigos, da igreja ou do trabalho, e a mensagem chega por um colega engraçado, mas um pouco paranoico.

Dois ou três falam que é um absurdo tudo isso e esperam que a operação tenha sucesso. Um pergunta de onde veio isso, alguém fala que não acredita. Mas está ali. Alguém leu, alguém concordou, alguém encaminhou. Esse ciclo pode continuar infinitamente, mas nós paramos e nos perguntamos se faz algum sentido. E encaminhamos para a agência. Embora a mensagem tenha morrido conosco, ela continuou se espalhando com todos aqueles que concordaram, exponencialmente de modo alarmante.

Basicamente toda desinformação que chega a uma agência chega atrasada. Não conseguimos cortar a raiz, mas apenas podar a árvore. E essa árvore, que começa a esticar seus galhos, tem as raízes profundas e já quebrando o piso de casa. São raízes um pouco mais preocupantes – e é o que vamos investigar a seguir.

O bolsonarismo se apoia em embates contra inimigos. É esta ideia que mantém aceso o movimento, o que se concretiza em denúncias contra. Seu discurso, como muito bem explicitado pelo pesquisador e professor João Cezar de Castro Rocha, consiste em se colocar como bastião contra o inimigo vermelho, que permeia todas as instituições culturais do país: desde a pedagogia freiriana até o progressismo da classe artística brasileira, todos são coniventes com essa deterioração dos valores e da cultura. É nesse ponto que a importação Q-Anon vem a calhar para o discurso: os professores e artistas não estão mais “só” atacando nossa cultura, mas nossos filhos e sua ingenuidade.

Se antes o combate era cultural – e para isso nomes como Olavo de Carvalho aparecem como filósofos “de direita” e produtoras como Brasil Paralelo lançam documentários que se propõem a um revisionismo histórico – agora a o inimigo “esquerda” estaria levando o combate para outro âmbito: o físico. Esse inimigo que antes molestava a mente de nossos jovens agora molestam o corpo. E como antes se reagia com gritos e ofensas, pois a disputa era do discurso, agora a disputa é a do corpo.

A inserção dessa rede de desinformação, dessa narrativa que afirma que influenciadores da opinião pública atacam fisicamente os jovens acaba implicando numa reação igualmente física. Em seu livro “A Ditadura Envergonhada”, Elio Gaspari expõe como na história do Brasil o argumento de uma resistência armada e organizada de esquerda durante a ditadura justificou o fechamento do Congresso e 21 anos de ditadura.

Não acredito em uma ditadura militar agora. Porém, essa mudança no discurso desinformativo implica na necessidade de reações mais agressivas por parte daqueles que acreditam embates contra inimigos. É esta ideia que mantém aceso o movimento, o que se concretiza em denúncias contra nos absurdos do Q-Anon. O pizzagate já comprova o efeito dessas narrativas nos Estados Unidos. Resta vermos os efeitos de narrativas assim em um Estado desigual como o Brasil.

Foto de Capa: Pixabay/Reprodução

É falso conteúdo divulgado em vídeo por advogada que acusa STF e TSE

Um vídeo publicado pela professora de Direito Tributário e advogada Lenice Moreira de Moura em seu canal no Youtube, em 02 de julho de 2020, divulgado também pelo canal TV Eterno Aprendiz (Youtube) tem alcançado alta repercussão nas redes religiosas. No vídeo, a professora apresenta acusações contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Quem é a apresentadora do vídeo

Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria e Mestre em Integração Latino-Americana pela mesma universidade, Lenice Silveira Moreira de Moura é Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Atualmente coordena o Grupo de Pesquisa e Extensão “Direitos Humanos, Tributação e Cidadania” do Centro Universitário do Rio Grande do Norte – UNIRN. Integra o Núcleo Docente Estruturante do Curso de Direito do UNIRN, além de lecionar Direito Tributário, Direito Processual Civil e Metodologia Científica da Graduação e Pós-graduação em Direito no UNIRN. É advogada nas áreas tributária e empresarial.

A advogada e professora não é conhecida por sua atuação profissional, mas por episódios polêmicos, os quais foram destaque na imprensa. O jornal Saiba Mais publicou, em 30 de março de 2020, matéria sobre a divulgação, por Lenice Moura, de foto adulterada da governadora do estado do Rio Grande do Norte Fátima Bezerra (PT), Na foto original, a governadora estava reunida com o vice-governador Antenor Roberto, o secretário de Saúde Cipriano Maia e o prefeito de Natal Álvaro Dias. O objetivo da reunião era definir ações de combate ao coronavírus no Estado do Rio Grande do Norte e o registro em foto foi publicado nas mídias sociais da governadora. Na foto foi incluída uma garrafa de cachaça, uma imagem de Iemanjá e um boneco vodu de Jair Bolsonaro. Na publicação, a advogada afirma, dentre outras coisas, que “é na base da macumba que essa gente busca realizar seus planos malignos”.

A repercussão foi imediata. O Centro Universitário Rio Grande do Norte (UNIRN), instituição onde Lenice Moura leciona, se manifestou sobre o caso com declaração emitida pela assessoria de imprensa, classificando a falsificação como “opinião”:

“A instituição é apolítica, não toma partido nessas coisas. A professora está refletindo uma opinião dela. As consequências são para a cidadã. O reitor não aceita proselitismo na instituição. O que ela faz fora da instituição, nas redes particulares sociais dela, é uma outra história. Não tem como misturar o profissional. O que não se aceita é que ela leve esse pensamento para dentro de sala de aula. Ela pode opinar, mas não reflete o pensamento da instituição. O que ela faz nas redes sociais, ela que responda.”

De acordo com a matéria do Saiba Mais, além do crime de racismo religioso, a professora e advogada pode responder por falsificação. Com a grande repercussão, a postagem foi apagada por ela.

A Ordem dos Advogados do Brasil, seção Rio Grande do Norte (OAB-RN) também se manifestou sobre o caso. Por meio da assessoria de imprensa, o órgão declarou que a professora não possui registro na OAB-RN, por isso não poderia agir a respeito.

Além de se expor como adversária da gestão da governadora Fátima Bezerra, Lenice Moura deixa clara sua posição contrária às decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). No canal que a professora tem no Youtube, há diversos vídeos críticos aos ministros do STF em que ela afirma que o órgão quer implantar uma ditadura no Brasil. Nas outras mídias sociais as postagens de Lenice Moura reforçam o discurso de uma “suposta” censura imposta pelo STF, além de destacar operações realizadas pela Polícia Federal.

O Coletivo Bereia verificou o teor das afirmações da professora Lenice Moura, no vídeo que produziu no mês de julho com acusações ao TSE e ao STF, que tem sido intensamente propagado em redes religiosas.

1 –Haverá cassação de candidatos cristãos que forem eleitos, se comprovada pelo TSE a prática de abuso de poder religioso”

De acordo com matéria já publicada pelo Coletivo Bereia, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin propôs ao plenário do órgão que, a partir das eleições deste ano, abuso de poder religioso possa levar à cassação de mandato. A manifestação ocorreu durante um julgamento no TSE, referente ao caso da vereadora de Luziânia (GO) Valdirene Tavares (Republicanos), que é pastora da Assembleia de Deus. Ela perdeu nas instâncias inferiores, que julgaram pela cassação do mandato, por conta da vereadora eleita ter pedido votos para os membros da igreja. O ministro Fachin votou pela não cassação da vereadora mas fez a proposta que gerou debate, que foi interrompido devido ao pedido de vista (tempo para analisar) feito pelo ministro Tarcísio Vieira Neto.

Segundo Fachin, diante do “caráter inovador da compreensão”, ele recomenda “a sua não aplicação a feitos pretéritos, em homenagem ao princípio da proteção da confiança”. O ministro afirmou que o debate sobre abuso de poder religioso ainda carecia de um “enfrentamento mais detalhado por parte deste Tribunal Superior”.

O ministro também afirmou que entende que a intervenção das associações religiosas nos processos eleitorais deve ser observada com atenção, considerando que igrejas e seus dirigentes ostentam um poder com aptidão para calar a liberdade para o exercício de sufrágio, debilitando o equilíbrio entre as chances das forças em disputa.

Antes da suspensão do julgamento, o ministro Alexandre de Moraes proferiu seu voto e divergiu de Fachin, ao afirmar ter dúvida quanto à prática que se configura como crime de abuso de poder religioso, pois qualquer atitude abusiva pode ser enquadrada em abuso de poder político.

A Frente Parlamentar Evangélica (FPE) no Congresso Nacional se mobilizou sobre o debate no TSE. O grupo solicitou audiência com Fachin e a expectativa é que o ministro receba integrantes da bancada evangélica na primeira semana de agosto, após o fim do recesso do judiciário.

A FPE realizou reunião virtual no fim do mês de junho para discutir estratégias. Segundo o grupo, uma das frentes de atuação será a pressão sobre a corte. Deputados argumentam que não existe na legislação a previsão de abuso de poder religioso e que existem restrições a atividades de igrejas durante as eleições, como propaganda de candidatos somente do lado de fora de igrejas e templos.

O doutorando em Direito Constitucional Bernardo Seixas, explicou à reportagem de A Crítica, que a utilização de crença religiosa para se alcançar os mais altos cargos da República é um fato jurídico que deve ser evitado pelas regras eleitorais, pois existe possibilidade de a decisão política do cidadão não ser livre. “Não há previsão expressa sobre o abuso do poder religioso, mas somente de abuso econômico e político”, diz.

Já o Doutor em Sociologia Marcelo Seráfico, afirma à mesma reportagem que é importante o combate a toda e qualquer forma de abuso de poder, ou seja, a extrapolação de limites que assegurem a preservação da integridade das pessoas que participam de uma relação. O abuso expressa a tentativa de utilizar o poder, seja econômico, político ou religioso e torná-lo base para oprimir e subjugar as pessoas envolvidas. “Toda forma de abuso deve ser combatida, pois atenta contra a construção de uma sociedade justa, livre e igualitária”, conclui.

A proposta do ministro Fachin foi feita em sessão do Tribunal Superior Eleitoral, portanto órgão apropriado para este tipo de debate. A sessão era pública e todas as opiniões e votos são passíveis de análise pelos veículos de comunicação e analistas políticos. Muito longe de uma perseguição religiosa, como faz parecer a professora Lenice Moura, em desinformação por vídeo, a proposta do ministro revela-se uma tentativa de aprimorar a democracia e corrigir possíveis distorções do processo eleitoral. Além do mais, foi colocada em discussão.

2 – “Ministros do STF ordenaram a apreensão de celulares e computadores de políticos cristãos, além de mandarem prender jornalistas e ativistas cristãos”

Bereia já publicou a matéria “Conheça o perfil e as ligações religiosas dos investigados no Inquérito do STF contra a fake news- parte 01” que trata do envolvimento de religiosos no inquérito das fake news do STF. A ordem de apreensão de celulares e computadores expedida pelo STF, referida pela advogada, trata-se, na verdade, da operação que é parte do inquérito das fake news, o que ela omite em sua apresentação. Foram expedidos, ao todo, 29 mandados de busca e apreensão pelo ministro Alexandre de Moraes, que conduz as investigações.

Os mandados foram cumpridos pela Polícia Federal em cinco estados e no Distrito Federal. Entre os alvos estão pessoas próximas ao Presidente Jair Bolsonaro (sem partido), como o ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB), o deputado estadual Douglas Garcia (PSL-SP), a ativista Sara Winter, o empresário Luciano Hang e o blogueiro Allan dos Santos.

Na decisão o ministro também determinou o bloqueio de contas em mídias sociais, como Facebook, Twitter e Instagram dos investigados. Na ocasião, a assessoria do Twitter informou que não comentaria a decisão. Facebook e Instagram informaram que não foram notificados.

Segundo o ministro, a medida é necessária “para a interrupção dos discursos com conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática”. As provas colhidas apontam, de acordo com Alexandre de Moraes, para a “real possibilidade de existência de uma associação criminosa, denominada nos depoimentos dos parlamentares como ‘Gabinete do Ódio'”.

Para o ministro, há “sérias suspeitas de que integrariam esse complexo esquema de disseminação de notícias falsas por intermédio de publicações em redes sociais, atingindo um público diário de milhões de pessoas, expondo a perigo de lesão, com suas notícias ofensivas e fraudulentas, a independência dos poderes e o Estado de Direito”.

Em relação à prisão de ativistas e jornalistas cristãos, Bereia apurou que a afirmação se refere às prisões do jornalista Oswaldo Eustáquio Filho e da ativista Sara Winter pela Polícia Federal no final do mês de junho, na Operação Lume, que investigou o financiamento de atos que pedem o fechamento do STF e do Congresso Nacional.

No começo de julho, o jornalista foi solto por ordem do ministro Alexandre de Moraes, após 10 dias preso. Posteriormente foi divulgada a informação que Eustáquio havia sido preso novamente, mas foi constatado que a informação era falsa.

Uma das primeiras ativistas presas na investigação, Sara Winter, foi solta em 25 de junho, sob a condição de usar tornozeleira eletrônica.

A professora Lenice Moura desinforma com o vídeo que produziu, pois não contextualiza a situação em que se deram as apreensões e prisões relacionando-as ao inquérito das fake news e apresenta as decisões do STF como algo isolado.

3 – “Proibição de símbolos religiosos em repartições públicas e escolas e do ensino religioso no ambiente escolar”

Diante do princípio da Laicidade do Estado (artigo 5º, VI, da Constituição Federal), foi desenvolvida em 2017, a Sugestão Legislativa nº 27, resultante da Ideia Legislativa nº 73. 449, datada de 10 de maio do mesmo ano, intitulada “Proibição de Símbolos Religiosos em Órgãos Públicos”. Em parecer Nº 104 de 2019, o Senado Federal destaca que:

Com efeito, o estado brasileiro é laico, por definição constitucional, e lhe é vedado, por isso, ‘estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público’, como assinala o art. 19, inciso I, da Constituição.”

Desta forma, entende-se que a administração pública deve ser neutra com relação à religião. Locais de acesso público como escolas, salas de audiência, câmaras legislativas etc. não poderiam ostentar símbolos de qualquer grupo religioso.

De acordo com Paulo Moleta, em artigo publicado no Portal Jusbrasil, as mudanças culturais ocorridas no Estado Moderno, acompanhadas de uma teorização do poder político e de formulações em torno da liberdade religiosa, implicaram numa ruptura gradual com o modelo de Estado então existente e passaram a envolver ideias de neutralidade estatal e pluralismo ideológico e religioso.

Moleta argumenta que foi sob a influência destas transformações que o Brasil adotou a laicidade estatal, assegurando a todos os cidadãos, como garantias fundamentais, a liberdade de culto e de crença, além da igualdade, independentemente de convicções religiosas. Nota-se, porém, que apesar da proteção constitucional às liberdades de culto e de crença, assim como o caráter Laico do Brasil, em órgãos públicos brasileiros verifica-se a presença de símbolos religiosos como crucifixos, frequentemente encontrados em salas de audiência e em Tribunais.

Para ele a laicidade estatal é um regime de convivência social, onde instituições políticas são legitimadas pela soberania popular e não por elementos religiosos. O Estado Laico não deve ser entendido como instituição antirreligiosa ou anticlerical, mas como organização política que garantiu as liberdades religiosas.

Sobre o ensino religioso no ambiente escolar, a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) definem que as aulas de educação religiosa são permitidas na escola pública, desde que não sejam obrigatórias para os alunos e a instituição assegure o respeito à diversidade de crenças e coíba o proselitismo, ou seja, a tentativa de impor um dogma ou converter alguém.

STF se tornou o centro de polêmica envolvendo decisão referente ao ensino religioso confessional em 2017. O tribunal rejeitou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4439, da Procuradoria Geral da República, que pedia que o ensino religioso fosse apenas uma apresentação geral das doutrinas e não admitisse professores que fossem representantes de nenhum credo- como um padre, um rabino, um pastor ou uma ialorixá (mãe de santo). Com “voto de minerva” da presidente da corte à época, a ministra Carmen Lúcia, o STF decidiu pela permissão do ensino religioso confessional nas escolas públicas.

Na prática, as leis brasileiras permanecem como estão, mas fica autorizado que professores de religião no ensino fundamental (para crianças de 9 a 14 anos) promoverem suas crenças em sala de aula. Também continuam autorizados o ensino não confessional e o interconfessional (aulas sobre valores e características comuns de algumas religiões).

Na primeira sessão do julgamento, Barroso (relator da ação), Fux e Weber concordaram com o argumento da PGR de que o ensino religioso, mesmo que facultativo, pode expor crianças a constrangimentos, caso elas escolham não frequentar as aulas, por exemplo.

Esta também é a posição da maior parte das associações de educadores, ONGs de direitos humanos e congregações religiosas que pediram para que seus argumentos fossem ouvidos pelo tribunal.

A maioria dos ministros do Supremo argumentou que há como pregar a religiosidade e crenças específicas em escolas públicas sem violar a laicidade do Estado. A oferta do ensino religioso é obrigatória para a escola e optativa para o estudante de ensino fundamental.

Mas na prática cabe aos municípios e Estado legislar a respeito e às escolas acordar com os pais como o ensino religioso é incluído na grade escolar, o que tem levado a uma interpretação de um modelo de ensino nas aulas, bem como, ao privilégio de determinados credos frente a outros.

Lenice Moura não contextualizou estas questões no vídeo que divulgou. Não há legislação ou decisão do STF sobre símbolos religiosos em repartições públicas, apesar de a existência deles ferir a laicidade prevista na Constituição do país. A decisão do STF sobre ensino religioso nas escolas públicas vai justamente na contramão da suposta ameaça que a professora ressaltou no vídeo.

Bereia conclui que as informações oferecidas pela professora de Direito Tributário, Lenice Moreira de Moura são falsas. A professora omite e manipula informações a fim de criar medo de perseguição religiosa na audiência do vídeo que criou e gerar rejeição às ações do STF e do TSE, instituições relevantes para o resguardo das bases constitucionais do país. A criação de medo é uma das bases da disseminação de desinformação para que ativistas políticos ganhem adesão às suas propostas e destruam reputações, seja de pessoas, seja de instituições.

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Referências de checagem

Senado Federal. Atividade Legislativa. Sugestão nº 27, 2007. https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/129902. Acesso em 27 jul. 2020

Senado Federal. SENADO FEDERAL Da COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS E LEGISLAÇÃO PARTICIPATIVA, sobre a Sugestão n° 27, de 2017, que Proibição de símbolos religiosos em repartições públicas. RELATOR: Senador Eduardo Girão PARECER (SF) Nº 104, DE 2019. https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8004805&ts=1569242438306&disposition=inline. Acesso em 27 jul. de 2020

STF quer “tirar Deus” da democracia e quer transformar o Brasil em uma China tropical- Canal Lenice Moreira de Moura: https://youtu.be/vjPq577KeRA. Acesso em: 25 jul. 2020

STF quer tirar Deus do povo (democracia)- cita advogada e professora – TV Eterno Aprendiz: https://youtu.be/RwJIl6P3hL0. Acesso em: 25 jul. 2020

UNI-RN diz que não vai tomar partido no caso da professora que divulgou foto adulterada da governadora; OAB não se posiciona. Agência de reportagem Saiba Mais: https://www.saibamais.jor.br/uni-rn-diz-que-nao-vai-tomar-partido-no-caso-da-professora-que-divulgou-foto-adulterada-da-governadora-oab-nao-se-posiciona. Acesso em: 26 jul. 2020

Professora do curso de Direito de faculdades privadas de Natal acusa governadora Fátima e prefeito Álvaro de fazerem macumba contra Bolsonaro. Blog Thaisa Galvão: https://www.thaisagalvao.com.br/2020/03/30/professora-do-curso-de-direito-de-faculdades-privadas-de-natal-acusa-governadora-fatima-e-prefeito-alvaro-de-fazerem-macumba-contra-bolsonaro/. Acesso em: 26 jul.2020

Prisão de bolsonarista segue coberta por sigilo no STF, quatro dias depois… Coluna Rubens Valente https://noticias.uol.com.br/colunas/rubens-valente/2020/06/30/inquerito-fake-news-supremo.htm. Acesso em 27 jul.2020

Correio Braziliense. Disponível em: < https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/07/19/interna_politica,873496/nao-e-verdade-que-blogueiro-oswaldo-eustaquio-foi-preso-em-brasilia.shtml>. Acesso em 27 jul 2020.

Folha de São Paulo https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/07/jornalista-bolsonarista-preso-negar-ter-incentivado-atos-antidemocraticos.shtml. Acesso em 27 jul 2020

Jornal Valor Econômico: https://valor.globo.com/politica/noticia/2020/06/25/fachin-propoe-que-abuso-de-poder-religioso-leve-a-cassacao-de-mandato-ja-em-pleito-de-2020.ghtml. Acesso em: 27 jul. 2020

TSE debate cassação por abuso de poder religioso; evangélicos preparam reação. Portal CNN Brasil: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/2020/07/01/tse-debate-cassacao-por-abuso-de-poder-religioso-evangelicos-preparam-reacao. Acesso em: 27 jul. 2020

Abuso de poder religioso para angariar votos pode ser motivo de cassação no TSE. Portal A Crítica: https://www.acritica.com/channels/cotidiano/news/abuso-de-poder-religioso-para-angariar-votos-pode-ser-motivo-de-cassacao-no-tse. Acesso em: 27 jul. 2020

Alexandre de Moraes determina quebra de sigilo de investigados e bloqueio de perfis na internet. Portal G1: https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/05/27/moraes-determina-quebra-de-sigilo-de-investigados-e-bloqueio-de-perfis-na-internet.ghtml. Acesso em: 27 jul. 2020

PF prende blogueiro bolsonarista em investigação de atos anti-STF. Jornal Poder 360: https://www.poder360.com.br/justica/pf-prende-blogueiro-bolsonarista-em-investigacao-de-atos-anti-stf/. Acesso em: 28 jul. 2020

A retirada dos símbolos religiosos das repartições públicas. Portal Jusbrasil: https://paulocwb.jusbrasil.com.br/artigos/183777616/a-retirada-dos-simbolos-religiosos-das-reparticoes-publicas. Acesso em: 28 jul. 2020

Ensino Religioso e escola pública: uma relação delicada. Portal Nova Escola: https://novaescola.org.br/conteudo/74/ensino-religioso-e-escola-publica-uma-relacao-delicada. Acesso em: 28 jul. 2020

STF decide que escola pública pode promover crença específica em aula de religião. Jornal El País: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/08/31/politica/1504132332_350482.html. Acesso em: 28 jul. 2020

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/109224/lei-de-diretrizes-e-bases-lei-9394-96#art-33. Acesso em: 03 ago. 2020.

Mídias sociais e noticiosas circulam desinformação sobre perseguição a cristãos na China

Circula em mídias digitais de apoio ao Presidente Jair Bolsonaro a notícia do site Gazeta Brasil que o Partido Comunista Chinês obriga chineses a tirar imagens cristãs de suas casas. A origem do conteúdo está em uma publicação na revista eletrônica Bitter Winter, de 16 de julho de 2020, com o título: “People on Social Welfare Ordered to Worship CCP, Not God” [Pessoas em assistência social ordenadas a adorar o PCCh, não a Deus]. A partir da denúncia apresentada pelo Bitter Winter, outros veículos do Brasil também noticiaram a suposta ação chinesa, como a Rede Record, o jornal O Estado de São Paulo, o site gospel Pleno News.

No portal cristão CBN NEWS, a reportagem intitulada: “Communists Use COVID as Pretext for Persecution: Xi’s China Church Crackdown Worse Than Under Mao”, [Comunistas usam COVID como pretexto para perseguição: repressão do presidente chinês Xi Jinping à Igreja é pior do que à época de Mao], publicada no dia 29 de julho de 2020, reforça a ideia de uma possível perseguição do governo chinês aos cristãos.

Página de apoio ao presidente Jair Bolsonaro no Instagram

As matérias afirmam que chineses cristãos estariam sendo perseguidos pelo governo chinês, ameaçados de perder benefícios sociais em meio à pandemia do novo coronavírus por causa de sua fé. Ademais, imagens de Jesus Cristo estariam sendo trocadas por fotografias de Mao, reuniões religiosas sendo proibidas e haveria a orientação para que os cidadãos deixassem de adorar Deus e passassem a adorar o Partido Comunista.

A origem destas matérias no Brasil tem sido a revista eletrônica Bitter Winter, cujos textos são caracterizados por imprecisão – não indicam as fontes das informações que oferecem, o que torna difícil a comprovação, não contextualizam as situações expostas e as referências são sempre genéricas, “o governo de uma cidade…”, “um membro de uma igreja de três pessoas em uma das aldeias…”, “Um pregador de uma igreja doméstica…” Um exemplo de imprecisão também diz respeito a não menção a quais igrejas e quais cristãos estariam sendo proibidos de reunir e obrigados a entregar imagens de Jesus Cristo. Nesse último caso, deveriam ser mencionados católicos romanos ou ortodoxos, que são os grupos cristãos que tem imagens como objeto de devoção, mas esta informação é omitida nas matérias.

A tentativa de relacionar o governo chinês com perseguições religiosas não é algo novo.

Tema já foi alvo de checagens pelo Coletivo Bereia

O aumento de fake news e desinformações envolvendo a China tem sido algo recorrente. Essa constatação pode ser evidenciada por meio de diversas checagens realizadas pelo Coletivo Bereia ao longo dos últimos meses, que foram capazes de classificar conteúdos como imprecisos ou mesmo enganosos.

Em 23 de abril deste ano, o Bereia categorizou como “imprecisas” as notícias sobre a proibição de cultos online na China reproduzida pelo site Guia-me, que também se baseou em uma publicação do Bitter Winter. Nenhum dos 13 sites que publicaram a notícia apresenta o contexto da situação religiosa no país ou oferece a fonte da Lei chinesa que demonstra as medidas restritivas de transmissão on-line – o que impede o leitor de acessar e confirmar a informação.

Além disso, a matéria do Guia-me e da Bitter Wintter não evidenciam a outra perspectiva do fato, de que transmissões on-line de atividades religiosas são permitidas, desde que atendam às diretrizes exigidas pelo governo chinês, conforme relatou ao Bereia o estudante brasileiro que vive há anos na China. “Embora tenha tido bastante repercussão e mostre uma faceta da repressão religiosa na China, a notícia pode mais dificultar do que contribuir com o cenário construído ao redor do mundo entre governo chinês e igrejas.”

Já em 28 de maio, outra notícia foi categorizada como “Imprecisa” pela equipe de checagem do Bereia, que dava conta da demissão de professores cristãos na China. Isso porque, mesmo com um histórico de conflitos entre o governo chinês e igrejas cristãs, não foi possível confirmar a veracidade das informações publicadas. Como observado, as publicações da Bitter Winter não têm autoria identificável, apresentam fontes desconhecidas e apenas relatos sem comprovação possível, o que caracteriza a prática de desinformação.

A agência Bitter Winter iniciou suas atividades em maio de 2018 e declara ter seu conteúdo voltado para a liberdade religiosa e direitos humanos na China. Segundo o site, o diferencial do portal é uma rede com centenas de correspondentes na China, que normalmente fornecem fotografias e vídeos sobre os casos ali retratados. No entanto, na notícia destacada matéria do Coletivo Bereia de maio, a única fonte citadas é uma professora cuja identidade não é registrada.

No mês seguinte, mais precisamente em 12 de junho, o Bereia concluiu como “imprecisa” a publicação sobre possíveis demolições de igrejas em território chinês realizada pelo Bitter Winter. A equipe chegou a entrevistar um jovem cristão brasileiro que faz mestrado em uma universidade chinesa. O jovem, que preferiu não ser identificado, explicou: “Eu acho que esse tipo de entrevista [da Bitter Winter] ofusca o bom testemunho que realmente pode levar o governo a entender o quão importante é a igreja na hora de crise social”. Portanto, a imprecisão se manifesta uma vez o site noticioso, que não cita dados suficientes para que o leitor possa comprovar a informação, “recicla” fatos ocorridos no passado como se fossem atuais, além de enganar ao sugerir na manchete que as informações seriam de um relatório.

No podcast “Joio ou Trigo”, a jornalista do Bereia, Juliana Dias tratou deste caso e destacou que o site Bitter Winter parece ser a única e principal fonte primária de notícias da China republicadas pelos sites gospels brasileiros. “As publicações do Bitter Winter sobre perseguição religiosa na China seguem sempre o mesmo formato: não são assinadas, não possuem qualquer nome de fontes divulgado por supostas questões de segurança. As fotos que acompanham as matérias são retiradas da internet e não há nenhuma evidência além de relatos hipotéticos e declarações”, ressalta Juliana.

Em 15 de abril, Bereia identificou como “enganoso” o conteúdo publicado pelo site de notícias Conexão Política, braço político do grupo Conexão Cristão – um grupo de mídia independente de evangélicos. O texto era intitulado: “Partido Comunista Chinês avança no Brasil: empresa pública federal brasileira EBC e China Media Group firmam acordo para “troca de conteúdos”. A redação do Conexão Política registrou como fonte a notícia da Agência Brasil/EBC de 13 de novembro de 2019 intitulada “EBC e China Media Group firmam acordo para troca de conteúdos”. A partir daí, Conexão Política reproduziu como atual um fato publicado cinco meses antes, com título que alterava substancialmente a mensagem da original – negociação do governo brasileiro com o Partido Comunista Chinês e não com China Media Group – com o acréscimo de ironia, por meio do termo “troca de conteúdos” colocado entre aspas.

Tensões entre China e potências globais despontam como possível nova Guerra Fria?

A disseminação de desinformações e notícias falsas envolvendo cristãos e o governo chinês parece ser apenas uma das frentes de algo que vem sendo denominado como a Nova Guerra Fria, tendo a China e outras potências mundiais como protagonistas.

Nas últimas décadas, a emergência da China como potência mundial ampliou os laços políticos e econômicos do país com o resto do mundo. Contudo, desde a eleição de Donald Trump para Presidente dos Estados Unidos, em 2016, que adota uma retórica contrária ao governo de Pequim, percebe-se uma mudança nas relações da China com vários países.

Especialistas dizem que a Casa Branca está subindo o tom de sua campanha contra Pequim — em um momento em que Trump está em campanha pela sua reeleição. Desde o começo de 2020, China e Estados Unidos já vêm trocando farpas em relação à pandemia do novo coronavírus, que começou com um surto na cidade chinesa de Wuhan.

O jornalista Kennedy Alencar, em sua coluna afirma que o presidente Trump acirra uma nova Guerra Fria, agora com o China, para tentar se eleger. Trump estaria criando, na avaliação de Alencar, teorias conspiratórias para esconder sua má gestão diante da pandemia. Trump tem declarado que o coronavírus seria um vírus chinês e Pequim teria deixado – de propósito – o vírus se espalhar por todo o mundo. Mesmo que essas declarações não tenham sustentação, o presidente estadunidense busca uma ressonância nos setores mais conservadores da sociedade estadunidense. O presidente Donald Trump chegou a fechar uma embaixada chinesa no Texas, enquanto o governo chinês fechou um consulado americano em seu país. A China, na avaliação de Kennedy Alencar, tem interesse na reeleição de Trump, pois esse, por conta das suas ações e posturas, isolaria cada vez os EUA no cenário global. E, por isso, evita rechaçar de forma mais direta as declarações e ataques de Donald Trump.

Em março, o governo dos Estados Unidos já acusava Pequim de esconder seus números sobre o coronavírus, insinuando que o governo chinês ocultava o número real de casos e mortes.

Em maio, Trump partiu para o ataque contra a Organização Mundial da Saúde (OMS), que, nas palavras dele, é um “fantoche do regime chinês” por nunca exigir informações confiáveis sobre a pandemia junto aos chineses.

No mesmo mês, relata Kennedy de Alencar, Trump disse a um repórter que tinha informações de que o coronavírus havia sido criado dentro do Instituto de Virologia de Wuhan, um boato que circulava naquela época. Alguns diziam que o vírus seria uma arma biológica. No mesmo dia, agências de inteligência dos Estados Unidos descartaram a versão dada pelo presidente, dizendo que o coronavírus surgiu na natureza, e que não foi manufaturado em um laboratório.

Matéria do G1, de 21 de julho, trouxe a informação de que o FBI acusou dois hackers chineses de tentar roubar dados de laboratórios americanos que pesquisam vacinas, tratamentos e testes para covid-19. A China rebateu as acusações dizendo que são os chineses — e não os estadunidenses — que estão liderando na frente científica contra o vírus. Naqueles dias, os dois hackers foram indiciados nos Estados Unidos.

O presidente chinês Xi Jinping sempre rebateu as acusações estadunidenses, dizendo que seu governo age com transparência sobre a covid-19. Ele também prometeu um pacote de 2 bilhões de dólares para ajudar diversos países ao longo dos próximos dois anos e disse que qualquer vacina que venha a ser criada pela China será compartilhada com o resto do mundo.

A escalada de tensões entre Washington e Pequim coincide com um movimento da China de tentar projetar sua liderança global, e que enfrenta forte resistência por parte do Ocidente, sobretudo dos Estados Unidos e de seus aliados mais próximos.

Essas disputas entre Estados Unidos e China têm repercussões em outros países. Países aliados como o Reino Unido anunciaram sanções e boicotes à China.

No Brasil, políticos e ministros admiradores de Donald Trump, como o deputado federal Eduardo Bolsonaro e o ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, publicaram mensagens críticas sobre a China em relação ao coronavírus, causando desconforto diplomático. Em março, o presidente Jair Bolsonaro chegou a telefonar para o líder chinês, Xi Jinping, para amenizar as tensões.

Postagem do deputado Eduardo Bolsonaro no Twitter

Recentemente, em 29 de julho, o embaixador dos EUA Todd Chapman, em entrevista para o jornal O Globo, ameaçou o governo brasileiro explicitamente, dizendo que Brasil ‘terá consequências’ se permitir a tecnologia chinesa Huawei no 5G.

Jair Bolsonaro e Todd Chapman. Foto: Divulgação/Planalto

A declaração é mais um sinal do endurecimento das disputas comerciais entre Estados Unidos e China. No caso do 5G, a Huawei é acusada pelos estadunidenses de se aproveitar do papel de intermediário na produção de equipamentos de rede para roubar dados sigilosos e fornecê-los ao governo chinês, o que a companhia nega fazer.

Quando questionado sobre se os Estados Unidos planejam represálias caso o Brasil decida manter a Huawei entre as empresas que podem participar da implementação do 5G no país, Chapman rejeita o termo, mas afirma que, sim, haverá consequências.

“As consequências que vemos no mundo é que há um receito de empresas que estão baseadas na propriedade intelectual de fazer investimentos em países onde essa propriedade intelectual não seja protegida”, diz o embaixador ao jornal O Globo. Ele defende que a primeira consequência é a falta de segurança da informação, mas aponta que investidores podem ficar receosos em apostar no Brasil. “Ao fazer um investimento, você tem que decidir para onde vai. Quem investe em farmacêuticos, software, olham isso. (…) A maior exportação dos EUA é inteligência, propriedade intelectual. Temos que proteger nossa propriedade intelectual”.

Na prática, ele afirma que o Brasil pode deixar de receber investimentos de empresas dos Estados Unidos se o país utilizar equipamentos da Huawei no 5G. Ele também afirma que outros países estão deixando de lado a Huawei, como França e Reino Unido, e que é melhor fazer isso o quanto antes, já que o custo da troca de equipamentos pode ser alto.

A questão não é tão simples assim. Apesar da ameaça indireta do embaixador dos Estados Unidos e o alinhamento recente do governo brasileiro ao americano, a China ainda é o maior destino de exportações brasileiras, então excluir a Huawei do 5G por questões políticas também pode gerar consequências do outro lado.

Pelas declarações do vice-presidente Hamilton Mourão, o Brasil, neste momento, não está disposto a excluir a Huawei do leilão do 5G. Em 15 de julho de 2020, ele ressaltou que é “difícil” excluir a gigante chinesa, que já atua no país há mais de uma década e tem participação importante no 4G, cuja infraestrutura será em grande parte reaproveitada para implementação do 5G. Ele também admitiu que há pressão política externa para que essa exclusão aconteça.

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As matérias da Gazeta Brasil, da Rede Record, do jornal O Estado de São Paulo e Pleno News, reproduzidas em mídias sociais de apoio ao governo Bolsonaro, embasadas em publicação do Bitter Winter, sobre cristãos chineses estarem sendo coagidos pelo governo local a retirarem imagens cristãs de suas casas, caracterizam desinformação porque são imprecisas. O conteúdo não traz a contextualização e apuração necessárias para creditar a veracidade do fato. Não há citação de fontes oficiais, de quais cristãos, de quais igreja, que efetivamente tenham sido ameaçados ou de quaisquer outros personagens envolvidos nesse suposto cenário.

Um outro aspecto desinformativo é que o único veículo a indicar o link para a matéria original do Bitter Winter é a Gazeta Brasil e, ainda assim, Bereia veiculou que o site de notícias remete para outro texto que não tem relação com o que está noticiando, o que foi corrigido pelo Bereia na abertura desta matéria.

As restrições à liberdade religiosa são realidade na China, como o Coletivo Bereia já registrou em outras matérias, mas não há proibição à prática das igrejas cristãs. Bereia verificou nos websites do Conselho Cristão da China (de igrejas protestantes) e da Igreja Católica na República Popular da China que as igrejas têm atuado em solidariedade com a população daquele país frente à pandemia de coronavírus e às inundações que atingiram a região em julho.

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Referências de checagem

Bitter Winter. Acesso em 04 ago 2020

CBN News. Acesso em 04 ago 2020.

Gazeta Brasil. Acesso em 04 ago 2020

Portal R7. Acesso em 04 ago 2020

O Estado de São Paulo. Acesso em 04 ago 2020

Pleno News. Acesso em 04 ago 2020.

UOL [Kennedy Alencar]. Acesso em 04 ago 2020

UOL. Acesso em 04 ago 2020

O Globo. Acesso em 04 ago 2020

G1. Acesso em 04 ago 2020

G1. Acesso em 04 ago 2020

Presidente Bolsonaro mente ao dizer que “esquerda” quer descriminalizar pedofilia

Publicado originalmente no UOL Notícias, com adaptações do Coletivo Bereia

Postagem do Presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no Twitter, em 14 de junho de 2020, foi intensamente compartilhada em mídias digitais de pessoas e grupos cristãos. Ele acusou “a esquerda” de buscar “meios de descriminalizar a pedofilia“, ao falar sobre um PL (Projeto de Lei) apresentado pela Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos Damares Alves, na segunda-feira, 13 de julho, que sugere aumento na pena de crimes sexuais praticados contra crianças e adolescentes. 

Inicialmente, a fake news surgiu em 2015, tendo como alvo a deputada Maria do Rosário (PT-RS) e o ex-deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ). Voltando a circular em 2017, quando foi desmentida pelo então deputado em suas redes sociais.

Os criadores da mentira chegaram a adulterar fotos dos dois deputados para forjar cartazes e folders dizendo que a pedofilia não seria crime, e sim doença. Tais fotos não existem, bem como nunca foi apresentado nenhum projeto de lei com esse conteúdo, como a imprensa alertou na época.

Durante as eleições de 2018, o candidato do PT à Presidência da República, Fernando Haddad, foi alvo de uma notícia falsa que afirmava que ele defendia a legalização da pedofilia. O projeto Comprova verificou , na ocasião, que o PL 236/2012 tramita no Senado desde 2012, não propõe a legalização da pedofilia e não tinha relação com o PT e com Haddad.

A proposta foi apresentada pelo ex-presidente e ex-senador José Sarney (MDB-AP) e estava sob a relatoria do senador Antonio Anastasia (PSDB). O projeto de lei em questão trata de uma proposta de novo Código Penal.

No artigo 186, o projeto propôs a redução de 14 anos para 12 anos o limite de idade da vítima na qualificação do crime de “estupro de vulnerável”, um agravante do crime de estupro. Acima do limite de idade, a violência sexual não deixaria de ser considerada crime de estupro

Formulada por juristas e debatida por cerca de sete meses, a proposta de mudança se baseia no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que considera crianças aquelas pessoas que têm até 12 anos de idade incompletos.

Pedofilia é transtorno mental, diz OMS 

Pedofilia não é um crime, mas um transtorno mental reconhecido pela OMS (Organização Mundial da Saúde) desde os anos 1960. 

Pelas leis brasileiras, qualquer ato que atente contra a dignidade sexual da criança é tipificado como crime, como o estupro de incapaz (artigo 217-A do Código Penal) e a pornografia infantil (prevista nos artigos 240 e 241 do ECA). Não é só no Brasil, mas também no resto do mundo, não existe qualquer dispositivo legal que criminalize a pedofilia. 

Segundo reportagem publicada pelo TAB/UOL, não existe cura para a pedofilia. Por isso, é preciso acompanhamento médico constante — terapia e, em alguns casos, medicação hormonal para inibir o desejo sexual — para tratar os impulsos. O tratamento não é só importante para o pedófilo como também o impede de fazer vítimas. Quando um pedófilo comete abuso sexual, aí sim ele passa a ser um abusador e deve responder pelos seus atos perante a Justiça. 

No entanto, nem todos os abusadores de crianças são pessoas portadoras do transtorno.

O principal problema é que o uso indiscriminado do termo obscurece a verdadeira questão: a pedofilia é classificada no conjunto de uma desordem mental; ao passo que o abuso sexual infantil (a pornografia infantil) se refere ao perpetrador de abuso sexual e não implica, necessariamente, doença mental, mas crime“, explicou  Herbert Rodrigues, sociólogo, professor da Missouri State University (EUA) e autor do livro “A pedofilia e suas narrativas” (Editora Multifoco). Portanto, a pedofilia seria uma doença mental que poderia ser classificada sob o termo de molestador infantil. 

Mesmo que pedófilos sejam classificados como molestadores infantis, nem todos os molestadores podem ser considerados — ou diagnosticados — como pedófilos.

Na mesma linha, psiquiatras especializados entendem que a banalização do termo “pedofilia” é uma das causas que impedem pessoas com essa doença de procurar ajuda e evitar algum tipo de abuso contra crianças. Além disso, nem sempre os casos de abusos sexuais contra menores são cometidos por pedófilos, mas muitas vezes por pessoas que se aproveitam de uma situação de vulnerabilidade da vítima para agir. O psiquiatra Danilo Baltieri, coordenador do ABSex (Ambulatório de Transtornos da Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC), avalia que cerca de 30% a 40% dos agressores sexuais de crianças são, de fato, pedófilos.

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Referências de checagem

BR Política Bolsonaro mente no Twitter que esquerda quer descriminalizar pedofilia

Comprova – Projeto não torna a pedofilia um ato legal nem tem participação de Haddad.

Senado Federal- 236/2012

Twitter – Bolsonaro

UOL – Bolsonaro distorce ao postar que esquerda quer descriminalizar pedofilia

UOL – PEDÓFILO PROCURA AJUDA

UOL – Por que a discussão sobre abuso sexual infantil precisa evoluir no Brasil.

6 meses: Sites religiosos e ativistas digitais que propagam desinformação

Segundo o Manual para Educação e Treinamento em Jornalismo produzido pela UNESCO, a desinformação é uma história antiga, fomentada por tecnologias novas.

Um dos primeiros registros vem da época da Roma Antiga, quando Antônio encontrou-se com Cleópatra e seu inimigo político, Otaviano, lançou uma campanha de difamação contra ele com slogans curtos e afiados, escritos em moedas no estilo dos tuítes arcaicos. 

O transgressor tornou-se o primeiro imperador romano que utilizou fake news como arma política, permitindo que Otaviano invadisse o sistema republicano de uma vez por todas. 

Em uma escala sem precedentes, o século 21 transformou a informação em armamento. Novas e poderosas tecnologias simplificam a manipulação e a fabricação de conteúdo, e as mídias sociais ampliam dramaticamente falsidades propagadas por Estados, políticos populistas e entidades corporativas desonestas. 

A propagação de desinformação com temática religiosa é assunto ainda mais sensível. O Coletivo Bereia checa fatos publicados periodicamente em mídias religiosas e em mídias sociais que abordem conteúdos religiosos, além de pronunciamentos de autoridades e personalidades ligadas à religião. 

O Coletivo fez um levantamento das temáticas de todas as checagens publicadas na seção “Checamos” do site, entre os dias 12 de dezembro de 2019 e 09 de junho de 2020, e oferece aos leitores e leitoras um quadro do universo da desinformação religiosa. 

Desinformação religiosa: levantamento das checagens do Bereia 

Esta avaliação levou em consideração as checagens realizadas num período exato de 180 dias. Foram analisados todos os artigos presentes na página de checagens no sítio do Coletivo Bereia, dentre estas, sete foram desconsiderados, por se tratarem de textos reflexivos relacionados a fatos ocasionados por notícias falsas ou duvidosas e não sobre uma checagem de fatos, propriamente dita. Sendo assim, um total de 53 checagens compuseram a análise.

A primeira observação foi quanto à classificação das notícias. São utilizadas 5 categorias para as checagens. São elas: Verdadeiro, Falso, Enganoso, Inconclusivo e Impreciso. O seguinte panorama foi encontrado na observação desse aspecto:

Como é possível observar no gráfico acima, a maior parte das notícias (30%) foi classificada como Enganosa seguida das Falsas com 28%. No total, 77% são informações cuja veracidade não pode ser confirmada. Isto já aponta que, em grande parte das vezes que o Coletivo Bereia recebe uma notícia suspeita, há grandes possibilidades de ela não ser verdadeira ou não haver possibilidade de realizarmos essa comprovação. 

Quanto aos assuntos mencionados nas notícias checadas, foi realizada uma segmentação do conteúdo com base em uma avaliação geral das checagens publicadas no site. As 7 principais categorias de temas mais recorrentes de assuntos: Sexualidade, Saúde (com ênfase em Ccoronavírus), Perseguição Religiosa, Marxismo e Comunismo, Política Brasileira, Política internacional e, também foi incluída a categoria “Outras”.

Identificamos que a maior parte das notícias avaliadas pelo Bereia no período pesquisado foi sobre saúde em assuntos relacionados ao Coronavírus. Por ser uma das discussões mais importantes do cenário mundial neste período, é coerente o que as estatísticas apontam. A pandemia é causada por um vírus ainda pouco conhecido no âmbito científico, por isso, gera incertezas para toda população e abre margem para que notícias de diversas fontes e, muitas vezes, sem embasamento, causem impacto na população. Em segundo lugar, a categoria Política Brasileira, uma justificativa possível para que ocupe tamanho espaço entre as checagens do Bereia é que, por vezes, o cenário político e o religioso caminham em proximidade. O Bereia monitora constantemente os líderes políticos ligados a bancadas religiosas, e é comum haver posicionamentos de líderes religiosos a respeito de questões políticas. O terceiro tema mais recorrente é a Perseguição Religiosa. Infelizmente, com frequência, veículos de comunicação se utilizam de cenários onde esse tipo de perseguição de fato acontecem, disseminando assim, notícias, em sua maioria, impossibilitadas de serem verificadas.

Em relação às fontes das notícias que são alvo das verificações do Coletivo Bereia, identifica-se as dez mais recorrentes:

Como observado, a maior parte das notícias é originada no Twitter, em segundo lugar no Facebook e em terceiro no WhatsApp. Juntas, as notícias originadas de mídias digitais representam 50% das análises realizadas pelo Bereia. Isso atenta para que leitores e leitoras estejam alertas para informações identificadas nestes meios cuja veracidade precisa ser confirmada antes de serem compartilhadas pelos usuários destas plataformas. 

Quanto aos sites, a maioria é ligada a organizações ou indivíduos religiosos, por isso, muitas vezes publicam com um viés de reforçar e corroborar com o posicionamento de determinada denominação ou político, pois, há veículos de comunicação evangélicos ligados à parlamentares. Há uma grande quantidade de notícias enganosas checadas pelo Bereia relacionadas a estes sites, que, por vezes, apresentam fatos reais de forma distorcida, e confundem o leitor em relação àqueles conteúdos.

Observando o gráfico das checagens realizadas pelo Bereia, destacam-se os sites voltados para o público religioso que se apresentam como os mais frequentes entre as checagens. São eles: Gospel Prime e CPAD News.

Baseando-se nos dados citados, realizamos uma análise sobre os principais sites que promovem fake news.

Gospel Prime

Fundado em 2008, Gospel Prime se declara um portal de conteúdo cristão voltado para notícias, estudos bíblicos e colunas de opinião, com missão de “Defender os princípios e valores do Reino através de notícias, estudos bíblicos e colunas de opinião, contribuindo assim para uma igreja madura e contextualizada com os tempos”. 

Com slogan “O cristão bem informado”, o site atrai 385 mil visitantes orgânicos por mês e declara já ter recebido 190 milhões de usuários desde sua fundação.

Gospel Prime aparece como fonte de 11% das checagens do Bereia, sendo três notícias enganosas e duas imprecisas: 

Como já exposto em checagem anterior, Gospel Prime foi citado no ranking da revista Época, em matéria publicada em 23 de abril de 2018, como o número um de uma lista com os 10 maiores veiculadores de notícias falsas no país. A matéria intitulada “O Exército de Pinóquios” se baseou em levantamento nos bancos de dados do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação da Universidade de São Paulo (USP) e do Laboratório de Imagem e Cibercultura da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Durante dois meses, foram listados mais de 200 sites na pesquisa, dos quais 69 continham conteúdo suspeito. 

CPAD News

CPAD News é o portal de notícias oficial da Igreja Assembleia de Deus. Fundado em 2010, o portal é ligado à Editora CPAD e concentra 12 mil visitantes orgânicos por mês. Sobre o site, a CPAD escreve: 

Utilizando os mesmos recursos dos maiores portais de notícias do Brasil, o CPAD News atende ao principal quesito da informação na internet: tempo real. Notícias do universo cristão no Brasil e no mundo, ampla cobertura de notícias de interesse geral atualizadas a todo o momento, conteúdos exclusivos e interatividade através de inúmeros recursos tecnológicos estão à disposição dos usuários em

Bereia checou duas notícias do CPAD News, ambas classificadas como inconclusivas:

Duas frentes contra a desinformação e o discurso de ódio: Comissão Parlamentar Mista de Inquérito no Congresso Nacional e Inquérito aberto no Superior Tribunal Federal. 

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, determinou, em março de 2019,  abertura de inquérito criminal para apurar “notícias fraudulentas”, ofensas e ameaças, que “atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares”. A investigação foi objeto de análise do Bereia, 

Dias Toffoli nomeou o ministro Alexandre de Moraes como relator do processo. A portaria não delimita um objeto específico ou grupo a ser investigado, apenas as possíveis infrações. Mais informações sobre este inquérito podem ser verificadas em uma análise já realizada pelo Bereia, disponível aqui.

Investigações e ações da Polícia Federal aconteceram desde o início, no entanto, a operação de maior repercussão aconteceu mais de um ano depois da abertura do inquérito.

No dia 27 de maio de 2020, a Polícia Federal fez uma grande operação para cumprir mandados de busca e apreensão relacionados ao inquérito aberto pelo STF. Foram 29 mandados cumpridos em cinco estados e no distrito federal. Os alvos foram supostos envolvidos no financiamento e divulgação de ofensas, ataques e ameaças aos Ministros do STF.

Entre eles estão Allan dos Santos, Sara Winter e Bernardo Kuster, ativistas religiosos digitais, propagadores de notícias falsas e figuras cativas em sites e agências de checagem de notícias. 

Em seu site, Sara Winter informa ser ex-feminista e relata que após passar por um aborto, converteu-se ao catolicismo. Ainda conta que é escritora e seu primeiro livro se intitula “Sete vezes que o Feminismo me traiu”.  Está prestes a lançar sua nova obra com o título “Como tirar sua filha do Feminismo: um guia para pais desesperados”, que será prefaciada pela Ministra de Estado Damares Alves. 

Além do inquérito do STF, o Congresso Nacional instalou, em 4 de setembro de 2019, uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das fake news. A deputada federal Lídice da Mata (PSB-BA) é a relatora das investigações. O senador Ângelo Coronel (PSD-BA) foi eleito presidente da comissão. O requerimento para a criação da CPI foi feito pelo deputado Alexandre Leite (DEM-SP) e recebeu o apoio de 276 deputados e 48 senadores.

Depoimentos feitos à comissão apontaram a participação de dois filhos do presidente, Eduardo e Carlos Bolsonaro, e de assessores próximos em campanhas na internet para atacar adversários, por meio de um possível “Gabinete do Ódio”, instalado no Palácio do Planalto.

Aliada do presidente Jair Bolsonaro desde a campanha presidencial e agora sua adversária política, a deputada federal evangélica, Joice Hasselmann (PSL-SP), que até pouco tempo ocupava o cargo de líder do governo na Câmara,  apresentou um dossiê à comissão em que aponta “milícias digitais” que praticam ataques orquestrados aos adversário do presidente da república e de seus filhos. Os ataques, segundo a deputada, seriam impulsionados por perfis falsos e robôs e teriam como operadores assessores dos gabinetes da família Bolsonaro e funcionários do executivo federal. 

Em conversa com a BBC Brasil, a relatora da CPMI informou que existem três núcleos sob investigação: “o operacional, que conta com assessores de deputados estaduais e federais; o distribuidor, que envolve sites e blogs; e o núcleo econômico, que todos queremos identificar”. Um dos objetivos próximos passos da CPMI é “seguir o caminho do dinheiro”.

Em 2 de abril de 2020, deputados e senadores decidiram prorrogar por mais 180 dias a Comissão Parlamentar de Inquérito das fake news.

Coletivo Bereia e checagens em mídias religiosas

Daniel Patrick Moynihan, senador do estado de Nova York e embaixador na Índia e nas Nações Unidas (1927-2003), disse: “você têm direito a suas próprias opiniões, não a seus próprios fatos”.

A relação entre mídias digitais, política e fake news foi tema do documentário Privacidade Hackeada, que mostrou como a privacidade de dados dos usuários na internet é frágil e pode ser utilizada indevidamente. A empresa de dados Cambridge Analytica se tornou o símbolo do lado sombrio das redes sociais após a eleição presidencial de 2016 nos EUA. O documentário está disponível para acesso na plataforma Netflix.

Diante disso, e em meio ao turbilhão de informações, o Coletivo Bereia surgiu com o propósito específico de combater a desinformação de cunho religioso difundida em mídias sociais digitais e sites, além de verificar os pronunciamentos feitos por lideranças religiosas ou políticas ligadas a alguma denominação religiosa. 

A intenção do projeto é contribuir para um debate mais transparente dos assuntos religiosos, muitas vezes usados como pano de fundo para desinformar, manipular e confundir com vistas a algum ganho escuso. 

Bereia oferece a oportunidade a leitores e leitoras de fazerem uma leitura crítica das informações e tirarem suas conclusões baseadas em fontes oficiais e verificáveis. Há reflexões, levantamentos e também a “Torre de Vigia“, seção dedicada a checagens de notícias e pronunciamentos de pessoas ligadas à gestão pública e com filiação religiosa. Além das checagens, Bereia publica artigos de opinião de especialistas na área de religião e comunicação na seção “Areópago“.

Para saber mais sobre fake news e eleições manipuladas:

Documentário: Privacidade Hackeada. Entenda como a empresa de análise de dados Cambridge Analytica se tornou o símbolo do lado sombrio das redes sociais após a eleição presidencial de 2016 nos EUA. 

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Referências de checagem:

Congresso Nacional instala CPI das Fake News com relatora da oposição: https://www.cartacapital.com.br/politica/congresso-nacional-instala-cpi-das-fake-news-com-relatora-da-oposicao/ 

CPMI das Fake News é instalada no Congresso: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/09/04/cpmi-das-fake-news-e-instalada-no-congresso 

CPI é prorrogada por 180 dias e investigará fake news sobre coronavírus: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/04/03/cpi-e-prorrogada-por-180-dias-e-investigara-fake-news-sobre-coronavirus 

Inquérito do STF sobre fake news: entenda as polêmicas da investigação que provoca atrito entre Bolsonaro e a Corte: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52824346 

Toffoli abre inquérito para apurar ‘notícias fraudulentas’, ofensas e ameaças a ministros do STF: https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/03/14/toffoli-anuncia-inquerito-para-apurar-noticias-fraudulentas-que-ofendam-a-honra-do-stf.ghtml

Ex-aliados de Bolsonaro mostram como funciona o Gabinete do Ódio: https://congressoemfoco.uol.com.br/governo/ex-aliados-de-bolsonaro-detalham-modus-operandi-do-gabinete-do-odio/

Jornalistas evangélicos contra as fake news: https://outraspalavras.net/crise-civilizatoria/bereia-jornalistas-evangelicos-contra-as-fake-news/

Jornalismo, fake news & desinformação: manual para educação e treinamento em jornalismo: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000368647?fbclid=IwAR1ltj8iF00MPv69hOx4WViYAHzMUlp8VoYlT0Mepi_TYL_utbV5xIgnnEk

Comissão Parlamentar Mista de Inquérito – Fake News: https://legis.senado.leg.br/comissoes/audiencias?1&codcol=2292

Folha de São Paulo “Você tem direito a suas próprias opiniões, não a seus próprios fatos”: https://m.folha.uol.com.br/colunas/patriciacamposmello/2014/06/1477698-voce-tem-direito-a-suas-proprias-opinioes-nao-a-seus-proprios-fatos.shtml

Comissão Parlamentar Mista de Inquérito – Fake News. Documentos de Audiências Públicas e Oitivas: https://legis.senado.leg.br/comissoes/audiencias?1&codcol=2292

Época- O Exército de Pinóquios – https://epoca.globo.com/brasil/noticia/2018/04/o-exercito-de-pinoquios.html