Site gospel usa nota de jornalista para explorar tema de perseguição a evangélicos

No momento atual muito tem se falado e refletido acerca da cristofobia no Brasil. Grupos conservadores ligados aos segmentos evangélicos, em especial, abordam o assunto pela perspectiva da intolerância religiosa. Conteúdos desse tipo já foram verificados pelo Bereia. Nesse contexto, o portal evangélico Gospel Mais publicou a matéria “Jornalista diz que presença de evangélicos na política é ‘tóxica'”  em 02 de novembro de 2020.

O jornalista referido pela matéria, Ancelmo Góis, é colunista do jornal O Globo e assinante do blog no Portal G1, o Ancelmo.com – A turma da coluna. No blog, o jornalista trata de temas variados, como política e entretenimento. Entretanto, o comunicador foi destaque na matéria do portal evangélico por ter publicado a nota “A mistura tóxica entre política e religião”.

Ancelmo Góis cita um levantamento realizado pela consultoria Poliarco. Fundada em 2019 por cientistas políticos. A empresa desenvolve estudos sobre as instituições políticas brasileiras, ampliando a compreensão sobre o cenário político nacional.

De acordo com a pesquisa, o Partido Social Cristão (PSC) e o Republicanos são os partidos com maior quantidade de candidatos às prefeituras do Estado do Rio de Janeiro e estes são fortemente influenciados por evangélicos. Segundo o estudo, o PSC conta com 36 postulantes e o Republicanos com 35. Góis acrescenta que o pastor Everaldo, presidente do PSC, está preso acusado de corrupção em contratos na área da saúde e que o Republicanos é conhecido por ter a maioria de seus partidários oriundos da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), como o atual prefeito do Rio de Janeiro; Marcelo Crivella.

Sobre a “vingança nas urnas”

A matéria de Gospel Mais oferece tom crítico à nota de Ancelmo Góis. O jornalista é apresentado pelo site gospel como alguém “habituado a alfinetar lideranças evangélicas em suas notas”, sem que sejam apresentados dados que justifiquem esta afirmação. O argumento é que o aumento do percentual de evangélicos na população brasileira vem causando incômodo à elite intelectual e midiática do país há anos e para sustentar o argumento, o site apresenta alguns exemplos.

O primeiro retoma o episódio em que Gilberto Carvalho, ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência no primeiro mandato da então presidente da República Dilma Rousseff (PT), teria afirmado que era o momento de o partido “disputar a influência” com igrejas evangélicas nas classes de menor poder econômico. Gospel Mais remete à matéria própria, de 2012, que tratou deste tema, destacando apenas as reações de parlamentares evangélicos. Bereia verificou que a controvérsia foi coberta por várias mídias noticiosas à época. Boa parte dos veículos explorou apenas a interpretação da fala do ministro e as tensões geradas sem informar devidamente aos leitores.

O caso ocorreu no Fórum Social Mundial realizado em Porto Alegre, em 2012. Ao participar de um debate sobre “sentidos da democracia”, Gilberto Carvalho abordou a dificuldade de o governo comunicar com a nova classe média, que ascendeu durante a gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e a necessidade de o governo superar isto. No fim da palestra, analisou a influência das igrejas neopentecostais sobre o que chamou de “massa de desorganizados”, e disse que a periferia do país é hegemonizada por setores conservadores, segundo matéria do jornal Valor Econômico, a que mais detalha a fala do ministro.

“É muito importante que nós façamos nosso trabalho social pensando nesse novo Brasil, conhecendo essa nova realidade, não tendo ciúmes daquelas políticas de governo que atingem as nossas clientelas, que não batem mais às nossas portas muitas vezes, porque já caminharam por outros caminhos. E aí [vem] uma necessidade importantíssima de uma disputa ideológica, de uma disputa de projeto frente a esse nosso público. Que nós sabemos, quem conhece a periferia desse país, que é um público hegemonizado muitas vezes por setores conservadores”, foi o que disse o então Ministro da Secretaria de Governo, no fim de janeiro, em Porto Alegre (RS).

Carvalho disse ainda sobre as igrejas:

“Lembro aqui, sem nenhum preconceito, o papel e a hegemonia das igrejas evangélicas, das seitas pentecostais que são a grande presença nesse (mundo). É esse público que está emergindo, é esse público que até hoje é organizado por esses setores que está emergindo e que carece da nossa generosidade e da nossa atenção para estabelecermos um debate dialético, um debate em torno do novo projeto para o nosso país”.

Gilberto Carvalho

Após citar este episódio sem a devida contextualização, Gospel Mais afirma, na matéria de 02 de novembro, que a resposta ao discurso atribuído ao ex-ministro, veio em 2018, ano das últimas eleições presidenciais no Brasil. Segundo o site religioso, nesse pleito foi eleito um “candidato que se posicionava abertamente contra a ideologia de gênero, legalização do aborto e drogas, além de pregar uma política de segurança pública mais rígida e estabelecer uma conduta de combate à corrupção também no governo federal”.

De fato, Bereia verificou que há análises de especialistas que afirmam que a maioria dos que se declaram evangélicos apoiou o presidente Jair Bolsonaro no pleito de 2018. Segundo artigo do demógrafo José Eustáquio Alves, a vantagem de votos que o então candidato conquistou entre os evangélicos garantiu sua chegada ao Planalto. Ao projetar votos a partir de dados do DataFolha, Alves demonstra que, na população evangélica, a diferença entre Bolsonaro e Haddad (11,5 milhões a favor do ex-capitão) supera a diferença entre os dois no total de votos contabilizados (10,7 milhões à favor do presidente eleito). Além disso, o presidente encontra maior apoio entre evangélicos do que em comparação com a população em geral. 

No entanto, a afirmação de Gospel Mais, em 2020, de que o resultado das eleições de 2018 foi uma “resposta dos evangélicos” (ou vingança) ao que foi interpretado, seis anos antes, como palavra ofensiva do ex-ministro Gilberto Carvalho, é matéria opinativa. Além de ser desprovida de contextualização, não oferece qualquer base que indique que esta afirmação é verdadeira, portanto, é especulativa, manifesta opinião com texto travestido de informação. Isto deveria ter sido indicado a leitores/as para que não publicasse desinformação.

Sobre “perseguição do STF”

Outro exemplo apresentado por Gospel Mais quanto ao suposto incômodo que a presença de evangélicos na política tem gerado, foi o estabelecimento da medida sobre abuso de poder religioso, que puniria candidatos apoiados por lideranças evangélicas. O ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Edson Fachin propôs ao plenário do órgão que, a partir das eleições deste ano, abuso de poder religioso pudesse levar à cassação de mandato.

Diante do “caráter inovador da compreensão”, Fachin recomendou “a sua não aplicação a feitos pretéritos, em homenagem ao princípio da proteção da confiança”. O ministro afirmou que a intervenção das associações religiosas em processos eleitorais deve ser observada com atenção, considerando que igrejas e seus dirigentes ostentam poder com aptidão para calar a liberdade para o exercício de sufrágio, debilitando o equilíbrio entre as chances das forças em disputa. Bereia realizou verificação de desinformação que circulou sobre este tema em espaços digitais religiosos.

A medida proposta não foi aprovada pelo TSE e o Gospel Mais a interpretou como “recado da elite ‘intelectual’ para reduzir o alcance dos evangélicos na política. A matéria do site gospel, além de associar o ministro Fachin à ex-presidente Dilma Rousseff, sem qualquer coerência com a realidade, não oferece base informativa que justifique que a proposta do ministro tenha representado uma perseguição aos evangélicos.

Por meio dos exemplos apresentados, o portal evangélico busca convencer seus leitores de que existe uma estratégia articulada de reduzir a presença de evangélicos na política brasileira, às vésperas do processo eleitoral. De acordo com levantamento realizado pela plataforma Religião e Poder (Instituto de Estudos da Religião/ISER), nas duas últimas eleições municipais houve aumento exponencial de candidatos que usam nomes religiosos. Em 2020, são 12.759 candidatos que irão às urnas buscando a aprovação dos eleitores com base na identidade religiosa. A religião cristã se destaca, principalmente as evangélicas.

Em entrevista à Religião e Poder, a antropóloga e pesquisadora da UFRJ e do ISER Lívia Reis  diz que o nome religioso é uma estratégia de campanha que visa à eleição. Ao mesmo tempo, não é desprezível o aumento do apelo de candidatos à identidade religiosa, em sua maioria cristã, principalmente após as eleições de 2018. 

Isto corresponde à nota publicada por Ancelmo Góis, criticada pelo site religioso.Para o Gospel Mais, a nota do jornalista tem a intenção de fortalecer a ideia de que a presença do segmento evangélico na disputa eleitoral é algo prejudicial. O portal silencia sobre a afirmação publicada, que justifica o termo “mistura tóxica”, de que o presidente do PSC Pastor Everaldo está preso e do que significa a menção dos casos relacionados à IURD na política do Rio com o Prefeito Marcelo Crivella, ligado a esta igreja. Procurado por Bereia, o jornalista Ancelmo Góis não respondeu até o fechamento desta matéria.

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Bereia classifica a matéria do Gospel Mais como enganosa por induzir leitores/as à conclusão de que a nota de Ancelmo Góis é fruto de antipatia da elite intelectual e da imprensa aos evangélicos, que responderam nas urnas em 2018 com a eleição de Jair Bolsonaro ao Planalto. A classificação “tóxica” diz respeito à mistura de religião e política,que envolve casos controversos citados na nota, como a prisão do Pastor Everaldo e as situações que envolvem o prefeito Marcelo Crivella, bispo da IURD, cuja candidatura à reeleição está sob julgamento por conta de irregularidades na administração. A nota é específica quanto a isto e não se refere à participação política de evangélicos, de um modo geral.

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Foto de Capa: Alice Vergueiro/Wikipédia/Reprodução

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Referências da checagem

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/noticias-sobre-cristofobia-em-portais-gospel-nao-contextualizam-questao-ao-redor-do-mundo/. Acesso em: 10 nov. 2020.

Blog do Ancelmo: https://blogs.oglobo.globo.com/ancelmo/. Acesso em: 09 nov. 2020

Ancelmo.com – A turma da Coluna.  https://blogs.oglobo.globo.com/ancelmo/post/mistura-toxica-entre-politica-e-religiao.html. Acesso em: 09 nov.2020

Site Consultoria Poliarco: https://www.poliarco.com.br/. Acesso em: 09 nov. 2020.

Valor Econômico,  https://valor.globo.com/politica/noticia/2012/02/15/gilberto-carvalho-pede-perdao-aos-evangelicos-por-declaracoes.ghtml Acessos em 12 nov 2020.

Revista Instituto Humanitas Unisinos, http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/584304-o-voto-evangelico-garantiu-a-eleicao-de-jair-bolsonaro. Acesso em: 10 nov. 2020.

Folha de São Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/04/evangelicos-tem-tendencia-pro-bolsonaro-e-relativizam-mais-coronavirus-indica-datafolha.shtml. Acesso em: 10 nov. 2020.

Coletivo Bereia: https://coletivobereia.com.br/e-falso-conteudo-divulgado-em-video-por-advogada-que-acusa-stf-e-tse/?amp=1. Acesso em: 10 nov.2020

Plataforma Religião e Poder: http://religiaoepolitica.com.br/partidos-aumento-candidaturas-religiosos/.  Acesso em: 12 nov. 2020

Padre desejou a morte de fiéis que não vão à igreja durante a pandemia e se retratou

Em uma celebração neste último domingo (24/8), o padre Antônio Firmino da paróquia São João Batista, em Visconde do Rio Branco, Minas Gerais, desejou a morte dos fiéis que não estão indo à igreja durante a pandemia. O caso se tornou matéria publicada pelo portal de notícias evangélico Pleno News, em 25 de agosto de 2020, com o título “Padre deseja morte a fiéis que não vão à igreja na pandemia”.

No vídeo que circulou nas mídias sociais, o pároco dizia que os fiéis que não estão no grupo de risco e optaram por sair só quando houvesse a vacina deviam “morrer antes” que ela fosse entregue à população. Ele também relacionou a falta de presença na igreja como falta de fé dos fiéis.

“Aí a gente vai vendo quem realmente ama a eucaristia… Porque tem alguns católicos, engraçado, que têm saúde, têm tudo e dizem: ‘Eu só vou na Igreja quando tiver a vacina’. Tomara que não apareça vacina para essas pessoas. Ou que morram antes de a vacina chegar, não é?”, disse Antônio Firmino Lana, pároco da igreja.

Retratação

Em um vídeo publicado na terça-feira (25) no Instagram, o padre Antônio Firmino pediu desculpas pelo comentário, que classificou como “infeliz”, e disse que é conhecido por ser uma pessoa que “luta pela vida”. Ao final da fala, ele pediu orações e reconheceu o erro. Segue o link pelo Instagram:

“Eu venho pedir desculpas para aquelas pessoas que se sentiram ofendidas pelas minhas palavras. Espero que fique claro isto e tenho certeza que vocês, que tem o coração bom, hão de reconhecer o meu erro e me perdoar por isso, rezem por mim, também sou pecador”, finalizou.

A Diocese de Leopoldina (MG), republicou, em sua página no Facebook, o vídeo de retratação do reverendo.

O padre Antônio Aparecido Alves, da Diocese de São José dos Campos (SP), pároco da Paróquia São Benedito do Alto da Ponte, em declaração ao Bereia, afirmou “Essa é uma fala infeliz e moralista, que não representa o que pensa a Igreja sobre essa situação.”

Comentários nas mídias sociais

Alguns comentários dos usuários de mídias digitais sobre o ocorrido mostraram indignação perante a opinião do pároco.

“Não irei sair da minha casa pra ir ouvir uma barbaridade dessas. Ao invés de prosperar, evangelizar, pregar a palavra fica desejando morte das pessoas que ele nem sabe o motivo de não ir […] mas se ele me deseja isso eu desejo o bem pra ele e ele foi infeliz nesse comentário espero que ele reconheça e estude mais sobre a palavra de Deus porque tem muito a aprender. A gente só pode ensinar quando sabe”, escreveu uma usuária.

“Então eu vou morrer. Sou católico e por fobia não estou saindo da minha casa, medo de pegar essa doença e passar para os idosos ou familiares da minha casa (faço somente mandatos no meu bairro para familiares idosos). Não há importância padre!”, publicou outro.

No Twitter também houve repercussão.

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Bereia conclui que o conteúdo da matéria é verdadeiro, pois de fato, a declaração do padre existiu, assim como sua retratação após o ocorrido. A matéria de Pleno News destacou ambas as circunstâncias, incluindo espaço para os dois vídeos. O Coletivo Bereia reforça aos leitores que é importante ir além do título para ter compreensão geral do assunto abordado em qualquer matéria, bem como para compreender os vários posicionamentos e pontos de vista acerca de um determinado assunto.

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Referências

PLENO NEWS. Padre deseja morte a fiéis que não vão à igreja na pandemia. Disponível em: https://pleno.news/brasil/cidades/padre-deseja-morte-a-fieis-que-nao-vao-a-igreja-na-pandemia.html

CORREIO BRAZILIENSE. VÍDEO: Padre deseja morte de fiéis que não vão à missa por causa da pandemia. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2020/08/4870766-video–padre-deseja-morte-de-fieis-que-nao-vao-a-missa-por-causa-da-pandemia.html.

UOL. Padre deseja morte a fiéis que não vão à igreja na pandemia. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2020/08/24/padre-deseja-morte-a-fieis-que-nao-vao-a-igreja-na-pandemia-confira-video.htm