Eleições 2024: Nos primeiros dias da campanha, religiosos repetem mentiras e pedem favores para igrejas

* Matéria atualizada às 16:17 para ajuste de informações

O início das eleições municipais deste ano já está marcado por uma onda de desinformação e tentativas de obtenção de favores para igrejas, que envolvem candidatos com identidade religiosa cristã. O candidato a prefeito na cidade de São Paulo Pablo Marçal (PRTB-SP) e o deputado federal evangélico Eli Borges (PL-TO), pastor da Assembleia de Deus, estão entre os principais nomes em destaque. Marçal enfrenta investigações após insinuar o uso de drogas pelo seu adversário, enquanto Borges, em apoio a uma candidatura, propagou informações falsas e pediu facilitações para igrejas evangélicas em sua cidade.

Pablo Marçal

O ex-coach, empresário e influenciador digital, que se tornou político, Pablo Marçal passa por uma investigação solicitada pela Justiça Eleitoral à Polícia Federal (PF) por insinuar o uso de substâncias ilícitas pelo também candidato à Prefeitura de São Paulo Guilherme Boulos (PSOL) durante debate eleitoral transmitido na emissora Bandeirantes, em 8 de agosto. Na ocasião, Marçal simulou com as mãos o ato de cheirar cocaína e divulgou vídeos no Youtube  que insinuam o uso de drogas pelo candidato psolista. 

Imagem: reprodução/UOL

A campanha de Guilherme Boulos acionou a Justiça Eleitoral e, no domingo, 18 de agosto, o Tribunal Regional Eleitoral de SP (TRE-SP) concedeu a Boulos três direitos de resposta nas redes sociais do adversário do PRTB por difamação. A decisão atende ao pedido do promotor eleitoral Nelson dos Santos Pereira Júnior que solicitou investigação pelos crimes de calúnia, difamação e divulgação de fatos inverídicos, além da remoção dos vídeos das mídias sociais de Marçal. Em 22 de agosto, entretanto, o TRE-SP suspendeu temporariamente os três direitos de resposta concedidos anteriormente a Boulos. De acordo com o desembargador Encinas Manfré, o efeito suspensivo foi concedido à Marçal até que o mérito da ação de difamação movida por Boulos seja apreciado pelo tribunal

Uma outra ação contra Marçal foi movida pelo Ministério Público Eleitoral de São Paulo (MPE-SP), com base no pedido inicial de impugnação que havia sido apresentado pelo PSB de São Paulo, da adversária no pleito, Tábata Amaral. Os advogados do PSB alegaram que o estatuto do partido de Pablo Marçal determina que postulantes interessados em representar o partido em uma eleição devem estar filiados há pelo menos seis meses na data da convenção. Marçal se filiou ao PRTB em 5 de abril e a convenção aconteceu em 4 de agosto. 

O secretário-geral do PRTB Marcos André de Andrade, e a empresária filiada Lilian Costa Farias também ingressaram com uma ação de impugnação da candidatura de Pablo Marçal, com a denúncia de outras questões relativas à convenção. Andrade alegava que a convenção partidária que oficializou o candidato, no início do mês, teria ocorrido de forma irregular. Este pedido foi negado, em 21 de agosto passado. 

Na decisão, o juiz eleitoral Antonio Maria Patiño Zorz afirmou que não pode suspender a candidatura até a análise do mérito. “Desse modo, desrespeitar o rito do registro de candidatura previsto na legislação supramencionada violaria o princípio do devido processo legal previsto na Constituição”. A ação de impugnação prossegue imposta pelo MPE-SP, aguarda julgamento.

Outro revés enfrentado pela campanha do candidato do PRTB ocorreu em 22 de agosto. A Justiça Eleitoral determinou a suspensão temporária dos perfis de Marçal nas redes sociais usados para monetização. A ação foi movida pelo PSB, partido da candidata Tabata Amaral. A legenda solicitou a abertura de um inquérito contra Marçal por pagar seguidores para que estes distribuam cortes de seus vídeos nas redes sociais. A campanha de Marçal criou, então, contas reservas no Instagram, TikTok, Youtube, Whatsapp, Telegram e Gettr. De acordo com a nota divulgada pelo candidato no dia 25, a liminar não “impede a presença do candidato nas plataformas digitais”.

Em oito minutos, deputado evangélico faz inúmeros pedidos e espalha mentiras

Bereia recebeu, por seu grupo de Correspondentes, um vídeo em que o deputado federal Eli Borges (PL-TO), pastor das Assembleias de Deus, fez diversas afirmações falsas e enganosas durante um evento de apoio à candidatura à Prefeitura de Palmas (TO) de Janad Valcari (PL), deputada estadual em Tocantins. O parlamentar presidiu a Frente Parlamentar Evangélica nos últimos meses, mas deixou o cargo, logo após assinar o polêmico Projeto de Lei que equipara o aborto em casos de estupro a homicídio.

Imagem: Reprodução/Youtube

Logo no início do discurso, o deputado mentiu ao mencionar o Projeto de Lei 2630/2020, que propõe responsabilização das plataformas de mídias quanto ao conteúdo que publicam. O deputado federal pastor se referiu à proposta que veio do Senado Federal para a Câmara, como um projeto cujo objetivo é  “instalar o comunismo no Brasil”. Borges, para inflamar a audiência, faz uso de um tema comumente utilizado em campanhas eleitorais por religiosos da direita: o fantasma do comunismo.

Além disso, ao abordar o tema da liberdade religiosa em seu discurso, Eli Borges afirmou que a Resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que regulamenta a atuação religiosa em presídios, impediria que evangélicos fizessem apelos para que os presos “aceitem a Jesus”. O deputado enganou a audiência com a distorção do conteúdo da Resolução, publicada em abril, desinformação que tem sido usada pela Bancada Evangélica, e já foi checada pelo Bereia

Ao final do discurso, o deputado do PL por Tocantins, mencionou um terceiro tema de desinformação bastante acionado em espaços religiosos: a “doutrinação ideológica dentro das escolas”. Ele elegeu esta suposta ação como “pior inimigo”, porque acredita que educadores estão ensinando ideologias contra a “família judaico-patriarcal”. Bereia também já checou vários conteúdos em torno desta temática explorada em tempos de campanha eleitoral.

Além dessas declarações, Eli Borges também fez uma série de pedidos à candidata a prefeita, caso eleita. Entre eles, solicitou que a Prefeitura facilite a regularização de igrejas evangélicas instaladas em terrenos públicos e que sejam eliminadas as medidas de ordenamento urbano, como a limitação de decibéis, sob o argumento de preservar a “liberdade religiosa”.

Janad Valcari é evangélica, sem explicitar a igreja da qual faz parte, conforme Bereia apurou a partir de levantamento da identidade confessional dos candidatos/as às Prefeituras das 26 capitais. Mídias locais já haviam noticiado, meses atrás, o apoio declarado das Assembleias de Deus em Palmas à candidata do PL.



Imagem: Reprodução/ Palmas aqui

Janad trava uma briga na Justiça com as mídias noticiosas. Em 7 de agosto, o Tribunal de Justiça do Tocantins determinou a retirada do ar do site de notícias Diário do Centro do Mundo (DCM) após um processo movido pela deputada. A ação foi motivada por uma reportagem publicada em novembro de 2023, que alegava que Janad teria faturado R$ 23 milhões em um esquema envolvendo prefeituras e a banda Barões da Pisadinha. A Justiça mencionou “tentativas infrutíferas” de contato com o DCM e uma “impossibilidade técnica” de suspender apenas o link da matéria como razões para a derrubada completa do site.

Em nota, a Coalizão em Defesa do Jornalismo classificou a decisão como uma violação à liberdade de imprensa e pediu o restabelecimento do site. “A decisão que levou o site inteiro do DCM a sair do ar expõe a situação precária de segurança jurídica a que estão submetidos jornalistas e meios de imprensa. A decisão tem também um efeito intimidatório e inibe o trabalho da imprensa em todo o país”.

Atento à propagação de informações falsas no meio religioso, o Coletivo Bereia participa da campanha de combate à desinformação nas igrejas durante o período eleitoral, chamada “Bote fé no Voto! Votar bem importa”, realizada em parceria com a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), o Centro de Estudos Bíblicos (CEBI) e o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC).

Referências:

Veja https://veja.abril.com.br/coluna/maquiavel/justica-nega-pedido-de-ala-do-prtb-que-queria-barrar-candidatura-de-marcal/  Acesso 23 de agosto 2024

Bereia

https://veja.abril.com.br/coluna/maquiavel/justica-nega-pedido-de-ala-do-prtb-que-queria-barrar-candidatura-de-marcal/  Acesso 23 de agosto 2024

BOL

https://www.bol.uol.com.br/noticias/2024/06/19/silas-camara-assume-comando-bancada-evangelica-e-diz-que-continuara-sem-alinhamento-ao-governo.htm  Acesso 23 de agosto 2024

UOL https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2024/08/20/justica-manda-pf-abrir-inquerito-contra-pablo-marcal-por-calunia-a-guilherme-boulos.htm  Acesso 23 de agosto 2024

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Foto de capa: montagem a partir de reprodução de YouTube, Câmara dos Deputados e Facebook

Olimpíadas Paris 2024: Polêmicas sobre religião envolvem surfista brasileiro e cerimônia de abertura

Duas situações que envolvem a religião cristã agitaram as mídias digitais nos primeiros dias das Olimpíadas de Paris 2024: a proibição da imagem do Cristo Redentor na prancha do surfista brasileiro João Chianca, conhecido como Chumbinho, e supostas referências à Última Ceia de Jesus durante a cerimônia de abertura. O Comitê Olímpico Internacional (COI) vetou o uso da imagem religiosa pelo atleta,  citou a regra de neutralidade dos Jogos.

Já a performance na abertura, descrita por várias pessoas como uma representação da Última Ceia de Cristo “com deboche”, protagonizada por artistas LGBTQIA+, foi negada pelos organizadores como inspiração religiosa. Os casos repercutiram amplamente, e receberam cobertura tanto da grande imprensa quanto de veículos alternativos políticos e religiosos, tendo provocado debates acalorados nas mídias digitais.

O caso do Cristo nas pranchas: intolerância?

O portal evangélico Pleno News publicou, em 27 de julho, matéria sobre a proibição imposta ao surfista brasileiro João Chianca de usar a imagem do Cristo Redentor em pranchas  durante os Jogos Olímpicos de Paris. Com o título “Olimpíadas: Surfista brasileiro é proibido de usar pintura do Cristo”, a publicação afirma que o Comitê Olímpico Internacional (COI) vetou o uso de imagens religiosas por atletas na competição.

A decisão de proibir a pintura da imagem do Cristo Redentor nas pranchas de João Chianca foi interpretada como uma tentativa de restringir a expressão pessoal e a identidade cultural e religiosa do atleta. 

Imagem: Reprodução Pleno News

A reportagem destaca mensagens de apoio ao surfista que denunciam que ocorreu “intolerância religiosa”. Um usuário das redes sociais afirmou: “Quanta injustiça, intolerância religiosa e hipocrisia da França e dos jogos olímpicos! Não pode prancha com Jesus, mas pode demonizar a santa ceia!” 

Ainda que o portal evangélico tenha relatado que Chianca, em página pessoal do Instagram, tenha explicado que a pintura não foi autorizada devido à natureza religiosa da imagem do Cristo, o que fere as regras estritas dos Jogos Olímpicos quanto à neutralidade, a ênfase foi outra. O Pleno News destacou no título da matéria a ideia genérica de “proibição”, que remete  a intolerância religiosa,  e colocou em evidência as reações dos apoiadores de Chianca.

Imagem: Reprodução: Instagram/Stories de João Chianca, 27 jul 2024

Bereia observou que publicações como a do Pleno News contribuíram para a disseminação de informações que levaram diversos perfis em mídias sociais a atribuírem o caso a uma suposta perseguição a cristãos. 

Imagem: Reprodução Facebook

A polêmica sobre a cerimônia de abertura das Olimpíadas 2024 

Os Jogos Olímpicos Paris 2024 também foram alvo de outra polêmica, relacionada à cerimônia de abertura da competição, em 26 de julho. Durante o segmento intitulado “Festividade”, um grupo de artistas franceses, entre eles drag queens e a DJ Barbara Butch, apareceu por trás de uma longa mesa, em uma composição que foi identificada como uma paródia da “Última Ceia de Cristo” por usuários das mídias digitais. 

Imagem: Reprodução X

Políticos brasileiros ligados à direita e à esquerda reforçaram esta abordagem em páginas pessoais no X. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) afirmou que “com Deus não se brinca”; o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) classificou a cerimônia de abertura de “zombaria demoníaca da fé cristã.”; o vereador de São Paulo Rubinho Nunes (PL-SP) como “profanação da Santa Ceia” e afirmou que é uma ação de “classe de minorias que querem pautar a sociedade”. O senador Randolfe Rodrigues (PT-AP) também comentou sobre a cerimônia e afirmou que a única “bola fora” foi a interpretação da Santa Ceia.

Imagem: Reprodução X em 27 de julho de 2024

Veículos de esquerda, como o Diário do Centro do Mundo, publicaram conteúdo crítico aos comentários de políticos da direita, e se referiram à encenação como  “representação da Santa Ceia” e como “show de diversidade”, com protagonismo de “artistas imigrantes, negros, transsexuais, homossexuais e drags”. A revista Fórum, também alinhada à esquerda, descreveu o trecho como “uma representação queer do quadro ‘A Última Ceia’ de Leonardo da Vinci”.

Imagem: Reprodução Diário do Centro do Mundo

Imagem: Reprodução Revista Fórum

Veículos alinhados à direita  também se referiram  à apresentação francesa como uma representação da pintura de Da Vinci. O Pleno News afirmou que se tratou de uma “referência da Última Ceia de Jesus sendo representada por drags queens”. Já a Revista Oeste reportou que a performance “gerou críticas de religiosos em todo o mundo”, e mencionou-a como uma “paródia da Última Ceia”.

Imagem: Reprodução Pleno News

Imagem: Reprodução Revista Oeste

O BZN Notícias relatou que os Jogos Olímpicos de 2024 serão lembrados por apresentarem a pior cerimônia de abertura da história, e a descreveu  como afronta aos cristãos, tendo relacionado ao ocorrido com o caso do surfista João Chianca. Um trecho da matéria diz:

“O mundo cristão ficou indignado com a profanação da Santa Ceia na cerimônia de abertura da Olimpíada 2024, em Paris. Tripudiou do profundo sentimento do cristianismo, que simboliza a comunhão com o corpo e o sangue de Jesus Cristo, a antecipação do seu calvário. Aí vem o Comitê Olímpico Internacional obrigar ao surfista brasileiro João Chianca – Chumbinho – a apagar a imagem do Cristo Redentor das suas pranchas (…)”. 

Imagem: Reprodução: BZN Notícias

Na França, esta parte da cerimônia de abertura das Olimpíadas gerou uma forte reação negativa entre políticos de direita. Muitos condenaram a apresentação, considerando-a desrespeitosa às tradições religiosas e aos valores cristãos. A crítica destacou a paródia como um exemplo de insensibilidade cultural e provocação desnecessária, evidenciando uma preocupação com a preservação dos símbolos e tradições religiosas no espaço público.

A política de direita Marion Maréchal, em um post no X, afirmou: “Para todos os cristãos do mundo que estão assistindo à cerimônia #Paris2024 e se sentiram insultados por esta paródia drag queen da Última Ceia, saibam que não é a França que está falando, mas uma minoria de esquerda pronta para qualquer provocação.” 

Já a Igreja Católica na França criticou a performance, por meio de declaração oficial da Conferência dos Bispos Franceses que continha a frase: “Infelizmente, esta cerimônia apresentou cenas de escárnio e zombaria do Cristianismo, que deploramos profundamente.”

Regras do Comitê Olímpico Internacional (COI) sobre manifestações religiosas 

O Comitê Olímpico Internacional (COI) é a entidade responsável pela coordenação,  supervisão e promoção dos Jogos Olímpicos. A Carta Olímpica, considerada a “Constituição” do Movimento Olímpico, estabelece os princípios fundamentais, regras e diretrizes que regem a organização e o funcionamento dos Jogos, bem como os direitos e obrigações de quem deles participa.

A Regra 50 da Carta Olímpica proíbe qualquer tipo de manifestação ou propaganda política, religiosa ou racial nas instalações olímpicas. Esta norma ganhou destaque após o gesto, feito pelos velocistas estadunidenses dos 200 ms rasos Tommie Smith e John Carlos, nas Olimpíadas do México em 1968, que remeteu ao movimento antirracista dos Panteras Negras .

Imagem: Reprodução Olimpíadas

Em Paris 2024, após a notificação do COI com base na Regra 50, o surfista João Chianca foi obrigado a trocar as pranchas de última hora, antes da estreia nos jogos . O texto da norma ainda enfatiza que qualquer desvio dessas regras pode resultar em sanções, o que inclui desclassificação. O protocolo vale para qualquer atleta e para qualquer manifestação religiosa, política ou racial, o que descarta que o veto à pintura do Cristo Redentor nas pranchas do brasileiro Chianca tenha representado uma perseguição voltada para cristãos, como o próprio surfista explica na publicação que fez no Instagram.

Cerimônia de abertura: referências religiosas?

O diretor artístico da cerimônia, Thomas Jolly, negou que o relato bíblico da Última Ceia de Cristo tenha sido sua inspiração. Ele declarou à rede de televisão BFMTV: “A ideia era fazer um grande festival pagão ligado aos deuses do Olimpo… Olimpismo”.

O Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos (COJO) também afirmou que não houve intenção de desrespeitar grupos religiosos. A diretora de comunicações do COJO Anne Descamps disse em entrevista coletiva: “Nunca houve qualquer intenção de desrespeitar qualquer grupo religioso”. Ela acrescentou que a cerimônia tinha o objetivo de celebrar a comunidade e a tolerância, e expressou arrependimento por qualquer ofensa causada.

Na polêmica sobre a suposta paródia da Santa Ceia, vários veículos da imprensa e perfis nas redes sociais argumentaram que a referência não era apenas para cristãos, mas para obras de arte que tratam de temas religiosos de forma geral. Exemplos citados incluem o quadro “A Última Ceia”, de Leonardo da Vinci, e a pintura de Baco, deus grego do vinho. Matérias como as do G1 e BBC News Brasil sugerem que a performance buscava interagir com o mundo da arte religiosa em vez de atacar a fé cristã diretamente.

Imagem: Pintura ‘A Festa dos Deuses’, obra concluída em 1514 pelo italiano Giovanni Bellini

Imagem: Quadro “A Última Ceia”, de Leonardo da Vinci

O criador da performance afirmou que não houve intenção de zombar ou difamar. Ele explicou que seu objetivo era criar uma cerimônia que promovesse a união e a reconciliação das pessoas, ao mesmo tempo que afirmasse os valores de liberdade, igualdade e fraternidade. Thomas Jolly também ressaltou que acreditava que suas intenções eram claras, ao destacar que a figura de Dionísio foi incluída na mesa como uma referência ao Deus da festa e do vinho, e pai de Sequana, deusa associada ao rio Sena. 

Imagens: frames do segmento na cerimônia de abertura das olimpíadas de Paris 2024

Bereia também ouviu, em conjunto, o mestre em Ciências da  Religião Jorge Miklos e a especialista em Psicologia Analítica Daniela Moura Barbosa, que relataram não ser a primeira vez que uma representação artística causa polêmica. Eles mencionam que, em 1989, o carnavalesco Joãosinho Trinta, da Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis (RJ), gerou controvérsia ao apresentar Cristo como um mendigo no desfile do enredo intitulado “Ratos e Urubus, Larguem Minha Fantasia”. mesma forma, em 2020, a Escola de Samba Mangueira, no Rio, também provocou polêmica com o enredo “A Verdade Vos Fará Livre”, que retratou Jesus como uma figura transgênero crucificada. 

Jorge Miklos e Daniela Barbosa acrescentam que “A Última Ceia” é parte dos rituais cristãos até hoje. Eles recordam que vários artistas clássicos renomados pintaram versões do relato bíblico da Última Ceia além de Leonardo da Vinci, como Andrea del Castagno (1447), Domenico Ghirlandaio (1480), Pietro Perugino (1493-1496) e Salvador Dalí (1955), que apresentou uma versão surrealista chamada “O Sacramento da Última Ceia”.  “Os símbolos circulam no imaginário cultural, carregando significados profundos que transcendem épocas e lugares. Ao longo do tempo, esses símbolos são ressignificados, ganhando novos sentidos conforme são reinterpretados por diferentes culturas e contextos históricos”, explicaram os especialistas.

Os estudiosos observam que “a percepção de blasfêmia em relação à performance artística das Olimpíadas de 2024 pode ser vista como resultado de um fundamentalismo cultural e religioso que literaliza os símbolos e ignora sua dinâmica evolutiva. Fundamentalismos tendem a fixar os significados simbólicos de forma rígida, não reconhecendo que os símbolos culturais são fluidos e sujeitos a ressignificações”, dizem Miklos e Barbosa.

“Assim como a pintura ‘A Última Ceia’ pode ser uma ressignificação cultural, a performance olímpica ressignificou a ‘Última Ceia’, adaptando seu simbolismo a um novo contexto contemporâneo”, explicam Miklos e Barbosa. Eles também ressaltam que a falta de imaginação e de compreensão sobre o que os símbolos representam impedem a percepção. “Este comportamento é recorrente entre muitos religiosos que ainda interpretam os textos bíblicos de forma nítida, sem reconhecer seu caráter metafórico”, afirmam.

Nesse sentido, Bereia também ouviu o doutor em Ciências da Religião, biblista, professor e pesquisador da Universidade Metodista de São Paulo Marcelo Carneiro, que menciona dois aspectos que movem esta reação da parte de pessoas e grupos: “ênfase atual na pauta moral, vendo tudo que tem relação com a cultura LGBTQI+ como uma ameaça; e uma visão de mundo dualista e maniqueísta, transformando o diferente no inimigo. É o nós e os outros de Sartre [filósofo francês]”. 

Marcelo Carneiro afirma que por trás das publicações está uma evidente homofobia e transfobia. “Os grupos religiosos estão agindo de maneira violenta contra pessoas homoafetivas, alegando que são captores da sociedade, da estrutura familiar tradicional, e se apegam ao texto bíblico para condenar o comportamento delas”. 

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Bereia alerta leitores e leitoras que verifiquem o contexto antes de compartilhar notícias que tendem a ser uma exploração temática desinformativa, especialmente no que diz respeito a eventos polêmicos. Este é o caso do veto à pintura do Cristo Redentor em pranchas de surf nas Olimpíadas de 2024 (que não foi uma proibição persecutória) e o da representação de pinturas que remetem a relatos religiosos, na abertura dos jogos.

A ideia de perseguição a cristãos vem sendo explorada politicamente em ambientes digitais religiosos no Brasil, especialmente em períodos eleitorais, para disseminação de pânico social e captura de apoios. Leitores e leitoras devem estar atentos a esta prática e verificar a veracidade de publicações antes de qualquer compartilhamento. 

Referências de checagens:

Band. https://www.band.uol.com.br/noticias/protestos-e-religiao-o-que-e-proibido-nos-jogos-olimpicos-202407301340. Acesso em 30 de julho de 2024.

Brasil de Fato. https://www.brasildefatope.com.br/2017/11/30/ha-49-anos-o-podio-mais-emblematico-das-olimpiadas. Acesso em 30 de julho de 2024.

 g1. https://g1.globo.com/mundo/olimpiadas/paris-2024/noticia/2024/07/28/diretor-da-cerimonia-de-abertura-dos-jogos-de-paris-nega-ter-zombado-da-ultima-ceia.ghtml.. Acesso em 30 de julho de 2024.

Globo Esporte. https://ge.globo.com/olimpiadas/noticia/2024/07/11/com-maioria-feminina-delegacao-do-brasil-tera-277-atletas-nas-olimpiadas-de-paris.ghtml. Acesso em 30 de julho de 2024.

O Globo. https://oglobo.globo.com/tudo-sobre/evento-esportivo/paris-2024/. Acesso em 29 de julho de 2024.

Olympics.

https://olympics.com/ioc/olympic-charter#. Acesso em 30 de julho de 2024.

https://olympics.com/pt/noticias/brasil-dia-3-surfe-jogos-olimpicos-paris-2024. Acesso em 29 de julho de 2024.

Poder 360. https://www.poder360.com.br/olimpiadas/comite-olimpico-internacional-celebra-130-anos-em-2024/. Acesso em 30 de julho de 2024.

Mídia Ninja. https://midianinja.org/paris-2024-protestos-e-a-regra-50-da-carta-olimpica-o-que-esperar/. Acesso em 30 de julho de 2024.

Wikipédia.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Comit%C3%A9_Ol%C3%ADmpico_Internacional. Acesso em 29 de julho de 2024. 

Coletivo Bereia. https://coletivobereia.com.br/a-mentira-que-nao-quer-calar-sobre-perseguicao-a-cristaos-no-brasil/. Acesso em 1 de Agosto de 2024.

Artigo Quinto. https://www.politize.com.br/artigo-quinto/liberdade-religiosa/. Acesso em 1 de Agosto de 2024.

G1. https://g1.globo.com/mundo/olimpiadas/paris-2024/noticia/2024/07/27/olimpiadas-igreja-catolica-francesa-chama-parodia-da-ultima-ceia-de-escarnio-na-franca-as-pessoas-sao-livres-diz-diretor.ghtml. Acesso em 1 de Agosto de 2024.

BBC News Brasil. https://www.cnnbrasil.com.br/esportes/olimpiadas/organizacao-de-paris-2024-se-desculpam-por-suposta-parodia-de-a-ultima-ceia/.  Acesso em 1 de Agosto de 2024.

BBC News Brasil. https://www.bbc.com/portuguese/articles/cgervy94eq0o.   Acesso em 1 de Agosto de 2024.

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Foto de capa: print do YouTube

“Narcopentecostalismo”? Imprensa propaga discurso enganoso ao associar pentecostalismo e tráfico de drogas

Notícias sobre igrejas católicas fechadas, a mando de grupos de traficantes na zona norte do Rio de Janeiro, circularam em veículos de imprensa, entre 6 e 8 de julho passado. Os templos fechados teriam sido os das paróquias de Santa Edwiges e de Santa Cecília, no bairro Brás de Pina, e o de Nossa Senhora da Conceição e Justino, no bairro Parada de Lucas.

De acordo com o que circulou na imprensa, a ordem de fechamento teria partido de Álvaro Malaquias Santa Rosa, narcotraficante conhecido como “Peixão”. Algumas mídias usam termos como “traficantes evangélicos” ou “narcopentecostalismo”, expressões criticadas por especialistas. Bereia checou o uso dos termos. 

Imagem: reprodução DCM

Notícia do fechamento de igrejas católicas 

Conforme divulgado, em 6 de julho, por veículos como o portal G1 e O Dia, três igrejas católicas, em bairros da Zona Norte do Rio de Janeiro, teriam fechado as portas após ameaças do traficante Álvaro Malaquias Santa Rosa, conhecido como “Peixão”. Segundo as notícias, denúncias dos moradores indicam que homens armados foram até os templos para forçar o fechamento, e que atividades religiosas foram, de fato, canceladas. 

Além disso, os jornais divulgaram que publicações, que avisavam sobre o fechamento e a suspensão de algumas atividades, foram feitas pela Paróquia Nossa Senhora da Conceição e São Justino, em Parada de Lucas, pela Paróquia Santa Edwiges e pela Paróquia Santa Cecília, ambas em Brás de Pina, e excluídas posteriormente. Após consulta nos perfis de redes digitais das paróquias, Bereia não encontrou as imagens divulgadas. Alguns sites, porém, dizem que as postagens foram tiradas do ar. 

A Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, em nota, informou que as igrejas estavam abertas e com a segurança reforçada pela Polícia Militar. Já a Arquidiocese Católica do Rio afirmou que os templos permaneciam abertos, conforme publicado pelos portais de notícia. O jornal O Globo também noticiou que a Polícia Civil investiga se o fechamento das igrejas foi decorrente de uma ordem do chefe do tráfico.

Imagem: reprodução O Globo

Propagação de discurso enganoso

O jornal DCM, publicou, ainda, em 6 de julho, uma notícia sobre o caso com o título: “Traficante evangélico força fechamento de igrejas católicas no RJ, diz irmandade”. O texto afirma que a denúncia partiu da irmandade das paróquias afetadas, e que a Arquidiocese do Rio informou que as igrejas se mantiveram abertas, apesar das restrições impostas. A matéria registrou também que a facção criminosa comandada por Peixão “opera sob fundamentos evangélicos”.    

Já o portal Metrópoles, apresentou Peixão como chefão do tráfico e evangélico, em texto publicado em 7 de julho. O site de notícias também publicou a nota enviada pela Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro sobre o caso, e destacou que o órgão ressaltou que a “informação surgiu de boatos em redes sociais”. 

Imagem: reprodução Metrópoles

Com o destaque “Traficantes Evangélicos”, a Revista Fórum usou o título “‘Narcopentecostalismo’: Católicos são ameaçados no Complexo de Israel” para propagar o caso, afirmou que “bandidos são adeptos de uma seita pentecostal”, e se referiu a “Peixão” como “narco-pastor”. O texto publicado, em 8 de julho, também traz a opinião de pesquisadores da religião e destaca, entre outros aspectos, o alerta para o uso sensacionalista e incorreto do termo “narcopentecostalismo”, escolhido pelo veículo para o título.  

Imagem: reprodução Fórum

Álvaro Malaquias Santa Rosa, o “Peixão” 

De acordo com a cientista da religião Viviane Costa, autora do livro “Traficantes Evangélicos: quem são e a quem servem os novos bandidos de Deus” (Ed. Thomas Nelson, 2023), o apelido do chefe do tráfico em questão, “Peixão”, refere-se ao símbolo do Cristianismo do primeiro século, um peixe. Ela explica que o que se sabe sobre Álvaro Malaquias Santa Rosa é o que se vê na mídia, com base em denúncias divulgadas pela polícia e o que circula na própria comunidade onde Santa Rosa cresceu e lidera o tráfico de drogas. Para Costa, “Peixão” é um homem inteligente e estrategista.

Em entrevista à Ponte Jornalismo, em 2023, a pesquisadora afirmou que Álvaro Malaquias “é um homem devoto, que tem uma prática constante de recorrer a Deus pedindo direcionamento para estratégias de guerra, proteção em casos de confronto, que recebe profecias de vitória e as torna pública, que faz orações para que haja segurança nos espaços e que recebe de Deus direcionamentos para avançar, para recuar e para a administração da própria comunidade”.

Imagem: g1

Viviane Costa esclareceu que, segundo informações da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Álvaro Malaquias é um pastor ordenado numa igreja pentecostal em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, e à época fazia parte de uma igreja pentecostal em Parada de Lucas, uma das favelas do Complexo de Israel.

Sobre o Complexo de Israel, Costa explica que Álvaro Malaquias “se identifica como evangélico e estrutura as práticas, as dinâmicas, as estratégias, a ética, a estética, a partir dessa experiência religiosa com características de novos movimentos pentecostais”. A pesquisadora  aponta que “Peixão” acredita que Deus o direcionou para livrar a Cidade Alta do Comando Vermelho, facção rival a sua. 

O Complexo de Israel e a Tropa de Arão

O conjunto de cinco comunidades na Zona Norte do Rio de Janeiro, dominado pela facção criminosa Terceiro Comando Puro (TCP), a partir de 2020, durante a pandemia de covid-19, foi denominado Complexo de Israel pelo próprio “Peixão”. A última expansão territorial da facção havia sido em 2016, para incluir a comunidade Cidade Alta. As cinco comunidades que compõem o complexo atualmente são, Vigário Geral, Parada de Lucas, Cidade Alta, Pica-Pau e Cinco Bocas. 

Imagem: g1

Conforme apresentado pela BBC News Brasil, em 2023, a estrela de Davi pode ser encontrada em muros ou bandeiras, nas entradas das comunidades. Na Cidade Alta, o símbolo judaico fica iluminado sobre uma caixa d’água. Outra associação a passagens bíblicas do Antigo Testamento, é a nomenclatura dada ao grupo liderado por Santa Rosa, Tropa de Arão. Arão foi o primeiro líder dos sacerdotes hebreus e irmão de Moisés. 

Imagem: g1

A reportagem da BBC News Brasil aborda, no entanto, que se baseia em estudos da pesquisadora da Universidade Federal Fluminense (UFF) Christina Vital para dizer que as “ligações entre o tráfico e o pentecostalismo” existem há quase três décadas. O texto ressalta que a influência de outras religiões sobre organizações criminosas já existiu em outros períodos, portanto, não é exclusividade de evangélicos. Já em relação ao tráfico de drogas com as favelas do Rio de Janeiro, é fato antigo. 

Visão de especialistas sobre os termos adotados pela imprensa

A doutora em Ciências Sociais e pioneira no estudo sobre a relação entre lideranças do tráfico de drogas e igrejas evangélicas nas periferias do Rio de Janeiro Christina Vital afirmou, em entrevista ao Bereia, que não existem dados que comprovem a existência de narcopentecostalismo ou narcorreligião no Brasil hoje. “Vemos pessoas que estão no crime e se aproximam de religiões, não só evangélicas, mas com isso não podemos dizer que há uma teologia criminal específica, que haja uma igreja de traficantes, para traficantes, propagando valores criminosos, violentos e o uso de drogas  à luz da Bíblia ou de qualquer livro sagrado”, explica.

Quanto ao uso dos termos, Vital foi enfática ao alertar para a desinformação carregada por eles. “Estes termos atendem mais a um anseio sensacionalista de uma mídia e de pesquisadores mal-intencionados ou não tão bem informados”, pontua. 

Da mesma forma, em artigo intitulado “Há de fato um ‘narcopentecostalismo’ e ‘traficantes evangélicos’?”, o doutor em sociologia Diogo Corrêa aponta que com o surgimento do Complexo de Israel, a relação entre crime e religião evangélica-pentecostal alcançou uma “nova ‘onda’ de visibilidade”, e com isso os termos têm sido usados pela imprensa para definir o fenômeno. 

No entanto, Corrêa apresenta elementos baseados em sua pesquisa etnográfica na Cidade de Deus (zona oeste do Rio), que resultou no livro “Anjos de fuzil: uma etnografia das relações entre pentecostalismo e vida do crime na favela Cidade de Deus”, que o fazem discordar do uso dos termos “narcopentecostalismo” e “traficantes evangélicos”.

Corrêa explica que se trata de um fenômeno de transformação mútua, no pentecostalismo e no tráfico de drogas, que não significou uma fusão entre ambos, e que tal fenômeno teria produzido uma complexa relação entre coabitação e alternância.  Segundo o autor, moradores, traficantes e crentes são capazes de diferenciar o que é um traficante e o que é um crente.

“Categorias como “traficante evangélico”, “narcopentecostalismo” ou “narcoreligião” não são somente incorretas, como caem no problema ético de sugerir que tráfico e religião ou pentecostalismo se fundiram, tornando-se uma coisa só. “[Estes termos] não descrevem de forma adequada a experiência dos próprios evangélicos – e nem dos traficantes aderentes à cultura pentecostal -, além de incorrerem no risco de sugerir, de forma equivocada, a existência de uma espécie de religião do e para o crime”, indica.  

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Bereia  classifica o uso dos termos “narcopentecostalismo”, “narcopastor” e “traficantes evangélicos”, por veículos de imprensa, como ENGANOSO.  Pesquisadores, com diferentes abordagens sobre a dinâmica das comunidades com a presença de igrejas evangélicas e tráfico de drogas, indicam que há uma coabitação entre estes dois grupos, e que ambos os universos, do pentecostalismo e do tráfico de drogas, sofreram alterações culturais em decorrência do contexto em que coexistem. 

Não há dados empíricos que comprovem a existência de uma religião fundamentada na ação criminosa ou de ações criminosas fundamentadas em ensinamentos religiosos, de maneira a conceber uma nova crença ou doutrina que consolide ambos os universos em um. 

O que é possível comprovar, é a existência de líderes do tráfico de drogas que se identificam como evangélicos, assim como de igrejas nas favelas que se adaptam para existir por conta da dinâmica do tráfico. Portanto, o uso da expressão “narcopentecostalismo”, e outros termos derivados, é incorreto, carregado de sensacionalismo e produz desinformação, pelo teor distorcido que instiga julgamentos negativos sobre um grupo religioso. Neste caso, é o segmento cristão evangélico, em frequente protagonismo na cena pública, que se torna alvo de desinformação, elaborada sob tratamento generalizado (“pentecostais”, “evangélicos”), elementos que alimentam intolerância. 

Referências da checagem:

O Dia https://odia.ig.com.br/rio-de-janeiro/2024/07/6877579-trafico-ordena-fechamento-de-igrejas-catolicas-no-complexo-de-israel-aponta-denuncia.html Acesso em: 11 jul 2024

g1

https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2024/07/06/igrejas-catolicas-fecham-as-portas-no-complexo-de-israel.ghtml Acesso em: 11 jul 2024

https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2019/08/14/policia-investiga-acao-do-bonde-de-jesus-contra-terreiros-de-religioes-de-matriz-africana-no-rj.ghtml Acesso em: 11 jul 2024

https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/07/24/traficantes-usam-pandemia-para-criar-novo-complexo-de-favelas-no-rio-deixam-rastro-de-desaparecidos-e-tentam-impor-religiao.ghtml Acesso em: 12 jul 2024

O Globo

https://oglobo.globo.com/rio/noticia/2024/07/06/policia-civil-investiga-se-traficante-ordenou-fechamento-de-igrejas-catolicas-em-bras-de-pina-na-zona-norte.ghtml Acesso em: 11 jul 2024

https://oglobo.globo.com/rio/policiais-civis-sao-presos-acusados-de-extorsao-7063003 Acesso em: 15 jul 2024

RBA

https://www.33rba.abant.org.br/trabalho/view?ID_TRABALHO=1597#:~:text=De%20acordo%20com%20a%20narrativa,em%20parceria%20com%20grupos%20milicianos Acesso em: 12 jul 2024

Instagram

https://www.instagram.com/conceicaodelucas/ Acesso em: 13 jul 2024

https://www.instagram.com/p/C50nPcUuTDL/?img_index=1 Acesso em: 13 jul 2024

EXTRA https://extra.globo.com/casos-de-policia/policia-civil-publica-mudancas-no-comando-de-delegacias-em-todo-rio-23345258.html Acesso em: 14 jul 2024

O São Gonçalo https://www.osaogoncalo.com.br/seguranca-publica/139820/mais-uma-danca-das-cadeiras-na-policia-civil Acesso em: 14 jul 2024

UOL https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2024/07/10/quem-e-peixao.htm#:~:text=%C3%81lvaro%20Malaquias%20Santa%20Rosa%2C%20conhecido%20como%20Peix%C3%A3o%20ou%20Alvinho%2C%20%C3%A9,Vig%C3%A1rio%20Geral%20e%20Cidade%20Alta Acesso em: 14 jul 2024

Ponte Jornalismo https://ponte.org/religiao-nunca-esteve-ausente-do-mundo-do-crime-diz-autora-de-traficantes-evangelicos/ Acesso em 14 jul 2024

BBC News Brasil https://www.bbc.com/portuguese/brasil-66097127 Acesso em: 14 jul 2024

Congresso em Foco https://congressoemfoco.uol.com.br/area/pais/ha-de-fato-um-narcopentecostalismo-e-traficantes-evangelicos/amp/ Acesso em: 14 jul 2024

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Foto de capa: Divulgação

Jornais geram desinformação com declaração de pastor sobre oração e milagres viralizada nas redes

* Matéria atualizada em 02/07/2024 às 08:00 para correção de informações

O portal de notícias Metrópoles publicou, em 19 de junho, matéria sobre a declaração de um pastor evangélico, que teria afirmado fazer uma mulher obesa emagrecer instantaneamente. O jornal também divulgou o trecho do vídeo, em que o líder religioso faz a declaração, no perfil oficial do veículo de comunicação no X, antigo Twitter, em 21 de junho.

O jornal DCM repercutiu o vídeo publicado pelo Metrópoles no X, em matéria em seu portal oficial, ainda em 21 de junho. O Globo também noticiou a viralização do vídeo com a declaração do pastor, em 20 de junho, sob o título: “Ozempic cristão? Pastor viraliza ao dizer que mulher perdeu 23kg após oração: ‘tiveram que segurar a saia dela para não cair’”. Bereia analisou o conteúdo gerado pela imprensa acerca do caso. 

Imagem: reprodução DCM

Declaração do pastor e redes digitais

O vídeo em questão é um extrato de entrevista do pastor Célio Rosa da Silva ao programa POD Acreditar, transmitido pelo canal da baixada cuiabana (MT), TV Capital, e apresentado por Michelly Alencar, em 4 de maio último. Na entrevista, o pastor relatou suas experiências espirituais, incluindo alguns milagres realizados, segundo ele. 

O  recorte da gravação da entrevista com o pastor Célio Rosa viralizou nas redes digitais, em 19 de junho, com as afirmações do pastor sobre situações em que suas orações resultaram no emagrecimento imediato de duas fiéis com quadro de obesidade.

Imagem: reprodução YouTube

Célio Rosa conta dois casos em que ele teria curado a obesidade de forma instantânea. “A filha do pastor tinha um problema de obesidade. Quando eu orei por ela, tiveram que segurar a saia dela, porque senão a saia caía”. Indagado pela entrevistadora, o pastor confirmou que o emagrecimento foi “na hora”.

No segundo caso, Célio Rosa diz: “Em Maringá, eu orei para (sic) uma mulher que emagreceu 23Kg na hora. Eu estou falando para você, eu já vi coisas nesses trinta anos”. A apresentadora chega a rir do “milagre do emagrecimento”, mas não contesta os relatos. 

Depois de viralizado, o recorte também foi publicado na página oficial da igreja Ministério Pescador Sal para Terra no TikTok, e alcançou mais de três mil visualizações.

Imagem: reprodução TikTok

Pastor Célio Rosa e Ministério O Pescador Sal da Terra

De acordo com texto publicado pela Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso (ALMT), Célio Rosa da Silva passou a atuar como pastor em 1997, quando fundou o Ministério Sal da Terra, em Rondonópolis (MT). A informação foi divulgada pelo site, em 2010, em meio ao pedido apresentado pelo então deputado estadual Hermínio J. Barreto (PR), para conceder título de cidadania matogrossense ao pastor.

O texto aponta ainda que o líder religioso se estabeleceu como pescador profissional em Rondonópolis, em 1981, função que exerceu até 1999. Segundo a ALMT, Célio Rosa é natural de Ivolândia (GO).

Imagem: reprodução portal da ALMT

Conforme contou na entrevista ao POD Acreditar, antes de se dedicar às pregações, ele era um pescador de origem humilde, sem eletrodomésticos em casa e analfabeto. Um dos milagres a que faz referência teria acontecido com ele mesmo, aos sete meses de idade, quando a mãe o teria deixado aos cuidados de um irmão ainda mais novo:

 “Eu morri, literalmente. Eu engasguei e quando minha mãe chegou em casa eu estava morto (…) eu não tinha respiração”, relatou.   

Ao longo da entrevista, Célio Rosa conta outros milagres por ele realizados, como a cura do câncer. “Na Suíça (…) eu chegava para a pessoa [com câncer] e falava ‘em nome de Jesus, joga esse câncer aqui dentro’, e a pessoa vomitava o câncer ali dentro”.

Imagem: reprodução YouTube

O pastor também conta sobre um caso de ressurreição. Na ocasião, Célio Rosa teria conhecido uma mulher grávida que perdeu o filho antes do nascimento e passaria pelos procedimentos médicos para retirada do feto, morto havia quatro dias. Antes que a mulher desse entrada no hospital, Rosa teria feito a criança voltar à vida, mesmo após atestados médicos de morte.

A lista de milagres operados por intermédio do pastor Célio Rosa, segundo ele,  é longa. Além da cura da obesidade, da cura do câncer e da ressurreição, o pastor relata casos como o de um cego que teria voltado a enxergar, um paralítico que teria voltado a andar e a cura de uma lesão óssea em uma idosa.

No Instagram, o pastor publica conteúdos de pregações e milagres que teria realizado. A origem pobre contrasta com os discursos de prosperidade, frequentes em seus discursos atuais. Em 27 de abril, o pastor publicou um vídeo em que promove sua imagem em um telão na Times Square, um dos principais centros comerciais de Nova York, nos Estados Unidos.

Imagem: reprodução Instagram

Repercussão da declaração pela imprensa

A matéria publicada pelo Metrópole, com o título “Pastor diz que fez mulher obesa emagrecer “na hora” com oração. Vídeo”, noticia a viralização do discurso do pastor, identifica o líder religioso, reproduz as falas de Célio Rosa e ressalta que o pastor não apresentou provas de suas afirmações. 

Com uma chamada apelativa, o jornal O Globo fez associação do feito declarado pelo pastor com o remédio Ozempic. O medicamento injetável foi desenvolvido para diabetes, mas também é utilizado por algumas pessoas que desejam perder peso para inibição de apetite, apesar de não haver indicação médica oficial para tal uso. Nos últimos meses o remédio foi razão de alguns debates públicos no Brasil. O texto segue o mesmo caminho do Metrópole, mas aproveitou o assunto para tratar do tema da obesidade, com a apresentação de alguns dados. 

Imagem: reprodução O Globo

Já  a publicação do jornal DCM (Diário do Centro do Mundo), traz um título que não atribui a oração milagrosa diretamente ao pastor. Apesar de explicar a origem da informação e identificar o líder religioso, apresenta os casos citados pelo pastor como um único caso, e direciona o leitor para a publicação do trecho de vídeo feita pelo Metrópoles no antigo Twitter. 

Críticas à cobertura enviesada 

Bereia ouviu profissionais de saúde para compreender os efeitos deste tipo de informação sobre o público.  A psicóloga Márcia Guinâncio explica que ao apresentar apenas o trecho com a fala do pastor sobre milagres, os veículos de imprensa ignoraram o valor da oração para o cristão. Segundo ela, a oração possibilita a conexão com o sagrado e a espiritualidade. “A matéria gera desinformação para o próprio cristão, ao sustentar a cura milagrosa da obesidade e, ao mesmo tempo, alimenta uma visão distorcida sobre evangélicos, sua fé e o valor da oração como forma de aproximação com Deus”, afirma Guinâncio. 

Em sua interpretação, a enfermeira, mestre em educação e doutora em Ciências da Saúde Janize Maia, as matérias foram produzidas de “forma sarcástica, sem uma preocupação com a qualidade da informação passada e o que estava sendo propagado, justamente por não acreditarem no que estavam divulgando, ou seja, foram parciais demonstrando a sua incredulidade no conteúdo”. 

Maia destacou ainda que da forma como as notícias foram veiculadas, o impacto tem sido significativamente negativo sobre as pessoas com problemas de saúde, e expõe, inclusive, as pessoas que se denominam evangélicas e que vivem uma espiritualidade sadia.

Imagem: reprodução Metrópoles

Já o pastor batista Irenio Chaves, identificou “uma certa dose de ironia” na abordagem dos textos noticiosos. “É difícil vencer a obesidade. A busca de soluções fáceis tem sido procurada por várias pessoas, com dietas mágicas, emagrecimento sem esforço e até procedimentos estéticos. O lado da ironia é que o milagre religioso seria mais uma dessas fórmulas mágicas e fantasiosas”, explica Chaves.

No entanto, o pastor alerta que é preciso ter um olhar crítico sobre a atuação de religiosos que vendem a imagem de poder, de unção e de capacidade espiritual por conta dos milagres anunciados. “Num país em que a população padece com a dificuldade de acesso aos recursos de saúde pública, ainda mais num tempo em que há um crescente movimento para se negar a ciência, essa atitude transforma a religião num verdadeiro mercado de milagres”, reforça.

Márcia Guinâncio aponta também para o fato que não contextualizar ou problematizar questões ligadas à obesidade nestes tipos de conteúdo, reforça diversos preconceitos. “Conceitos como obesidade e excesso de peso nos remete à preocupação com aquilo que entendemos como ‘ter saúde’, que pode se modificar em virtude de constantes pesquisas, e com o que em cada tempo histórico se estabelece como o corpo desejado. Não corresponder ao estabelecido, ao padrão, impulsiona preconceitos, que afetam a autoestima das pessoas, que não se enquadram no modelo ‘ideal’ de corpo”.

Bereia alerta para que leitores e leitoras invistam no consumo de conteúdos que apresentem apuração suficiente para contextualizar sobre as circunstâncias em que os fatos ocorreram. Nenhuma das matérias publicadas ofereceu detalhes sobre as declarações, versões ou mesmo crença do pastor e das fiéis. Possíveis testemunhas,demais pessoas envolvidas nos casos e especialistas sobre religião e saúde não foram ouvidas para o propósito de informar. As publicações foram feitas em momento na qual lideranças evangélicas estiveram em evidência no noticiário político, conjuntura que se faz propícia para compartilhamentos em redes digitais sobre o segmento religioso, e gerar visibilidade para os portais de notícias. 

Referências de checagem:

O Globo

https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2024/06/20/ozempic-cristao-pastor-viraliza-ao-dizer-que-mulher-perdeu-23kg-apos-oracao-tiveram-que-segurar-a-saia-dela-para-nao-cair.ghtml Acesso em: 23 jun 2024

X – Metrópoles

https://x.com/Metropoles/status/1804027719610515504 Acesso em: 23 jun 2024

Instagram

https://www.instagram.com/celiorosaopescador/ Acesso em: 23 jun 2024

https://www.instagram.com/opescadorsaldaterra/ Acesso em: 23 jun 2024

Diário do Centro do Mundo

https://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/video-mulher-orou-e-por-isso-perdeu-23kg-garante-pastor/ Acesso em: 23 jun 2024

YouTube

https://www.youtube.com/watch?v=RqzRqu-__yY&ab_channel=PODAcreditar Acesso em: 23 jun 2024

TikTok

https://www.tiktok.com/@opescadorsaldaterra/video/7377845037905759494?lang=pt-BR Acesso em: 24 jun 2024

Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso

https://www.al.mt.gov.br/midia/texto/pastor-da-igreja-sal-da-terra-sera-homenageado-na-al/visualizar Acesso em: 26 jun 2024

Montagem em vídeo sustenta pânico sobre perseguição a igrejas com base em entrevista de ex-presidente do PT

Na primeira semana do período pós-eleitoral passou a circular, especialmente pelo Twitter e pelo WhatsApp, um vídeo de dois minutos em que o ex-deputado federal e ex-presidente do Partido dos Trabalhadores (PT) José Genoino, em entrevista, explicaria como partido irá “combater” e “confrontar” as igrejas.

Imagem: reprodução do canal “Católicos de Verdade” no YouTube

Imagem: reprodução do canal “Melodia News” no YouTube

O conteúdo foi transformado em matéria de sites de notícias ligados à extrema-direita política como o evangélico Pleno News e a revista Oeste, sob os títulos: “José Genoino promete retaliação contra igrejas no governo do PT” e “Genoino revela plano do PT para ‘confrontar’ igrejas evangélicas”. 

A origem do vídeo

O vídeo com a entrevista de José Genoino é um extrato da participação do político no  programa Sabadão, do Diário do Centro do Mundo (DCM), transmitido pelo Youtube. O programa teve a duração de três horas e Genoino foi entrevistado pelo jornalista Kiko Nogueira e pela advogada Sara Vivacqua  por uma hora e 55 minutos de duração. A entrevista versou sobre uma avaliação do político do processo eleitoral concluído em 30 de outubro. 

Por volta dos 50 minutos de entrevista, Nogueira e Vivacqua questionaram José Genoino sobre o sentimento de ódio disseminado durante e depois das eleições contra o candidato Lula (PT), seu partido e as esquerdas. Para isso, fizeram uso de um vídeo que mostra um pastor batista falando do púlpito contra membros da igreja que votaram no PT e contra pessoas do Nordeste que ajudaram a derrotar o presidente Jair Bolsonaro (PL). A partir desse caso os entrevistadores perguntaram qual deve ser a política do novo governo em relação às igrejas orientadas pela extrema-direita e se haverá alguma postura diferenciada sobre impostos. A contextualização dos entrevistados tem a duração de três minutos e a resposta do ex-presidente do PT dura dois minutos.

Na resposta, Genoino não fala em nome do PT sobre qualquer plano do partido para retaliar ou confrontar igrejas no Brasil. O ex-parlamentar inicia com a afirmação de que é preciso tratar “institucionalmente, com muita habilidade” para não haver acusações de que se está perseguindo as igrejas. 

Para Genoino é preciso abordar o tema de maneira equilibrada e começar com a mudança do sistema tributário pois “não só as igrejas que não pagam imposto no Brasil, os meios de comunicação também (…), [com] as isenções, o papel, rádio”. A partir disto o ex-presidente do PT afirma: “é preciso fazer uma reforma agrária no ar para depois fazer na terra (…) e colocar num conjunto mais amplo porque senão vão dizer que a gente está perseguindo as igrejas, numa guerra santa (…) portanto temos que ter cuidado, o que vai exigir uma habilidade muito grande”.

Genoino considerou ainda que a medida que se vão criando melhorias nas condições de vida se vai formando uma “massa crítica a este fundamentalismo, estas figuras toscas, a estas figuras fundamentalistas”, referindo-se a líderes religiosos como o pastor batista do vídeo apresentado. Para o político, será preciso uma batalha no campo das ideias com muito cuidado para não ser vítimas do que “eles mesmos pregam que é o maniqueísmo”. Nesse sentido, ele afirma ser fundamental que se organize pela base, como foi no segundo turno das eleições, quando as igrejas tiveram “limitação política para atuar” porque foram organizados coletivos de religiosos que apoiaram Lula e foram realizados atos com religiosos em cidades. Genoino destacou ainda que há lideranças religiosas que atuam nos meios de comunicação e “prestam péssimo serviço com este tipo de coisa” (referindo-se ao vídeo exibido com o pastor batista), por isso será preciso “ver o melhor caminho para enfrentar”.

Montagem grosseira

O vídeo que circula nas redes para reacender o pânico da perseguição às igrejas, tema frequente de falsidades checadas pelo Bereia, tem a duração de dois minutos e é uma montagem do total de cinco minutos em que o tema foi tratado na entrevista. Os cortes grosseiros incluem trechos das questões dos entrevistadores sobre o relacionamento com as igrejas e outros da resposta de José Genoino, com a exclusão do contexto exposto com o vídeo do pastor batista de Piabetá (RJ). As falas foram selecionadas para dar o tom do suposto combate às igrejas.

O Pleno News chegou a usar um subtítulo na pequena matéria: “Ele fala em combater os evangélicos no campo das ideias e acabar com ‘figuras toscas fundamentalistas”.

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Bereia avalia como enganosas a montagem em vídeo com trechos da entrevista de José Genoino ao programa Sabadão do DCM e as matérias publicadas sobre ele.  Tais conteúdos compõem o acervo de material desinformativo criado com o objetivo de manter o pânico entre fiéis cristãos no tocante ao tema da perseguição a igrejas que permeou toda a campanha eleitoral de 2022.

Referências de checagem:

Pleno News. https://pleno.news/brasil/jose-genoino-promete-retaliacao-contra-igrejas-no-governo-do-pt.html?fbclid=IwAR2e8dfPE7bOwJUU37-uxwTmQYjQyN4uL5Tgh8g4MixafnlZyHn0UXyE0I8 Acesso em:  12 nov 2022

Revista Oeste. https://revistaoeste.com/politica/genoino-revela-plano-do-pt-para-confrontar-igrejas-evangelicas/?fbclid=IwAR0QK1mIkOc_NcIk09gnc30mwwvdwWrfBJGggvnqDiwFXLze_D5VuzW95nE Acesso em: 12 nov 2022

YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=Dk7OfasAQ0w Acesso em:  14 nov 2022

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Imagem de capa: frame de vídeo no YouTube

Criador da Marcha Para Jesus, Estevam Hernandes foi preso com dólares na Bíblia

* Matéria atualizada às 19:40 para correção de referência de checagem

Bereia recebeu pedido de checagem da notícia dada pelo site de notícias Diário do Centro do Mundo em 9 de julho, que informou sobre a realização da Marcha Para Jesus/2022, em São Paulo, e disse que o criador do evento no Brasil, bispo da Igreja Renascer em Cristo,  Estevam Hernandes, foi preso em 2007 por tentar entrar em Miami com dólares não declarados, escondidos na Bíblia.

O site publicou: “no dia 14 de janeiro de 2007, a caminho de Miami, Sônia, Estevam, dois filhos e três netos embarcaram na primeira classe de um voo levando US$ 56.467 em dinheiro. Ao pousar, tentaram passar pela alfândega americana sem declarar o valor. Acabaram presos, admitiram a culpa e cumpriram pena de reclusão em regime fechado e semi-aberto”.

A Revista Fórum também publicou sobre o tema e informou que Estevam Hernandes e a esposa Sônia foram condenados e ficaram presos nos EUA por tentarem entrar com dinheiro não declarado. “Estevam e sua esposa, a bispa Sônia, foram presos e condenados nos Estados Unidos quando tentaram, em 2007, ir para Miami com mais de 56 mil dólares não declarados.  Parte, por ironia, escondida numa Bíblia”.

Também a revista Carta Capital  declarou que “na época do crime internacional, em 2007, Estevam e Sônia Hernandes foram condenados a 140 dias de cadeia, outros cinco meses em prisão domiciliar e dois anos de liberdade vigiada […]. No Brasil, já foram acusados de lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e estelionato, mas acabaram absolvidos pelo Supremo Tribunal Federal em 2012”.  

O boletim jurídico ConJur também noticiou o fato em agosto de 2007, quando o casal Hernandes  recebeu sentença pelo crime: “O casal de bispos da Igreja Renascer em Cristo, Estevam e Sônia Hernandes, deve cumprir cinco meses de prisão em regime fechado e mais cinco meses de prisão domiciliar nos Estados Unidos. A sentença foi proferida, nesta sexta-feira (17), pelo juiz Federico Moreno do Tribunal Federal do Sul da Flórida”.   

O caso foi notícia de destaque na grande imprensa da época. O casal chegou a aparecer por vídeo na Marcha pra Jesus de 2007 e 2008, porque cumpria prisão domiciliar nos EUA, e por isso não pode viajar para estar no evento no Brasil. Sonia Hernandes foi enviada no dia 21 de janeiro de 2008 para prisão em Talhahasee, na Flórida, EUA, onde cumpriu pena intercalada à do marido, Estevam Hernandes que ficou preso “do início de agosto até o dia 29 de dezembro de 2007. Eles foram condenados a cumprir cerca de cinco meses de prisão em regime fechado e mais cinco meses de prisão domiciliar nos Estados Unidos”, conforme noticiou o site G1, à época.

Outros problemas com a Justiça

Este não foi o único problema da Igreja Renascer em Cristo e de seus líderes com a justiça. Também em 2007, Estevam e Sônia Hernandes  foram denunciados pelo Ministério Público Federal à Justiça Federal de São Paulo, acusados de “sonegação de Imposto de Renda, PIS e contribuições sociais da empresa RGC Produções. A denúncia foi recebida pelo juiz Hélio Egydio Nogueira, da 9ª Vara Federal Criminal de São Paulo. O casal consta como administrador da empresa RGC Produções Ltda. O argumento do MPF é o de que, em 1998, Sônia e Estevam Hernandes omitiram de sua declaração fiscal depósitos bancários de origem não comprovada, reduziram o valor de tributos a serem pagos no IR de pessoa jurídica, do PIS e das contribuições sociais da companhia.

A Marcha em 2022

No início de julho os organizadores da Marcha para Jesus – 2022, em São Paulo, reuniram milhares de seguidores  para mais um evento que apresenta artistas famosos da música gospel no Brasil, além da caminhada com orações e discursos políticos. No palco estavam líderes evangélicos e o criador e presidente do evento no Brasil, o apóstolo Estevam Hernandes, da Igreja Renascer em Cristo. O presidente Jair Bolsonaro esteve mais uma vez presente e fez discurso na abertura.

Os participantes da Marcha percorreram cerca de 3,5 km em caminhada até a Praça Heróis da Força Expedicionária Brasileira, na Zona Norte da capital. A Marcha Para Jesus completou 30 anos e voltou a ser presencial depois da interrupção em 2020 por causa da pandemia da Covid-19.

Data Oficial

A Marcha para Jesus já é reconhecida como data oficial no calendário de celebrações no Brasil, e em 2009 o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou a Lei nº 12025 de 03/09/2009, que instituiu o Dia Nacional da Marcha para Jesus e determinou que o evento deveria acontecer anualmente, no primeiro sábado 60 dias após o feriado de Páscoa.

A Marcha para Jesus também tem sido tema de vários trabalhos acadêmicos que objetivam estudos sociológicos e antropológicos sobre as igrejas evangélicas no Brasil e sua atuação política, a partir do evento que ganhou visibilidade nos últimos 30 anos. 

Um artigo publicado em 2014 pela antropóloga Raquel Sant’Ana apresenta dados sobre a origem da Marcha para Jesus em Londres, no Reino Unido: “A Marcha para Jesus é herdeira direta da City March, realizada em Londres em 1987, em resposta às diferentes formas de manifestação a que os grupos descontentes com o governo Thatcher, especialmente os de juventude, herdeiros da “contracultura” estavam vinculados”. 

Conforme a doutoranda, “A March for Jesus, como passou a ser chamada, se tornou um evento internacional, realizado em mais de uma centena de cidades de todo o mundo”. Segundo Sant’Ana, a versão brasileira da Marcha para Jesus, diferente da marcha em outros países, que procura unir protestantes e católicos, aqui “passa a ser realizada em 1993 através de esforços da Igreja Renascer em Cristo, que busca uma maior visibilidade aos ‘evangélicos’ no país”.

O artigo mostra que “o centro do evento, desde seu surgimento, era a utilização da música como forma privilegiada para o evangelismo, extrapolando ‘as paredes dos templos’[…]”, e que no Brasil, a Marcha para Jesus foi articulada com importantes setores da indústria fonográfica                A Igreja Renascer em Cristo teve importante papel na “formulação do que veio a ser chamado de música gospel no Brasil, termo que foi inclusive patenteado pela bispa Sônia Hernandes, líder dessa denominação”. 

Sant’Ana faz uma análise da questão do exorcismo presente nos cultos de igrejas pentecostais e neopentecostais que participam da Marcha para Jesus no Brasil e afirma que “em lugar de exorcismos que combatem a ‘possessão’ individual com técnicas que incluem um repertório imagético da violência urbana transformada em espetáculo da mídia, a Marcha produz uma espécie de exorcismo da cidade” utilizando-se do modelo de megashow.

O artigo cita o crescimento quantitativo e qualitativo da Igreja Evangélica no Brasil, nas últimas décadas, que foi acompanhado de “grandes transformações também nos modos de atuação evangélica no espaço público”. Em sua análise a antropóloga afirma que “o crescimento pentecostal e neopentecostal teria influenciado de maneira marcante as demais denominações, tanto no modo de ocupar a política institucional quanto na produção midiática”.  Sant’Ana traz então a questão levantada por outros pesquisadores sobre a possibilidade de existir um modo evangélico de fazer política apontando uma disposição para que “a prática de estimular votos em candidatos apoiados pela denominação, por exemplo, uma marca da entrada da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) na política institucional, influenciasse a maneira de lidar com a política parlamentar das demais denominações”.

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Bereia conclui que é verdadeiro que o criador da Marcha Pra Jesus e bispo da Igreja Renascer em Cristo, Estevam Hernandes, foi preso em 2007 por tentar entrar em Miami com dólares não declarados, escondidos na Bíblia.  

Referências de checagem:

Carta Capital. https://www.cartacapital.com.br/politica/casal-de-pastores-amigo-de-bolsonaro-ja-foi-preso-com-dolares-na-biblia/. Acesso em 23 jul 2022

Conjur.

https://www.conjur.com.br/2007-ago-17/casal_renascer_condenado_prisao_eua. Acesso em 27 jul 2022

https://www.conjur.com.br/2007-abr-09/justica_aceita_denuncia_casal_renascer

Diário das Leis. https://www.diariodasleis.com.br/legislacao/federal/212165-dia-nacional-da-marcha-para-jesus-institui-o-dia-nacional-da-marcha-para-jesus.html

Diário do Centro do Mundo. https://www.diariodocentrodomundo.com.br/criador-da-marcha-para-jesus-pastor-amigo-de-bolsonaro-foi-preso-com-dolares-na-biblia/?fbclid=IwAR10wugvvzp3K6tqGpoRE7mR1p_Rl5EubdRzrGW2IoABc2lpCPrAzudxK_s. Acesso em 15 jul 2022

G1.

https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2022/07/09/marcha-para-jesus-reune-milhares-de-fieis-em-sao-paulo-neste-sabado.ghtml. Acesso em 26 jul 2022

https://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,MUL1291943-5601,00-LULA+SANCIONA+LEI+QUE+CRIA+O+DIA+DA+MARCHA+PARA+JESUS.html. Acesso em 26 jul 2022

https://g1.globo.com/Noticias/SaoPaulo/0,,MUL533422-5605,00-APOSTOLO+HERNANDES+NAO+CITA+PRISAO+DURANTE+MARCHA+PARA+JESUS.html. Acesso em 02 ago 2022

Revista Fórum. https://revistaforum.com.br/brasil/2017/6/15/pastor-que-foi-preso-nos-eua-abre-marcha-para-jesus-pregando-contra-corrupo-21335.html. Acesso em 27 jul 2022

Marcha pra Jesus. https://www.marchaparajesus.com.br/ Acesso em 26 jul 2022 

O Som da Marcha: evangélicos e espaço público na Marcha para Jesus. Raquel Sant’Ana. Museu Nacional/UFRJ – Rio de Janeiro Rio de Janeiro – Brasil.  https://www.scielo.br/j/rs/a/qpg6SH3RX3sQ9yGChY74jjr/?lang=pt&format=pdf Acesso em 26 jul 2022 

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