André Mendonça, o “elefante na sala” da indicação para o STF

A indicação do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para o Supremo Tribunal Federal (STF) virou uma novela política com nome e sobrenome: André Mendonça. O ex-Advogado-Geral da União e ex-Ministro da Justiça do governo atual continua na espera para ser sabatinado pelo Senado Federal, conforme rito para a vaga de ministro da Corte. E a temperatura entre a base social de apoio ao governo e os parlamentares envolvidos tem subido nas últimas semanas. 

Nessa semana o líder da Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia, produziu um vídeo criticando ministros de Bolsonaro que seriam contra a indicação de Mendonça, e pressionando para uma definição sobre o caso. O mandado de segurança impetrado pelos senadores Alessandro Vieira e Jorge Kajuru para que o STF obrigasse o presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Davi Alcolumbre (DEM-AP) a pautar a sabatina de Mendonça foi negado pelo ministro Ricardo Lewandovski. Indicado há quase três meses por Bolsonaro, Mendonça continua na espera.  Davi Alcolumbre disse que há outras pautas mais urgentes para a CCJ.

Durante esse tempo, porém, Mendonça não ficou parado: procurou estar em contato com diversas denominações evangélicas com alguma relação de apoio ao governo. No mês de setembro, por exemplo, dois compromissos se destacaram:

12/set: evento na Assembleia de Deus de Madureira, RJ. Mendonça esteve acompanhado do deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP), presidente da bancada evangélica da Câmara. Na ocasião, curiosamente o pastor presbiteriano disse aos bispos da igreja de origem pentecostal: “Os senhores são bispos da Assembleia de Deus, mas, para além disso, Deus os constituiu bispos sobre a minha vida. (…) Vocês têm autoridade espiritual sobre a minha vida. (…) Vocês é quem são autoridades sobre mim. Eu sou um discípulo”. A afirmação causou estranheza no meio evangélico, pois André Mendonça é pastor da Igreja Presbiteriana, denominação evangélica tradicional, diferente da Assembleia de Deus, de linha pentecostal.

19/set: Mendonça pregou na Comunidade das Nações, em Brasília, em companhia do bispo JB Carvalho, apoiador de Bolsonaro. Poucos dias antes JB Carvalho foi um dos presentes quando pastores, bispos, apóstolos e congressistas, incluindo Silas Malafaia, foram ao Palácio do Planalto para se encontrarem com o presidente Jair Bolsonaro e, depois, com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para pedirem a ajuda de ambos, para atuarem junto a Davi Alcolumbre na definição de data para a análise e aprovação do nome de André Mendonça.

Durante o Simpósio da Cidadania Cristã, promovido pela Confederação dos Conselhos de Pastores do Brasil (Concepab), o presidente do Fórum Evangélico Nacional de Ação Social e Política (Fenasp)bispo Alves Ribeiro afirmou em relação à indicação de Mendonça: “Falei para o presidente, o Concepab, os conselhos de pastores do Brasil, não tem plano B. O nosso plano é o plano A de André Mendonça”.

Quem é André Mendonça

André Luiz de Almeida Mendonça (48) é advogado, pós-graduado em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) e pastor da Igreja Presbiteriana Esperança, em Brasília. Nascido em Santos (SP),  ingressou na Advocacia-Geral da União (AGU) por concurso público em 2000. Como servidor do órgão se notabilizou por sua atuação para aperfeiçoar mecanismos anticorrupção.Foi Advogado-Geral da União de janeiro de 2019 a abril de 2020, quando foi nomeado ministro da Justiça. Em março de 2021, voltou a chefiar a AGU.

Mendonça é doutor em Estado de Direito e Governança Global e mestre em Estratégias Anticorrupção e Políticas de Integridade pela Universidade de Salamanca, na Espanha. 

Enquanto Ministro da Justiça, Mendonça acionou a Polícia Federal (PF) para investigar opositores do presidente com base na Lei de Segurança Nacional. A maioria dos pedidos acusava os investigados de cometer calúnia ou injúria contra o presidente, devido a críticas a Bolsonaro. Os inquéritos têm sido arquivados por determinação da Justiça. Sob comando de Mendonça, o Ministério da Justiça também foi acusado de produzir um dossiê contra 579 servidores federais e estaduais de segurança identificados como integrantes do “movimento antifascismo” e três professores universitários. 

De volta à AGU, Mendonça defendeu que não fosse permitido a Estados e municípios proibir a realização de cultos religiosos presenciais durante a pandemia, em sustentação oral diante do STF que citava mais a Bíblia e os costumes cristãos do que leis e argumentos jurídicos. 

Referências:

Conjur. https://www.conjur.com.br/2021-out-11/lewandowski-nega-pedido-obrigar-alcolumbre-sabatinar-mendonca Acesso em: 12 out 2021.

G1. https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/07/07/quem-e-andre-mendonca-indicado-por-bolsonaro-para-ministro-da-stf.ghtml  Acesso em: 23 set 2021

O Estado de São Paulo, 23 set.2021. Notas e Informações, p. A3. O dever constitucional do Senado. https://digital.estadao.com.br/o-estado-de-s-paulo/20210923/textview  Acesso em: 23 set 2021

O Globo. https://blogs.oglobo.globo.com/lauro-jardim/post/indicado-ao-stf-andre-mendonca-reconhece-submissao-bispos-da-assembleia-de-deus.html Acesso em: 14 out 2021.

Correio Braziliense. https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/09/4951228-pressionado-alcolumbre-deve-marcar-sabatina-de-andre-mendonca-para-outubro.html  Acesso em: 23 set 2021.

Yahoo. https://br.yahoo.com/noticias/no-senado-alcolumbre-%C3%A9-cobrado-163839134.html Acesso em: 23 set 2021.

Correio Braziliense. https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/10/4953708-andre-mendonca-demonstra-otimismo-para-sabatina-no-senado.html?fbclid=IwAR0sxP7WpJS8n2ROYo439HZWk8MZrUKoON7iQxou2QL_PlblUlbp56ezIBw  Acesso em: 06 out 2021.

BBC Brasil. https://www.bbc.com/portuguese/brasil-57744271. Acesso em: 23 set 2021.

Youtube. https://www.youtube.com/watch?v=UrB_3jh7pX4. Acesso em: 23 set 2021.

O Globo. https://blogs.oglobo.globo.com/bela-megale/post/data-prevista-para-empacada-sabatina-de-mendonca-no-senado-acontecer.html 08 out 2021.

Folha de S.Paulo https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2021/10/mais-de-20-senadores-pedem-urgencia-em-votacao-de-andre-mendonca-para-o-stf.shtml Acesso em: 08 out 2021.

Nexo Jornal. https://www.nexojornal.com.br/extra/2021/10/13/Alcolumbre-diz-sofrer-%E2%80%98agress%C3%B5es%E2%80%99-por-n%C3%A3o-pautar-indica%C3%A7%C3%A3o-ao-STF?posicao-home-direita=3&utm_source=NexoNL&utm_medium=Email&utm_campaign=anexo Acesso em: 14 out 2021.

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Foto de capa: Luis Macedo/Câmara dos Deputados

São falsos vídeos sobre suposta Operação Storm no Brasil

Circula em grupos católicos e evangélicos nas mídias sociais um vídeo sobre a suposta Operação Storm, que investigaria uma rede de pedofilia internacional. Uma das versões do vídeo foi publicada originalmente no canal de Cristina Daflon no YouTube. O vídeo gera alerta e começa com a seguinte introdução:

“A Operação Storm entrou com João de Deus. Foi descoberta a rede de pedofilia internacional americana que vem de Hollywood, esse pessoal todinho lá. A ministra Damares tem feito muitas investigações e agora parece que as coisas estão fluindo, tem havido muito mais debate sobre isso. Cuidem de seus filhos, não confiem em ninguém.” 

A suposta Operação Storm é uma fake news que tem se propagado em diversas versões nos últimos dias, principalmente em correntes no WhatsApp. Segundo o site Boatos.org, alguns conteúdos dizem que a Operação Storm está prendendo opositores de Jair Bolsonaro e  do presidente americano Donald Trump.Já outra corrente afirma que foram presos 24 ministros, senadores, deputados e governadores, incluindo o presidente da Câmara dos Deputados  Rodrigo Maia (DEM/RJ) e o presidente do Senado Federal Davi Alcolumbre (DEM/AP). Há ainda outra versão que, como a do vídeo, afirma que a Operação Storm está investigando uma rede de pedofilia internacional. Entretanto, todas as versões são falsas. 

Bereia não encontrou menção sobre a Operação Storm em nenhum veículo oficial ou agência de notícias nacional ou internacional, somente notícias enganosas, produzidas com objetivo de desinformar. Também não é verdade que Rodrigo Maia, Davi Alcolumbre ou os opositores a Bolsonaro e Trump foram presos. 

O vídeo da ministra Damares Alves

No vídeo analisado, depois da introdução sobre a falsa Operação Storm, a YouTuber retoma um vídeo da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves sobre pedofilia. No entanto a fala da ministra não se refere à Operação Storm.

Damares Alves estava, na ocasião, em um evento do BNDES, onde foi chamada a comentar sobre projetos de saneamento básico. Em meio a sua fala pediu que os governadores envolvidos ajudassem o projeto Abrace o Marajó. O projeto, que teve início em 12 de julho de 2019, visa à promoção de direitos humanos entre as populações marajoaras, uma etnia ribeirinha amazônica. Em nenhum momento da apresentação da ministra é citado o projeto, cita a Operação Storm ou o apoio de forças dos EUA. 

Damares ainda afirma, no vídeo, estar sendo perseguida por uma rede de crime organizado, e que os ataques a sua pasta se dariam por estar indo contra o comércio de imagens de estupro infantil. Sobre o projeto, no entanto, não apresentou nos resultados qualquer investigação contra rede de pedofilia. No âmbito jurídico, à época, foram realizados 277 processos (um procedente, 52 improcedentes, 212 acordos e 12 extintivas). Em resumo, o vídeo utilizado pela youtuber Cristina Daflon é retirado de contexto para dar credibilidade ao conteúdo que ela divulga, estratégia comum em fake news. 

Operação Storm: um esquema de desinformação 

A mentira da “Operação Storm” faz parte de um conhecido esquema de desinformação: se definir como oposto de um inimigo imaginário. O pesquisador João Cezar de Castro Rocha aponta como teorias da conspiração e inimigos invisíveis têm sido usados como retórica política para inflamar discursos de extrema direita, no caso do Brasil, os bolsonaristas. Em entrevista para o canal O Meio (11 de agosto) o professor explica que, para a narrativa bolsonarista, é necessário haver um inimigo a ser combatido, e a imagem de pedófilos têm um apelo forte nesse sentido.  

Ainda há muitas semelhanças entre as notícias sobre a suposta Operação e o raciocínio dos Q-Anon americanos. O grupo de conspiracionistas já teve suas contas excluídas do Twitter e foram noticiados amplamente na mídia. Em resumo, os “Q’s” – gíria para usuários anônimos das redes – acreditam que o presidente Donald Trump estaria atuando contra o deep state (“Estado Profundo”), uma seita satânica que consome fetos humanos abortados. O movimento tem preocupado o serviço de inteligência dos EUA, o FBI como um movimento radical e, no Brasil, foi satirizado em uma edição do programa Greg News, lançado no dia 14 de agosto, 

As semelhanças entre os discursos são notáveis, sobretudo diante dos mais recentes escândalos que vêm a tona no país, como o recente caso da jovem de 10 anos estuprada pelo tio e as reações de grupos como os de Sara Geromini que repercutiram na mídia e nas redes sociais digitais sendo trending topics nas últimas semanas.

Pânico moral e “defesa da família”

Segundo o pesquisador Richard Miskolci no artigo “Pânicos morais e controle social – reflexões sobre o casamento gay”, a construção de bases políticas conservadoras e de extrema direita, e a adesão a elas, têm sido conquistadas por meio do pânico moral, da retórica do medo, para gerar insegurança e promover afetos. 

Pânicos morais são fenômenos que emergem em situações nas quais sociedades reagem a determinadas circunstâncias e a identidades sociais que presumem representarem alguma forma de perigo. São a forma como a mídia, a opinião pública e os agentes de controle social reagem a determinados rompimentos de padrões normativos e, ao se sentirem ameaçados, tendem a concordar que “algo deveria ser feito” a respeito dessas circunstâncias e dessas identidades sociais ameaçadoras. O pânico moral fica plenamente caracterizado quando a preocupação aumenta em desproporção ao perigo real e geral (Miskolci, 2007).

Pesquisas científicas, como a de Richard Miskolci, indicam a circulação de intensa quantidade de material desinformativo, baseado em pânico moral e medo para disseminação de conteúdos que se revertem em apoio a grupos políticos de extrema direita, o que se pode identificar no vídeo verificado nesta matéria. 

Bereia conclui que a Operação Storm não existe, trata-se de uma notícia falsa produzida com objetivo de enganar e causar desinformação. Além disso, a narrativa sobre pedofilia que circula pelas mídias sociais, produzida por grupos de extrema-direita, evoca uma abordagem de pânico moral, tratando um problema sério de forma irresponsável e baseado em mentiras. 

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Referências de checagem

YouTube – Cristina Daflon. https://youtu.be/cqsZu8afJWM. Acesso em 28 jul. 

Boatos.Org. https://www.boatos.org/politica/operacao-storm-deflagrada-brasil-24-governadores-ministros-stf-presos.html. Acesso em 28 jul. 

O Globo. https://oglobo.globo.com/sociedade/estamos-diante-de-uma-serie-de-estupros-de-bebes-diz-damares-em-evento-sobre-saneamento-1-24122246. Acesso em 27 ago. 

Governo Federal. https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2019/julho/ministerio-apresenta-resultados-do-programa-abrace-o-marajo. Acesso em 27 ago.

YouTube – O Meio. https://youtu.be/mKkbsFNUDXY. Acesso em 27 ago.

G1. https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2020/07/22/qanon-twitter-elimina-contas-de-grupo-que-propaga-teoria-de-conspiracao-nos-eua.ghtml. Acesso em 27 ago. 

YouTube – Greg News. https://youtu.be/zVhn9WT-Xqg. Acesso em 27 ago. 

UOL. https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/rfi/2020/08/26/o-que-e-qanon-o-movimento-conspiracionista-a-favor-de-trump-que-e-visto-pelo-fbi-como-ameaca.htm. Acesso em 27 ago. 

Richard Miskolci.  “Pânicos morais e controle social – reflexões sobre o casamento gay”. Acesso em 28 ago.