MPF aciona Valdemiro Santiago e Ministério da Saúde por anúncio de falsa cura da Covid-19. Bereia já verificou o caso

*Do MPF, com adaptações

Alerta de fake news removido do site do Ministério da Saúde (Foto: saude.gov.br)

O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação civil pública para que o pastor evangélico intitulado Apóstolo Valdemiro Santiago e a Igreja Mundial do Poder de Deus paguem pelo menos R$ 300 mil de indenização por danos sociais e morais coletivos. A cobrança se deve à divulgação de vídeos nos quais o religioso anunciava a venda de sementes de feijão com a falsa promessa de que, se cultivadas, elas curariam a covid-19. Valdemiro chegou a citar o caso de um fiel cuja recuperação plena da doença usando os feijões estaria comprovada por um atestado médico.

O Ministério da Saúde, representado pela União, também responderá à ação por ter removido de seu site uma mensagem de alerta contra os anúncios enganosos de Valdemiro. A publicação, feita após pedido do MPF, ficou no ar durante poucos dias, foi removida sem explicações e não voltou mais à página da pasta.

O MPF destaca que o líder da Igreja Mundial do Poder de Deus incorreu em prática abusiva da liberdade religiosa, ao colocar em riscos a saúde pública e induzir fiéis a comprarem um produto sem nenhuma eficácia comprovada. As sementes foram anunciadas em três vídeos veiculados no YouTube por preços que alcançavam R$ 1 mil cada. Segundo Valdemiro, a simples germinação dos grãos teria o poder de curar a covid-19.

“A dignidade da proteção constitucional que tutela a liberdade religiosa não constitui apanágio para a difusão de manifestações (ilegítimas) de lideranças religiosas que coloquem em risco a saúde pública, que explorem a boa-fé das pessoas, com a gravidade adicional de que isso ocorre com a reprovável cooptação de ganhos financeiros, pois ancorados em falsa premissa terapêutica, às custas da aflição e do sofrimento que atinge a sociedade”, ressaltou a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC-SP), órgão do MPF em São Paulo responsável pela ação.

Fake news

O MPF quer que a Justiça Federal conceda uma liminar obrigando o Ministério da Saúde a republicar a mensagem sobre a falsidade das informações anunciadas pelo pastor. O alerta para “fake news” havia sido veiculado no site da pasta em junho. Porém, um dia depois de o MPF divulgar que a requisição dos procuradores para a publicação havia sido acatada, o conteúdo tornou-se indisponível e desde então permanece fora do ar, apesar de solicitação para que a página fosse restabelecida. O MPF pede ainda que seja estabelecido ao Ministério da Saúde o dever de identificar quem foi a autoridade que determinou a remoção da mensagem.

“O Ministério da Saúde informa que não há, até o momento, produto, substância ou alimento que garante a prevenção ou tratamento do novo coronavírus. Conforme determinação do Ministério Público Federal, o Ministério da Saúde esclarece que é falso que o plantio de sementes de feijão, comercializadas pelo líder da Igreja Mundial do Poder de Deus, Valdemiro Santiago, leva à cura ou serve para prevenção da covid-19”, dizia o alerta removido do site. A mensagem era acompanhada de um selo que advertia: “Isto é Fake News! Esta notícia é falsa – Não divulgue”.

Por fim, a ação do MPF requer a concessão de uma ordem judicial dirigida à Google Brasil, responsável pelo YouTube. Os procuradores pedem que a empresa seja obrigada a preservar a íntegra dos vídeos (já removidos da plataforma, também a pedido do MPF ainda em junho) e forneça os dados cadastrais do usuário que os publicou. As informações serão utilizadas na instrução processual.

Em maio, tão logo o vídeo com o oferecimento das sementes foi divulgado, o Coletivo Bereia verificou a veracidade do conteúdo em matéria intitulada “É verdade que Apóstolo Valdemiro Santiago oferece semente que cura Covid-19”.

O número da ação do MPF é 5014383-08.2020.4.03.6100 e pode ser vista na íntegra aqui.

É verdade que Apóstolo Valdemiro Santiago oferece semente que cura Covid-19

Circula amplamente por mídias sociais neste 7 de maio de 2020, um vídeo de pouco mais de dois minutos com fala do líder da Igreja Mundial do Poder de Deus, Apóstolo Valdemiro Santiago, sobre o poder de uma semente oferecida por ele na cura da Covid-19.

No vídeo, o líder religioso mostra um exame que comprovaria que uma pessoa teria sido curada da Covid-19 após plantar a semente (que não é identificada), na qual está escrita frase que Deus diz a Abraão, segundo a Bíblia: “Sê tu uma bênção”. Valdemiro Santiago afirma:

“Gente curada de estado terminal, gravíssimo. E está ali o exame, para quem quiser. (…) Você vê como a semente é semeadora. E aí sim conseguiu vencer a crise e a panademia. Só tem um jeito de se vencer essas fases difíceis. É semeando, e semeando na obra de Deus. Essa semente é interessante, você planta… É a semente “sê tu uma bênção”. Você vai semear essa semente e na planta que nascer vai estar escrito “Sê tu uma bênção”.”

Na gravação o Apóstolo reconhece possíveis críticas ao instrumento de cura. Ele diz: “Mas isso é enganar? Não! Você que tá enganado!”. E depois anuncia a forma de pagamento para se adquirir a semente:

“O propósito que eu vou fazer é de R$ 1.000 para cada um [dos parentes para quem vai plantar uma semente]. E muitos que estão me assistindo também vão fazer de R$ mil. Outros vão fazer de R$ 500, e finalmente outros vão fazer de R$ 200 e até R$ 100. A semente de acordo com sua sementeira… Até mais quem quiser”.

O vídeo que circula é um trecho de gravação maior que se encontra no canal do Youtube da Igreja Mundial do Poder de Deus, postado no dia 1 de maio.

A gravação completa tem 42 minutos e inicia com uma pregação de Valdemiro Santiago sobre texto bíblico de Gênesis, capítulo 47, que versa sobre semear a terra e alcançar a abundância de Deus. Daí o Apóstolo “convoca o povo de Deus” a “semear em terra fértil”, que ele classifica como a obra de Deus, durante o mês de maio. Depois de expor que pessoas foram curadas dos efeitos do coronavírus ao terem plantado a semente que tem gravada a frase bíblica “Sê tu uma bênção”, ele oferece o instrumento que diz ser curativo condicionado a um pagamento à igreja de R$ 1.000, R$ 500, R$ 200 ou R$ 100. Se alguém quiser dar mais poderá, segundo o religioso que disse ser este “o mais abençoado de todos os propósitos que já fizemos”. Depois Santiago recorre ao texto da Bíblia em Marcos 4 para justificar a campanha, que diz que o Reino de Deus é como um homem que sai a semear.

O Apóstolo afirma que as sementes são “coisa divina mesmo”, e diz que a planta que cresce tem nela marcada a frase “Sê tu uma bênção”. Depois, o líder da Igreja Mundial convida católicos, evangélicos, pessoas de outras religiões para que ninguém fique de fora e as adquira, por meio de contato telefônico com envios para todo o Brasil. As pessoas que desejarem adquirir a semente devem fazer o depósito do valor desejado na conta da igreja e enviar o comprovante para as centrais telefônicas disponíveis em vários estados, e solicitar o envio.

A Campanha “Semeador Sê tu uma bênção” está em chamada de destaque no site da igreja. Ao clicar no link para a contribuição para esta campanha, não aparece explicação sobre ela, mas sim uma página onde as doações financeiras podem ser realizadas, o que leva à compreensão de que o conteúdo do vídeo já é de conhecimento de quem acessa o site.

O oferecimento de objetos “abençoados” para o alcance de benefícios concretos por parte de fieis é prática comum na Igreja do Poder de Deus e em outras igrejas que desenvolvem teologia e ações similares. O pesquisador Ricardo Mariano explica este fenômeno social na obra ‘Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil’, das Edições Loyola. A imagem da semente como Obra de Deus que pode se multiplicar na vida das pessoas já foi utilizada pela igreja em outras campanhas. No site da Igreja Mundial há um testemunho de milagre financeiro, datado de 13 de março de 2016 que narra a história de José Gino Nazário. Segundo o texto, o fiel tinha a vida financeira arruinada quando percebeu que se tratava da falta de compromisso com o dízimo. Nazário afirma:

“Eu já era evangélico, aqui da Igreja Mundial do Poder de Deus, mas minha vida estava no fundo do poço. Eu atrasava os propósitos, fazia esperando receber, não dando a minha parte. Era dizimista, mas dizimava quando dava vontade ou sobrava dinheiro, ofertava do meu jeito, não do jeito que é ensinado pelo Homem de Deus. Queria mudança na minha vida financeira, que nunca prosperava, mas não abria o meu coração e retornava o que era de Deus. (…) Assisti em casa, pela televisão, a uma palavra ministrada pelo Apóstolo Valdemiro Santiago e, nela, Deus disse que era para semear, que a semente daria frutos e quem dava a semente era Deus. Sou criado e crescido na roça e lembro que meu pai semeava terra e ia até o fazendeiro para lavrar. Aquela explicação encheu meu coração de ânimo e de entendimento. Vim até o templo, tomei posse da semente, peguei um Carnê da Oração Incessante, dessa vez para semear, não para fazer propósitos ou votos que eu não conseguisse cumprir, nem esperando nada específico, apenas para ver semente plantada, porque sei que, na época certa, germina. Peguei e semeei. Deus me deu sete mil reais e paguei tudo o que devia, que me mantinha na miséria e fiquei com o restante. Foi aí que percebi que eu era o errado. Mudei meu jeito de ofertar, de fazer a obra. Hoje, tenho mais um carnê de trezentos reais e sou dizimista fiel, ofertante, porque provo que Deus dá prosperidade e condições para nossa vida. E quem duvidar, apanhe uma semente e faça o que eu fiz, Deus se revelará a você também”.

Com base nestes elementos, o Coletivo Bereia classifica o conteúdo do vídeo que está circulando nas mídias sociais sobre o oferecimento de semente para cura de Covid-19 e outras dificuldades da vida pelo líder da Igreja Mundial do Poder de Deus como verdadeiro.

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Referências de Checagem:

Youtube, Igreja Mundial do Poder de Deus. https://www.youtube.com/watch?v=iDhf1HjkknU

Igreja Mundial do Poder de Deus. https://impd.org.br/

Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil, por Ricardo Mariano. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2010.