Religiosos e ativistas por direitos humanos debatem ultradireita e democracia em seminário internacional no Rio
Os avanços da ultradireita religiosa e as ameaças à democracia na América Latina e no Caribe foram o foco dos debates do Seminário Internacional Creio e Defendo, realizado na cidade do Rio de Janeiro. O evento reuniu organizações da sociedade civil, ativistas e lideranças religiosas de diversos países do continente latino-americano e do Caribe. Organizado pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic) e pela Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, com apoio da organização sueca Diakonia e da Embaixada da Suécia, o seminário, que já reuniu participantes no Paraguai e na Colômbia, teve a terceira edição no Brasil.
O evento contou com mesas de debate sobre a conjuntura do avanço da extrema direita na região, antifeminismo, masculinismo cristão e impactos das transformações culturais impulsionadas por grupos conservadores. Participaram representantes de entidades como Oxfam Brasil, Rede de Mulheres Negras, Movimento Negro Evangélico, Sementes da Democracia, Instituto de Estudos da Religião (ISER) e o Coletivo Bereia, entre outras.





Fotos: Divulgação
Além dos dois dias de painéis e trabalhos em grupo, o seminário foi precedido por um laboratório sobre narrativas que reuniu comunicadores de diferentes países para discutir estratégias de produção de conteúdo que fortaleçam lutas sociais e culturais na América Latina e no Caribe.
Durante os debates, participantes ressaltaram a necessidade de romper estereótipos e ampliar o diálogo público. “Importante dizer aqui que não é verdade que todas as pessoas cristãs são contra os direitos humanos e as pessoas militantes dos movimentos sociais não são crentes”, destacou a militante pela igualdade de gênero no Paraguai Clyde Souto. Já o integrante movimento Sentinelas pela Dignificação do Estado Juan Terte chamou atenção para a urgência de popularizar a defesa da separação entre religião e política. “Promover a laicidade para proteger o Estado. Apesar de discutirmos muito na academia, ainda não tornamos o assunto da laicidade popular”, afirmou.
O Bereia participou do encontro com a fala da pesquisadora e editora-geral Magali Cunha, que analisou o papel dos fundamentalismos religiosos no Brasil e sua articulação com extremismos no mundo digital. “Foi desenvolvido um pânico moral em torno da ‘defesa da família’ e dos filhos das famílias, como núcleos da sociedade que estariam em risco, por conta da agenda de igualdade de direitos sexuais. Mensagens alarmistas apresentam esta agenda como de destruição e de ameaça à sociedade com base na noção de que, se a família e as crianças estão em risco, toda a sociedade está em risco. Para isso, movimentos fundamentalistas articulam amplo recurso às mídias em todos os formatos, tradicionais e digitais, com farto uso de desinformação, em especial de fake news, para alimentação do pânico moral”, afirmou.

Outro ponto de destaque foi a apresentação do relatório da Oxfam América Latina e Caribe, feito pela especialista em Políticas Públicas Denia Arteaga García, que apontou a forte contraofensiva de grupos antidireitos de gênero, articulados entre elites econômicas, setores políticos conservadores e fundamentalismos religiosos. Segundo García, a região, marcada por extrema desigualdade social, enfrenta a disseminação de narrativas simplificadas que instrumentalizam a chamada “ideologia de gênero” como inimigo comum. Essas redes, afirmou, sustentam-se no uso massivo da desinformação e de discursos de ódio para criminalizar movimentos feministas, LGBTIQ+ e de direitos humanos, o que representa hoje um dos maiores desafios à democracia e à justiça social no continente.

A terceira edição do Seminário Creio e Defendo terminou com a divulgação da Carta do Rio de Janeiro, documento final que reafirma a defesa dos direitos humanos, da democracia e da diversidade de espiritualidades e existências. O texto denuncia a instrumentalização política das religiões e os retrocessos impostos a mulheres, povos originários, população negra e LGBTQIAP+, além de expressar solidariedade ao povo palestino, ameaçado de existência.
No documento, os participantes assumem o compromisso de articular alianças regionais e fortalecer processos democráticos, a laicidade do Estado e a justiça social em diferentes dimensões. “Convocamos a reacender nossa esperança enquanto coletivo e organizar nossas resistências locais e regionais para realizar ações concretas em prol dos direitos humanos na América Latina e Caribe”, afirma a carta.
Leia a íntegra da carta:
Carta do Rio de Janeiro
CREIO E DEFENDO
Setembro de 2025
Nós, pessoas de distintas crenças e organizações da sociedade civil de diferentes países da América Latina e Caribe, reunidas na cidade do Rio de Janeiro no Terceiro Seminário Internacional Creio e Defendo, afirmamos a defesa radical dos direitos humanos, da democracia e das concepções plurais e vivas da fé, das espiritualidades e das existências.
Diante dos avanços da extrema-direita em nossa região e no mundo, nos posicionamos contra a instrumentalização política das religiões, as ameaças à democracia e os retrocessos de direitos das populações de mulheres, originárias, negras, LGBTQIAP+. E nos solidarizamos com o povo palestino e demais povos que vivem o sofrimento histórico de governos autoritários.
Portanto, assumimos o compromisso de consolidar nossa aliança e formar estratégias para fortalecer os processos democráticos, a laicidade do Estado, a mudanca cultural para a liberdade e a justiça social, econômica, de gênero, étnico-racial e ambiental.
Como resposta a esses desafios, convocamos a reacender nossa esperança enquanto coletivo e organizar nossas resistências locais e regionais para realizar ações concretas em prol dos direitos humanos na América Latina e Caribe.
Inspiradas em que “cambia el modo de pensar, cambia todo en este mundo” celebramos nossos caminhos de luta e afirmamos as diversidades e a fé na alegria para seguirmos unidas, vigilantes e sensíveis rumo a um futuro e que todas as pessoas vivam com respeito e dignidade.