Embate verbal entre integrantes da Bancada Evangélica na CPMI dos Atos Golpistas entra no radar do Bereia

Um  debate entre a relatora da CPMI dos Atos Golpistas do 8 de Janeiro, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), e o deputado federal Marco Feliciano (PL-SP), ocorrido em 24 de agosto passado, repercutiu fortemente no noticiário e se estendeu nas mídias sociais de grupos religiosos.

A sessão daquele dia foi convocada para interrogar o sargento do Exército Luís Marcos dos Reis, que era auxiliar do tenente-coronel Mauro Cid, na Ajudância de Ordens do Palácio do Planalto, sob relação direta com o ex-presidente Jair Bolsonaro.

A troca de críticas entre Marco Feliciano e Eliziane Gama ocorreu quando o deputado assumiu o microfone para inquirir o sargento. Ao invés de fazê-lo (minuto 3:05), Feliciano passou a se referir à “troca de farpas” que havia ocorrido entre ele e a senadora, pelas mídias sociais, por conta de um primeiro conflito já vivenciado em sessão da CPMI dois dias antes. A sessão anterior foi encerrada pelo presidente da comissão justamente devido ao grau de violência verbal entre os parlamentares.Em sua defesa, tanto na CPMI quanto nas mídias sociais, Feliciano acusou a relatora da comissão de já “ter o relatório pronto” e de já saber de quem vai pedir o indiciamento. Denunciou que “não há respeito nenhum” nos trabalhos e que a CPMI está “rotulada”.

Imagem: TV Senado, 24 de agosto de 2023

Eliziane Gama, então, usou do direito à palavra por ter sido citada, e disse que o deputado a ataca comportando-se como uma “pessoa abjeta, misógina”. Após relatar sua história como filha e irmã de pastores e membro de uma igreja evangélica pentecostal, proferiu duras afirmações de cunho religioso em relação a Marco Feliciano, afirmou que ele não iria intimidá-la e que ele “não merece” ser chamado de pastor e “prega outro Evangelho”.

Imagem: TV Senado, 24 de agosto de 2023

Em tréplica, o deputado rolutou a senadora como “mentirosa contumaz” e “oportunista”. Por fim, o presidente da CPMI deputado federal Arthur Maia (UNIÃO-BA) interrompeu a discussão, julgando-a como distante da pauta da CPMI – alertando que os parlamentares devem responder postagens nas “redes sociais” nas próprias mídias sociais e não na CPMI. Eliziane Gama comentou, em entrevista, que o debate foi resultado de um “acúmulo de provocações”.

A sessão  da CPMI, transmitida ao vivo, foi compartilhada por várias mídias e perfis de identidade religiosa (em várias edições e cortes, listados nas referências de checagem ao final desta matéria). O trecho do embate entre Eliziane e Feliciano está disponível na TV Senado entre o minuto 3:05 e 3.25. 

A discussão entre o deputado e a senadora chamou a atenção pelo uso do termo “hipócrita”, dirigido por Eliziane Gama a Feliciano, com a leitura integral do trecho de Mateus 23.27 – “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora realmente parecem formosos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda imundícia”.

Em sua réplica, Feliciano respondeu que o diabo também cita a Bíblia (fazendo alusão a Mateus 4, quando Jesus foi tentado no deserto). O deputado, que também é pastor e cantor evangélico, afirmou o congresso não é “gabinete pastoral” .

Bereia destaca a seguir alguns trechos da tréplica de Marco Feliciano, no debate com Eliziane Gama, que foram repercutidos nos espaços digitais religiosos e demandaram verificação por terem conteúdo característico de desinformação.

O deputado é alvo de perseguição?

Durante o embate na CPMI, Feliciano alegou sofrer perseguição religiosa e que ele, sua família, seus seguidores e suas igrejas têm sido agredidos (no minuto 3:21).

Bereia não encontrou fontes, nem em mídias religiosas e nem no site pessoal do deputado, que comprovem as supostas agressões ou perseguições ao parlamentar, ou aos alegados nove milhões de seguidores – também não há registro de que frequentadores de suas igrejas tenham sido espancados por sua causa.

Durante uma entrevista à Rádio CBN, em(14/08/2022), Feliciano disse que uma “perseguição de Lula a evangélicos” poderia “culminar no fechamento de igrejas”. Também, em entrevista à Folha de S.Paulo no dia 15/08/2022, Feliciano acusou o PT de ser a “expressão viva do mal” no Brasil, que a “barra iria pesar” contra os pastores e declarou que “existem muitas formas de se fechar uma Igreja. Uma delas é calando os pastores ou obrigando religiosos a terem condutas anti-bíblicas. A igreja fisicamente estará aberta, mas na prática estará fechada”. Feliciano também associou Lula a Ortega e reagiu fortemente à Carta de Lula aos evangélicos, durante a campanha de 2022. Em vídeo, que ainda está no ar em seu canal (com 1,7 mil curtidas), Feliciano adjetiva Lula como “endemoniado mor” e “Barrabás” (sic).

Imagem: reprodução do YouTube

As interpelações judiciais e as ações, já julgadas ou em tramitação, têm sido utilizadas pelo deputado como prova de ação contra igrejas, ou comprovação de“cristofobia” no Brasil – ainda que não tenha resultado em prejuízo ou cassação de atividade parlamentar para o deputado.

Eliziane tem sido hostilizada no segmento evangélico?

Marco Feliciano alegou que a Eliziane Gama tem sido vaiada nas igrejas e no seu estado do Maranhão (minuto 3:09 do vídeo da TV Senado).

Bereia, após pesquisa, inferiu que o deputado repercutiu em sua fala postagens de mídias sociais que divulgaram que Eliziane Gama teria sido vaiada no  Congresso de Mocidade da Assembleia de Deus em São Luis-MA (COMADESL), em julho passado. Todavia, nos vídeos, a imagem da senadora não aparece e há apenas uma narradora que alega terem ocorrido vaias – enquanto a plateia aparece conversando.

Sobre essa suposta vaia, a  Coordenação Geral do 12º do COMADESL (Congresso de Mocidade da Assembleia de Deus) em São Luís emitiu uma nota:

NOTA DA COMADESL

“ A coordenação geral do 12º COMADESL vem por meio desta nota esclarecer que todas as autoridades políticas e eclesiásticas foram recebidas durante os dias do nosso evento com o mais profundo respeito e em conformidade com os princípios do espírito cristão.

Reafirmamos o compromisso da coordenação geral em garantir que todas as autoridades convidadas sejam tratadas de maneira digna e respeitosa , reconhecendo a importância de suas posições e contribuições para o evento. Repudiamos veementemente qualquer ação ou atitude que desrespeite ou deprecie a imagem de qualquer autoridade política e eclesiástica presentes no COMADESL.

Cordialmente.

A coordenação geral do COMADESL ”

Centenário da Assembleia de Deus

Bereia também encontrou vídeos do Youtube alusivos à comemoração do centenário Assembleia de Deus em São Luís, no Maranhão, em 18 de dezembro de 2022, na qual houve a participação de Eliziane Gama. Nestes vídeos, aparece um homem adjetivando a senadora de “comunista”. A relatora da CPMI e um senhor (com Bíblia na mão) continuam conversando e é possível ver que Eliziane circula entre a multidão sem seguranças e sem ser incomodada por outros participantes.

Fonte: YouTube

Imagem: reprodução do YouTube

Bereia entrou em contato com a assessoria da senadora Eliziane Gama a respeito do embate, a qual enviou o seguinte pronunciamento:

“ A senadora Eliziane Gama é membro da Assembleia de Deus em São Luís (IADESL), professora de Escola Bíblica Dominical (EBD) e filha de pastor assembleiano que tem mais de 40 anos de vida ministerial. Nos mais de 15 anos de vida pública, a parlamentar maranhense sempre defendeu a Justiça, a Vida e os mais vulneráveis.

Por causa da decisão de votar no presidente Lula no segundo turno das Eleições 2022, ela enfrenta hostilidade e ataques de alas mais radicais bolsonaristas no segmento evangélico.

No entanto, Eliziane Gama continua se congregando regularmente na IADESL e cumprindo sua tarefa como professora de EBD.

Sobre vídeo que circula sobre suposta vaia, há uma distorção sobre fato ocorrido durante o evento. Eliziane Gama foi bem recebida durante o Congresso de Juventude, não fez uso do microfone durante o evento. Porém, imagem de entrevista concedida apareceu no telão durante início de apresentação de uma coreografia, o que trouxe descontentamento para os que acompanhavam a programação.

Desde que assumiu a tarefa de ser relatora da CPMI dos Atos de 8 de janeiro, a senadora tem sido vítima de ataques constantes e discurso de ódio nas redes sociais.

Durante as sessões da Comissão Parlamentar de Inquérito enfrenta interrupções constantes, escárnios e discursos questionando sua competência e compromisso com a investigação dos fatos. O deputado Marco Feliciano também reproduz esse comportamento durante as sessões e nas redes sociais ao fazer referência à parlamentar.

Eliziane Gama respeita a autoridade dos líderes religiosos e pastores, só respondeu após o deputado federal fazer publicação no Twitter ironizando a situação e tripudiando da senadora. “

Bereia avalia que o deputado federal Marco Feliciano em sua tréplica no debate com a senadora Eliziane Gama, durante sessão da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro, lançou mão de conteúdo falso e enganoso, ao afirmar que sofre perseguição da parte da senadora, por conta de sua religião. Pode-se observar que ambos disputam politicamente o campo e o discurso religioso – inclusive com a citação de passagens bíblicas no debate parlamentar.

Bereia também chama a atenção para o fato de a senadora evangélica Eliziane Gama (PSD-MA) ter sido  frequentemente desqualificada em sua função na relatoria da CPMI – por diversos parlamentares da oposição ao atual governo. Em postagens nas mídias sociais, a senadora é classificada como ‘burra’ e ‘analfabeta’, como forma de descredibilizar sua competência e logo, o lugar que ocupa. Tem sido também chamada de “mentirosa” e apontada como “relatora de um documento pronto”. Como foi apresentado em artigo publicado pelo Bereia, esta tentativa de descredenciamento é parte de uma violência política de gênero, segundo pesquisas têm indicado e sobre as quais há farta comprovação.

Referências de checagem:

Bereia. https://coletivobereia.com.br/desinformacao-de-genero-violencia-politica-em-perspectiva/ Acesso em 11 SET 2023

Senado Notícias.

https://legis.senado.leg.br/comissoes/comissao?codcol=2606&_gl=1*w4zgsy*_ga*MjA3MDgyNDU1LjE2OTQyNzA0ODE.*_ga_CW3ZH25XMK*MTY5NDI3MDQ4MC4xLjEuMTY5NDI3MDY4MC4wLjAuMA Acesso 11 SET 2023

https://www12.senado.leg.br/noticias/videos/2023/08/ao-vivo-comissao-parlamentar-mista-de-inquerito-do-8-de-janeiro-24-8-23 Acesso em 11 SET 2023

https://www25.senado.leg.br/web/senadores/senador/-/perfil/5718 Acesso em 11 SET 2023

YouTube.

https://www.youtube.com/watch?v=CxwjfUo0wWQ (depoimento do sargento do Exército, Luís Marcos dos Reis – 24/08/2023) Acesso em 11 SET 2023

https://www.youtube.com/watch?v=8cHV49mb_r4  Acesso em 11 SET 2023

https://www.youtube.com/watch?v=Vq9fgFCbIIc Acesso em 11 SET 2023

Câmara dos Deputados.

https://www.camara.leg.br/deputados/178883/biografia  Acesso em 11 SET 2023

https://www.camara.leg.br/deputados/16060 Acesso 11 SET 20232

https://www.camara.leg.br/noticias/993285-cpmi-do-8-de-janeiro-ouve-general-goncalves-dias-assista Acesso em 11 SET 2023

O Globo. https://oglobo.globo.com/politica/eleicoes-2022/noticia/2022/08/apos-dizer-que-igrejas-fecharao-em-caso-de-vitoria-do-pt-feliciano-agora-fala-em-perseguicao-aos-evangelicos-por-parte-da-rf.ghtml Acesso em 11 SET 2023

Poder 360. https://www.poder360.com.br/eleicoes/perseguicao-do-pt-aos-crentes-ja-comecou-diz-feliciano/ Acesso em 11 SET 2023

Jornal do Brasil. https://www.jb.com.br/brasil/informe-jb/2023/08/1045577-video-a-lapada-da-senadora-eliziane-gama-no-deputado-marcos-feliciano.html Acesso em 11 SET 2023

CNN Brasil. https://www.cnnbrasil.com.br/politica/eliziane-bate-boca-com-feliciano-e-diz-que-deputado-e-misogino-e-abjeto/ Acesso em 11 SET 2023

Portal G1. https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/08/24/pessoa-abjeta-e-misogina-mentirosa-contumaz-eliziane-gama-e-marco-feliciano-trocam-ofensas-na-cpi.ghtm Acesso em 11 SET 2023

Deputado federal e site de notícias promovem desinformação sobre joias e pedras preciosas ligadas a Jair Bolsonaro

O deputado federal Helio Lopes (PL-RJ) publicou, em seu perfil no Twitter, em 5 de agosto, a informação de que pedras preciosas recebidas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, quando em exercício do cargo, foram avaliadas em R$ 400,00. Além disso, o deputado fez uso de uma frase bíblica e um vídeo do ex-presidente gargalhando para ilustrar a informação compartilhada. A publicação alcançou mais de 80 mil visualizações.

Para divulgar a informação, Lopes compartilhou uma captura de tela de uma suposta matéria jornalística, sem identificação do veículo de imprensa, utilizou o vídeo do ex-presidente como pano de fundo e a seguinte citação: “João 8:32 – E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. Bereia checou o conteúdo. 

Imagem: reprodução doTwitter

CPMI revela caso das pedras preciosas de Teófilo Otoni (MG)

Em 1º de agosto, durante sessão da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre os atos golpistas de 8 de janeiro, a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) revelou que, em e-mails analisados pela CPMI, auxiliares do ex-presidente Jair Bolsonaro afirmaram que pedras preciosas presenteadas ao casal Bolsonaro, em Teófilo Otoni (MG), não foram cadastradas na lista de presentes recebidos durante o mandato e sim entregues em mãos ao tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro preso desde maio por fraudes no cartão de vacinação do ex-presidente e investigado no caso das joias sauditas.

Bolsonaro recebendo as pedras preciosas em Teofilo Otoni. Imagem: reprodução do Facebook

Segundo a deputada, dados da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) apontam que o ex-presidente Bolsonaro e a ex-primeira dama Michelle Bolsonaro receberam, respectivamente, em 26 de outubro de 2022, um envelope e uma caixa, ambos contendo pedras preciosas e os presentes não constam na lista de 46 páginas e 1.055 itens recebidos durante o mandato.

Integrantes da CPMI do 8 de janeiro pediram, em 3 de agosto, a investigação do recebimento das pedras preciosas pelo casal Bolsonaro, em representação enviada à Procuradoria Geral da República (PGR). No documento, os parlamentares indagaram qual a motivação do presente, quem presenteou e qual a razão em recusar o cadastro do presente recebido.

Imagem: reprodução do Twitter

A representação enviada à PGR baseia-se no Código de Conduta da Alta Administração Federal em que, no artigo 9º, impede a aceitação de presentes por autoridade pública em situações similares à ocorrida em Teófilo Otoni. O regulamento também versa sobre o recebimento de itens que não são configurados presentes, desde que não ultrapassem o valor de R$ 100.

O jornal Folha de São Paulo afirmou, em matéria do dia 6 de agosto, que as pedras preciosas mencionadas na CPMI do 8 de janeiro foram dadas ao ex-presidente por um advogado da cidade mineira e apresentou uma avaliação feita por especialistas do mercado de pedras preciosas. Segundo o jornal, o homem afirmou ter pagado R$ 400, além de ter comprado um estojo onde mandou gravar o nome de Bolsonaro e que o filho dele teria presenteado o então presidente com cristais e ametistas.

Jair Bolsonaro se manifestou sobre o caso, em 5 de agosto, quando compartilhou, em seu perfil no Twitter, a reportagem do jornal Folha de São Paulo contendo entrevista do advogado que o presenteou. O ex-presidente ressaltou que os itens presenteados se tratavam de pedras semipreciosas.

Imagem: reprodução do Twitter

Jandira Feghali informou, em seu perfil no Twitter, em 7 de agosto, que uma representação solicitando a investigação do caso foi enviada também ao Tribunal de Contas da União. Não há informações oficiais de que as investigações tenham iniciado. 

Imagem: reprodução do Twitter

Caso das joias sauditas

Não se trata do primeiro caso envolvendo Jair Bolsonaro e pedras preciosas sem destinação oficial. Em outubro de 2021, agentes da Receita Federal apreenderam, no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, joias avaliadas em R$ 16,5 milhões. O conjunto, composto por colar, anel e par de brincos de diamantes, estava em posse da comitiva de representantes do governo Jair Bolsonaro que retornava de viagem ao Oriente Médio. 

Na ocasião, o então assessor do ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque, tentou ingressar no Brasil com as joias em sua mochila, tendo alegado às autoridades que não tinha bens a declarar. Após aparelhos de raio-x apontarem “provável existência de joias”, a mochila foi revistada e o material apreendido

Em março de 2023, a imprensa noticiou que o governo Bolsonaro fez diversas tentativas de reaver as joias, mobilizando funcionários de, ao menos, três ministérios (Economia, Relações Exteriores e Minas e Energia). Em 28 de dezembro de 2022, a poucos dias do fim do mandato presidencial, o próprio Jair Bolsonaro teria tentado a liberação dos bens, novamente sem sucesso.

Imagem: reprodução do Estado de Minas

Em março de 2023, a Receita Federal esclareceu, em nota oficial, que as regras de incorporação dos bens ao patrimônio da União não foram seguidas pelas autoridades ligadas ao governo Jair Bolsonaro. Posteriormente, descobriu-se que outro conjunto de joias ingressou no país pelas mãos de autoridades do governo.

O caso levantou suspeitas de pagamento de propina a integrantes do governo Bolsonaro já que, um mês após o retorno da comitiva ao Brasil, a Petrobras anunciou a venda da refinaria Landulpho Alves (Rlam), na Bahia, para o grupo empresarial Mubadala Capital, dos Emirados Árabes Unidos, por US$ 1,65 bilhão. Segundo avaliação do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), entidade ligada à Frente Única dos Petroleiros (FUP), a refinaria Rlam poderia valer até US$ 4 bilhões.

No último dia 2, a Comissão de Ética Pública da Presidência da República abriu processo para apurar a conduta dos envolvidos no caso das joias sauditas. Serão investigados o ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque, o ex-chefe do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica da Presidência Marcelo da Silva Vieira e o ex-secretário especial da Receita Federal Júlio Cesar Vieira Gomes.

Nesta sexta-feira, 11, a imprensa revelou o envolvimento do general do Exército Mauro Lourena Cid, pai do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro Mauro Barbosa Cid, em mais um episódio envolvendo joias e o governo Bolsonaro.  Segundo a Polícia Federal (PF), o avião que transportou Jair Bolsonaro aos Estados Unidos ao final do mandato levou, também, esculturas banhadas a ouro, recebidas pelo ex-presidente em visita ao Bahrein, no Oriente Médio.

Estratégias de desinformação

Em maio deste ano, a agência Aos Fatos publicou checagem em que expôs desinformação associada ao caso das joias sauditas. Checagem de Bereia, de maio de 2023, conta quem é Júlio Cesar Vieira Gomes, seu envolvimento no caso das joias sauditas e na assinatura de Ato Declaratório Interpretativo (ADI) que tentou isentar líderes religiosos de contribuição previdenciária.

No mais recente caso, envolvendo pedras de Teófilo Otoni (MG), novas estratégias de desinformação podem ser constatadas. A captura de tela compartilhada pelo deputado federal Helio Lopes corresponde a matéria publicada pelo site Terra Brasil Notícias, intitulada “Bomba: Pedras preciosas que Bolsonaro recebeu foram avaliadas em R$ 400 reais”. Apesar da diferença no título, o texto se trata de uma reprodução do conteúdo do jornal Folha de São Paulo com o título “Emails apontam que Bolsonaro recebeu pedras preciosas e CPI aciona PGR”.

Imagem: reprodução do site Terra Brasil Notícias

O título do portal Terra Brasil Notícias dá destaque ao suposto valor de parte dos presentes dados a Jair Bolsonaro em outubro de 2022 e evidencia o uso de informações a serem investigadas e comprovadas oficialmente. A publicação do deputado federal Helio Lopes vai além, associando a veracidade dos supostos valores a trechos da Bíblia, com utilização da expressão do ex-presidente Jair Bolsonaro em vídeo para complementar a postagem.

O site Terra Brasil Notícias, que ostenta o lema “Deus acima de tudo e todos”, semelhante ao slogan bolsonarista, já propagou conteúdos enganosos alvos de checagens por Bereia. Em junho de 2021, o site propagou desinformação sobre a pobreza no Brasil e, em março de 2023, disseminou pânico relacionado à situação econômica brasileira. Em ambas as ocasiões, o conteúdo foi considerado enganoso.

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Bereia considera o conteúdo enganoso. A postagem do deputado federal Helio Lopes (PL-RJ), baseada em notícia publicada pelo portal Terra Brasil Notícias, não se propõe a divulgar informações sobre os fatos divulgados na CPMI do 8 de janeiro. Títulos e imagens não correspondem ao que se sabe sobre o caso, evocando sensacionalismo para conquista de audiência, tanto mais ao compartilhar excerto bíblico, com forte apelo religioso.

O valor divulgado baseia-se na declaração de quem teria supostamente presenteado o ex-presidente, junto a uma avaliação informal do valor das pedras de Teófilo Otoni (MG), é utilizada erroneamente como informação e, mais grave, a falta de contexto observada na publicação do deputado pode levar a possível confusão com o caso das joias sauditas, de valor financeiro muito maior. 

A minimização do caso, alegando baixo valor financeiro das pedras de Teófilo Otoni (MG), é usada indiretamente como justificativa para a não prestação de contas e estratégia de desvio de atenção do foco das investigações em torno de joias e pedras preciosas recebidas pelo governo Jair Bolsonaro sem a correta destinação oficial.

Referências de checagem:

Twitter.

https://twitter.com/jandira_feghali/status/1686458700410535955 Acesso em: 9 ago 2023

https://twitter.com/jandira_feghali/status/1688588396279496704 Acesso em: 9 ago 2023

Folha de São Paulo.

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2023/08/em-7-pontos-o-que-se-sabe-sobre-pedras-preciosas-e-rolex-de-bolsonaro.shtml Acesso em: 9 ago 2023

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2023/08/emails-apontam-que-bolsonaro-recebeu-pedras-preciosas-e-cpi-aciona-pgr.shtml Acesso em: 9 ago 2023

Poder 360. https://www.poder360.com.br/brasil/pedras-recebidas-por-bolsonaro-custam-r-400-e-sao-semipreciosas/ Acesso em: 9 ago 2023

Revista Fórum. https://revistaforum.com.br/politica/2023/8/5/bolsonaro-quebra-silncio-sobre-caso-das-pedras-preciosas-141747.html Acesso em: 9 ago 2023

https://revistaforum.com.br/politica/2023/8/1/jandira-denuncia-esquema-de-pedras-preciosas-secretas-de-bolsonaro-141499.html Acesso em: 9 ago 2023

Carta Capital. https://www.cartacapital.com.br/politica/o-novo-caso-de-pedras-preciosas-que-une-bolsonaro-a-mauro-cid/ Acesso em: 9 ago 2023

Estadão. https://www.estadao.com.br/politica/email-do-planalto-registra-que-bolsonaro-recebeu-saco-de-pedras-preciosas-e-guardou-em-cofre/ Acesso em: 9 ago 2023

Texto integral da Lei 8.394/1991. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8394.htm#:~:text=LEI%20No%208.394%2C%20DE%2030%20DE%20DEZEMBRO%20DE%201991.&text=Disp%C3%B5e%20sobre%20a%20preserva%C3%A7%C3%A3o%2C%20organiza%C3%A7%C3%A3o,Rep%C3%BAblica%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias Acesso em: 9 ago 2023

Texto integral do Decreto 4.344/2002. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4344.htm Acesso em: 9 ago 2023

CNN. https://www.cnnbrasil.com.br/politica/governo-bolsonaro-tentou-trazer-ilegalmente-ao-brasil-joias-avaliadas-em-r-165-milhoes/ Acesso em: 9 ago 2023

G1. https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/07/31/joias-sauditas-comissao-de-etica-abre-investigacao-sobre-bento-albuquerque-e-ex-chefe-da-receita.ghtml Acesso em: 9 ago 2023

Aos Fatos. https://www.aosfatos.org/noticias/falso-receita-federal-nao-viu-indicio-crimes-bolsonaro-joias-sauditas/ Acesso em: 9 ago 2023

Bereia.

https://coletivobereia.com.br/isencao-previdenciaria-para-lideres-religiosos-foi-implementada-de-maneira-ilegal/ Acesso em: 9 ago 2023

https://coletivobereia.com.br/circula-em-meios-religiosos-conteudo-enganoso-sobre-aumento-do-custo-do-combustivel/ Acesso em: 9 ago 2023

DW.

https://www.dw.com/pt-br/entenda-o-caso-das-joias-envolvendo-bolsonaro/a-64919662 Acesso em: 9 ago 2023

https://www.dw.com/pt-br/receita-bolsonaro-n%C3%A3o-cumpriu-ritos-para-regularizar-joias/a-64891162 Acesso em: 9 ago 2023

Receita Federal. https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/noticias/2023/marco/nota-de-esclarecimento-2 Acesso em: 9 ago 2023

Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2023-08/comissao-de-etica-abre-processo-sobre-caso-das-joias-de-bolsonaro Acesso em: 9 ago 2023

Correio Braziliense. https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2023/03/5078161-com-relogio-e-caneta-segundo-conjunto-de-joias-entrou-no-brasil.html Acesso em: 9 ago 2023

UOL.

https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2023/03/09/joias-venda-refinaria-petrobras-investigacao.htm Acesso em: 10 ago 2023

https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2021/02/18/venda-rlam-refinaria-petrobras-preco.htm Acesso em: 10 ago 2023

EPBR. https://epbr.com.br/bolsonaro-exonera-bento-albuquerque-do-comando-de-minas-e-energia/ Acesso em: 10 ago 2023

Youtube.https://youtu.be/qX7smMLwKyk?t=17810 Acesso em: 11 ago 2023

Senado Notícias. https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/08/03/cpmi-aprova-convocacoes-quebras-de-sigilo-e-pedidos-ao-coaf Acesso em: 11 ago 2023

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Foto de capa: reprodução do Facebook

Sites de religiosos bolsonaristas receberam patrocínio do governo federal para propaganda da Previdência

*Publicado originalmente pela Agência Pública. 09 de Julho de 2020

“E essas pessoas cheias de saúde que se aposentam com 50 anos?”, pergunta o ator de um vídeo encomendado pelo governo Bolsonaro sobre a reforma da Previdência. A série publicitária, parte da campanha oficial mais cara realizada na atual gestão da Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom), foi veiculada em rádios, TVs, jornais impressos e na internet, onde encontrou um nicho peculiar: canais de YouTube para crianças.

Segundo levantamento da Agência Pública, canais infantis no YouTube foram um dos principais meios de veiculação da propaganda governamental sobre a reforma da Previdência, que circulou também em canais religiosos, perfis acusados de produzir notícias falsas e contas banidas da plataforma por violarem regras.

A reportagem apurou os 500 canais do YouTube que mais receberam verbas da Secom através do sistema de anúncios do Google entre 6 de junho e 13 de julho de 2019. Nesse período, anúncios da Previdência foram veiculados em 168 canais infantis, 76 canais de música, 52 videoblogs ou vlogs e 33 canais religiosos. A Pública constatou que a campanha foi impulsionada em pelo menos 11 canais que publicaram notícias falsas e sete que foram excluídos ou banidos do YouTube por violação das regras. Juntos, eles receberam R$ 119 mil de dinheiro público.

Por meio dessa campanha, a Secom atingiu 9,8 milhões de visualizações em pouco mais de um mês. Mais de meio milhão se converteu em cliques nos anúncios da Nova Previdência – uma taxa de interação de 5,8%. Os canais infantis, maior público-alvo da campanha do governo federal, lideraram as visualizações.

Os dados foram obtidos por consultores legislativos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), em um processo que durou quase seis meses. Relatório apresentado à CPMI das Fake News revela que grande parte dos anúncios foi destinada a portais considerados “inadequados” – como sites de jogos de azar, disseminadores de notícias falsas ou banidos do YouTube por descumprimento de regras – e que há indícios de o dinheiro foi mal investido.

Canais bolsonaristas que disseminam fake news foram beneficiados

O Google Ads (AdWords) foi a plataforma utilizada pela Secom para divulgar a campanha da Nova Previdência no YouTube, em aplicativos e sites. Nela, os gestores de uma campanha podem estabelecer o orçamento, além de uma série de parâmetros para delimitar os canais em que os anúncios serão exibidos. O Google faz a intermediação entre o anunciante e os donos dos canais no YouTube que ofereceram seus espaços publicitários.

Ainda que o sistema seja automático, o anunciante consegue ter controle dos canais e até dos vídeos em que seu conteúdo será exibido, de acordo com o publicitário Paulo Motta, que trabalha com Google Ads há sete anos. “O Google permite segmentação por temas dos canais e por público-alvo. É possível escolher a faixa etária, a localização, o perfil de renda baseado em hábitos de consumo, a idade, e uma série de opções porque o Google colhe informações dos usuários para oferecer aos anunciantes”, garante. Motta diz que os gestores de uma campanha podem bloquear segmentos, canais e vídeos para assegurar que os anúncios não serão exibidos em sites de fake news e/ou de conteúdos sensíveis, como eróticos, por exemplo.

Apesar dessa possibilidade de bloqueio, anúncios da Secom foram veiculados em canais que espalharam fake news. Entre 6 de junho e 13 de julho de 2019, foram mais de 175 mil acessos aos vídeos da Nova Previdência em 11 canais desse tipo – com um faturamento de R$ 1,9 mil.

Oito deles são bolsonaristas, como, por exemplo, Bolsonaro TV, Jacaré de Tanga e Seu Mizuka, que postam vídeos alinhados ao discurso do presidente.

“A verdade pode ser assustadora!” é o título de um dos vídeos do Seu Mizuka, postado em 27 de junho do ano passado. Nele, o youtuber fala da reunião do G20, que estava prestes a ocorrer, chama os líderes mundiais de “globalistas” e acusa as Nações Unidas de querer criar movimentos separatistas dentro do Brasil.

Vídeos como esse foram precedidos por propagandas da Previdência, que atingiram mais de 18 mil visualizações através do Seu Mizuka. A cada cem visualizações, 41 pessoas clicaram no vídeo, uma taxa de interação considerada alta.

De maneira geral, considerando a taxa de interação – que pode ser um clique, um like ou um comentário – , as pessoas que assistiram aos canais de fake news se mostraram mais interessadas nos anúncios da Previdência do que as que viram vídeos de música, por exemplo. Em média, a cada cem acessos aos vídeos de desinformação, 13 se converteram em interações com os anúncios.

Um dos canais mais influentes na campanha da Nova Previdência foi o Foco do Brasil – antes chamado de “Folha do Brasil” –, que atingiu 57 mil visualizações e teve um ganho de R$ 13,70 por clique nos anúncios – totalizando um faturamento de R$ 726,25 no período. Além de publicar notícias falsas, o canal é alvo do inquérito da Procuradoria-Geral da República (PGR) que investiga a organização de atos antidemocráticos.

Com 2,18 milhões de inscritos, o canal posta vídeos de Jair Bolsonaro e de um jornal denominado JB News, que comenta as principais notícias do dia sob a ótica bolsonarista.

No seu último vídeo, denominado “Fim do Canal?”, publicado na quarta-feira (24/6), o apresentador agradece o apoio dos seguidores e ressalta de onde vem o dinheiro do canal: “Contamos com o apoio de membros e com as publicidades que o próprio YouTube veicula e que você assiste, exatamente igual ao que acontece com todo o universo de youtubers”.

Outro beneficiado com a campanha – que veiculou as propagandas 6,4 mil vezes –, o Vlog do Fernando Lisboa Replay é do mesmo autor do canal Vlog do Lisboa, que também está na mira das investigações da PGR. Em seus dois canais, Lisboa exibe fotos com o presidente Jair Bolsonaro.

O ministro Alexandre de Moraes autorizou que a PGR requisitasse ao YouTube as contas da ferramenta de anúncios do Google associadas ao Foco do Brasil e ao Vlog do Lisboa, no âmbito do inquérito dos atos antidemocráticos. Outros 11 canais também estão na mira.

O advogado de Fernando Lisboa, Marcos Conceição, afirmou que seu cliente respeita as instituições democráticas. “Não tem nada dele falando das instituições. Ele formula opinião em cima de matérias publicadas pelo Uol, pelo Terra, pelo Globo”, observou. Sobre os recursos recebidos com anúncios do Google para a campanha da Previdência, Conceição disse que Lisboa recebe o dinheiro dos anúncios diretamente do YouTube. “Aí ele não sabe de onde veio”, ressaltou, acrescentando que Lisboa não tem nenhum vínculo com a Secom e nunca recebeu dinheiro da secretaria. A Pública entrou em contato por e-mail com os canais DR News e Foco do Brasil, mas não obteve resposta.

Segundo o movimento Sleeping Giants, os anúncios do Google AdWords tornaram a produção de fake news “um negócio extremamente lucrativo”. O movimento tenta combater o financiamento de sites de desinformação e discurso de ódio informando as empresas de que seus anúncios estão sendo exibidos nessas plataformas e pedindo bloqueio.

O Sleeping Giants já flagrou anúncios do Tribunal de Contas do Mato Grosso do Sul (TCE-MS) e do Banco do Brasil em sites de fake news, que foram bloqueados por ordem do Tribunal de Contas da União (TCU). “O dinheiro público está basicamente financiando ataques à democracia”, defende o Sleeping Giants.

Anúncios da Previdência foram veiculados em canais investigados

Além de canais de fake news, outros dois canais, entre os 500 que veicularam anúncios da Nova Previdência, são alvos de investigações na Justiça.

O canal de Renato Garcia trouxe 137 mil acessos à propaganda governamental sobre a reforma da Previdência e, com isso, recebeu R$ 1,6 mil de dinheiro público. O youtuber paranaense, que faz vídeos sobre sua rotina e suas “máquinas” (motocicletas, carros e até armas), foi preso por posse ilegal de armas, munição e drogas encontradas em sua casa em maio de 2019 – um mês antes de receber financiamento da Secom através dos anúncios. Ele pagou fiança e responde em liberdade, mas continuou produzindo três vídeos por dia para seus mais de 18 milhões de inscritos.

Ainda em 2019, Garcia publicou um vídeo em suas redes sociais para esclarecer que as drogas e armas apreendidas não pertenciam a ele. A reportagem tentou entrar em contato com o canal para esclarecimentos sobre o caso e sobre a veiculação de anúncios da Previdência, mas não teve sucesso.

Outro exemplo de canal investigado pela Justiça que recebeu dinheiro público é o Fran para Meninas, que recebeu R$ 1.084,34 por 91 mil acessos ao anúncio da Nova Previdência. O canal está sendo investigado pelo Ministério Público (MP) pelo que o Conselho Tutelar chamou de “exposição vexatória e degradante”, como revelou a revista Veja em maio deste ano.

A denúncia começou na internet, quando usuários do Twitter subiram a hashtag #SalvemBelParaMeninas, com evidências de que a menina protagonista dos vídeos, Bel, estaria sendo exposta a situações desconfortáveis por sua mãe, Francinete Peres, no processo de gravação.

Em 2016, o canal Bel para Meninas também foi alvo de investigação do MP para apurar “práticas de direcionamento de publicidade e comunicação mercadológica ao público infantojuvenil”. Como resultado, o MP recomendou que o Google retirasse do YouTube todos os vídeos com publicidade de produtos infantis e protagonizados por crianças de até 12 anos.

Depois das denúncias mais recentes, os pais da criança gravaram um vídeo em que negaram a veracidade das acusações, que chamaram de “fake news” e “campanha caluniosa e difamatória”. A Pública buscou contato com os proprietários do canal, mas não obteve resposta até a publicação da reportagem.

Pedro Hartung, coordenador do programa Criança e Consumo, do Instituto Alana, enfatiza a necessidade de responsabilização das empresas, plataformas e anunciantes em casos como o de Bel, que chama de trabalho artístico não autorizado. “É importante que qualquer anunciante, seja privado ou governamental, assuma a responsabilidade que tem por lei de não financiar atividades que estejam fora da legalidade, como o trabalho infantil artístico sem autorização judicial.”

Anúncios da Previdência para crianças

A maior parte dos canais que receberam os anúncios entre 6 de junho e 13 de julho de 2019 foi direcionada ao público infantil – 168 dos 500 analisados –, recebendo um total de R$ 57,1 mil de repasse, um terço do montante analisado.

Esses canais foram os que mais divulgaram as propagandas da Previdência: os vídeos da campanha se repetiram 4,5 milhões de vezes. Destas, 240 mil se converteram em cliques nos anúncios. O número corresponde a 41% de todas as interações no período.

Para Hartung, a informação de que essa campanha foi veiculada principalmente em canais infantis do YouTube causa “estranhamento”. Ele avalia que o alto número de interações em canais infantis é consequência da vulnerabilidade desse público, não uma medida da qualidade do anúncio.

“A criança ainda está entendendo como funciona o mundo digital e o próprio mundo real, em desenvolvimento inconcluso de suas capacidades de leitura crítica.”

O publicitário Paulo Motta, que diz excluir essa categoria quando veicula anúncios no Google, acredita que a Secom pode ter direcionado a campanha para esses canais em decorrência da “enorme audiência do público infantil no YouTube”. Outra explicação seria o fato de que as crianças costumam usar o celular ou dispositivo de um adulto para acessar os vídeos. “O Google entende o comportamento de consumo como sendo o do proprietário do aparelho, não o da criança. Por isso, mesmo se o usuário está vendo um desenho, o YouTube pode mostrar um anúncio da Previdência”, diz.

Os consultores legislativos da CPMI das Fake News consideram que a grande veiculação de anúncios da Previdência em canais infantis é evidência de uma “falha intensa de target”, ou seja, determinação de público-alvo.

Outra evidência dessa falha seria a presença de canais estrangeiros entre os endereços que mais receberam repasses da Secom no período analisado. Dos 168 canais infantis, 32 exibiam seu conteúdo em línguas como inglês, espanhol, coreano, árabe, russo, japonês, turco, alemão e francês. Juntos, eles receberam R$ 7,9 mil do governo. O relatório exibido à CPMI dá destaque ao canal russo Get Movies, que sozinho recebeu R$ 1,4 mil.

Quase R$ 4 mil foram destinados a canais religiosos

Canais religiosos estão em quinto lugar entre as categorias que mais veicularam anúncios da Nova Previdência no período de 6 de junho a 13 de julho. Eles trouxeram mais de 285 mil acessos para a campanha em prol da reforma da Previdência.

Dos 500 canais que mais receberam repasses, 33 eram ligados à temática religiosa (6,6%). Juntos, eles receberam R$ 3.976,50.

Só o canal do cantor gospel Leandro Borges apresentou as propagandas do governo mais de 32 mil vezes. Considerado um fenômeno da música no meio evangélico, Leandro tem mais de 2,5 milhões de inscritos na plataforma e recebeu R$ 489,20 de dinheiro público pela campanha.

De cima para baixo: cantor Leandro Borges, no centro, senador Arolde de Oliveira e abaixo, Casal Hernades (Fotos/Reprodução)

Em 2018, o cantor gravou um vídeo em que declara apoio ao senador bolsonarista Arolde de Oliveira (PSD). Arolde é dono do MK, um dos maiores grupos empresariais evangélicos do país, que inclui uma gravadora (MK Music), a MK News e outras empresas de mídia. Leandro não tem contrato com a MK Music, mas a MK News gerencia o YouTube do senador Flávio Bolsonaro, que também veiculou anúncios da Secom no período, mas poucas vezes (48). O canal é apontado entre os gastos irregulares da secretaria no relatório da CPMI das Fake News.

Entre os 500 canais mais influentes na campanha da Nova Previdência no YouTube está o da Renascer Praise. A banda gospel, ligada à igreja evangélica Renascer em Cristo, gerou mais de 5 mil visualizações para o governo por um valor de R$ 82,55. Comandada pelo apóstolo Estevam Hernandes e pela bispa Sônia Hernandes, a Renascer mantém a Rede Gospel, uma emissora de TV que recebeu R$ 402,7 mil em anúncios da Secom durante o governo Bolsonaro. A igreja acumula uma dívida de mais de R$ 30 milhões com a Receita Federal.

Pelo WhatsApp, um integrante da equipe de divulgação do cantor Leandro Borges informou que a publicidade do canal dele no YouTube “é administrada por uma empresa da Suíça chamada BELIEVE” e que “ele não tem relações com anunciantes, uma vez que esse gerenciamento é feito pela empresa”. A reportagem da Pública não conseguiu contato com a igreja Renascer em Cristo.

Agência gastou quase R$ 6 milhões em divulgação da Previdência no Google

A campanha da reforma da Previdência, que custou mais de R$ 71 milhões em diversas ações, envolveu sete agências de publicidade contratadas pelo governo. Os gastos, contudo, ficaram concentrados em uma agência, a Artplan – empresa que se tornou a maior beneficiada por contratos com a Secom na gestão atual.

Segundo a Pública apurou, o governo fechou mais de R$ 69 milhões em contratos com a Artplan para a campanha da Previdência. A agência foi a única que registrou gastos no sistema de anúncios do Google a respeito da Previdência, além de gastos no Facebook e em outras redes sociais.

Além da propaganda sobre as mudanças na Previdência, a Artplan fechou contratos para ações nas redes sociais nas campanhas de combate à violência contra a mulher e “Pátria Voluntária”, ambas ligadas ao Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos; e de divulgação das medidas anticrime, do Ministério da Justiça.

A proximidade da Artplan com o secretário Fabio Wajngarten já foi motivo de críticas ao governo. A Folha de S.Paulo revelou que a agência presta serviços para uma empresa da qual Wajngarten é sócio, a FW Comunicação, que tem como clientes emissoras de TV como Record e Band. Segundo a reportagem, a empresa de Wajngarten atua junto à Artplan averiguando se anúncios comprados pela agência foram efetivamente veiculados.

A Artplan já foi denunciada pelo MP por envolvimento em esquema de desvio de dinheiro, além de ter levantado suspeitas de favorecimento em licitações. A Pública questionou a agência sobre os valores gastos no sistema de anúncio do Google. A Artplan respondeu que “fez a intermediação da compra entre Secom e Google, referente ao pacote ‘Formas Inovadoras de Comunicação’”, comercializado pela plataforma, mas que “o suporte e distribuição da campanha foram executados pelo próprio Google, respaldados pelas políticas da sua plataforma”.

Além da Artplan, a Secom fechou contratos para anúncios em redes sociais com a Calia Y2, agência que, antes da gestão de Wajngarten, era a que mais recebia verbas públicas da secretaria. A Calia Y2 fechou contratos para ações em redes sociais em duas campanhas que passam imagem “positiva” do governo Bolsonaro, como revelou a Pública em reportagem, e atuou na divulgação no Google para as campanhas “Dia da Amazônia”, para “mostrar como o Brasil defende e conserva o bioma”; e “Brasil no Exterior”, para melhorar a imagem do governo Bolsonaro no exterior. Foi a empresa responsável pela “Proteger Vidas e Empregos”, em substituição à campanha “O Brasil não Pode Parar”, vetada pela Justiça. Custou R$ 5,3 milhões aos cofres públicos, por intermédio da Secom.

A reportagem questionou a Secom sobre a segmentação utilizada nos anúncios da Previdência e sobre outras campanhas veiculadas no Google, mas não obteve resposta até a data de publicação.

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