Crise dos Correios é o novo tema usado para defesa de interesses políticos e econômicos com mentiras nas mídias

*com informações da Lupa (Ebulição)

Como parte da Rede Nacional de Combate à Desinformação (RNCD), Bereia acompanha o serviço “Ebulição”, da agência de checagem de conteúdo Lupa, que acompanha, por meio da tecnologia de monitoramento da empresa Palver, o que circula pelos aplicativos WhatsApp e Telegram. O serviço é de grande importância para o Bereia porque, de acordo com a pesquisa do Instituto Nutes/UFRJ, concluída em 2021, que deu origem a este projeto de checagem em ambientes religiosos, o uso intenso do Whatsapp para a prática religiosa fortalece redes de desinformação no segmento religioso. A investigação mostrou que 92% de evangélicos participam de grupos ligados à sua religião no aplicativo, enquanto 71% dos católicos, 57% dos espíritas e 66,7% dos fiéis entrevistados, de outras religiões, disseram fazer o mesmo.

Uma explosão de mensagens sobre os Correios

O Ebulição deste 22 de maio mostra que em apenas sete dias (de 15 a 22 de maio de 2025), mais de 830 mil usuários de WhatsApp e Telegram foram expostos a conteúdos negativos sobre os Correios — a maioria deles em formato de vídeo. Dados da Palver mostram que 689 postagens únicas sobre o assunto circularam em pelo menos 209 canais abertos nas duas plataformas, atingindo grupos públicos que cobrem todos os estados do Brasil. O serviço Ebulição explica que se trata do maior volume já registrado neste ano, o que levanta suspeitas de uma possível campanha coordenada envolvendo o nome da estatal.

O que está acontecendo com os Correios

Em meio a uma grave crise financeira, os Correios entraram ao centro do noticiário, em 12 de maio, ao anunciar um pacote de medidas drásticas para cortar custos e tentar economizar R$1,5 bilhão ainda neste ano.

Entre as propostas estão a redução de jornada e de salários, suspensão temporária de férias, fim do trabalho remoto e o retorno obrigatório de todos os funcionários aos escritórios até junho de 2025. A estatal também lançou um plano de demissão voluntária (PDV) e passou a incentivar a transferência temporária de pessoal.

A situação fiscal da empresa é crítica: só em 2024, os Correios reportaram um déficit de 2,6 bilhões de reais — valor bem acima do registrado em anos anteriores. A direção da estatal atribui o rombo principalmente ao aumento das despesas com pessoal e afirma contar com o engajamento dos empregados para superar o momento.

O que está circulando nos aplicativos de mensagens

Entre as 689 mensagens únicas sobre os Correios que circularam por WhatsApp e Telegram em uma semana, há um discurso repetido: o prejuízo da estatal é culpa direta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). As postagens associam problemas de gestão e infraestrutura à suposta incapacidade do governo federal de manter o serviço postal em ordem — e, em alguns casos, sugerem até que Lula estaria intencionalmente enfraquecendo a empresa para favorecer interesses da China.

O serviço Ebulição, da Lupa, aponta que três vídeos, em especial, ganharam ampla repercussão nos aplicativos de mensagens nesses dias. O primeiro deles, postado originalmente no perfil do ex-deputado federal evangélico, atual deputado estadual Ricardo Arruda (PL-PR), membro da Igreja Mundial do Poder de Deus. A gravação no TikTok, acusa a esquerda política, sem apresentação de provas, de transformar os Correios em um instrumento de roubo sistemático. Na gravação, Arruda dispara ataques a Lula, ao Supremo Tribunal Federal (STF) e a outros políticos, usando termos como “corrupto”, “canalha” e “incompetente”.

O segundo vídeo viral, com narração anônima (própria de conteúdo desinformativo) comenta o comunicado dos Correios pedindo aos funcionários que renunciem às férias e aceitem redução de salário, enquanto denuncia supostos gastos excessivos com patrocínios culturais. Já o terceiro, mostra centros de distribuição superlotados, caminhões parados e pacotes acumulados — cenário atribuído ao que seria uma greve de transportadores por falta de pagamento.

Desinformação em nome de interesses políticos e econômicos

Os Correios, uma das instituições mais tradicionais do Brasil, enfrentam, de fato, uma crise – os dados podem ser encontrados em canais oficiais do governo federal. Porém, o tom das publicações que circulam indica que a empresa pública pode estar sendo usada como peça simbólica em uma campanha mais ampla de desgaste do governo federal.

Os vídeos que circulam em massa por WhatsApp e Telegram, de acordo com o levantamento do Ebulição, fazem uso de escândalos antigos e exploram repetições estratégicas de acusações para reforçar uma imagem de decadência, ineficiência e saque da estatal.

Por isso, Bereia classifica tais conteúdos como enganosos. Eles lançam mão de uma situação verdadeira, a crise dos Correios, mas exageram na exposição dela e a distorcem para alimentar uma noção de colapso da empresa, especialmente entre o público com estreita relação com o WhatsApp e o Telegram. Esta prática se apresenta como captação de apoios para 1) política de oposição ao governo federal, nesse caso, com acusações para além do que os dados indicam; 2) campanha pró-privatização dos Correios como “salvação” do serviço.

Esta conclusão emerge da informação da Ebulição de que os dados extraídos da Palver apontam indícios de uma atuação coordenada por parte de usuários desses aplicativos de mensagem, com distribuição sistemática de vídeos muito semelhantes em dezenas de grupos públicos abertos em todo o país. Esta prática já é conhecida de quem atua no enfrentamento da desinformação, em especial em períodos eleitorais.

Referências

Ebulição, Lupa

Disponível em: https://lupanewsletter.substack.com/p/crise-dos-correios-vira-politica Acesso em 22 mai 2025

Agência Brasil

https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2025-05/correios-empregados-pedem-dialogo-sobre-medidas-para-reduzir-despesas Acesso em 22 mai 2025

Deputado Pastor Marco Feliciano infla lucro das estatais

O deputado pastor Marco Feliciano (PL/SP) publicou em seu perfil no Twitter um suposto balanço das estatais brasileiras em 2021. De acordo com o parlamentar, as estatais tiveram lucro de um trilhão de reais em 2021.

Imagem: reprodução do Twitter

Como a publicação não cita fontes para os dados, Bereia checou as informações. O deputado Marco Feliciano publicou o conteúdo após o lançamento do  Relatório Agregado das Empresas Estatais Federais de 2021, pelo Ministério da Economia. 

Empresas estatais são aquelas em que o governo detém parte ou todo o capital social. No Brasil, as empresas estatais são classificadas como empresas públicas (quando 100% do capital pertence ao Poder Público) e sociedades de economia mista (quando parte do capital é negociado por entes privados na forma de ações). 

Bereia verificou que o deputado pastor Marco Feliciano publicou uma simplificação dos dados de um denso relatório, e de uma conjuntura complexa do país. Feliciano ainda apresentou uma informação enganosa sobre o lucro das estatais brasileiras. O que ele afirma ser lucro de 1 trilhão de reais, na verdade é a receita bruta destas companhias. Além disso, busca atingir políticos opositores de governos passados ao distorcer essas informações. 

O que diz o Ministério da Economia

De acordo com o Relatório Agregado das Empresas Estatais Federais de 2021, o resultado líquido das estatais federais no exercício de 2021 foi um lucro de R$187,7 bilhões, o triplo do valor apurado no exercício de 2020 (R$60,6 bilhões) e o maior desde 2008. Desse total, 98% é composto pelo resultado líquido dos grupos Petrobras (R$ 107,3 bilhões; 57%), BNDES (R$ 34,1 bilhões; 18%), BB (R$ 19,7 bilhões; 10%), Caixa (R$ 17,3 bilhões; 9%) e Eletrobras (R$ 5,7 bilhões; 3%). 

No exercício de 2021, as empresas estatais brasileiras pagaram R$ 101 bilhões a título de dividendos, R$43 bilhões destinados à União e R$58 bilhões a outros acionistas. 

Diversos fatores explicam o lucro das estatais, como a alta do preço do petróleo e a política de preços (dolarizada) praticada desde o governo de Michel Temer, no caso da Petrobras. Com a economia em crise, os bancos estatais abriram a torneira do crédito, especialmente para o agronegócio e a indústria. Mais empréstimos, com juros cada vez mais altos, mais crise e mais clientes – que significam mais retorno sobre o capital. 

Função social das estatais 

Constitucionalmente, as estatais brasileiras devem servir ao interesse da população, bem como respeitar os contratos e acordos comerciais, proporcionando segurança jurídica para fornecedores, colaboradores e investidores. Essas empresas englobam uma enorme cadeia produtiva em diversos setores econômicos e gera empregos, impostos e investimentos estratégicos em todo o país. 

O capítulo terceiro da Lei das Estatais (N°13.303, de 2016) determina que toda estatal deve respeitar uma função social:

CAPÍTULO III

DA FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA PÚBLICA E DA SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA

Art. 27.  A empresa pública e a sociedade de economia mista terão a função social de realização do interesse coletivo ou de atendimento a imperativo da segurança nacional expressa no instrumento de autorização legal para a sua criação.

§ 1o  A realização do interesse coletivo de que trata este artigo deverá ser orientada para o alcance do bem-estar econômico e para a alocação socialmente eficiente dos recursos geridos pela empresa pública e pela sociedade de economia mista, bem como para o seguinte:

I – ampliação economicamente sustentada do acesso de consumidores aos produtos e serviços da empresa pública ou da sociedade de economia mista;

II – desenvolvimento ou emprego de tecnologia brasileira para produção e oferta de produtos e serviços da empresa pública ou da sociedade de economia mista, sempre de maneira economicamente justificada.

§ 2o  A empresa pública e a sociedade de economia mista deverão, nos termos da lei, adotar práticas de sustentabilidade ambiental e de responsabilidade social corporativa compatíveis com o mercado em que atuam.

A política de desvalorização das estatais

Na direção contrária ao que publicou o deputado Marco Feliciano, a política econômica do atual governo não valoriza as estatais. O governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) privatizou 36% das estatais brasileiras durante os então três anos e meio de mandato. Quando Bolsonaro assumiu a Presidência, a União controlava 209 empresas. Hoje, após a desestatização da Eletrobras, o número baixou para 133. Este número mostra que a quantidade de empresas controladas pelo governo federal caiu de 209 para 133 em quase quatro anos.

Os dados foram divulgados pelo secretário especial de Desestatização do Ministério da Economia, Diogo Mac Cord, em 14 de junho de 2022, ou seja, são recentes. De acordo com Mac Cord, “a finalização da operação da Eletrobras vai fazer com que a gente atinja a marca de redução de um terço das estatais”.

Mesmo com o protesto de movimentos populares contra o avanço da privatização, o ministro de Minas e Energia Adolfo Sachsida classificou a desestatização da Eletrobras como um feito histórico.

Fato é que grande parte das ações da Eletrobras foram vendidas pelo governo para investidores. Assim, o governo deixa de ser acionista controlador da companhia. O controle da empresa, agora, é majoritariamente privado.

A privatização e venda de ações também ocorreu no caso da da BR Distribuidora, antiga subsidiária da Petrobras. Em 2019 e 2021 – ou seja, durante o governo Bolsonaro – a Petrobras reduziu sua participação na empresa, que passou a ser 100% privada e até mudou de nome. Passou a chamar-se Vibra Energia.

Por meio da Petrobras também foi vendida a TAG (Transportadora Associada de Gás), que agora opera alugando seus dutos à estatal,  a Codesa (Companhia Docas do Espírito Santo) e outras companhias. O governo também tinha a intenção de privatizar os Correios, mas não conseguiu

***

Bereia conclui que o deputado Marco Feliciano divulgou informações enganosas. A publicação distorce as informações do Relatório Agregado das Empresas Estatais Federais e apela para o ufanismo e ataque a adversários políticos no contexto da campanha eleitoral de 2022. O deputado associa o lucro das estatais a ações do governo federal, porém a política econômica em curso se baseia no descarte dessas empresas. , 

O deputado faz uso, ainda, dos dados sobre a receita das estatais e os expõe como  o lucro líquido delas, omite os valores distribuídos aos acionistas e não menciona os fatores externos e internos, alheios às políticas governamentais, que proporcionaram o lucro das empresas. 

Marco Feliciano também omite o sistema de preços praticado pela Petrobras (a empresa com maior lucro entre as estatais) desde o governo Temer, que proporciona o aumento dos lucros e redução do endividamento da companhia, ao custo do o aumento no preço dos combustíveis que afeta toda a economia do país, com peso sobre a população, com a elevação no preço dos transportes, alimentos, entre outros.

Referências de checagem:

Brasil de Fato. https://www.brasildefato.com.br/2022/06/14/bolsonaro-ja-privatizou-um-terco-das-estatais Acesso em: 11 jul 2022

Reconta aí. https://recontaai.com.br/opinaai/sergio-mendonca Acesso em: 11 jul 2022

Ministério da Economia. https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/empresas-estatais-federais/transparencia/publicacoes-2/raeef Acesso em: 12 jul 2022

Senado. https://www12.senado.leg.br/tv/programas/agenda-economica/2022/03/brasileiro-paga-a-preco-de-dolar-os-combustiveis-produzidos-com-petroleo-nacional Acesso em: 12 jul 2022

Isto é. https://www.istoedinheiro.com.br/estatais-entenda-por-que-o-lucro-extraordinario-no-ultimo-ano-nao-e-merito-do-governo/ Acesso em: 12 jul 2022

 Lei das Estatais. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13303.htm Acesso em 12 jul 2022

Fundação Getúlio Vargas https://fgvenergia.fgv.br/noticias/alta-de-preco-do-petroleo-deve-impactar-combustiveis-no-pais Acesso em: 12 jul 2022

Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2021-08/ministro-defende-privatizacao-dos-correios-em-pronunciamento Acesso em: 13 jul 2022

O Estado de São Paulo. https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,privatizacao-correios-engavetada-eleicoes-ausencia-lideranca-governo-senado,70004030586 Acesso em: 13 jul 2022

Foto de capa: Wikicommons

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