Resolução 715 do Conselho Nacional de Saúde é alvo de desinformação apelativa sobre cristofobia

* Matéria atualizada em 25/08/2023 para acréscimo de informações

Circula em mídias sociais uma postagem que afirma que o Sistema Único de Saúde (SUS) incluiu as religiões de matriz africana como auxiliares do SUS, com suposta exclusão do Cristianismo no grupo.

O texto afirma:

“No Brasil, a Constituição Federal garante a liberdade de crença e culto religioso e toda religião é aceita !!! AGORA… Incluir o candomblé e congêneres como auxiliar do SUS na gestão da saúde, na cura de enfermidade e recebimento de recursos públicos (impostos) pagos por Cristãos (em sua maioria) SEM INCLUIR O CRISTIANISMO NO MESMO PATAMAR… É algo absurdo e um exemplo claro de CRISTOFOBIA.”

Imagem: reprodução do Instagram

Bereia checou o conteúdo. A postagem cita a Resolução nº 715 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), publicada em 20 de julho passado.

Sobre o Conselho Nacional de Saúde

Conforme definido no site do Ministério da Saúde , o Conselho Nacional de Saúde (CNS) é uma instância colegiada, deliberativa e permanente do Sistema Único de Saúde (SUS), integrante da estrutura organizacional do Ministério. Criado em 1937, sua missão é fiscalizar, acompanhar e monitorar as políticas públicas de saúde nas suas mais diferentes áreas, levando as demandas da população ao poder público, por isso é chamado de controle social na saúde. As atribuições atuais do CNS estão regulamentadas pela Lei n° 8.142/1990.

O  CNS é composto por 48 conselheiros(as) titulares e seus respectivos primeiros e segundos suplentes, que são representantes dos segmentos de usuários, trabalhadores, gestores do SUS e prestadores de serviços em saúde. Além do Ministério da Saúde, fazem parte do CNS movimentos sociais, instituições governamentais e não-governamentais, entidades de profissionais de saúde, comunidade científica, entidades de prestadores de serviço e entidades empresariais da área da saúde.

Etapas municipais e estaduais das Conferências de Saúde e a organização da 17ª Conferência Nacional

Dentre as principais atribuições, o CNS é responsável por realizar conferências e fóruns de participação social, além de aprovar o orçamento da saúde e acompanhar a sua execução, e avaliar o Plano Nacional de Saúde a cada quatro anos. Tudo isso para garantir que o direito à saúde integral, gratuita e de qualidade, conforme estabelece a Constituição de 1988, seja efetivado a toda a população no Brasil.

A etapa nacional das conferências de saúde, com o tema “Garantir Direitos, defender o SUS, a Vida e a Democracia – Amanhã vai ser outro dia!”, foi o resultado das etapas preparatórias para a 17ª Conferência Nacional de Saúde. Os eventos mobilizaram dois  milhões de pessoas de Norte a Sul do País.

O CNS organizou a 17ª Conferência Nacional de Saúde reuniu, entre os dias 02 e 05 de julho de 2023 mais de 5000 participantes dentre as quais 4.048 pessoas foram eleitas delegadas para deliberar sobre 1.500 propostas e diretrizes, elaboradas em conferências municipais, estaduais e conferências livres.

O que é e o que diz a Resolução 715

A 17ª CNS apontou 245 diretrizes e 1.198 propostas em seu relatório final, deliberadas pelas 3.526 pessoas delegadas eleitas nas etapas anteriores da conferência. E são essas diretrizes que compuseram o texto da Resolução 715 do CSN.

Este documento tem sido alvo de diversas publicações falsas e enganosas. Bereia checou uma delas na semana passada.

A finalidade da Resolução está registrada no seu artigo 1º:

Publicar as orientações estratégicas para o Plano Plurianual (PPA) e para o Plano Nacional de Saúde (PNS) 2024-2027, formuladas a partir das diretrizes aprovadas na 17ª Conferência Nacional de Saúde e das prioridades para as ações e serviços públicos de saúde pelo CNS, com vistas a contribuir com o processo democrático e constitucional de formulação da política nacional de saúde, baseados nos Anexos I e II desta Resolução.

Nessa direção, a orientação nº 46 do anexo II, estabelece como proposta de atividade estratégia encaminhada pela 17ª Conferência Nacional de Saúde:

46. (Re)conhecer as manifestações da cultura popular dos povos tradicionais de matriz africana e as Unidades Territoriais Tradicionais de Matriz Africana (terreiros, terreiras, barracões, casas de religião, etc.) como equipamentos promotores de saúde e cura complementares do SUS, no processo de promoção da saúde e 1ª porta de entrada para os que mais precisavam e de espaço de cura para o desequilíbrio mental, psíquico, social, alimentar e com isso respeitar as complexidades inerentes às culturas e povos tradicionais de matriz africana, na busca da preservação, instrumentos esses previstos na política de saúde pública, combate ao racismo, à violação de direitos, à discriminação religiosa, dentre outras.

Como o texto registra, o que o item estabelece é o reconhecimento de terreiros, terreiras, barracões, casas de religião de matriz africana, como“equipamentos promotores de saúde e cura”,  o que, historicamente foi concedido a outras religiões, entre muitos exemplos. Verifica-se que não se trata de excluir  o Cristianismo. Bereia buscou na resolução elementos que produzisse restrições a outros grupos religiosos e não as localizou, ao contrário do que diz o post.

Bereia realizou busca online sobre o posicionamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a respeito da participação das igrejas cristãs como parceiras na implementação políticas públicas de saúde e em outras áreas de interesse da sociedade e, como resultado das buscas, destaca a citação da Carta aos Evangélicos:

“Como todos devem se lembrar, no período de meu governo, tivemos a honra de assinar leis e decretos que reforçaram a plena liberdade religiosa. Vivemos, entretanto, um período em que mentiras passaram a ser usadas intensamente com o objetivo de provocar medo nas pessoas de boa-fé. Com a prosperidade que ajudamos a construir, foi no nosso governo que as igrejas mais cresceram, principalmente as evangélicas, sem qualquer impedimento e até tiveram condições de enviar missionários para outros países. Posso lhes assegurar, portanto, que meu governo não adotará quaisquer atitudes que firam a liberdade de culto e de pregação ou criem obstáculos ao livre funcionamento dos templos. Se Deus e o povo brasileiro permitirem que eu seja eleito, além de manter esses direitos, vou estimular sempre mais a parceria com as igrejas no cuidado com a vida das pessoas e das famílias brasileiras.” (PRESIDENTE LULA, 2022).

Nessa direção, destacamos também a checagem do site Boatos.org sobre assunto, onde é mostrado que os espaços de culto das Igrejas cristãs de tradição evangélica já tem sido utilizados como espaço terapêutico para tratamento de doenças como no exemplo do ocorrido no Estado do Amapá. Checagem do Bereia já exemplificou como as afirmações noticiosas sobre a existência de cristofobia na forma de preconceitos ou restrições à participação das Igrejas e seus locais de culto nas políticas públicas em saúde e demais áreas de interesse da sociedade não correspondem à realidade.

Cristofobia, uma mentira repetida

O tema da suposta cristofobia no Brasil vem sendo utilizado para crítica política há algum tempo.  Bereia já checou diversas publicações a respeito, como nas eleições de 2022

A perseguição a cristãos no Brasil, sob o rótulo de “cristofobia”, tem apelo porque é um discurso que responde à ideia do cristão perseguido como prova de fidelidade ao Evangelho”. No entanto, o termo “cristofobia” não tem aplicabilidade no Brasil, uma vez que o país tem maioria de cristãos e existe completa liberdade de prática de fé para esse grupo.

A pesquisadora de religiões Brenda Carranza explica: “Manipula-se, neste caso, a noção de combate a inimigos para alimentar disputas no cenário religioso e político. Isto se configura uma estratégia de políticos e religiosos extremistas que pedem mais liberdade e usam desta expressão para garantirem voz contra os direitos daqueles que consideram “inimigos da fé”, em especial, direitos  sexuais e reprodutivos e os de comunidades quilombolas e indígenas. Histórias relacionadas a situações ocorridas no exterior são amplamente utilizadas para reforçar a ameaça de que o que se passa fora pode ocorrer no Brasil.”

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Diante da apuração, Bereia conclui que a postagem checada é enganosa. A Resolução 715 do CNS, ao reconhecer a cultura dos povos tradicionais de matriz africanas, bem como os seus espaços e equipamentos religiosos como participantes importantes na promoção de saúde no país, não excluiu e nem discriminou outros grupos culturais, espaços, equipamentos e tradições religiosas como elementos promotores de saúde na sociedade brasileira. Ao contrário disso, incluiu grupos de brasileiros e brasileiras historicamente excluídos do debate público e da participação e controle social no estabelecimento de políticas públicas em saúde.

Da mesma forma que outros grupos e coletivos sociais, os grupos e coletivos de matriz africanas passam a ser considerados para contribuírem com o Sistema Único de Saúde (SUS) na elaboração de políticas públicas em saúde de maneira participativa, integrando os espaços públicos disponibilizados pelo governo. Desta forma, não é verdade que a Resolução 715 inclua as religiões de matriz e exclua outros grupos religiosos ou coloque algum grupo religioso em situação privilegiada em relação aos demais.

A postagem adota as mesmas estratégias de desinformação observadas em outras checagens, ao silenciar sobre fatos relevantes a respeito da decisão proferida, contextualizar de maneira insuficiente e inverter a relevância dos fatos para induzir leitores a crerem que cristãos sofrem perseguição de instituições públicas no Brasil. 

Referências de checagem:

Ministério da Saúde. https://conselho.saude.gov.br/resolucoes-cns/3092-resolucao-n-715-de-20-de-julho-de-2023/. Acesso  em 11 AGO 2023.

https://conselho.saude.gov.br/apresentacao-cns/>. Acesso  em 11 AGO 2023.

https://conselho.saude.gov.br/17cns/>. Acesso  em 11 AGO 2023.

https://conselho.saude.gov.br/resolucoes-cns/3092-resolucao-n-715-de-20-de-julho-de-2023/>. Acesso  em 11 AGO 2023.

Bereia.

https://coletivobereia.com.br/cristofobia-perseguicao-a-cristaos-e-fechamento-de-igrejas-estao-entre-os-temas-com-mais-desinformacao-em-espacos-religiosos-nestas-eleicoes/?fbclid=IwAR1nANJCZignTe1WzEBv4FlfUlcYkLRpwlqu3PqL3ho36wNBcvfPn8dk2UU. Acesso em 4 AGO 2023

https://coletivobereia.com.br/cristofobia-e-intolerancia-religiosa-as-fake-news-como-estrategia-politica-para-enganar-cristaos-na-campanha-eleitoral-2022/. Acesso em 4 AGO 2023.

https://coletivobereia.com.br/cristofobia-uma-estrategia-preocupante/. Acesso em 4 AGO 2023.

Boatos.org. https://www.boatos.org/politica/lula-incluir-terreiro-candomble-lista-tratamentos-sus.html Acesso em 25 AGO 2023.

Carta Capital. https://www.cartacapital.com.br/politica/leia-a-integra-da-carta-de-lula-aos-cristaos/ Acesso em 25 AGO 2023.