Superar a desinformação sobre a defesa da população quilombola é desafio no Dia do Meio Ambiente
Publicado originalmente no Instituto Socioambiental (ISA), Milene Maia Oberlaender*
Hoje é Dia Mundial do Meio Ambiente e, nesse dia, compartilho com você a história de uma parceria que nasce no seio da nossa atuação em defesa dos povos da floresta – os povos com quem trabalhamos há bastante tempo e que vivem da floresta e pela floresta, cuidando do meio ambiente e garantindo floresta em pé. Dessa vez, nossa parceria é com os quilombolas.
A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e o Instituto Socioambiental (ISA) lançaram, no dia 28/5, o Observatório da Covid-19 nos Quilombos. A plataforma online, com dados atualizados sobre casos da doença nos territórios quilombolas de todo o Brasil, apresenta casos monitorados, confirmados e óbitos decorrentes da Covid-19 entre quilombolas.
Essa iniciativa única só é possível porque Conaq e ISA trabalharam juntos para monitorar e divulgar os casos, uma informação pública de extrema importância.
Ao fazer esse monitoramento, queremos evitar subnotificações de casos, o não cumprimento dos direitos constitucionais e a não efetivação da titulação definitiva dos territórios.
Os quilombolas estão em uma situação de extrema vulnerabilidade. Desde que a Covid-19 causou seu primeiro óbito em quilombolas, tem morrido um quilombola por dia. A plataforma de monitoramento nasceu para apoiá-los com informações e para pressionar o governo para implementar políticas públicas emergenciais para estas populações. Além disso dar transparência à sociedade civil sobre a situação do Covid-19 nos quilombos, porque o racismo estrutural e institucionalizado não evidencia a real situação. Saiba mais aqui.
Sandra Maria Andrade, coordenadora da Conaq, conta que “a maioria dos territórios está distante de hospitais estruturados e próxima a municípios onde a saúde é sucateada e onde não chegam nem mesmo os testes rápidos.”
“Mais uma vez, deliberadamente, a população quilombola desse país é colocada no esquecimento, na invisibilidade e é excluída do processo de distribuição das políticas públicas. Neste sentido, a plataforma tem o objetivo de concentrar as informações em um espaço com frequentes atualizações”, afirma
Além de visitar a plataforma, assista à live de lançamento dessa iniciativa, que contou com a participação da Sandra Maria Andrade, da Conaq, da Jurema Werneck, da Anistia Internacional e do ISA.
Dentre as várias formas de lutarmos pelo Meio Ambiente, estarmos juntos na luta pela sobrevivência dos quilombolas – “As vidas quilombolas importam!” – é uma das mais poderosas! Confira a plataforma https://quilombosemcovid19.org/
Nota do CONAQ sobre desinformação e descaso quanto à população quilombola
Nós, Quilombolas do município de Moju, em razão da resposta apresentada pelo Sr. GABRIEL PEREIRA LIRA, Procurador Geral do Município de Moju – PA, ao Dr. BRUNO BECKEMBAUER SANCHES DAMASCENO, Promotor de Justiça. Vimos apresentar nossas devidas considerações.
A resposta do Sr. Lira apresenta um conjunto de justificativas bonitas, porém em desacordo com a realidade de nossas comunidades. De acordo com o Sr. Lira, a prefeitura de Moju, criou um Plano de Contingência consistente para o enfrentamento ao Coronavírus (COVID -19), e conforme consta no referido plano, (Esqueceu dos Quilombolas). “Os pacientes com sintomas não graves estão sendo atendidos e recebendo as medicações receitadas nas Unidades de Saúde (UBS’s) e no ambulatório municipal. Os pacientes com febre, tosse, falta de ar, estão sendo atendidos e recebendo todas as medicações necessárias na Unidade Mista de Saúde” (Esqueceu dos Quilombolas). Complementa que essas medidas têm evitado o agravamento da doença, descentralizado o atendimento, evitado o deslocamento da zona rural para o centro da cidade e, principalmente, o estrangulamento das unidades de saúde municipal. (Menos os quilombolas)
Quando o Sr. Lira afirma que as medidas da gestão municipal: “têm evitado o agravamento da doença, descentralizado o atendimento, evitado o deslocamento da zona rural para o centro da cidade”, aqui demonstra claramente que no seu entendimento, e porventura o da prefeitura, preconceituoso, o município só é composto pela parte urbana da cidade, pois busca “evitar o deslocamento da zona rural para o centro da cidade”, criando mecanismos de contenção para promover o isolamento social, mas desconsidera o contrário, criar mecanismos de contenção para também evitar o deslocamento do centro da cidade para a zona rural, visto que em nossas comunidades há um enorme trânsito de moradores da cidade, vindo utilizar nossos balneários e outros recursos e, por sua vez, trazer o vírus as nossas comunidades.Não há um sistema de monitoramento e controle de trânsito em sentido contrário, o que nos indigna em saber que nossas vidas são desconsideradas como mojuenses, visto que é concebida como se fossemos invisíveis, o resto, os sub-cidadãos.
Ao apresentar medidas que estão sendo tomadas pela prefeitura, por meio de sua Secretaria Municipal de Saúde, afirma que a prefeitura iniciou diversas campanhas de conscientização, distribuição de mascaras e materiais de higiene e limpeza em todas as regiões do município, (Esqueceu-se dos Quilombolas) “os quais impuseram medidas de restrições ao deslocamento de pessoas, ao comércio local, visando evitar aglomerações e promovendo o chamado isolamento social, sendo está a única medida eficaz de – combate ao – contágio no território municipal e como justificativa a realidade questionada pelas comunidades quilombolas”, dá exemplo das comunidades abrangidas pelas Unidades Básicas de Saúde – “Nossa Senhora das Graças” e São Manoel”, localizadas em nossos territórios quilombolas. Afirmando que nessas UBS são realizadas consultas médicas, testagem, distribuição de medicamentos, mascaras, kits de prevenção à COVID 19, entre outros.
Essas afirmações de medidas apresentadas em nossas comunidades são completamente fora da realidade e descabidas, aumentando nossa indignação. Primeiro porque nossos postos de saúde estão em decadência e sem estruturas adequadas há anos, não tendo condições de responder por situações contingentes de pandemias, visto que nem do trabalho usual conseguem dar conta da demanda de assistência à saúde.
O que demonstra que o sistema de saúde municipal é deficiente em relação aos postos localizados nas comunidades quilombolas a ponto de comprometer até a atenção básica à saúde, verdadeiro motivo de suas existências. Parece que os gestores nem sabem da real situação de nossos postos para virem afirmar que “são realizadas consultas médicas, testagem, distribuição de medicamentos, mascaras, kits de prevenção à COVID 19”.
Não podemos aceitar que afirmações como: testagem, distribuição de medicamentos, mascaras, kits de prevenção à COVID 19 possa ser apresentada como uma realidade em nosso território. Vamos aos fatos apresentando a realidade de dois exemplos citados pelo Sr. Lira:
- 1. UBS São Manoel – O posto está em condições de inadequação para uso (veja fotos em anexo), não há médicos e nem enfermeiros, sendo cuidado apenas por um Agente de Saúde. Quando houveram casos de sintomas parecidos aos da COVID-19, os comunitários tiveram que deslocar-se para a UBS Nossa Senhora das Graças para receber atendimento mínimo. Houve, de março para cá dezenas de pessoas acometidas por doença, cujos sintomas, os colocam como suspeitos de COVID-19, nas comunidades da região de São Manoel e que não sabemos a real situação, visto que não foram testados, por não houver testes disponíveis em nossos postos de saúde.
- 2. UBS Nossa Senhora das Graças – Se houve entrega de material, testagem, mascaras, par a prevenção à COVID-19, as comunidades não foram informadas, pois há falta desses materiais nessa UBS. Faltam inclusive produtos e medicamentos básicos como hipoclorito e paracetamol. A ambulância que devia estar fazendo o trabalho de transportar pacientes em situação de risco, em diversos casos, não se encontra na comunidade. O médico e a enfermeira da UBS Nossa Senhora das Graças adquiriram sintoma que se assemelharam a Covid-19, deixando o posto sem profissionais e sem atendimento por um período, e não foram encaminhados outros profissionais para os substituírem no posto e poder permitir o funcionamento normal e efetivo diante dessa situação de emergência que vivemos.
- 3. UBS da Ribeira – O posto foi pintado em novembro/dezembro de 2019 e desde esse período está fechada, servindo como abrigo a morcegos. Na comunidade da Ribeira muitos ficaram doentes com sintomas da COVID-19 e pelas dificuldades de transporte, não conseguiram se consultar na Unidade Mista de Saúde de Moju, os casos graves foram deslocados para Belém por conta própria, pois, sabemos da realidade que infelizmente nosso município nos oferece: sem respiradores e sem UTI, deixando nossas comunidades sem nenhum suporte por parte da Prefeitura.
De acordo com o plano de contingência apresentado, o Núcleo de Vigilância em Saúde (NUVS), através da Atenção Básica, se deveria: Orientar os profissionais de saúde dos estabelecimentos de atenção básica, Unidades Básicas de Saúde, quanto aos protocolos e fluxos estabelecidos para o atendimento, manejo e vigilância epidemiológica do 2019-nCoV estabelecidos nacionalmente, para: Garantir a detecção oportuna de casos de síndrome gripal; Avaliar todo caso de síndrome gripal quanto ao histórico de viagem e contatos, conforme definição de caso; Notificar imediatamente a vigilância epidemiológica municipal; Garantir o manejo do paciente, conforme protocolo de manejo e tratamento de síndrome gripal e respiratória aguda grave.
Vale lembrar que até mesmo os ACS, por exemplo, relatam que para atuarem corretamente na condição dessa pandemia, tiveram que aprender por conta própria. Assim, faltou e ainda falta orientação aos agentes de saúde para procedimentos adequados diante da situação. Os Agentes Comunitários de Saúde de nossas comunidades tiveram de buscar informações na internet e nas mídias para poder orientar aos comunitários, eles receberam duas máscaras e um vidro de álcool em gel para trabalhar o mês todo.
Não receberam nenhum material impresso de orientação ou divulgação sobre as formas de prevenção para distribuir às famílias. Esses Agentes tiveram que ser criativos de sua forma para poder dar as orientações adequadas às pessoas deixando esses técnicos e profissionais sem saber o que fazer diante dessa pandemia e vendo as condições de saúde de nossos comunitários em desolação.
No início de março os quilombolas da comunidade de Jacunday acionaram o Secretário de Saúde do Município, o Sr. Michel Garcia, para tomar providências na comunidade diante de uma situação de 21 pessoas com sintomas parecidos aos da COVID-19, o Sr. Secretário ficou de enviar uma equipe para fazer testagem desde março e até hoje nenhuma equipe apareceu na comunidade.
As demais comunidades: Juquiri, Bosque, Mou-miri, Laranjituba, África, Samaúma, Cacoal, Espirito Santo e Castelo, são comunidades que não tem postos de saúde e não houve atendimentos de algumas espécie para os casos vinculados a pandemia. Assim como o Jacunday, África e Moju Miri,também acionaram o secretário de saúde e mais uma vez não tiveram seus pedido atendidos.
Vacinas básicas com as da gripe que deveria ter chegado junto com a campanha que foi realizada a nível nacional, por exemplo, ainda não chegou aos territórios de Jambuaçu e demais. Temos idosos, pessoas em situações de risco, crianças, todos desassistidos nesse momento especial.
Essa é a realidade de nossos territórios, que diverge das informações apresentadas pelo Sr. Lira e nos deixa indignados com a desinformação que nos é apresentada, mas também com o descaso com que somos tratados. Não temos dados concretos da realidade de nossos territórios, não sabemos quantos casos reais temos, nem a situação que estamos, se nossa realidade está no nível de Alerta, Perigo Iminente ou Emergência em Saúde Pública. Pois, não temos diagnóstico de nossas áreas para afirmar nossa real situação.
Por esses motivos, apresentamos nosso repúdio aos esclarecimentos dados pelo Sr. Lira, visto que desconhece nossa realidade, busca fazer propaganda de fatos inverídicos e tem viés discriminatórios às comunidades quilombolas, apresentando um despreparo e descuido com as informações apresentadas, o que leva a nós quilombolas a nos sentir ofendidos diante dessa resposta mal formulada.
Por fim, queremos dizer que existem comunidades quilombolas para além do Jambuaçu que o plano de ação em nenhum momento se refere a nenhum quilombola, comprovando o descaso com essa população que, por lei tem direito à políticas com recorte racial. Aproveitamos para convocar os gestores municipais para uma visita as nossas comunidades para conhecer a realidade.
Atenciosamente, assinam a nota as Comunidades Quilombolas de Moju:
1- Comunidade Quilombola São Sebastião – Jambuaçu
2- Comunidade Quilombola Laranjituba;
3- Comunidade Quilombola Cacoal ;
4- Comunidade Quilombola Espirito Santo;
5- Comunidade Quilombola Moju Miri;
6- Comunidade Quilombola África;
7- Comunidade Quilombola São Jorge;
8- Comunidade Quilombola Sitio Bosque;
9- Comunidade Quilombola Juquiri;
10- Comunidade Quilombola Santa Maria – Jambuaçu;
11- Comunidade Quilombola Jacunday;
12- Comunidade Quilombola São Manoel – Jambuaçu;
13- Coordenação Estadual das Associações Quilombolas do Pará;
14- Bambaê Quilombola – Coordenação das Associações Quilombolas de Jambuaçú – Moju – Pará.
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