Imprensa desinforma sobre acordo do Tribunal Superior Eleitoral com religiosos

Ao contrário do que foi divulgado em pelo menos três matérias publicadas na Folha de São Paulo, o acordo assinado por lideranças de diferentes religiões com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pretende promover a paz e a tolerância nas Eleições Gerais de 2022 – e não combater as fake news, como publicado pelo jornal. 

Imagem: reprodução das matérias publicadas pela Folha de S. Paulo nos dias 2, 6 e 26 de junho, respectivamente

Segundo o Termo de Cooperação disponibilizado no site do TSE, os signatários do documento declararam a intenção de promover por meio dos seus meios de comunicação “ações de conscientização relacionadas com a tolerância política, legitimação do pensamento divergente e a consequente exclusão da violência” para preservação da paz social. Não há, no documento, menção sobre combate às fake news, notícias falsas ou a desinformação. 

Imagem: primeira folha do Termo assinado por uma das entidades signatárias. Reprodução/site do TSE

Entretanto, a Folha não ficou sozinha na divulgação da desinformação. Com exceção de alguns veículos da imprensa como Estadão, O Globo e CNN, a maioria dos veículos propagaram a notícia do suposto “acordo contra as fake news”, entre eles:  Gazeta do Povo, Correio Braziliense, O Antagonista, Diário do Centro do Mundo, Portal Comunhão, Brasil 247, Jornal GGN, Jornal do Comércio, Revista Forúm.

A questão da verdade apareceu no processo, contudo, foi mencionada apenas durante a cerimônia de assinatura do Termo, em 6 de junho no Salão Nobre do Tribunal, no discurso do atual presidente do TSE, Edson Fachin. “Defender a democracia é negar a cólera, fugir das armadilhas retóricas, fiar-se no valor da verdade”.

Acordo: sucesso ou fracasso

Para organizar o evento, o TSE convidou o desembargador William Douglas, do TRF (Tribunal Regional Federal) da 2ª Região, pastor ligado à igreja Batista. Em entrevista concedida ao Bereia, o desembargador federal declarou que foi procurado pelo TSE pelo fato de possuir experiência em magistratura e trânsito inter-religioso. 

Para o evento de solenidade foram convidadas 33 pessoas, no entanto, apenas 12 assinaram o documento. O desembargador federal atribuiu o fato à desinformação veiculada na imprensa, “[…] a imprensa noticiou, mais de uma vez, como sendo um projeto sobre combate às fake news. Não é o caso: neste projeto não há qualquer menção a fake news”. Segundo sua análise, o assunto foi politizado levando, assim, a discussão para temas que não estavam propostos no Termo de Cooperação.

Imagem: representantes posando para foto após assinatura do Termo de Cooperação. Reprodução/site TSE)

Outro ponto do evento que chamou a atenção foi a ausência de representantes de denominações históricas como Metodistas, Anglicanos e Luteranos para a assinatura do acordo. “A seleção [dos convidados] foi baseada em presença exemplificativa do segmento. O que se quis foi um rol exemplificativo e não exaustivo” explicou o desembargador, pontuando sobre a dificuldade da representação devido ao tamanho do segmento evangélico. 

Para o desembargador, o fato do evento não ter uma representatividade maior não configura um problema, “não se espera de nenhuma liderança alguma postura de ciúme em relação a outras, o que não é bíblico”, conclui o desembargador que, apesar de ser pastor, assinou o Termo na condição de escritor.

Bereia também ouviu a secretária-geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC), a pastora luterana Romi Bencke. A organização cristã que representa a Aliança de Batistas do Brasil, as Igrejas Episcopal Anglicana do Brasil,Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, Presbiteriana Unida, entre outras, não foi convidada para o evento. “Fizemos contato informando nossa disposição em participar, no entanto, as pessoas que nos representariam não foram procuradas pelo TSE. Desde uma perspectiva de laicidade do Estado, creio que a participação deveria ter sido o mais plural possível, sem discriminação”, reclama a secretária-geral. 

Romi Bencke conta que nas últimas eleições, para prefeitos e vereadores, em 2020, o CONIC foi convidado para apoiar as campanhas do TSE por eleições democráticas. “O TSE tem e deve ter o nosso nome em seu banco de dados. Após o encontro, fomos questionados por algumas organizações que estiveram presentes, por que não estávamos lá. A resposta foi: porque não fomos convidados ou informados. Por isso, pergunto pelos critérios considerados para deixar organizações de fora. Cabe ao TSE responder esta pergunta”, finaliza a pastora. 

Independente de estar ou não presente no evento, o CONIC tem apoiado as campanhas do órgão por eleições limpas e divulgou uma nota de apoio ao processo eleitoral, de repúdio à violência e a FakeNews. 

Imagem: nota divulgada pelo CONIC em seu site oficial. Reprodução/site do CONIC

O evento pela Paz e Tolerância não sofreu apenas com a desinformação e com a ausência de entidades importantes como o CONIC. Apesar dos esforços para agregar os diferentes religiosos, o pastor Silas Malafaia, apoiador do governo Bolsonaro, atacou a reunião e pediu boicote ao evento.

“Eu só acredito que um líder religioso vá aparecer na reunião hoje se ele for alienado, está por fora desses fatos ou é esquerdopata. Um líder religioso que sabe das coisas não vai cair nesse jogo. Nós não vamos ser usados por esses interesses mesquinhos”, disse o pastor em um vídeo publicado em seu canal no Youtube, no mesmo dia do evento.

Assinou, não assinou

A lista de convidados foi composta, na sua maioria, por pessoas e entidades ligadas à fé evangélica e oito ligadas às demais religiões como. A relação a seguir onde constam os nomes dos convidados foi obtida pelo jornal Folha de São Paulo mediante a Lei de Acesso à Informação (LAI): 

Abner Ferreira, presidente da Assembleia de Deus (Madureira/RJ). 

Teo Hayashi, pastor na Zion Church e líder do movimento “The Send”, checado pelo Bereia.

Samuel Câmara, presidente da CADB (Convenção da Assembleia de Deus do Brasil)

Roberto Brasileiro, presidente da Igreja Presbiteriana do Brasil

Hilquias Paim, presidente da Convenção Batista Brasileira, conta com 8 mil igrejas e em torno de 1,7 milhão membros.

Jesus Aparecido, presidente da Convenção Batista Nacional, atualmente conta com 2.700 igrejas com mais de 400 mil membros.

Thiago Rafael Vieira, presidente do IBDR (Instituto Brasileiro de Direito e Religião)

Eduardo Bravo, presidente da Unigrejas (União Nacional das Igrejas e Pastores Evangélicos)

Edna Zilli, presidente em exercício da Anajure (Associação Nacional de Juristas Evangélicos)

Ismael Ornilo, presidente da Aliança das Igrejas Evangélicas Congregacionais do Brasil

Girrad Mahmoud Sammour, presidente da Anaji (Associação Nacional de Juristas Islâmicos)

Thiago Crucitti, diretor-executivo da Visão Mundial, 

Claudio Lottenberg, presidente da Conib (Confederação Israelita do Brasil)

Juliane Penteado Santana, presidente da AJE-Brasil (Associação Jurídico Espírita do Brasil)

Augusto César Rocha Ventura, presidente da Associação Educativa Evangélica, mantenedora de instituições de ensino superior e colégios baseados em Goiás.

Stanley Arco, a Aneasd (Associação Nacional de Entidades Adventistas do Sétimo Dia) – é preciso explicar estas associações desconhecidas. Arco também é o atual presidente da Igreja Adventista do Sétimo Dia na América do Sul. 

Walmor Oliveira de Azevedo, presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).

Sóstenes Cavalcante, deputado federal e presidente da bancada evangélica

Antônio Carlos Costa, presidente da ONG Rio de Paz

Davi Lago, pastor e escritor

Paschoal Piragine Jr., presidente da Primeira Igreja Batista de Curitiba

Márcio de Jagun, fundador do Instituto Orí

Nilce Naira, coordenadora da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde

Augusto Cury, escritor

Cláudio Duarte, pastor e escritor

Carlos Wizard, empresário e escritor.

David Raimundo Santos, fundador da ONG Educafro

William Douglas, escritor e desembargador federal do TRF 2 e organizador do encontro.

Aaron Inácio Silva Freitas, presidente do Igreja Assembleia de Deus Ministério Internacional do Guará, sediada no Distrito Federal, conta com aproximadamente 1.500 igrejas pelo Brasil.

Coen Roshi, monja budista, primaz fundadora da Comunidade Zen Budista Zendo Brasil (2001).

Ademar Kyotoshi Sato, monge budista do Templo Shin Budista Terra Pura, em Brasília-DF.

Keizo Doi, monge regente do Templo Shin Budista Terra Pura, em Brasília-DF.

Luzia Lacerda, diretora do Expo Religião, organização que promove seminários, congressos e feiras inter-religiosas. Lacerda também é jornalista e apresentador do programa Expo Religião transmitido na TV Alerj.

Dessa lista, apenas 11 instituições foram as signatárias, além do desembargador federal William Douglas, que assinou na condição de escritor e pensador:

Instituto Orí

Rede Nacional de Religiões Afro-brasileiras e Saúde (Renafro),

Templo Shin Budista Terra Pura

Organização Não Governamental (ONG) EducAfro

Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

Associação Jurídico-Espírita do Brasil (AJE-Brasil)

Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure)

Associação Nacional de Entidades Adventistas do Sétimo Dia (Aneasd)

ONG Visão Mundial

Confederação Israelita do Brasil (Conib)

Associação Nacional de Juristas Islâmicos (Anaji)

O pastor Antonio Carlos Costa, presidente da ONG Rio de Paz, publicou no dia 29 de junho, em sua conta no Twitter, uma nota, declarando que não assinou o Termo, pois não havia recebido em tempo. Após o recebimento comprometeu-se a assiná-lo.

………..

Bereia classifica como enganosa a notícia sobre o acordo contra fake news veiculada no jornal Folha de S. Paulo e demais veículos da imprensa. O acordo proposto pelo TSE referia-se à promoção da paz e tolerância nas Eleições Gerais de 2022. Como está demonstrado nesta matéria, o Termo de Cooperação não faz qualquer menção à desinformação. O combate às fake news deve ser prioridade em um processo eleitoral e não pode ser utilizado como chamariz de assuntos. Ele se faz com informação de qualidade, apurada com rigor jornalístico em busca da verdade. Como Bereia prediz em sua Metodologia de Checagem, deve-se buscar, sempre que possível, as fontes originais da informação. 

Referências de Checagem:

TSE.

https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Junho/eleicoes-2022-tse-assina-acordo-com-liderancas-religiosas-para-a-promocao-da-paz-e-da-tolerancia-no-pleito Acesso em: 9 jul 2022.

https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Junho/tse-e-liderancas-religiosas-firmam-parceria-em-prol-do-dialogo-e-da-paz-nas-eleicoes-2022? Acesso em: 9 jul 2022.

Folha de S. Paulo.

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/06/tse-busca-pacto-com-lideres-religiosos-contra-fake-news-e-resistencia-as-eleicoes.shtml Acesso em: 9 jul 2022.

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/06/acordo-contra-fake-news-tem-adesao-de-menos-da-metade-de-religiosos-convidados-pelo-tse.shtml Acesso em: 9 jul 2022.

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/06/tse-faz-acordo-com-liderancas-religiosas-em-meio-a-ataques-de-malafaia.shtml Acesso em: 9 jul 2022.

G1. https://g1.globo.com/politica/noticia/2022/06/06/tse-se-reune-com-lideres-religiosos-e-firma-acordo-para-promover-eleicoes-pacificas-em-outubro.ghtml Acesso em: 9 jul 2022.

CONIC. https://www.conic.org.br/portal/conic/noticias/nota-do-conic-em-defesa-do-processo-eleitoral-brasileiro Acesso em: 11 jul 2022.

Foto de capa: Divulgação/TSE