Igreja Universal simula checagem de conteúdo ao condenar material de campanha para evangélicos

Circula em sites de notícias identificados com a extrema-direita política conteúdo publicado pelo jornal Folha Universal e pelo Portal Universal, em 25 de setembro, que contrapõe material eleitoral do Partido dos Trabalhadores (PT) destinado a evangélicos. 

Imagem: reprodução do site da Igreja Universal

O impresso do PT foi lançado em 9 de setembro passado, quando o candidato à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva reuniu-se com lideranças e fiéis evangélicos em São Gonçalo (RJ). O panfleto é intitulado “O que os evangélicos realmente querem para o Brasil” e apresenta temas da campanha de Lula a partir da palavra-chave “Queremos”, com a indicação de que são evangélicos que apresentam o conteúdo. 

Os temas do panfleto contêm pautas clássicas da esquerda política: aposentadoria, valorização das mulheres, defesa da paz, emprego e renda, fim da fome trabalho digno, educação de qualidade, saúde para todos. Foram incluídos também abordagens para elementos do discurso de campanha conservador como liberdade e defesa da família. Já a pauta ambiental é apresentada em linguagem religiosa como “cuidado com a criação de Deus”. Cada plataforma temática é acompanhada por um versículo da Bíblia.

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Imagens: reprodução do panfleto distribuído pelo PT para evangélicos

A matéria do jornal Folha Universal ocupa duas páginas da publicação, e tem versão on line no Portal Universal, sob o título “Panfleto do PT tenta enganar eleitor evangélico”.  O texto chama a atenção de leitores e leitoras para a estratégia do PT de buscar mudança de votos entre evangélicos de Jair Bolsonaro (PL) para Lula, com um discurso que o jornal denomina, no texto não assinado, “para inglês ver”.

Na introdução, a matéria do jornal Folha Universal afirma que “em uma leitura desatenta, o conteúdo [do panfleto] pode até envolver os eleitores e por isso é preciso colocar luz sobre os temas abordados e mostrar a realidade que tentam esconder deles”. O texto leva leitores e leitoras à expectativa de uma checagem de cada tema apresentado no panfleto do PT, que mostraria o que é enganoso e a realidade em oposição.

Uma contestação dos temas

O conteúdo, porém, não é uma checagem. Como leitores e leitoras do Bereia podem identificar no trabalho de checagem de conteúdo que é aqui realizado, bem como por outros projetos de enfrentamento da desinformação, tal procedimento demanda pesquisa de diferentes fontes, consulta a especialistas e levantamento de dados. Estes elementos compõem um protocolo fundamental, segundo as orientações da IFCN (sigla em inglês para Rede Internacional de Checagem de Notícias), para que determinado texto ou matéria de qualquer projeto de confrontação de conteúdo desinformativo divulgado seja considerado.

Jornal com texto preto sobre fundo branco

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Imagem: reprodução da matéria da Folha Universal

Cada um dos onze temas-propostas do panfleto do PT dirigido a evangélicos foi confrontado no texto do jornal Folha Universal de forma opinativa e por meio de conteúdo falso ou enganoso, sem qualquer referência objetiva que fundamente tais abordagens. 

Por exemplo, contra o tema “defesa da família”, a Folha Universal diz, sem citar a fonte, data e local: “o ex-presidente afirmou recentemente em um evento que ‘a pauta da família, pauta dos valores, é uma coisa muito atrasada’. Bereia tem insistido com leitores e leitoras que qualquer informação comprometida com a veracidade de fatos e dados deve apresentar fonte para as citações (origem do conteúdo, data e local em que foi produzido ou pronunciado). 

Ainda no tema da defesa da família, o jornal acrescenta de forma crítica que “em outra ocasião [Lula] afirmou que o aborto é “questão de saúde pública”. Além de vaga, fora do contexto (outro elemento que caracteriza desinformação), não há complementação da ideia que justifique engano em tal afirmação. 

A contestação da forma como o panfleto apresenta a “defesa da família” também apresenta conteúdo vago, sem base factual ou documentação, na frase caracterizada pela estratégia discursiva do pânico moral: “outras bandeiras defendidas pela ideologia são o fim da monogamia e do casamento convencional e a defesa da união de várias pessoas, o chamado poliamor”. 

No item sobre “defesa da liberdade”, a Folha Universal afirma que o folheto do PT omite “a intenção amplamente divulgada do candidato à Presidência de regulamentar a imprensa e as mídias, inclusive a internet, uma pretensão autoritária para supostamente evitar mentiras. Essa atitude é muito semelhante aos primeiros passos da censura vista em países com governos parceiros”. 

O jornal pratica, neste caso, a emissão de opinião sobre o que significa “regulamentação das mídias”. Longe de ser censura, “regulamentação das mídias” já existe no Brasil há décadas por meio de mais de 650 portarias, decretos e leis que regulamentam o setor de comunicação social, não só rádio e TV como impresso, aos quais se soma o Marco Civil da Internet. 

O que é defendido em vários espaços da sociedade civil é a ampliação da regulação, pois a atual legislação é defasada. Uma das principais pautas, levantada pelo Fórum Nacional de Democratização da Comunicação (FNDC), é o fim dos monopólios (concentração nas mãos de poucas empresas, que dominam o mercado das mídias). 

Países como Alemanha, França, Grã-Bretanha, Estados Unidos regulam suas mídias com vistas à garantia da participação democrática nestes espaços. Isto significa envolver a sociedade civil no controle das concessões, do que é transmitido e da forma como se veicula. Assim como existem agências reguladores de saúde (ANS), de telefonia (ANATEL), de aviação civil (ANAC), entre outras, por exemplo, para defender os interesses do Estado e dos usuários, a FNDC defende que exista uma agência reguladora das mídias, o que nunca foi desenvolvido no pais.

O tema é pauta no Congresso Nacional e no Judiciário e não apenas de um partido ou candidato, uma vez que é interesse cidadão. Porém, há muita resistência à discussão do projeto por parte de proprietários de mídias, como a Igreja Universal. Sempre que o tema aparece, especialmente em períodos eleitorais, ele é criticado e desqualificado como censura, uma vez que os empresários de mídias não têm interesse na participação da sociedade no que diz respeito aos conteúdos veiculados. 

Tema do meio-ambiente é o único com dados de referência

Na única das contestações em que apresentou dados, a Folha Universal se colocou contrária à abordagem do panfleto do PT sobre meio-ambiente, sob o tema “Criação de Deus”. Diz o jornal: “O candidato petista à Presidência também tem falado que seu governo foi o que mais preservou a Amazônia, afirmação que não condiz com a realidade. Enquanto no governo atual houve registro de desmatamento anual médio de 11,4 mil km², o petista ficou na casa de 15,6 mil km², com destaque para o ano de 2004, quando a destruição florestal superou os 27 mil km²”.

A Folha Universal contesta o panfleto do PT com dados enganosos pois o que é verdadeiro é usado de forma distorcida. O dado bruto está correto: o desmatamento acumulado na Amazônia nos primeiros três anos sob Lula (2003-05), segundo o órgão oficial de monitoramento, o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) 72.128 km, foi pouco mais que o dobro do que o ocorrido de 2019 a 2021, 34.018 km². O jornal, porém, não contextualizou que a taxa alta daqueles três primeiros anos de Lula, foi herdada dos governos de Fernando Henrique Cardoso. 

O índice começou a cair a partir de 2005, depois de três anos de políticas ambientais de enfrentamento do desmatamento. Alcançou o pico em 2004, com os 27 mil km² citados pela Folha Universal, mas ficou em queda até o segundo mandato. Quando entregou a faixa presidencial a Dilma Rousseff (PT), os índices oficiais registram 7 mil km². Até 2015, quando o PT esteve na Presidência, o desmatamento ficou na casa dos 6.207 km². De 2016 em diante voltou a crescer e disparou a partir de 2019. Veja o mapa com os dados do INPE:

Gráfico, Gráfico de linhas

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Fonte: INPE, extraído de https://noticias.uol.com.br/confere/ultimas-noticias/2022/09/02/bolsonaro-distorce-dados-do-desmatamento-em-comparacao-com-governo-lula.htm 

Em matéria do UOL Confere, que checou o tema quando tratado durante um debate de candidatos às eleições presidenciais de 2022, o engenheiro florestal coordenador do MapBiomas Tasso Azevedo diz que o panorama da proteção da Amazônia em 2002 era muito diferente do que havia em 2018. Por isso, segundo ele, não cabe comparar os números brutos entre os dois governos. 

Azevedo explicou ainda: “Os primeiros anos do governo Lula são os anos em que o país herdou aquele desmatamento e houve um esforço de controle desse desmatamento, que derrubou ele para baixo dos sete mil quilômetros quadrados. Então essa comparação é completamente estapafúrdia. O fato é que o desmatamento caiu lá atrás, e caiu muito, e agora está aumentando muito”.

Diferentemente do que afirma a Folha Universal, o governo de Jair Bolsonaro vem registrando altas sucessivas de desmatamento da Amazônia desde 2019, com aceleração da curva de crescimento dos índices como se pode observar no mapa acima. O aumento acumulado do desmatamento sob Bolsonaro é de 73%, segundo o INPE. As denúncias de tais práticas levaram à demissão do ex-diretor do órgão Ricardo Galvão. Na checagem do UOL Confere, Galvão explicou que o alto desmatamento da Amazônia é uma herança da ditadura militar. O INPE passou a monitorar a região em 1988 e identificou uma devastação de 21.050 km², taxa semelhante à que Lula encontrou 15 anos depois quando assumiu a Presidência da República. 

“A razão inicial para o aumento do desmatamento veio da política de ocupação da Amazônia instituída durante a ditadura militar, de ‘avançar seguindo as patas do boi’ Era necessário desmatar e ocupar a terra com gado para ter o título de sua posse. Por isso, as décadas de 1970 e 1980 foram marcadas por grandes empreendimentos com alto impacto ambiental, como a Transamazônica, que abriu o caminho para o desmatamento e penetração na selva”, explicou físico ex-diretor do INPE.

Opinião x informação

Bereia expõe aqui três dos temas do panfleto do PT contestados na matéria da Folha Universal  mas checou todos os onze e o recurso é o mesmo dos itens verificados em amostra: o que o jornal publica é opinião contrária às propostas contidas no folheto do PT com base em elementos vagos e desinformativos pois não contêm dados, aspectos factuais ou documentais. No único trecho em que o jornal apresenta dados eles foram distorcidos.

Bereia classifica a matéria da Folha Universal como enganosa. O jornal contesta um material de campanha para evangélicos com texto que simula uma checagem de conteúdo, porém apresenta opiniões com base em desinformação. 

Bereia considera legítimo que o jornal, institucional, apresente opiniões contrárias em uma discussão que se coloque na arena política e oriente seus fiéis/adeptos/seguidores com base na ideologia com a qual se identifica e define. Para isto, jornais contém espaço para o editorial e para artigos de opinião. 

Bereia alerta, porém, para o caráter desinformativo de matérias que são opinativas, mas não se declaram como tal. Pelo contrário, para influenciar opiniões, há certos veículos que oferecem textos para levar leitores e leitoras a assimilarem conteúdo como se fosse objetivo, quando, na verdade, é subjetivo, meramente discordante.

Referências de checagem:

Poynter Institute. https://www.poynter.org/ifcn/ Acesso em: 30 set 2022.

Governo Federal. https://www.gov.br/ouvidorias/pt-br/cidadao/lista-de-ouvidorias/agencias_reguladoras  Acesso em: 29 set 2022

EBC. http://memoria.ebc.com.br/regulacaodamidia  Acesso em: 29 set 2022

Jota. https://www.jota.info/coberturas-especiais/liberdade-de-expressao/barroso-e-salomao-defendem-regulacao-das-midias-sociais-para-combater-desinformacao-03082022  Acesso em: 29 set 2022

Le Monde Diplomatique. https://diplomatique.org.br/regulacao-da-midia-a-invisibilidade-de-uma-agenda-essencial-a-democracia/  Acesso em: 29 set 2022

UOL. https://noticias.uol.com.br/confere/ultimas-noticias/2022/09/02/bolsonaro-distorce-dados-do-desmatamento-em-comparacao-com-governo-lula.htm  Acesso em: 29 set 2022

BBC Brasil. https://www.bbc.com/portuguese/brasil-49256294  Acesso em: 29 set 2022

Foto de capa: Google Play Store

Projeto Comprova encerra terceira fase de projeto colaborativo sobre verificação de conteúdos suspeitos

Nesta sexta-feira, dia 05 de março, o Projeto Comprova concluiu a terceira fase do projeto colaborativo formado por 28 organizações de mídia para verificar conteúdos suspeitos que trafegam pelas redes sociais com alta viralização. O Coletivo Bereia participou dessa fase por meio do projeto Comprova + Comunidades, que integrou oito iniciativas jornalísticas, com as jornalistas Luciana Petersen e Juliana Dias. O grupo recebeu treinamento e apoiou investigações de conteúdos suspeitos sobre a pandemia de covid-19, entre os meses de setembro de 2020 a fevereiro de 2021. 

No total, 78 jornalistas e 14 estagiários de jornalismo participaram da fase 3 do Comprova. Foram publicados 283 relatórios de verificações. Dessas, apenas 8 provaram-se verdadeiras. As demais 275 eram falsas (conteúdo fabricado) ou enganosas (informações descontextualizadas, que confundem ou usam dados imprecisos).

Sete em cada dez investigações do Comprova nessa fase (194 verificações) estavam relacionadas à pandemia. Dois temas se sobressaíram nesse período: conteúdos suspeitos sobre o chamado tratamento precoce e drogas cuja eficiência contra a covid-19 não foi comprovada, caso de cloroquina e ivermectina, somaram 52 investigações; e 46 boatos sobre vacinas foram investigados pelos jornalistas do Comprova, com maior incidência nas últimas semanas.

Sobre esse tema, o Bereia colaborou também com as verificações que envolveram o contexto religioso, entre elas, Informações sobre ivermectina divulgadas por Silas Malafaia são enganosas e É enganoso post no Facebook sobre morte de médico por covid-19 após tomar a vacina.

Conteúdos suspeitos sobre políticas públicas relacionadas ao governo federal também foram investigados. Na fase 3, o número de investigações chegou a 61 verificações, a maior parte delas ligadas a políticas de infraestrutura e meio ambiente. Dentre as verificações que o Bereia participou sobre esse tema, destacamos a de um vídeo que engana ao atribuir a Bolsonaro obras em estradas do Mato Grosso feitas também por outros governos, que foi divulgado por uma pastora em no Pará.

Nesse período também contamos com o apoio da assessoria de comunicação do Grupo de Trabalho (GT) Multidisciplinar de enfrentamento à covid-19 da UFRJ, com indicações de especialistas para as verificações sobre a pandemia.

“Fazer parte do Comprova + Comunidades foi uma experiência transformadora, pude aprender amais sobre combate à desinformação com as metodologias e os profissionais do Comprova e sentir que fizemos a diferença combatendo tantas mentiras, especialmente a respeito da pandemia”, conta Luciana.

Para Juliana, a participação no Comprova, representando o Bereia, foi uma experiência importante em sua trajetória como pesquisadora na área da desinformação e jornalista que atua com verificação de conteúdos suspeitos.

“O trabalho colaborativo com jornalistas de diferentes Brasil e com os editores do projeto contribuíram para meu aprendizado sobre o processo crítico e criterioso que envolve as etapas de uma verificação. Formamos uma equipe que só se conheceu virtualmente para trabalhar durante seis meses num ambiente de solidariedade, companheirismo e profissionalismo em que compartilhamos experiências, conhecimentos e os desafios de atuar com checagem de informações. Agradeço ao Bereia, a parceria Luciana e ao Comprova por essa oportunidade incrível”, declara Juliana.

O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa cuja redação foi coordenada pelos editores Sérgio Lüdtke, José Antônio Lima, Helio Miguel Filho e David Michelsohn.

Para conhecer o projeto acesse o site oficial clicando aqui.

Ataque hacker atinge Rede Nacional de Combate à Desinformação e NUJOC Checagem

Na noite de 28 de janeiro de 2021, o site da Rede Nacional de Combate à Desinformação (RNCD), iniciativa que reúne várias entidades e instituições inclusive o Coletivo Bereia no enfrentamento à desinformação, foi vítima de ataque hacker. Também foi detectado acesso indevido ao site do Projeto NUJOC Checagem, parceiro da RNCD, que trabalha com enfrentamento à desinformação sobre o Covid-19.

Ambos os sites foram tirados do ar e passam por manutenção para reforço de segurança e restauração do acervo de publicações. O Coletivo Bereia se solidariza com ambas as iniciativas e reforça que a melhor resposta a este tipo de ataque é a continuidade do trabalho sério de jornalismo e divulgação de informações verificadas.

Confira o comunicado da RNCD, na íntegra, abaixo:

COMUNICADO URGENTE

A plataforma da Rede Nacional de Combate à Desinformação (https://rncd.org) foi invadida por hackers nos últimos dias, e, na noite de ontem, 28, o ataque foi percebido rapidamente por uma das parceiras da Rede que fez a denúncia à coordenação.

A invasão à RNCd foi construída de modo a permitir aos invasores, direcionar o usuário para outros links e emitir vírus, fazendo com que o site perca credibilidade e seja inserido na black list dos antivírus internacionais, até que o site seja removido pela plataforma digital de hospedagem. 

A RNCd é uma iniciativa virtual criada em 24 de setembro de 2020 e possui no momento, 88 parceiros de todas as regiões brasileiras, distribuídos em projetos de monitoramento, agências, redes, projetos de fact-checking, portais de notícia, projetos de comunicação educativa, divulgação científica, observatórios, laboratórios, núcleos de pesquisa, coletivos, organizações não governamentais, instituições de várias naturezas, museus, etc. 

Outros parceiros da RNCd já passaram por situação similar e ontem ( 28) o site do Projeto Nujoc Checagem (www.nujocchecagem.com.br ) da Universidade Federal do Piauí, também pertencente à RNCd e que atua com verificação de denúncias de fake News sobre Covid-19 (medicamentos, tratamentos profiláticos, vacinas, etc.) e que chegam pelo aplicativo Eufiscalizo da Fiocruz-RJ, também teve seu banco de dados invadido e todo o seu histórico apagado.

Ambos os sites serão tirados do ar, para as providências de segurança necessárias e para recomposição do acervo.

Ajude-nos a combater a desinformação. Siga nossos perfis nas redes sociais, assim como, as redes e sites de todos os nossos parceiros.

Coordenação

RNCd Brasil

Comunicado da RNCD transmitido aos parceiros em 29/01/2021

Foto de capa: RNCD/Divulgação

Entrevistas não são transparentes: um problema para a checagem

A checagem não é nova no exercício jornalístico – o que ela inova é em ser deslocada do interior das redações como um exercício de corte para as páginas web e os títulos das matérias como o objeto que se tornará notícia. O ofício de um checador em uma redação é antigo – ele conferia as informações trazidas por repórteres que iam a rua, comparava com documentos, com outras declarações, e na ausência de concordância da declaração com a realidade, eram extirpados das notícias.

Seguindo a famosa anedota, o checador era o cara ou moça que colocava a cabeça para fora da redação e via se estava chovendo. Na anedota, um jornalista ouve de uma fonte que está chovendo, e de outra fonte que o céu está claro. O trabalho do jornalista não é publicar as duas versões, mas colocar a cabeça para fora da janela e ver como está o tempo.

Na checagem dos novos tempos, há um deslocamento: esse checador agora transforma em notícia que “É falso que esteja chovendo” ou “Fulano mente ao dizer que está chovendo”. Ele então caminha para perceber que fulano estava atrasado para o trabalho, e que poderia justificar o atraso com uma chuva que alague o caminho até o escritório. Esse reinventar do ofício foi necessário em um cenário de baixa da credibilidade dos jornais e advento da pós-verdade, a primazia da opinião sobre os fatos.

Nele, institutos e agências se multiplicaram em tempo recorde para ocupar esse espaço vago da credibilidade. Nesse movimento a transparência e a credibilidade deram as mãos: em outras palavras, só posso acreditar se eu puder provar, e só posso provar se houver transparência. As agencias adotaram o modelo de permitir sempre que os leitores efetuassem a checagem – disponibilizando vídeos, arquivos, planilhas, os lugares de onde tiraram as informações para a redação da matéria. Há apenas um problema nessa abordagem: a adoção da entrevista.

Um problema real e recorrente: Covid-19. Como um jornalista vai desmentir que alimentos alcalinos eliminam ou não o vírus no corpo? Nesse mesmo caso, foi necessária a declaração de um pesquisador do Instituto de Química da Unicamp. E, embora a contribuição de especialistas seja essencial para termos um norte, onde está a transparência em uma entrevista cedida a um jornalista?

Existem vários contextos que envolvem o emprego de uma entrevista. Primeiro, o entrevistado é selecionado de acordo com critérios bem particulares do jornalista: a disponibilidade do entrevistado, sua posição enquanto autoridade sobre o assunto, sua abordagem para o problema… Não raro vimos médicos apresentando informações falsas sobre o tratamento da Covid-19.

Depois, há o recorte: das muitas informações oferecidas pela fonte, nem todas chegam às linhas de fato de compor a notícia – por falta de espaço, tempo, ou relevância do que se diz. Há as adaptações, quando o entrevistado usa de expressões idiomáticas ou muitos “é…”, “então”, “aí” ou “tipo”. E em meio a tudo isso, o entrevistado precisa querer falar com o jornalista – e é nesse ponto em que a transparência se torna opacidade.

Imagine-se um médico, ou deputado, ou cientista. É de seu interesse que seu nome esteja no jornal: vale a pena ceder parte de seu tempo ocupado para um jornalista que vai garantir essa publicidade gratuita. Mas se um leitor quiser apurar se aquilo que foi inserido na matéria condiz com o que o médico, deputado ou cientista disse, que tempo essas personalidades terão para ceder-lhe? Aqui a autonomia de verificar os verificadores cai por terra. E por isso faço uma defesa um pouco problemática.

Evitemos, ao máximo, o emprego de entrevistas em nossas checagens – não por sermos antiéticos e distorcê-las ou para que sejam abolidas totalmente, mas para não acabarmos nos tornando matérias como a imprensa já faz, muito bem, e há muito tempo. Vamos primar pela autonomia de nossos leitores – porque aqui a checagem tem um papel didático que o jornalismo relutou e ainda reluta em assumir. Somos, nessa dinâmica, mais conscientes de nossa relevância nesse esquema geral da informação e do letramento midiático.

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Foto de Capa: Pixabay/Reprodução

Deputado federal evangélico exalta Roberto Jefferson em vídeo: “sempre foi sinônimo de responsabilidade”

Em 13 de julho, o presidente nacional do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Roberto Jefferson, publicou, em seu perfil no Twitter, um vídeo ao lado do pastor da igreja pentecostal Assembleia de Deus e deputado federal pelo Rio de Janeiro, Otoni de Paula (PSC/RJ). Na legenda, ele inseriu: “Deputado Federal Otoni de Paula. Grande guerreiro de Cristo. Tenho orgulho de ser seu amigo. Pensando o Rio de Janeiro e o Brasil”.

Com mais de 24 mil visualizações até a redação desta matéria, o vídeo apresenta Otoni de Paula enaltecendo Roberto Jefferson:

Sempre foi sinônimo de austeridade e acima de tudo sempre foi sinônimo de responsabilidade. Roberto Jefferson sempre assumiu no peito os seus acertos e erros e hoje tem moral para ensinar a minha geração qual o caminho que nós temos que trilhar, porque já passou por lá e pode hoje dizer: esse é o caminho correto. Por isso, como eu faço parte dessa nova geração de políticos no Brasil, nada melhor do que estar diante do nosso mestre

Otoni de Paula, na gravação de 46 segundos publicada.

Personagens envolvidas em crimes e inquéritos

Tanto Otoni de Paula quanto Jefferson têm utilizado suas redes sociais para criticar e disseminar desinformação sobre o Supremo Tribunal Federal e são investigados no inquérito que apura a disseminação de fake news. O deputado federal do PSC é acusado de, em duas ocasiões, “empregar violência moral e grave ameaça para coagir Moraes [ministro Alexandre Moraes] e, com isso, beneficiar a si mesmo”. Jefferson, por sua vez, chegou a comparar, em maio, o STF a um tribunal nazista.

No último dia 14 de julho, Otoni de Paula foi denunciado pela Procuradoria Geral da República (PGR) ao Supremo Tribunal Federal pelos supostos crimes de difamação, injúria e coação de vídeos com ataques e ofensas ao ministro Alexandre Moraes, do STF. Na denúncia, a PGR afirma que o deputado fez duas transmissões ao vivo pela internet, nos dias 16 de junho e 5 de julho, nas quais “imputou fatos afrontosos à reputação do ministro [do STF] Alexandre de Moraes”, além de ofender a dignidade do ministro. No vídeo, o deputado chama o ministro de “lixo”, “tirano” e “canalha”, entre outras ofensas. Na ocasião, o deputado era um dos vice-líderes do governo Bolsonaro. Os fatos são investigados no inquérito que apura ataques às instituições.

A denúncia será analisada pelo tribunal e, se aceita, o deputado se tornará réu em uma ação penal. Em mensagem publicada em mídias sociais, no mesmo dia 14 de julho, o parlamentar afirmou que ainda não tinha conhecimento sobre a denúncia feita pela PGR. “Ainda não conheço o teor das denúncias da PGR contra mim, mas uma coisa prometo, lutarei até o fim contra a tirania da toga”. Nas gravações, o deputado criticou Moraes por ter libertado o blogueiro Oswaldo Eustáquio, mas proibindo-o de usar as redes sociais digitais.

Em 10 de junho, matéria do Coletivo Bereia apresentou o perfil e as ligações religiosas de investigados no inquérito do Supremo Tribunal Federal contra fake news. Entre os alvos com ligações religiosas estava Roberto Jefferson, sobre o qual o Bereia apontou a trajetória nas mídias digitais, na política, as acusações e defesas no inquérito das fake news.

Segundo a matéria do Bereia, entre as alianças religiosas de Jefferson está o ex-deputado Carlos Rodrigues, ex-bispo da Igreja Universal, um dos operadores do “Mensalão”, acusado de comandar a cobrança de uma mesada de R$10 mil a R$15 mil de todos os deputados federais e estaduais do país ligados à Igreja Universal do Reino de Deus, através do esquema chamado “Dízimo do Legislativo”.

Jefferson: de volta à cena via bolsonarismo

Desaparecido da cena política desde sua prisão, em 2005, Roberto Jefferson voltou a ganhar destaque na mídia quando o presidente Jair Bolsonaro, neste 2020, em crise na relação com o Congresso Nacional, e na iminência de sofrer um processo de impeachment, recorreu ao apoio do Centrão, que tem o presidente do PTB como um dos líderes. Apoiador de Bolsonaro, Jefferson já havia atuado em 1992 como líder da “tropa de choque” que tentou impedir o impeachment do então presidente Fernando Collor.

No final de abril de 2020, Jefferson reapareceu como aliado do governo Bolsonaro com críticas ao STF. Em postagem no Twitter, em 9 de maio, ele pedia ao presidente “para atender o povo e tomar as rédeas do governo”.

Na decisão que determinou a busca e apreensão nas casas do ex-deputado, o ministro Alexandre de Moraes determinou a apreensão de armas e também mandou bloquear as mídias sociais do ex-parlamentar e afirmou que há indícios da prática de sete crimes. Os agentes da PF realizaram buscas em dois endereços do ex-deputado federal, um na cidade de Comendador Levy Gasparian e outro em Petrópolis, ambas no Rio de Janeiro.

Ainda segundo conteúdo do Bereia, após a Operação, o partido de Jefferson, o PTB, que declarou apoio a Bolsonaro em 2018, em nota, se pronunciou à Nação brasileira: “Não vamos permitir que ministros do STF calem o Presidente”, fazendo menção a Roberto Jefferson.

Em apoio ao pai, a deputada Cristiane Brasil (PTB/RJ), que não conseguiu se reeleger depois de ser investigada, em 2018, por envolvimento em fraudes no Ministério do Trabalho, participou das manifestações pró-Jair Bolsonaro no dia 31 de maio.

Em matéria publicada pela Folha de S. Paulo, em 21 de abril, o jornalista Fábio Zanini apresentou a nova “roupagem bolsonarista” de Jefferson, salientada a partir de 19 de abril, em uma transmissão pela internet em que o ex-deputado federal criticou o congresso, tendo como alvo principal o presidente da Câmara Rodrigo Maia, por supostamente articular o esvaziamento dos poderes presidenciais.

A live, conduzida pelo jornalista Oswaldo Eustáquio, preso pelo mesmo inquérito das fake news contra o STF, até o momento da redação desta matéria contabilizava mais de 2,1 milhões de visualizações, tendo sido compartilhada pelo presidente Jair Bolsonaro e diversos integrantes de sua base de ativistas digitais.

Na transmissão, Jefferson denunciou um suposto golpe que estaria sendo arquitetado com a participação de governadores e líderes para aprovar o impeachment de Bolsonaro ou instituir um parlamentarismo branco. O mesmo tom seguiu se repetindo nas redes sociais e demais entrevistas.

À Folha, ele afirmou que uma tentativa de tirar Bolsonaro da Presidência poderia gerar violência. “Está chegando um momento de radicalização. A pressão é tão grande que se tentarem, num movimento de rua, sustentar um pedido de impeachment, vão ter que enfrentar a turma do Bolsonaro. E aí o pau vai cantar. Quando você enfrenta a força, você tem que opor a força a ela. Não tem saída”, declarou. Ainda segundo a publicação, desde o agravamento da pandemia do novo coronavírus, o presidente nacional do PTB tem demonstrado apoio a Jair Bolsonaro. Seria, de acordo com Jefferson, em razão de ambos partilharem dos mesmos valores. “Eu não tenho proximidade pessoal com o Bolsonaro. Eu tenho as mesmas convicções. Ele empunha a bandeira dos ideais que eu sustento”, disse à Folha de S. Paulo, que afirma que a aliança, para além do cenário nacional, ainda coincide com o da política carioca.

Neste 21 de julho, Roberto Jefferson voltou à cena nas mídias sociais. Em uma live, transmitida pelo canal do Youtube “Questione-se”, o apoiador do governo Bolsonaro, quando entrevistado por um blogueiro, o presidente nacional do PTB fez comentários homofóbicos contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Nas declarações, o político diz que dois magistrados “são sodomitas” e que “usam saia pela opção sexual”.

“Tem dois ministros lá que tem esses gostos (…) tem dois ministros que são meninas. Tem ministros de rabo preso e dois de rabo solto, conhecidos. Um é o (sic) Carmen Miranda, e o outro é Lulu boca de veludo (…) e eles querem fazer pauta de gênero, porque eles ainda não encontraram o deles (…) tem dois sodomitas ministros”, afirmou Roberto Jefferson. Em um determinado momento da live, o ex-deputado afirma que seria vergonhoso que dois ministros assumissem que “são enrab… por um negão”.

O jurista Marco Aurélio de Carvalho, do grupo Prerrogativas, manifestou-se sobre a live de Roberto Jefferson. “O desrespeito, a agressão e a calúnia aos ministros do Supremo Tribunal Federal, no contexto em que foram proferidos e veiculados, são claras tentativas de desgaste do próprio Tribunal que integram, e, assim, de 1 dos mais importantes pilares do Estado de Direito. A reação tem que ser firme, rápida, contundente e pedagógica”, afirmou.

Otoni de Paula: fidelidade ao bolsonarismo

O vídeo em que Otoni de Paula exalta Roberto Jefferson foi produzido por conta do contexto eleitoral em que o país está se inserindo. Definido o calendário da realização das eleições municipais para o final do ano, partidos e candidatos começam a se manifestar publicamente com articulações para candidaturas.

O deputado federal Otoni de Paula, filho do famoso e histórico cantor evangélico, da Assembleia de Deus, Ozeias de Paula, estreou na política institucional como vereador pelo PSC do Rio de Janeiro, de 2017 a 2018. Em 2018 foi eleito deputado federal pelo mesmo partido, na aliança com o PSL de Jair Bolsonaro, que elegeu o governador Wilson Witzel. Otoni de Paula logo se tornou um dos vice-líderes do governo federal na Câmara.

O pastor evangélico e deputado federal produziu o vídeo exaltando o presidente do PTB, Roberto Jefferson, neste mês de julho, no contexto em que foi convidado a se filiar ao partido. No acordo, ele apoiará a candidatura da ex-deputada federal Cristiane Brasil, filha de Jefferson, à prefeitura. Por outro lado, ele terá o apoio do PTB para disputar o governo do Rio de Janeiro em 2022.

Em 16 de julho, Otoni de Paula confirmou as afirmações do noticiário, em um vídeo de sete minutos em seu canal no YouTube, em que afirma:

Saiu uma matéria no site O Antagonista e em alguns veículos de comunicação dando conta da minha filiação ao PTB, de Roberto Jefferson, o grande guerreiro Roberto Jefferson. Bem, queria esclarecer algo muito importante. Eu tive a honra de sentar com o deputado Roberto Jefferson, tive a honra de ter uma longa conversa com esse grande patriota, antes desse dia, na semana passada, eu não tinha tido nenhum contato pessoal com o Roberto Jefferson. Nunca tinha tido antes. Mas, resolvi me aproximar de Roberto Jefferson por conta da sua brilhante defesa à pátria brasileira e sua brilhante defesa ao presidente Bolsonaro. E eu disse que quem defende o meu amigo, meu amigo passa a ser. Realmente nós estamos construindo uma boa amizade que queremos que transcenda as questões políticas. Roberto Jefferson sempre foi um sujeito homem, e eu gosto de sujeitos corajosos, que assumem os seus acertos e assumem os seus erros também. Por isso é que eu não tenho vergonha nenhuma, nenhuma, nenhuma de estar ao lado de Roberto Jefferson, porque tem se demonstrado um grande patriota. E os erros que ele cometeu lá atrás ele pagou por todos eles e, graças a ele, nós começamos a quebrar o império do PT no Brasil. Bem, portanto, nós conversamos sim, conversamos sobre uma possível ida nossa para o PTB. Recebi esse convite do próprio Roberto Jefferson, que disse que o PTB está aberto para que eu me candidate para 2022 ao governo do estado do Rio de Janeiro ou ao senado federal, já que estamos em uma batalha imensa lá em Brasília e também outra aqui no estado do Rio de Janeiro. Contudo, é bom que fique claro que eu ainda estou no PSC, eu ainda estou filiado no PSC e eu só poderia sair hoje do PSC através de um acordo que dificilmente haverá ou através do TSE, me liberando, liberando a minha saída do PSC. Do contrário eu corro o risco de perder o meu mandato e, ao perder o mandato, eu perco o meu maior patrimônio, a minha voz, em poder estar cerrando fileiras ao lado do Brasil, pela nossa pátria amada Brasil. Portanto, me senti muito honrado, mas muito honrado mesmo por esse convite do Roberto Jefferson, da sua filha Cristiane Brasil. Porém, ainda continuo filiado no PSC, ok? Só para colocar claro tudo isso para todos vocês. O convite para vir para o governo do Rio de Janeiro pelo PTB, o convite de poder decidir se em 2022 vamos vir governador ou senador pelo PTB muito nos honrou. Agora, quem vai decidir isso, se eu serei candidato a governador do Rio de Janeiro ou se eu serei candidato ao Senado Federal é o povo da minha terra, é o povo do meu Rio de Janeiro. São eles. Caso eu perceba que não há essa vontade do povo que a gente venha ao governo do estado ou ao Senado Federal , que a única casa que pode mudar isso que está acontecendo o STF , então nós vamos colocar o nosso nome novamente à disposição da população do Rio de Janeiro para uma reeleição a deputado federal se essa for a vontade do papai do céu. Porque o dia do amanhã só pertence a Deus. Estamos vivos agora, hoje, nesse momento, não sabemos se estaremos vivos amanhã. Mas, se estivermos, e se estivermos com saúde, não vamos recuar da batalha porque não nos faltará a coragem de continuar lutando pelo nosso Brasil. Um abraço ao presidente Roberto Jefferson, à Cristiane Brasil. Obrigado pelo convite que muito me honrou. Estar no PTB, quem sabe, de acordo com a vontade de Deus, será uma honra muito grande. Mas isso está na vontade de Deus porque eu ainda estou filiado ao PSC. Um abraço a todos. Esclarecido? É sempre assim, é olho no olho. Eu falando com você e você falando comigo. Quem puder compartilhar, compartilha. Beijo no coração. Deus abençoe. Cheguei no Rio agora. Estou indo agora para Iguaba visitar minha querida Iguaba, a cidade praiana aqui no Rio de Janeiro. Mas não é para tomar banho de praia não, é para levantar a bandeira da direita conservadora lá na cidade de Iguaba, ao lado do meu amigo Juninho Negão. Júnior Negão, um abraço. Deus abençoe o Júnior Negão e Deus abençoe sua esposa Jéssica e toda a sua família. Estamos chegando aí na querida Iguaba. Um abraço, pessoal. Deus abençoe!”.

Deputado Otoni de Paula

O deputado, que rompeu com o PSC por conta de críticas ao governador Wilson Witzel, confirmou o convite e comentou a denúncia do MPF: “Aceitei o convite do PTB com a convicção de que essa ação é feita para me intimidar e intimidar protestos e manifestações populares. A mensagem é: ‘Se a gente faz isso com um deputado, que tem imunidade (parlamentar), imagina o que não podemos fazer com vocês’”.

O fracasso na criação do partido do presidente Jair Bolsonaro Aliança Pelo Brasil, com previsão atualizada para sair do papel apenas no fim de 2021, quase dois anos após o planejamento, fez com que muitos deputados bolsonaristas desistissem do projeto. Além de Otoni de Paula, festejado pela militância bolsonarista no evento de lançamento do Aliança, que irá para o PTB, os deputados Luiz Lima (RJ) e Coronel Chrisóstomo (RO) decidiram permanecer no PSL, enquanto Flávio e Carlos Bolsonaro foram para o Republicanos.

A debandada pode ser ainda maior: o PSL, partido que saiu do anonimato com o bolsonarismo, planeja uma reunião com todos os deputados e, diante da reaproximação com o Palácio do Planalto, tentará convencer mais bolsonaristas a não se desfiliarem. No grupo de WhatsApp do Aliança, 90% dos políticos que atuam para fundar a legenda estão, hoje, no PSL.

No Twitter, Otoni reclamou recentemente da postura moderada de Bolsonaro, que reatou pontes com Judiciário e Legislativo: “Estou tendo a sensação de que combinaram algo e não me avisaram. Fui chamado para uma guerra pela minha pátria, mas tô tendo a sensação de que há um acordo de paz com o inimigo, que eu não participei e não participaria”.

Já no dia 20 de julho de 2020, Otoni de Paula criticou o Ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência da República, General Luiz Ramos, também evangélico (batista), dizendo que ele será o responsável por tornar Jair Bolsonaro refém do Centrão, liderado por Roberto Jefferson.

O inquérito do STF não é o primeiro envolvimento do deputado federal evangélico em investigações pela justiça. Em julho de 2018, três meses antes das eleições, Otoni de Paula publicou um vídeo convidando fiéis de sua igreja para comparecerem ao lançamento de sua pré-candidatura e passou a ser investigado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Estado. No vídeo, o pastor e candidato agradece a disposição de “alguns irmãos em alugar um ônibus” para levar fiéis ao evento. Na sequência do vídeo, Otoni pede “palmas para Jesus” e diz que “vivemos um momento de guerra por conta do golpe do impeachment contra o prefeito do Rio, Marcelo Crivella. O pedido de impeachment de Crivella, também evangélico, havia sido processado por alguns vereadores por ter o prefeito oferecido vantagens a fiéis de sua igreja em um evento reservado a pastores na sede da prefeitura. Em outros vídeos, Otoni critica a atuação do juíz que mandou Crivella “parar de usar a prefeitura para favorecer seu grupo religioso”

Bereia classifica o conteúdo do vídeo do deputado federal pastor Otoni de Paula (PSC/RJ), publicado pelo presidente do PTB Roberto Jefferson, como material de campanha, com divulgação imprecisa da figura pública de Jefferson. Atributos como “sempre sinônimo de responsabilidade” e “moral para ensinar esta geração” não correspondem ao histórico do envolvimento do ex-deputado federal, que preside o PTB, com ilegalidades, culminando na atual investigação do seu papel como disseminador de fake news e de discurso de ódio, que é omitido na divulgação do deputado Otoni de Paula.

Foto de Capa: Twitter/Reprodução

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Referências de Checagem

Conheça o perfil e as ligações religiosas dos investigados no inquérito do STF contra Fake News – Parte I. Disponível em: https://coletivobereia.com.br/conheca-o-perfil-e-as-ligacoes-religiosas-dos-investigados-no-inquerito-do-stf-contra-fake-news-parte-i/. Acesso em 20 de julho de 2020.

PGR denuncia deputado Otoni de Paula por difamação e injúria contra Alexandre de Moraes. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/07/14/pgr-denuncia-deputado-otoni-de-paula-por-difamacao-e-injuria-contra-alexandre-de-moraes.ghtml. Acesso em 20 de julho de 2020.

Roberto Jefferson veste figurino bolsonarista após defender Collor e delatar Mensalão. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/04/apos-defender-collor-e-delatar-mensalao-roberto-jefferson-veste-figurino-bolsonarista.shtml. Acesso em 20 de julho de 2020.

PGR denuncia deputado Otoni de Paula por ameaças contra Alexandre de Moraes. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/07/14/interna_politica,872147/pgr-denuncia-deputado-otoni-de-paula-por-ameacas-contra-alexandre-de-m.shtml. Acesso em 20 de julho de 2020.

Alvo de operação, Jefferson compara STF ao nazismo: ”Tribunal do Reich”. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/05/27/interna_politica,858735/alvo-de-operacao-jefferson-compara-stf-ao-nazismo-tribunal-do-reich.shtml Acesso em 20 de julho de 2020.

PGR denuncia deputado ao STF por ofensas a Alexandre de Moraes. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2020-07/pgr-denuncia-deputado-ao-stf-por-ofensas-alexandre-de-moraes. Acesso em 20 de julho de 2020.

Denunciado por ataque a ministro do STF, Otoni de Paula vai se filiar ao PTB. Disponível em: https://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2020-07-16/denunciado-por-ataque-a-ministro-do-stf-otoni-de-paula-vai-se-filiar-ao-ptb.html. Acesso em 20 de julho de 2020.

Demora na criação do Aliança faz deputados desistirem do partido anunciado por Bolsonaro. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/demora-na-criacao-do-alianca-faz-deputados-desistirem-do-partido-anunciado-por-bolsonaro-24540810. Acesso em 20 de julho de 2020.

TRE/RJ mira pastor do PSC que convocou fieis para lançamento de pré-candidatura. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/tre-rj-mira-pastor-do-psc-que-convocou-fieis-para-lancamento-de-pre-candidatura-22894513. Acesso em 20 de julho de 2020.

É enganoso que sol forte pode matar coronavírus em 34 minutos

O site Pleno News publicou em 09 de junho matéria com o título “Aliado: Sol forte pode matar coronavírus em 34 minutos”

A matéria destaca que “um estudo divulgado neste mês mostrou que o sol forte pode ser uma arma inusitada no combate ao novo Coronavírus. De acordo com cientistas, a exposição aos raios solares por volta do meio-dia conseguiu matar o vírus em até 34 minutos. A redução da carga viral nestes casos chegou à impressionante marca de 90%. A pesquisa conduzida por Jose-Luis Sagripanti e David Lytle, foi publicada na revista científica Photochemistry and Photobiology. Os dois são cientistas aposentados do Exército dos EUA e da Food and Drug Administration, respectivamente”.

Ainda segundo a matéria, os cientistas teriam afirmado que medidas como o confinamento da população, adotadas por alguns países e que mantiveram as pessoas em suas casas, pode ter aumentado os casos de infecção, pois “indivíduos saudáveis expostos aos raios solares receberiam cargas virais menores, o que seria mais eficiente para criar uma resposta de imunização na população”.

Pleno News finaliza afirmando que pesquisas anteriores concluíram que durante a Gripe Espanhola, pacientes internados em hospitais onde tinham contato com a luz do sol e o ar livre, tiveram mais chances de recuperação.

A matéria relata as fontes, mas não apresenta nenhum link para a pesquisa divulgada ou faz referência a agências de notícias nacionais ou internacionais. Pesquisas contrárias ao resultado apresentado ou declarações de cientistas e médicos refutando ou contestando algum ponto abordado também são citados.

A pesquisa

Bereia verificou que a o artigo científico citado na matéria é “Estimated Inactivation of Coronaviruses by Solar Radiation With Special Reference to COVID‐19”, publicado na revista Photochemistry and Photobiology.  No entanto, os dados da pesquisa foram mal interpretados. 

Os cientistas fizeram uma simulação em laboratório com raios ultravioleta e verificaram que os vírus que saem de pessoas infectadas e são depositados em superfícies tendem a ter menor propagação quando há a emissão de radiação solar ultravioleta. O vírus SARS‐COV‐2 também foi inativado mais rapidamente diante da luz solar do que outros vírus como o influenza. Daí a conclusão de que  a luz solar deve ter um papel na ocorrência, taxa de propagação e duração de pandemias de coronavírus. 

A pesquisa, no entanto, não fala da taxa de contaminação em seres humanos, e sim da inativação da carga viral em superfícies contaminadas. O artigo também não afirma que a exposição de pessoas à luz solar por 34 minutos pode ajudar no combate à Covid-19. 

Também não é verdade que os cientistas desencorajaram o isolamento social após a pesquisa, como afirma a matéria do Pleno News. Um dos autores da pesquisa, David Lytle afirmou recentemente ao Washington Post que o sol é útil, mas ainda não é a resposta total.

O professor de física da Unicamp, Leandro R. Tessler, explicou em uma rede social o motivo da matéria de Pleno News sobre o artigo científico conter desinformação. “Os autores não expuseram o vírus ao sol e verificaram se ele estava desativado ou não (vírus não morrem porque não vivem). Eles fizeram estimativas a partir de dados de vírus similares e resultados de laboratório. Não há qualquer garantia de que a exposição ao sol por 34 minutos desative o vírus. Os títulos dessas matérias são pura desinformação e não podem ser tomados como evidência científica. São só uma interpretação muito errada de um artigo”, explica. 

Desinformação em massa

Quase ao mesmo tempo, diversos sites publicaram matérias praticamente idênticas. Todos os veículos exibiam textos e fontes equivalentes e todos com a mesma conclusão: a luz do sol “mata” o coronavírus, portanto o confinamento seria uma medida equivocada. Bereia não encontrou nenhum parecer ou nota oficial emitida por governos ou entidades internacionais de saúde corroborando a notícia ou parte de suas conclusões. O Jornal o Dia tirou notícia do ar em menos de 24h, quando já estava sendo compartilhada em massa nas mídias sociais por críticos do isolamento social

A desinformação ligada ao novo Coronavírus difundida por alguns sites e perfis de redes sociais digitais tornou-se prática comum e perigosa. Bereia fez diversas checagens nas últimas semanas a este respeito. De Informações enganosas sobre transmissão do vírus e falsas estatísticas, passando por declarações de pessoas públicas como a cantora gospel Fabiana Anastácio chegando até a suposta cura do Bispo Edir Macedo.

A desinformação também veio do próprio governo federal. Declarações da Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos Damares Alves e do Ministro da Secretaria de Governo Luiz Eduardo Ramos foram checadas por Bereia.

Bereia conclui que é enganosa a matéria afirmando que a exposição ao sol mataria o Coronavírus. A matéria apresenta um estudo científico verdadeiro, no entanto, apresenta informações falsas e distorcidas sobre a pesquisa. A desinformação em qualquer área é extremamente danosa. Particularmente no campo da saúde, a desinformação é desastrosa, pois pode causar vítimas fatais. 

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Referências de Checagem:

Pleno.News. Aliado: Sol forte pode matar coronavírus em 34 minutos. Disponível em: https://pleno.news/saude/coronavirus/aliado-sol-forte-pode-matar-coronavirus-em-34-minutos.html?amp=1&__twitter_impression=true. Consulta em 23/03/2020

Estimated Inactivation of Coronaviruses by Solar Radiation With Special Reference to COVID‐19. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/php.13293 Consulta em 23/06/2020

Coletivo Bereia. É enganosa informação que a transmissão de Covid-19 é rara em pacientes assintomáticos. Disponível em: https://coletivobereia.com.br/e-enganosa-informacao-que-a-transmissao-de-covid-19-e-rara-em-pacientes-assintomaticos/ Consulta em 23/06/2020.

Coletivo Bereia: É verdade que Fabiana Anastácio negou o risco de ser infectada pela Covid-19. Disponível em: https://coletivobereia.com.br/e-verdade-que-fabiana-anastacio-negou-o-risco-de-ser-infectada-pela-covid-19/ Consulta em 23/06/2020.

Coletivo Bereia. Ministra Damares Alves faz acusações sem provas sobre contaminação de indígenas por Covid-19. Disponível em: https://coletivobereia.com.br/ministra-damares-alves-faz-acusacoes-sem-provas-sobre-contaminacao-de-indigenas-por-covid-19/ Consulta em 23/06/2020.

Coletivo Bereia. Bispo Macedo, Covid-19 e a cloroquina. Disponível em: https://coletivobereia.com.br/bispo-macedo-covid-19-e-a-cloroquina/ Consulta em 23/06/2020.

Coletivo Bereia. Ministro apresenta desinformação sobre a Covid-19 em entrevista. Disponível em: https://coletivobereia.com.br/ministro-apresenta-desinformacao-sobre-a-covid-19-em-entrevista/. Consulta em 24/06/2020

Coletivo Bereia. É falso que números por Covid-19 caem no Brasil por ações da Polícia Federal e do Ministro da Saúde. Disponível em: https://coletivobereia.com.br/e-falso-que-numeros-por-covid-19-caem-no-brasil-por-acoes-da-policia-federal-e-do-ministro-da-saude/ Consulta em 24/06/2020

IG. Sol forte pode matar o novo coronavírus em até 34 minutos, aponta estudo. Disponível em: https://saude.ig.com.br/2020-06-23/sol-forte-pode-matar-o-novo-coronavirus-em-ate-34-minutos-aponta-estudo.html Consulta em 24/06/2020. 

O Liberal. Meia hora de sol forte mata o coronavírus em superfícies. Disponível em: https://www.oliberal.com/mundo/meia-hora-de-sol-forte-mata-o-coronavirus-em-superficies-1.279375. Consulta em 24/06/2020

Rondônia ao Vivo. COVID-19: Sol forte pode matar o novo coronavírus em até 34 minutos, aponta estudo. Disponível em: https://www.rondoniaovivo.com/noticia/brasilemundo/2020/06/23/covid-19-sol-forte-pode-matar-o-novo-coronavirus-em-ate-34-minutos-aponta-estudo.html Consulta em: 24/06/2020

UOL. Estudo: coronavírus pode ser enfraquecido pela luz do sol, calor e umidade. Disponível em: https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/rfi/2020/04/24/estudo-coronavirus-pode-ser-enfraquecido-pela-luz-do-sol-calor-e-umidade.htm Consulta em 24/06/2020

Fake News rodeiam Diário Oficial da União

Na madrugada de hoje, 24 de abril, foi publicado no Diário Oficial da União (DOU), a exoneração do diretor geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo.

O Diário Oficial é um dos veículos de comunicação pelo qual a Imprensa Nacional tem de tornar público todo e qualquer assunto acerca do âmbito federal. Espera-se, que toda divulgação feita neste veículo seja verdadeira, pois orienta todas as áreas da vida da nação. Mas, hoje, descobriu-se publicamente, por meio de pronunciamento do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, que as fake news rodeiam o veículo.

O documento publicado no Diário Oficial afirma que a exoneração foi feita “a pedido”, o que foi desmentido pelo agora ex-ministro em pronunciamento na manhã desta sexta-feira, 24 de abril.

“Não é verdadeiro que o Maurício queria sair. O ápice da carreira na PF é o cargo de diretor geral. Claro que depois de tantas pressões, ele até manifestou a mim que talvez fosse melhor sair se conseguisse uma substituição adequada. Mas sempre devido à pressão, que ao meu ver não seria apropriada.”

O documento também apresenta a assinatura eletrônica de Moro, indicando que ele sabia da exoneração antes da publicação no Diário Oficial. Durante pronunciamento ele também desmentiu sobre assinatura, depois de ter dito que tomou conhecimento da exoneração somente pelo periódico:

“Fiquei sabendo pelo Diário Oficial, não assinei esse decreto.”

Em pronunciamento, realizado na tarde do mesmo 24 de abril, Bolsonaro contestou a fala do ex-ministro e afirmou que a exoneração foi “a pedido”.

“Sobre a exoneração do doutor Valeixo, diretor geral da Polícia Federal, pela lei 13047 de 2014, é prerrogativa do Presidente da República a nomeação e a exoneração do Diretor Geral, bem como de vários outros cargos da administração direta.
A exoneração ocorreu após uma conversa minha com o Ministro da Justiça na manhã de ontem. À noite, eu e o doutor Valeixo conversamos por telefone e ele concordou com a exoneração a pedido.
Desculpe senhor Ministro, o senhor não vai me chamar de mentiroso. Não existe uma acusação mais grave para um homem como eu, militar, cristão e Presidente da República ser acusado disso. Essa foi a minha conversa com o doutor Valeixo. E mais ainda, não só a imprensa publicou, no dia de ontem e de hoje, bem como, entre aspas, o doutor Valeixo em contato com a superintendência do Brasil, comunicando que estava cansado, e que desde janeiro queria sair. Então não foi uma demissão que causasse surpresa a quem quer que fosse.”

Após o pronunciamento do presidente, o ex-ministro Moro se pronunciou no Twitter:

Na noite desta sexta, alterações foram feitas no Diário Oficial. A assinatura do ex-ministro Moro foi retirada, e no lugar, acrescentaram o nome do ministro da Casa Civil, Walter Souza Braga Netto, e do ministro da Secretaria Geral da Presidência, Jorge Antonio de Oliveira Francisco.

A relação do Governo Federal com as Fake News não é de agora, segundo o site de checagem de notícias Aos Fatos, desde a posse de Bolsonaro até hoje, já foram 926 declarações falsas ou distorcidas.

Vamos acompanhar os desdobrabramentos dessas declarações no cenário político nos próximos dias. Infelizmente o Brasil tornou-se terra fértil para a proliferação de fake news. De onde se espera mais verdade, vem dúvida, passível de mentira e engano.

O Coletivo Bereia, no compromisso de atuar com informação e checagem de notícias, no enfrentamento de toda desinformação, lamenta ter que noticiar este fato aos seus leitores e leitoras, a quem só resta acreditar que a injustiça governa.

Mas o povo brasileiro continua acreditando em um país onde haja política justa para todos e todas.

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Referências de Checagem:

Diário Oficial da União – acessado em 24 de abril às 14H03. Disponível em: http://www.in.gov.br/web/dou/-/decreto-de-23-de-abril-de-2020-253769429

Youtube – Sergio Moro anuncia sua saída do Ministério da Justiça – acessado em 24 de abril às 12h15. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Yol5UvdlP2Y

Youtube – Pronunciamento do presidente da República, Jair Bolsonaro – acessado em 24 de abril às 18h02. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=r50zxW-D7M0

Aos Fatos – acessado em 24 de abril às 18h23. Disponível em: https://aosfatos.org/todas-as-declarações-de-bolsonaro/

Foto de destaque: Jair Bolsonaro e Sérgio Moro, por Carolina Antunes/PR

São imprecisas as notícias sobre proibição de cultos online na China

No dia 08 de abril o site Guiame publicou a notícia – “China proíbe cultos online mesmo durante pandemia”. 

Baseado em informações publicadas em 5 de abril pela revista eletrônica Bitter Winter e Christian Headlines, o texto afirma:

Igrejas de todo o mundo estão realizando cultos online durante a pandemia do COVID-19, mas essa ação permanece ilegal na China. Segundo informou o Bitter Winter em 5 de abril, pouquíssimas organizações, e “apenas aquelas que possuem licenças emitidas pelo Estado”, podem transmitir serviços religiosos online na China.  “Não podemos nos reunir por causa da pandemia”, disse o pastor de uma igreja subterrânea na província de Jiangxi ao Bitter Winter. O pastor tentou transmitir um sermão em 9 de fevereiro através de um aplicativo, mas foi interrompido.

Lançado em 2018, o Bitter Winter é uma revista digital sobre liberdade religiosa e direitos humanos na China, publicada diariamente em oito idiomas pelo Centro de Estudos sobre Novas Religiões – CESNUR . A revista recebe alguns de seus relatórios diretamente de membros de minorias religiosas e organizações perseguidas na China. Na página de descrição do site, o Bitter Winter se diz um projeto independente de qualquer organização religiosa ou política e fruto de trabalho voluntário.   

A matéria do Guiame faz menção a regulamentos emitidos em 2018 pela Administração Estatal da China para Assuntos Religiosos (SARA), do qual proibia a transmissão de atividades religiosas pela internet, no entando, a matéria não oferece o link para a fonte original da referida lei.

“Nenhuma organização ou indivíduo poderá transmitir ao vivo ou transmitir suas atividades religiosas, incluindo orar, cantar, ordenações, ler as escrituras, adorar ou receber batismo online na forma de texto, foto, áudio ou vídeo”, diz a lei comunista

Em uma busca feita no principal centro de informações do governo chinês, o “The State Council Information Office of China” (SCIO) e no site do Ministério da Justiça da República Popular da China, usando as mesmas palavras usadas na matéria da revista Bitter Winter, “Measures for the Management of Religious Information on the Internet”, não foi possível localizar as medidas mencionadas no texto.

Outra tentativa sem sucesso para encontrar a suposta lei que proíbe transmissões online de atividades religiosas, foi no site China Law Translate (CLT). A página é um “projeto de tradução colaborativo dedicado a facilitar a comunicação entre profissionais jurídicos chineses e estrangeiros, criando traduções rápidas e confiáveis ​​da autoridade legal chinesa. Desde o seu lançamento em 2013, a CLT tornou-se uma fonte oficial em inglês para notícias e análises sobre o direito chinês, além de uma fonte indispensável de traduções de qualidade”, afirma a apresentação do site. 

No dia 13 de abril, o site Gospel Prime reproduziu a notícia sob o título “Cultos online são censurados ou banidos na China”. Assinada por Neto Gregório, a matéria usa as mesmas fontes da notícia publicada pelo Guiame e reporta a proibição dos cultos online.

O texto do matéria descreve que o fundamento da proibição das transmissões de atividades religiosas pela internet são as “Medidas para o Gerenciamento de Informações Religiosas na Internet, emitidas em setembro de 2018 pela Administração Estatal da China para Assuntos Religiosos”. Entretanto, o link oferecido na matéria não trata de assuntos de caráter religiosos; trata-se da Lei de Administração de Vacinas da República Popular da China.

De acordo com matéria do Nexo Jornal, publicada em maio de 2019, a liberdade religiosa na China vai sendo cerceada aos poucos pelo governo chinês. Citando um relatório da Human Rights Watch, divulgado em janeiro de 2019, o texto do Nexo afirma que “as restrições religiosas feitas pelo governo chinês incluem ações de controle de publicações, finanças e agendas dos clérigos”, e que “o governo vem tratando grupos religiosos não-oficiais como cultos do mal, sujeitos a agressões policiais e prisão”.

A censura na China

A matéria do Guiame explica que, apenas as igrejas registradas pelo Governo chinês podem fazer transmissões online:

As igrejas na China devem se registrar no governo e participar do Movimento Patriótico dos Três Autos (Three Self) ou da Associação Católica Patriótica Chinesa. Mas como essas igrejas aprovadas pelo estado enfrentam severas restrições, milhões de cristãos adoram em igrejas clandestinas ilegais.

O governo chinês impõe um rigoroso controle sobre as atividades e os conteúdos acessados pela população chinesa. Segundo matéria do site Consumer News Bussines Channel (CNBC) – canal informativo estadunidense que cobre notícias do mercado financeiro nacional e internacional –, além de bloquear o acesso ao Google e ao Facebook, o governo chinês vai implantando gradativamente diretrizes muito mais rigorosas:

As autoridades reprimiram os principais sites de streaming de vídeo da China, dobraram a repressão às redes virtuais privadas (VPNs), removeram  programas de TV estrangeiros de plataformas online, exigiram que os usuários se registrassem em fóruns online com seus nomes verdadeiros e introduziram leis que responsabilizam os administradores do grupo de bate-papo pelo que é dito em seus espaços. As novas regras também exigem que os sites de notícias on-line sejam supervisionados pela equipe editorial aprovada pelo governo e que os trabalhadores tenham credenciais de relatórios do governo central.

Em setembro de 2018, a Exame publicou a notícia “China anuncia projeto de lei que proíbe conteúdos religiosos na internet”. A matéria declara:

A prática de publicar fotos de batismo, cerimônias budistas ou missas nas redes sociais será banida em breve na China, sob um projeto de lei cujo objetivo é coagir ainda mais as religiões. Os órgãos devidamente autorizados poderão continuar a publicar certos conteúdos religiosos, mas dentro de um quadro estritamente definido, de acordo com o projeto de lei anunciado nesta segunda-feira pelo Escritório Nacional de Assuntos Religiosos da China. “Nenhuma organização ou indivíduo pode, em qualquer formato (texto, imagem, som, vídeo, etc.) transmitir ao vivo ou on-line venerações a Buda, queima de incenso, ordenações de monges, leituras de sutras (discursos de Buda ou seus discípulos), serviços religiosos, missas, batismos ou qualquer outra atividade religiosa”, diz o texto.

As medidas emitidas em 2018 pelo governo chinês relacionadas às restrições de atividades religiosas foram noticiadas, à época, pelo site informativo Asia News. Segundo o canal, as medidas proíbem “a transmissão ao vivo de cerimônias religiosas, bem como orações, pregações e queima de incenso” e impõe a autorização do governo para a criação de sites religiosos. Explicando as novas medidas, o site South Chine Mornig Post acrescenta que “os envolvidos em serviços de informações religiosas on-line são proibidos de promoções comerciais em nome da religião, distribuindo suprimentos e publicações religiosas, estabelecendo organizações e locais religiosos e desenvolvendo crentes de religiões”.

Além do Google e do Facebook, as plataformas como Twitter e WhatsApp também são proibidas na China. Inúmeros outros sites surgiram no país para oferecer as mesmas funções, mas funcionam sob rigoroso monitoramento. Para burlar a proibição muitos cidadãos locais usam as VPN (Virtual Private Network, rede de comunicações privada construída sobre uma rede de comunicações pública) ou utilizam opções semelhantes como WeChat e Weibo.

A perseguição religiosa na China  

A China ocupa a 23ª posição na Lista Mundial de Perseguição – ranking produzido pela Portas Abertas, organização que monitora o nível de hostilidade aos cristãos no mundo. O país vem demonstrando crescimento no nível de pressão aos cristãos na esfera da vida privada, comunitária, nação e igreja. Esse crescimento pode ser visto na implementação muito rígida da regulamentação religiosa, que começou no dia 1º de fevereiro de 2018. Mas a Portas Abertas adverte: “É importante lembrar que a China é grande e a situação dos cristãos pode ser muito diferente em várias partes do país. Entretanto, é correto dizer que a situação dos cristãos se deteriorou por todo o país, conforme mostram relatórios de diferentes províncias. […] Muitas igrejas não se desfizeram depois de experimentarem repressão, elas se reorganizaram e deliberadamente se dividiram em grupos menores. Diversas outras igrejas são monitoradas e fechadas, não importando serem independentes ou do Movimento Patriótico das Três Autonomias, que pertence ao Governo.”

O Relatório de Liberdade Religiosa (2018) sobre a China, produzido pela ACN (fundação da pontifícia católica que presta assistências às igrejas que sofrem perseguição), confirma que em 1º de fevereiro de 2018, “entrou em vigor um novo Regulamento dos Assuntos Religiosos, constituído por novas leis sobre prática religiosa que são as mais restritivas nos últimos 13 anos. Este regulamento é uma atualização do Regulamento dos Assuntos Religiosos de 2005 e restringe muitas atividades religiosas a locais registrados. O regulamento introduz novas restrições à expressão religiosa online e ao proselitismo, e contém disposições específicas sobre religião, segurança nacional e contatos com o estrangeiro”.

A inconsistência na informação

A matéria produzida pelo Bitter Winter, publicada em português pelo site Guiame e reproduzida por outros sites evangélicos, não apresenta detalhes do contexto das igrejas na China e as restrições impostas pelo governo. Para saber mais detalhes, nossa equipe conversou pelo WhatsApp com um jovem cristão brasileiro que faz mestrado em uma universidade chinesa. Ele vive no país há anos.

O jovem prefere não se identificar, mas afirma: “Sim. É verdadeira a notícia. Mas não é nada de novo para ninguém. E os chineses acham mil formas de se conectar, usando as ferramentas que o sistema político chinês permite serem usadas.”

Ele diz que as restrições são severas, mas que pastores que insistem em dar entrevistas para meios de comunicação ocidentais e fazer transmissões online sem tomar as devidas precauções são “desnecessariamente teimosos”. “Mas é fato que lá não pode nem falar de sexo em aplicativos de streaming sem ser bloqueado, nem de política interna e nem de muitas outras coisas. É fato isso.”, afirma o estudante.

Por outro lado, o jovem conta que é possível sim realizar algumas atividades religiosas pela internet, mas dentro dos moldes autorizados pelo governo. Ele relata:

A minha igreja, desde o primeiro dia que a cidade fechou, começou a fazer devocionais online e cultos ao domingo, mas no formato que é permitido. No aplicativo WeChat (como se fosse WhatsApp), com a liturgia organizada. Áudios gravados no mesmo dia por pessoas escaladas. Ao começar, o pastor ia mandando mensagens e áudios e as outras pessoas iam mandando na sequência suas orações, etc. A mensagem era gravada e até os cânticos e as letras eram enviados. Aliás, de umas semanas pra cá, minha igreja tem usado um aplicativo chinês, tipo o Zoom, onde a reunião acontece normalmente. A restrição é mesmo para esses aplicativos de live como Instagram, onde qualquer pessoa poderia entrar e assistir. Desde que seja restrito a um grupo de pessoas, eles conseguem se reunir online normalmente.

Há também outro problema pontuado pelo estudante. “Como o coronavírus se espalhou na Coreia do Sul por causa de uma seita cristã, o governo chinês (e todo mundo) acabou descobrindo que o número de pessoas seguidores dessa seita coreana em Wuhan era imenso. E a maioria dessas comunidades se passavam por cristãs para recrutar cristãos que ainda não eram discipulados. Esse fenômeno de forçar mais ainda o bloqueio de sermões em aplicativos de live é também por causa dessa seita”.

Ele acrescenta que algumas igrejas em Wuhan, cidade chinesa na qual vive, tiveram boas iniciativas durante a pandemia, oferecendo ajuda psicológica 24 horas. Eu acredito que foi um ótimo testemunho para o governo. […] Eu acho que esse tipo de entrevista [da Bitter Winter] ofusca o bom testemunho que realmente pode levar o governo a entender o quão importante é a igreja na hora de crise social, e ainda afirma, “Eu penso que nem os cristãos ocidentais nem os seus governos vão conseguir “livrar” os cristãos chineses do sistema de governo chinês. Nem por decreto, nem por convencimento. O governo chinês, apesar das leis, tem dado espaço sim para igrejas. De verdade. Eles têm feito vários experimentos para ver o que dá certo e o que não dá. Essas notícias, às vezes, acabam mais atrapalhando esse relacionamento sensível da igreja com o estado, mesmo sem saber”.

Repercussão da notícia

A notícia da proibição de cultos online na China foi reproduzida por vários sites evangélicos, como CPAD News, Universal, Terça Livre, Gospel Mais, Conexão Política, Notícia Gospel e Gospel Prime. Na página do Gospel Prime no Facebook, por exemplo, o conteúdo gerou bastante interação, tendo mais de 2 mil compartilhamentos e mais de 100 comentários. A maior parte condenando a suposta proibição imposta pelo governo chinês.

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Bereia conclui que a notícia produzida pelo Bitter Winter, publicada em português por Guiame e reproduzida por outros sites evangélicos é imprecisa. Nenhum dos 13 sites que publicaram a notícia apresenta o contexto da situação religiosa no país ou oferece a fonte da Lei chinesa que apresenta as medidas restritivas de transmissão online – o que impede o leitor de acessar e confirmar a informação. Além disso, a matéria do Guiame e da Bitter Wintter não apresentam a outra perspectiva do fato, de que transmissões online de atividades religiosas são permitidas, desde que atendam as diretrizes exigidas pelo governo chinês, conforme relatou ao Bereia o estudante brasileiro que vive há anos na China. Embora tenha tido bastante repercussão e mostre uma faceta da repressão religiosa na China, a notícia pode mais dificultar do que contribuir com o cenário construído ao redor do mundo entre governo chinês e igrejas.

Referências de Checagem:

China proíbe cultos online mesmo durante pandemia. Guiame, 10 abr 2020. Disponível em: https://m.guiame.com.br/gospel/missoes-acao-social/china-proibe-cultos-online-mesmo-durante-pandemia.html 

Cultos online são proibidos ou banidos na China. Gospel Prime, 14 abr 2020. Disponível em: https://www.gospelprime.com.br/cultos-online-sao-censurados-ou-banidos-na-china/

Religious Activities Online Banned or Censored During Pandemic. Bitter Winter, 10 abr 2020. Disponível em: https://bitterwinter.org/religious-activities-online-banned-or-censored-during-pandemic/ 

Lei de Administração de Vacinas da República Popular da China. 14 abr 2020. Disponível em: https://archive.fo/QcUd6

China proíbe cultos online mesmo durante pandemia. Cpad News, 14 abr 2020. Disponível em: http://www.cpadnews.com.br/universo-cristao/50021/china-proibe-cultos-online-mesmo-durante-pandemia.html

China proíbe cultos online mesmo durante pandemia. Notícia Gospel, 14 abr 2020. Disponível em: https://noticiagospel.com.br/china-proibe-cultos-online-mesmo-durante-pandemia/

Partido Comunista Chinês censura cultos online de cristãos na China durante a pandemia. Conexão Política, 22 abr 2020. Disponível em: https://conexaopolitica.com.br/ultimas/partido-comunista-chines-censura-cultos-online-de-cristaos-na-china-durante-a-pandemia/ 

Perseguição aos cristãos na China. Portas Abertas, 14 abr 2020. Disponível em: https://www.portasabertas.org.br/lista-mundial-da-perseguicao/china

China Bans Churches from Streaming Services, Even during Pandemic. Christian Headlines, 14 abr 2020. Disponível em: https://www.christianheadlines.com/contributors/michael-foust/china-bans-churches-from-streaming-services-even-during-pandemic.html 

China anuncia projeto de lei que proíbe conteúdos religiosos na internet. Exame, 15 abr 2020. Disponível em: https://exame.abril.com.br/mundo/china-anuncia-projeto-de-lei-que-proibe-conteudos-religiosos-na-internet/

Mesmo proibido na China, Facebook abre uma subsidiária no país. Canaltech, 15 abr 2020. Disponível em: https://canaltech.com.br/mercado/mesmo-proibido-na-china-facebook-abre-uma-subsidiaria-no-pais-118722/ 

Na China, uma geração inteira está crescendo sem Google, Facebook ou Twitter. Gazeta do Povo, 15 abr 2020. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/economia/na-china-uma-geracao-inteira-esta-crescendo-sem-google-facebook-ou-twitter-d0s5nttnb6mu3muwo7d4c23tl/

Gospel Prime no Facebook: https://www.facebook.com/gospelprime/ 

China proíbe cristãos de realizar cultos online durante a pandemia. Universal, 15 abr 2020. Disponível em: https://www.universal.org/noticias/post/china-proibe-cristaos-de-realizarem-cultos-online-durante-a-pandemia/

China proíbe cultos online mesmo durante pandemia, diz site. Terça Livre, 15 abr 2020. Disponível em: https://www.tercalivre.com.br/china-proibe-cultos-online-mesmo-durante-pandemia-diz-site/

China intensifica perseguição e agora bloqueia transmissão de cultos online. Gospel Mais, 15 abr 2020. Disponível em: https://noticias.gospelmais.com.br/china-perseguicao-bloqueia-transmissao-cultos-online-133413.html

Governo chinês bloqueia acesso ao Google e Facebook. Consumer News Bussines Channel. Disponível em: https://www.cnbc.com/2017/10/26/china-internet-censorship-new-crackdowns-and-rules-are-here-to-stay.html  

The State Council Information Office of China (SCIO). Disponível em: http://english.scio.gov.cn/aboutscio/index.htm 

Ministério da Justiça da República Popular da China. Disponível em: http://en.moj.gov.cn/

China plans licence system to crack down on ‘chaotic’ online promotion of religion. South China Mornig Post, 23 abr 2020. Disponível em: https://www.scmp.com/news/china/politics/article/2163706/china-plans-licence-system-crack-down-chaotic-online-promotion

O projeto chinês de ‘retraduzir’ a Bíblia. E o cerco às religiões. Nexo Jornal, 22 abr 2020. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2019/05/15/O-projeto-chin%C3%AAs-de-%E2%80%98retraduzir%E2%80%99-a-B%C3%ADblia.-E-o-cerco-%C3%A0s-religi%C3%B5es

Motoboys de São Paulo não protestaram contra João Doria

FOTO: Reprodução/ Sindicato dos Motoboys de São Paulo

Uma manifestação de motoboys na capital paulista em 20 de abril de 2020 ganhou espaço no noticiário. Eles reivindicavam melhores condições de trabalho durante o período de quarentena, preconizado como medida para conter o avanço da Covid-19. 

O fato ganhou outras proporções no momento em que a youtuber católica, Sara Winter, que se declara ex-feminista, compartilhou, no mesmo dia, em sua página no Facebook, a notícia, originalmente publicada pela Folha de S. Paulo, e incluiu a seguinte chamada:

“Os trabalhadores paulistas das mais variadas classes de serviços já estão sentido o peso das atitudes impensadas e autocráticas do governador João Doria!”. 

Imagem: Reprodução/Facebook

Sara Winter é consultora particular do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, função assumida depois de ter sido cotada como Coordenadora Nacional de Atenção Integral à Gestação e Maternidade no mesmo Ministério. Segundo biografia disponível em seu site, após passar pela experiência traumática de um aborto, Sara converteu-se ao catolicismo, tornando-se uma das maiores lideranças e conferencista pró-vida e pró-família em nível nacional e internacional. 

O alcance e o volume de usuários em sua página no Facebook impressionam. São mais de 270 mil usuários impactados por cada publicação. Portanto, o post do dia 20 de abril, que sugere que o protesto dos motoboys foi motivado em oposição ao governador João Doria (PSDB), é submetido à checagem como forma de verificar a associação entre a matéria compartilhada do site da Folha de S. Paulo e a chamada redigida por Sara Winter.

Vale lembrar que, desde o registro da primeira morte pelo vírus em São Paulo, no dia 17 de março, Doria, determinou uma gradual quarentena no estado de São Paulo. A primeira medida foi a suspensão das aulas nas escolas e, logo em seguida, o fechamento do comércio, shoppings e serviços não essenciais. A ação foi, depois, acompanhada por outros governadores. 

Matéria da revista IstoÉ, de 03 de abril, traz avaliação favorável a João Dória, também realizada por outras mídias de que, ao assumir as medidas preventivas de isolamento social, indicadas pela Organização Mundial de Saúde, o governador paulista “virou um antídoto contra Bolsonaro e suas atitudes irresponsáveis de mandar todo mundo voltar ao trabalho, o que, se tivesse sido obedecido pela população, teria levado o País a números devastadores como os já registrados nos EUA, Espanha, Itália e China”.

A matéria compartilhada por Sara Winter

O Coletivo Bereia checou a matéria original postada por Sara Winter como crítica a João Doria, veiculada no site da Folha de S. Paulo, às 12h54, de 20 de abril. Não é difícil constatar pela simples leitura que o protesto não foi direcionado ao governador, mas, sim, contra as empresas de entregas por aplicativo. Segundo a reportagem, os motoboys pediram melhores condições de trabalho ao longo da quarentena contra o novo coronavírus. Entre os questionamentos, destacaram-se o bloqueio dos entregadores diante da não conclusão das rotas, a falta de suporte mediante casos de acidentes no trabalho e ainda o baixo valor que a categoria está recebendo para fazer as entregas neste contexto de pandemia.

A matéria da Folha de S. Paulo traz depoimentos de alguns motoboys que salientam, de forma clara, a insatisfação com empresas como Rappi, iFood e Uber Eats, e em qualquer momento mencionam o governador de São Paulo.

O desfecho do protesto dos motoboys ocorreu na cidade de Osasco (SP). De acordo com a matéria da Folha, após a moto-carreata, que começou na Praça Leonor Kaupa, no Bosque da Saúde (zona sul), o grupo de manifestantes se aglomerou em frente à sede do iFood, onde, por meio de um carro de som, discursou contra as empresas de entrega por aplicativo.

A Folha de S. Paulo ainda apurou os questionamentos com as empresas. O Rappi informou por meio de uma nota que segue atendendo às recomendações preconizadas pelos órgãos de saúde, como a entrega sem contato, oferta de máscaras e álcool em gel 70% ou mais, disponibilização de botão específico para que o entregador informe possíveis sintomas de Covid-19, além da criação de um fundo de apoio financeiro por 15 dias para motoboys diagnosticados com a doença. 

À Folha, o iFood também confirmou a entrega de equipamentos de proteção individual (EPIs) e a implantação do fundo de apoio financeiro. Sobre o valor do frete, o aplicativo afirmou em nota que considera o tipo de rota percorrida, o modal utilizado e a cidade, salientando ainda que só bloqueia aqueles que utilizam a plataforma de forma indevida. Já o Uber Eats, segundo a publicação, não se posicionou.

A situação dos entregadores por aplicativos

O protesto apurado pela Folha de S. Paulo, no dia 20 de abril, ocorreu três dias depois de um outro, também em São Paulo, realizado por entregadores, contra a redução do valor pago por entregas realizadas por aplicativo. Nessa ocasião, os trabalhadores queixavam-se de má remuneração e falta de equipamento de proteção. 

Quem também noticiou a difícil situação que os entregadores se encontram foi Gregório Duvivier, em seu programa Greg News, intitulado “Delivery”. Em um dos depoimentos, um entregador mostrou que, passado um ano que trabalhava no aplicativo, teve que fazer o dobro de entregas para conseguir ganhar a metade do que tinha recebido no ano anterior. Ele revela o quanto as empresas de aplicativos de entrega reduziram o valor do pagamento pelas entregas em tempos de pandemia, quando os pedidos se multiplicaram, ou seja, ganham mais e pagam menos aos trabalhadores.

Por outro lado, após ouvirem o desafio ao final do programa Greg News, programadores criaram um canal digital para conectar entregadores e advogados trabalhistas.

O estímulo à informalidade desde a “Reforma Trabalhista” aprovada no governo Temer, em 2017, e enfatizada pelo governo Jair Bolsonaro, fez crescer intensamente o número de trabalhadores entregadores vinculados aos aplicativos de serviços de entrega. São inúmeras as situações de exploração destas pessoas que não gozam de direitos como máximo de horas de trabalho, férias, seguro-acidente, licença de saúde, como mostram as matérias da Folha de S. Paulo e do programa Greg News. Alguns entregadores recorrem à Justiça.

Em março, o TRT reconheceu o vínculo empregatício entre um entregador e o aplicativo Rappi e reformou sentença de 1ª grau. O reclamante deu entrada em ação trabalhista em 2019, após ter sido bloqueado permanentemente do aplicativo e pedia verbas indenizatórias.  Em seu voto, o desembargador ainda lembra que o aplicativo trabalha com uma classificação dos entregadores, repercutindo na divisão do trabalho.

 Há quem se preocupe com esta situação. Um projeto de lei (PL 391/2020) do senador Fabiano Contarato (Rede-ES) determina que empresas de aplicativos de entregas paguem seguro de acidentes pessoais para os entregadores. Segundo o senador, o número de acidentes envolvendo esses trabalhadores aumentou 64%, no estado de São Paulo. Por isso, é necessário exigir o direito para preservar a vida dos entregadores.

Por que Sara Winter atribuiu o protesto dos motoboys a João Doria?

João Doria: "Eu não criei o 'BolsoDoria', movimento nasceu ...

O governador João Doria, que fez campanha utilizando a alcunha “BolsoDoria” tornou-se, recentemente, o novo inimigo da rede de apoio ao presidente Jair Bolsonaro. Esta oposição já vem ocorrendo desde 2019, quando Doria passou a fazer críticas ao governo Bolsonaro e apresentar-se como pré-candidato à Presidência da República nas eleições de 2022. A disputa entre Doria e Bolsonaro foi potencializada agora durante a crise da pandemia de coronavírus. Enquanto o presidente defende um isolamento parcial, Doria determinou, em linha com a Organização Mundial da Saúde, uma quarentena mais ampla. Ou seja, “mais do que uma discordância técnica, os seguidores de Bolsonaro veem na postura de Doria uma estratégia para derrubar o capitão reformado na corrida presidencial de 2022”.

A partir desse posicionamento dissonante, o governador João Doria passou a ser alvo de várias notícias falsas criadas ou compartilhadas por partidários do presidente.

"Meme" que circula em meio aos bolsonaristas ataca Doria e Covas por medidas contra coronavírus - Reprodução
Imagem que circula em redes bolsonaristas

Bereia selecionou algumas:

3. Ditador comunista João Doria rouba 500 mil máscaras da 3M ( Reprodução/ Youtube)

A checagem do Coletivo Bereia, portanto, conclui que a postagem na página do Facebook da ativista católica anti-feminista Sara Winter é enganosa. Ela faz uso da matéria da Folha de S. Paulo sobre o protesto de motoboys em São Paulo, por conta de direitos negados pelas empresas de entrega por aplicativos, e propaga para seus seguidores que os trabalhadores protestavam contra “as atitudes impensadas e autocráticas do governador João Doria!”. 

Sara Winter produziu desinformação com conteúdo enganoso em oposição a João Doria e recebeu várias curtidas para sua postagem, outros tantos compartilhamentos e comentários como: “#fechadoscomBolsonaro”, “Fora Doria”, “o Doriana também já está vendo o tamanho da caca e dizendo que dia 11 começa a reabrir o estado….”

Boa parte dos curtidores e compartilhadores da postagem guia-se apenas pela chamada de Sara Winter e pelo título da matéria, que não menciona contra quem é feito o protesto. Esta prática é muito comum em mídias sociais – leitores ficam apenas com chamadas e títulos e não leem o conteúdo das matérias compartilhadas por link. Muitos não apenas curtem e comentam, mas compartilham, levando adiante o engano. 

Quem deliberadamente produz material enganoso se vale desta prática comum e usa seguidores como multiplicadores de desinformação. Bereia alerta seus leitores e leitoras que atentem para esta ação injusta e os conclama a ler todo o conteúdo que lhes é destinado, comparando chamadas e títulos com o que compõe o texto e, se gerar dúvida, buscar outras fontes antes de curtir, comentar em apoio e compartilhar.

 Referências de Checagem:

Página eletrônica de Sara Winter. Disponível em: https://www.sarawinter.com.br

Dória: o antídoto contra Bolsonaro, por Germano Oliveira. IstoÉ, 3 abr 2020. Disponível em: https://istoe.com.br/o-antidoto-contra-bolsonaro/

Motoboys fazem buzinaço em SP por melhor condição de trabalho na crise do coronavírus, por Dhiego Maia. Folha de S. Paulo, 20 abr 2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/04/motoboys-fazem-buzinaco-em-sp-por-melhor-condicao-de-trabalho-na-crise-do-coronavirus.shtml?fbclid=IwAR1LPBwnz6o700hcguPA6ZCc9zQUk8wln62yji-56TUnJ12-gs1EQXaiGW4 

Entregadores protestam contra redução de valor pago por aplicativos em SP, por Felipe Pereira. UOL Notícias, 17 abr 2020. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/04/17/motoboys-de-sp-protestam-contra-baixos-pagamentos-de-aplicativos-de-entrega.htm?cmpid=copiaecola

Greg News – Delivery. HBO Brasil, 17 abr 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=v3B9w6wWNQA 

Em meio à pandemia, redes bolsonaristas elegem Doria como novo inimigo, por Alex Tjara. UOL Notícias, 1 abr 2020. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/04/01/sob-coronavirus-redes-bolsonaristas-elegem-joao-doria-como-novo-inimigo.htm]?cmpid=copiaecola

Montagem de Doria pichando símbolo do comunismo viraliza no Facebook, por Alessandra Monerat. Estadão Verifica, 17 mar 2020. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/montagem-de-doria-pichando-simbolo- 

Crise do coronavírus faz web relembrar que João Doria é a cara do Dio [x-vocalista da banda Black Sabbath]. UOL Entretenimento, 28 mar 2020. Disponível em: https://entretenimento.uol.com.br/noticias/redacao/2020/03/28/crise-do-coronavirus-faz-web-relembrar-que-joao-doria-e-a-cara-do-dio.htm?cmpid=copiaecola. 

Ditador comunista João Dória rouba 500 mil máscaras da 3M. Youtube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ansugBxxGO8

TRT-2 reconhece vínculo empregatício entre entregador e aplicativo Rapp, por Rafa Santos. Conjur, 11 mar 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-mar-11/trt-reconhece-vinculo-entre-entregador-aplicativo-rappi 

Aplicativos podem ser obrigados a pagar seguro para entregadores. Agência Senado, 21 fev 2020. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/audios/2020/02/aplicativos-podem-ser-obrigados-a-pagar-seguro-para-entregadores 

Jejum ajudou a diminuir pandemia no Brasil?

Debate entre influenciadores evangélicos, mensagens nas redes sociais de políticos e até declarações do Presidente Bolsonaro provocam uma guerra de números e estatísticas. Todavia, só há uma certeza: o Brasil precisa ampliar a testagem da população, a coleta, o tratamento, análise e divulgação dos dados. Em meio à pandemia, uma das questões centrais é a necessidade de transparência, dados confiáveis e atualizados.

O Deputado Federal Marco Feliciano (PODE/SP) publicou em seu perfil no Twitter em 14 de abril:

O deputado citou “dados do Ministério da Saúde” – e não foi o único a se referir a números sobre a COVID-19 que são conflitantes. Foram muitas as postagens sobre dados com respeito a infectados e mortos que apareceram nas mídias sociais nos últimos dias. Bereia checou a guerra de índices e narrativas sobre os infectados e os óbitos por COVID-19 (nome da doença causada pelo coronavírus).

Há narrativas que tentam associar alguns números à queda de mortes devido o “Dia de Jejum Nacional de combate à COVID-19″, que aconteceu dia 05 de abril de 2020 por meio de uma convocação feita pelo Presidente Jair Bolsonaro nas mídias sociais. Essa abordagem provocou uma disseminação considerável de dados incorretos.

LETALIDADE ALTA – O vírus é mais letal que H1N1 e continua matando

A comparação entre H1N1 e COVID-19 demonstra que o vírus atual é mais letal, inclusive, porque é capaz de provocar danos no organismo, diretamente. Mesmo que a taxa de letalidade do novo vírus seja de 0,5% a 1%, como sugerem consultores científicos do governo britânico, a letalidade seria, ainda, muito maior do que a da pandemia de H1N1, que é estimada em 0,02%, segundo um estudo liderado pela cientista Maria Van Kerkhove, da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Além da letalidade dez vezes maior do que o H1N1, o impacto maior da atual pandemia é sobre os sistemas de saúde. Até os países com mais recursos sofrem com a falta de leitos. Em todo o mundo, a taxa de ocupação é de 14 a 21 dias de internação em UTIs. A noção de que somente os idosos e pessoas com doenças preexistentes ficam doentes, também não é verdade.

A GUERRA DOS NÚMEROS – De Nova York a Brasília

Nos Estados Unidos, o debate sobre o número de mortos e infectados pela COVID-19 aumentou quando o prefeito de Nova York sugeriu que o número poderia ser maior. De fato, um dos maiores desafios na estatística é a inclusão de pacientes que morreram fora de hospitais, mas que já tinham testado positivo, bem como aqueles não testados mas que manifestavam os sintomas da doença.

No Brasil, os números também estão sendo debatidos. Em parte, a confusão é provocada pelas diferenças nas métricas, comparação de números sem tratamento epidemiológico (por semanas de evolução da doença) e, principalmente, pela não testagem da população. Por falta de coordenação, prefeituras e governos estaduais estão tomando decisões em relação a testes, equipamentos e tratamentos diversos de forma desarticulada.

Enquanto o Ministro Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS) esteve à frente do processo de combate à pandemia pelo governo federal, os protocolos da OMS foram seguidos, e os óbitos e casos eram contabilizados considerando-se cada cem mil habitantes. Esta tem sido a prática adotada para taxas oficiais, em todas as epidemias. É desta forma que o Instituto Nacional do Câncer (INCA) trata o avanço dos casos, e as prefeituras e governos acompanham os casos de dengue e meningite (número/cem mil habitantes).

Em postagem no Twitter, em 15 de abril de 2020, o Presidente Jair Bolsonaro expôs outra forma de contabilização dos casos: por milhão de habitantes. Ainda que matematicamente possível, faz parecer que a mortalidade é menor. Este tipo de contagem mostra, apenas, a gravidade do problema sob outra perspectiva. Além disso, o dado atual é de que a letalidade está em 10 óbitos/milhão de habitantes.

DA ESPANHOLA à COVID-19 – a pandemia sempre nasce da mutação de um vírus

A gripe “espanhola” que se tornou uma pandemia, de janeiro de 1918 a dezembro de 1920, infectou 500 milhões de pessoas em dois anos. O surto ganhou esse nome por causa da liberdade da imprensa espanhola em noticiar os casos, incluindo até a família real espanhola. Na época, não havia o sequenciamento genético dos vírus – algo que ajuda a entender melhor como as doenças se espalham, por isso, a origem acertada da “gripe espanhola” é desconhecida.

Atualmente, por conta do sequenciamento genético possível, a OMS passou a designar as doenças por siglas, como a COVID-19, causada pelo SARS-COV-2. O vírus é uma mutação de outro conhecido anteriormente, que provoca Síndrome Aguda Respiratória – ou seja, uma doença que acomete os pulmões e impede a pessoa de respirar. A falta de UTIs, de respiradores e a evolução rápida para o óbito fazem da atual pandemia um desafio global.

Ao lado da mudança de nome e da leitura dos casos a cada cem mil habitantes, os cientistas também verificam grau de contágio e, principalmente, as evoluções por semanas. Saber se o vírus contagia mais pessoas e verificar em quantas semanas os pacientes pioram é essencial para a prevenção e o tratamento. Até 19 de abril de 2020, segundo dados da Universidade Johns Hopkins (EUA), foram confirmados 2.401.379 casos de COVID-19 no mundo e 165.044 mortes . Até a mesma data, o Brasil confirmou 38.654 casos e 2.462 mortes.

No Brasil são feitos poucos testes, sendo o país com uma das menores proporções no mundo e isso impacta de forma significativa na subnotificação. Além disso, há desafios relacionados às dificuldades existentes para a atribuição da causa da morte. Com isso, o número de mortes confirmadas e divulgadas pode não ser precisa em relação ao número real de mortes por COVID-19. A cada dia somam-se aos resultados divulgados, óbitos que ocorreram entre 1 e 30 dias anteriores à essa data de divulgação. Ou seja, além da pressão sobre leitos de UTI, o país pode experimentar também uma pressão sobre a coleta de dados e registro de óbitos. Chama a atenção, em todos os boletins epidemiológicos do Ministério da Saúde, uma nota: os dados podem ser revistos.

POR QUE PRECISAMOS SABER LER GRÁFICOS?

Em 14 de abril de 2020, o pastor Marcos de Souza Borges, também conhecido como Pr. Coty, um dos diretores da organização Jovens com uma Missão (JOCUM), publicou no Instagram que a redução do número de mortes no Brasil por coronavírus coincide com o 5 de abril, dia do Jejum Nacional. O pastor induziu seus leitores à conclusão de que a campanha religiosa convocada pelo Presidente da República foi bem sucedida no combate ao vírus.

Bereia checou vários exemplares do Boletim Epidemiológico (material publicado pelo Ministério da Saúde) de onde foi retirado o gráfico do pastor Coty (Boletim Epidemiológico 8). A cada dia, novos óbitos são incluídos nas estatísticas, isso se dá em função da demora na confirmação do laudo da causa morte por COVID-19. Há um tempo de testagem que precisa esperar e uma fila cada vez maior diante do aumento do número de casos. O colapso que se anuncia para o sistema de saúde inclui a capacidade de diagnóstico e análise de dados. E esses desafios somam-se à questão da subnotificação.

Ao analisar os boletins 8, 9 e 10 do Ministério, foi possível identificar que a cada dia é indicado um número que pode ser revisto – cerca de 20% dos óbitos anunciados ainda não tinham sido confirmados como tendo sido causados ou não por COVID-19. Além desse percentual, novos óbitos, que não eram suspeitos, podem vir a ser incluídos após o resultado dos exames. Assim, observou-se que a cada dia os novos óbitos anunciados não se concentram na véspera ou no dia em questão, mas se distribuem nos 30 dias anteriores à publicação do relatório.

É significativa a diferença na distribuição dos dados quando observado o período entre 15 de março e 6 de abril como publicado, em 6 de abril no Boletim Epidemiológico nº 7, em comparação com o mesmo período do Boletim Epidemiológico nº 10, publicado no dia 16 de abril.

Veja a seguir:

Boletim Epidemiológico nº 7

Fonte: Ministério da Saúde, Boletim Epidemiológico 7. https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020/April/06/2020-04-06-BE7-Boletim-Especial-do-COE-Atualizacao-da-Avaliacao-de-Risco.pdf

Boletim Epidemiológico nº 10

Fonte: Ministério da Saúde, Boletim Epidemiológico 10. https://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2020/April/17/2020-04-16—BE10—Boletim-do-COE-21h.pdf

Bereia ouviu o pesquisador Alexandre Brasil (professor e diretor do Instituto de Educação em Ciências e Saúde da UFRJ), para analisar os relatórios do Ministério da Saúde e concluiu que os dados estão sendo revisados a cada boletim (sempre para cima, com mais casos). Além disso, parece não existir especificidade no Brasil, seja relacionada à vacinação por BCG ou ao clima, que impeça a concretização de um quadro similar aos outros países. Até o momento, o distanciamento social parece ser, como recomendado pela OMS, o elemento mais efetivo para prolongar o tempo de contaminação e assim permitir que o sistema público de saúde e outras instituições tenham condições de atender o volume de pessoas que serão acometidas pela doença.

A observação dos gráficos acima permite identificar um evidente movimento em direção ao aumento no número de casos, o que vai se confirmando no lento processo em que ocorrem as confirmações e ajustes dos dados divulgados. Há uma pressão da pandemia sobre a coleta de dados.

O CREMESP (Conselho Regional de Médicos do Estado de São Paulo) e os Boletins Epidemiológicos do Ministério da Saúde também alertam para o problema da subnotificação, pois a demanda de testes impacta o armazenamento e a capacidade de providenciar resultados a tempo. Ou seja, os dados apresentam a fotografia de uma realidade, com até 30 dias de atraso, período em que já existem pessoas sepultadas por COVID-19, de quem o resultado do teste chegou depois da notificação do óbito. Ainda há os casos de pacientes, com testes e “causa mortis” em aberto, por falta de conclusão no inquérito epidemiológico.

O projeto de monitoramento da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) do COVID-19, o Infogripe, somados aos dados municipais de sepultamentos (municipais), também revelam que há, no mínimo, um atraso considerável nos dados oficiais do Ministério da Saúde divulgados.

AJUSTANDO O TERMÔMETRO – Os números são confiáveis?

Para que a população tenha acesso à informação mais correta e completa possível, o Ministério da Saúde precisa divulgar, juntamente com os dados de casos confirmados e de óbitos pelo coronavírus, o índice de contaminação de profissionais de saúde e os dados de ocupação de UTIs e CTIs, – ainda que a divulgação continue a oferecer os números com atraso de 7, 14 ou 21 dias.

Levantamentos na China e na Espanha, por exemplo, indicaram um expressivo número de contaminações entre agentes de saúde.

É fundamental, também, acompanhar o número de hospitalizações por SARGs (Síndromes Agudas Respiratórias Graves), pois essas hospitalizações é que provocam o colapso dos sistemas de saúde em todo o mundo.

HOSPITALIZAÇÃO – Os casos de SARG (Síndrome Aguda Respiratório Grave) internados

CONCLUSÃO

A checagem feita pelo Coletivo Bereia conclui que as informações oficiais com dados de infectados e mortos por coronavírus no Brasil, apresentadas em 5 de abril de 2020, são resultado de dias anteriores – conforme os Boletins Epidemiológicos do Ministério da Saúde indicam. Logo, não é possível afirmar que qualquer ação de combate à pandemia no campo da ciência ou de grupos religiosos tenha influenciado nos dados daquele dia e posteriormente. As indicações de pesquisadores são de que somente no final de maio será possível ter um quadro mais fidedigno desse período. Ainda assim, a tendência dos dados é de crescimento nos números de casos e óbitos.

Afirmar qualquer coisa, neste momento, seria apressado. A única informação possível é a de que os números continuam aumentando – tanto de casos novos, como de óbitos. Portanto, qualquer afirmação de que houve relação entre o jejum convocado para 5 de abril e os dados presentes nas tabelas é enganosa (em função dos atrasos na confirmação dos números) e falsa se estiver sugerindo que há redução de casos no Brasil.

O dia destacado pelos influenciadores midiáticos evangélicos citados nessa checagem corresponde à situação da pandemia nas semanas anteriores. Portanto, a correlação é FALSA se estiver sugerindo diminuição após o jejum e ENGANOSA se estiver sugerindo correlação com a data do Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde. Mas, ela pode ser VERDADEIRA, se, como sugere o Ministério da Saúde, estiver medindo o impacto das medidas de isolamento social.

O número de óbitos confirmados continua aumentado (apesar da variação), com uma taxa atual de 7% em relação ao dia anterior (e o gráfico cumulativo demonstra o crescimento). Isso equivale à contabilização de um total de vendas ou de nascimentos de pessoas em determinada localidade: importa o registro total e não apenas um único dia.

Bereia ressalta que a checagem não busca refutar o poder da oração e a eficácia do jejum bíblico. Estes elementos estão fora do campo de checagem jornalística, pois são questões que dizem respeito à fé.

A responsabilidade que se deve ter com o uso de dados é que chama a atenção do Coletivo. São informações que dizem respeito a problemas graves: transparência, consistência e, principalmente, interpretação dos resultados. Isto é importante não só para a opinião pública, mas, principalmente, para o enfrentamento do vírus e da sua letalidade. Portanto, pelas evidências e orientações existentes até o momento, Bereia reforça que os leitores respeitem o distanciamento social para a preservação das vidas e para permitir que a rede pública de saúde tenha condições de atender quem está doente.

ÓBITOS DIA A DIA (TODO O BRASIL)

ÓBITOS POR UNIDADE DA FEDERAÇÃO (ESTADOS)

Referências de Checagem:

BBC – H1N1 não era mais letal. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-52078906

UFMG – Comparações entre H1N1 e Covid-19. Disponível em: https://www.medicina.ufmg.br/h1n1-fatos-e-fakes/

Agência Brasil – Contágio, letalidade e idade. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-03/covid-19-nao-e-doenca-somente-de-idosos-alerta-oms

UOL – Letalidade da Covid-19. disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2020/04/13/covid-19-e-dez-vezes-mais-letal-que-h1n1-diz-oms.htm

OMS – Artigo acadêmico (sobre a Pandemia de H1N1 – assinado por Maria Van Kerkhove. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/irv.12074 N1):

USP – Sequenciamento, mutações e nome da doença. Disponível em: http://www.fm.usp.br/fmusp/noticias/-genoma-do-sars-cov-2-do-primeiro-caso-de-covid-19-da-america-latina-sequenciado-em-48-horas-no-instituto-adolfo-lutz

PAHO – Dados covid-19 nas Américas – Organização Panamericana de Saúde. Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6101:covid19&Itemid=875

FIOCRUZ – Pressão sobre sistema, leitos e SARGs. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/observatorio-covid-19

UOL – Países com mais testes tem menos mortes. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/04/por-que-paises-com-mais-testes-por-milhao-de-habitantes-tem-menos-mortes-por-covid-19.shtml

O GLOBO – A Gripe Espanhola. Disponível em: https://oglobo.globo.com/cultura/gripe-espanhola-menosprezada-em-1918-epidemia-parou-rio-matou-presidente-24337334 e também no link: https://oglobo.globo.com/fotogalerias/gripe-espanhola-ha-102-anos-produziu-cenas-consequencias-semelhantes-as-da-atual-pandemia-de-covid-19-veja-fotos-24341592

UOL – Subnotificação em Nova York. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/efe/2020/04/08/numero-real-de-mortes-por-covid-19-em-nova-york-e-muito-maior-diz-prefeito.html  e também no link: https://www.nytimes.com/2020/04/12/nyregion/coronavirus-new-york-update.html

FIOCRUZ – Subnotificação e Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARG). Disponível em: https://portal.fiocruz.br/noticia/infogripe-registra-crescimento-de-casos-de-sindrome-respiratoria-aguda-grave

Agência Brasil – Invalidação de 20 mil amostras. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-04/covid-19-cremesp-denuncia-instituto-por-invalidar-20-mil-amostras

BAHIA NOTÍCIAS – Nove em cada dez casos não são detectados no Brasil. Disponível em: https://www.bahianoticias.com.br/saude/noticia/23872-nove-em-cada-dez-casos-de-coronavirus-nao-sao-detectados-no-brasil-afirma-estudo.html

ESTADÃO – Cemitério de SP já tem mais enterros e abre sepulturas. Disponível em: https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,coronavirus-cemiterio-de-sp-ja-tem-mais-enterros-e-abre-sepulturas-prefeitura-contrata-coveiros,70003258701

UOL – Mortes com suspeita de coronavírus já são até metade dos enterros em cemitérios públicos de SP. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/04/mortes-com-suspeita-de-coronavirus-ja-sao-ate-metade-dos-enterros-em-cemiterios-publicos-de-sp.shtml

G1 – 3500 profissionais da saúde contaminados por coronavírus. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2020/03/22/quase-3-500-profissionais-da-saude-contaminados-por-coronavirus-na-espanha.ghtml

G1 – Mais de 1.700 agentes de saúde infectados na China. Disponível em: https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2020/02/15/coronavirus-mais-de-1-700-agentes-de-saude-infectados-na-china.ghtml

Portal Arquivos. Disponível em: https://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2020/April/17/2020-04-16—BE10—Boletim-do-COE-21h.pdf

Pandemia nos dados. Disponível em: https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=10163684310075232&id=866465231

Programa Minuto da Checagem explica o que é “deepfake”

O quinto vídeo da série Minuto da Checagem já está no ar, e o tema da vez é deepfake. A tecnologia utiliza a inteligência artificial para criar vídeos falsos que parecem verdadeiros. Assim, a deepfake pode ser considerada uma nova forma de desinformação.

A coordenadora do Núcleo de Rádio e TV do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Ana Paula Ergang, lembra que, principalmente em ano de eleições, o trabalho de esclarecimento é fundamental. “E o tema ‘deepfake’ não é por acaso. Essa tecnologia vai ser um desafio que teremos de enfrentar”, diz.

Segundo Ana Paula, a campanha – que tem como mote “Na dúvida, não compartilhe. Não faça parte da corrente da desinformação. Você é responsável pelo que compartilha” – tem tido resultados positivos. “Cada vídeo do Minuto da Checagem no YouTube já alcançou mais de 700 mil visualizações, o que mostra que o material está sendo muito bem aceito”, completa.

 vídeo produzido pelo Núcleo de TV do TSE.

Programa

O programa é mais uma ação do TSE para combater a desinformação no âmbito do processo eleitoral brasileiro, que foi um dos grandes problemas enfrentados pelo Tribunal durante as Eleições Gerais de 2018, na medida em que levantou suspeições em relação à segurança do processo eleitoral e da urna eletrônica.

O Minuto da Checagem tem duração de aproximadamente um minuto e é veiculado uma vez por mês no canal da canal da Justiça Eleitoral no YouTube. Também estão sendo produzidos spots de rádio em duas versões: de 15 e 30 segundos.

A produção também vai ao ar no intervalo da programação da TV Justiça e das demais 500 emissoras parceiras que retransmitem a programação audiovisual da Assessoria de Comunicação (Ascom) do TSE. O Minuto da Checagem é divulgado ainda por mais de 40 parceiros do Programa de Enfrentamento à Desinformação.

Fonte: http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2020/Fevereiro/programa-minuto-da-checagem-explica-o-que-e-201cdeepfake201d