Nota de jornal sobre votos de cédulas falsas beneficiando Bolsonaro em 1994 é verdadeira

Bereia recebeu uma solicitação de checagem a respeito de uma suposta nota de jornal sobre candidatos beneficiados por votos de cédulas falsas nas eleições de 1994, cuja imagem foi postada pelo perfil Fatos Nacionais no Twitter. O texto traz relatos de irregularidades ocorridas em várias zonas eleitorais do Rio de Janeiro. Em uma delas, o juiz Nelson Carvalhal, da 24a. zona, afirma ter encontrado quatro cédulas falsas beneficiando os candidatos a deputado federal a seguir: Jair Bolsonaro, Álvaro Valle, Vanessa Felipe e Francisco Silva. As cédulas seriam mais finas que as originais.

Imagem: Reprodução de postagem no Twitter

Conforme edição do Jornal do Brasil do dia 17/11/1994, que pode ser acessada no acervo digital da Biblioteca Nacional, a nota é parte da cobertura do Jornal do Brasil sobre as eleições daquele ano, e foi publicada na página 5, à direita:

Desde 2004, todas as publicações produzidas em território nacional devem enviar no mínimo um exemplar à Biblioteca Nacional. O acervo fica disponível para consulta pela internet e também pessoalmente.

Álvaro Valle, Vanessa Felipe, Francisco Silva e Jair Bolsonaro, atual presidente da república, de fato saíram candidatos em 1994. Na ocasião, Bolsonaro foi reeleito para seu segundo mandato como deputado federal pelo Partido Progressista Reformador (PPR).  Recebeu 111.927 votos, sendo o terceiro mais votado no estado do Rio de Janeiro.

Bereia classifica, portanto, a nota como verdadeira. A postagem do perfil Fatos Nacionais foi publicada na edição do Jornal do Brasil, em data indicada na imagem compartilhada e foi motivada pelo debate em curso no país sobre os temas do voto em papel e do voto impresso, retomados periodicamente pelo presidente Jair Bolsonaro e seus partidários. Em breve Bereia publicará reportagem sobre estes temas, tendo em vista a ampla circulação de desinformação em torno deles.

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Referências

Perfil Fatos Nacionais no Twitter, https://twitter.com/fatosnacionais/status/1348729114463776769 Acesso em: [17 mai 2021]

Biblioteca Nacional, http://memoria.bn.br/pdf/030015/per030015_1994_00223.pdf Acesso em: [17 mai 2021]

Biblioteca Nacional, https://www.bn.gov.br/sobre-bn/deposito-legal Acesso em: [17 mai 2021]

Câmara dos Deputados, https://www.camara.leg.br/deputados/74847/biografia Acesso em: [17 mai 2021]

Tribunal Superior Eleitoral, https://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-anteriores/eleicoes-1994/resultados-das-eleicoes-1994/rio-de-janeiro/resultados-das-eleicoes-1994-rio-de-janeiro-deputado-federal Acesso em: [17 mai 2021]

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Foto de capa: Jornal do Brasil/@fatosnacionais (Twitter) (Reprodução)

Site de notícias gospel publica conteúdo falso no Brasil sobre eleições dos EUA em apoio à Trump

O portal Gospel Prime publicou, em 08 de dezembro, a matéria “EUA: Supostas malas secretas de cédulas foram encontradas na Geórgia”. O texto afirma que “Um vídeo sobre a eleição presidencial no condado de Fulton, na Geórgia, que mostram imagens da câmera de vigilância de funcionários eleitorais, ao que tudo indica carregando em segredo milhares de votos misteriosos, está sendo usado pela defesa de Donald Trump sobre possíveis fraudes eleitorais.”

O vídeo em questão foi compartilhado no canal do YouTube do presidente dos Estados Unidos Donald Trump, derrotado para reeleição ao cargo em pleito de novembro passado.  Trata-se de um trecho recortado de um vídeo maior que exibe uma pessoa que atuou no processo de apuração de votos retirando objetos debaixo de uma mesa. 

Segundo nota publicada pelo investigador-chefe da secretaria de estado da Geórgia Frances Watson, o vídeo não mostra qualquer irregularidade. Ele afirma ter assistido o vídeo inteiro, não apenas o trecho viralizado, e concluiu que a apuração ocorreu de acordo com as normas. Ele afirma que não foram trazidas maletas misteriosas com votos e escondidas embaixo da mesa, como alguns têm noticiado. O que aconteceu foi que os fiscais guardaram maletas com votos que não tinham sido contados embaixo de uma mesa, para abrirem mais tarde e retomarem a contagem de votos, cena que foi foi mostrada no vídeo. 

Como funciona a contagem na Geórgia

O estado americano da Geórgia passou por uma recontagem de votos no dia 1 de dezembro, a pedido do candidato perdedor, Donald Trump, finalizada às 8h30 da manhã, com resultado compatível com o das eleições regulares. No processo de votação, os cidadãos do estado se dirigem a uma urna eletrônica, digitam seu voto, e a urna imprime um papel confirmando o voto. Os eleitores depois se dirigem até um local para  validarem o voto: confirmam, por meio de biometria e da assinatura manual, que concordam com o que está escrito no voto impresso. O voto impresso é então inserido nas urnas (os “ballotts”) e esse voto impresso é contado depois manualmente. 

As disputas no estado

Esse foi o terceiro processo da defesa de Trump contra o estado da Georgia: os dois primeiros foram rejeitados pelas cortes do estado. O primeiro, chamado “Lin Wood Suit” (Processo Lin Wood), que leva o nome do advogado, foi rejeitado pelo juiz do distrito norte da Georgia, Steven Grimberg. 

O primeiro era um pedido de recontagem. Segundo Wood, os membros do Partido Democrata haviam firmado um acordo com o Secretário de Estado da Georgia Brad Raffensperger, que  os beneficiaram. A informação, no entanto, era falsa, como verificado pelo jornal The New York Times. A denúncia era uma mentira (fake news) disseminada pelo presidente Trump em seu perfil no Twitter. O juiz Grimberg rejeitou as denúncias classificando-as como “sem base”.

O segundo processo é o que está relacionado ao vídeo publicado pelo Gospel Prime no Brasil: o Processo Kraken, que conta com os advogados Sidney Powell e Lin Wood novamente como autores, e foi impetrado. O texto apresentava uma teoria conspiracionista na qual  votos do candidato Donald Trump não teriam sido levados em conta, como vídeo em questão indicado como prova. O processo pedia anulação de todos os votos enviados por correio mas foi negado pelo juiz Timothy Batten no dia 7 de dezembro. No dia seguinte, Powell apelou para a Suprema Corte.

O terceiro processo, o Trump/David Shaffer Suit (Processo de Trump/David Shaffer) fez alegações similares às do Processo Kraken, porém sem apelar para teorias conspiracionistas. Diferente deste, porém, não apresenta nenhuma evidência pública das alegações que faz. Outra diferença é na jurisdição do processo – os dois primeiros foram registrados em esfera federal, enquanto o último, em esfera estadual. O distrito da comarca, Fulton County, é o mesmo dos vídeos já desmentidos. 

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O Coletivo Bereia conclui que a matéria do site Gospel Prime é falsa. Nenhuma das malas no vídeo é uma “mala secreta”: o vídeo expressa um dia normal de apuração. O processo apresentado no vídeo foi revisado integralmente por duas cortes, que confirmaram que o conteúdo do vídeo representa uma apuração cotidiana, e não apresenta irregularidades. O veículo gospel brasileiro torna-se reprodutor dessa disseminação de fake news, alinhada com os últimos processos levantados pela defesa de Donald Trump que visam mobilizar a opinião pública favoravelmente, para pressionar os juízes a seu favor. Até então, tudo sem sucesso. 

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Foto de capa: Youtube/Reprodução

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Referências

Agência Lupa. https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2020/12/08/verificamos-malas-secretas-georgia/. Acesso em 09 dez 2020. 

Frances Watson. https://beta.documentcloud.org/documents/20420664-frances-watson-affidavit. Acesso em 09 dez 2020. 

11 Alive. https://www.11alive.com/article/news/politics/elections/trump-election-lawsuits-georgia-statuses/85-81d484df-e746-4c5a-be3a-d73555e9df70. Acesso em 10 dez 2020. 

New York Times. https://www.nytimes.com/live/2020/11/19/us/joe-biden-trump-updates. Acesso em 10 dez 2020.