Deputada Bia Kicis usa recorte de vídeo para acusar PSOL de agir contra mulheres na política à direita

Um vídeo da deputada federal católica Bia Kicis (PL-DF)  viralizou em espaços digitais de religiosos. Trata-se de um recorte de fala da deputada, em reunião realizada na Câmara dos Deputados, uma sessão da Comissão Especial para votação do parecer do relator da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 9/23 , conhecida como PEC da Anistia. 

O texto, apresentado pelos deputados Paulo Magalhães (PSD-BA) e Hugo Motta (Republicanos-PB), prevê a anistia aos partidos políticos que não repassaram os percentuais mínimos de destinação de recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha para as candidatas mulheres nas eleições do ano passado. A PEC propõe que esses partidos não serão multados e que o descumprimento da legislação não implique na perda do mandato de candidatos eleitos ou acarretar inelegibilidade.

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Imagem: reprodução do Instagram

O que Bereia verificou 

Logo após uma intervenção da deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS), no trecho 19’40”, Bia Kicis diz: “Me espanta ver uma deputada que diz que defende as mulheres, que é um partido que defende tanto as mulheres, mas que na verdade não consegue cumprir […]  a gente tem que entender o objetivo da Lei, o escopo da Lei, o escopo da lei da cota feminina […]  é botar mulher na política[…]  Aí o que aconteceu no Ceará? Mulheres foram eleitas com seus próprios votos, pessoas saíram de casa […] . Depois que elas já estão diplomadas exercendo seus mandatos vem uma decisão com base na lei que é pra colocar mulher e diz o seguinte: Não, como teve outras mulheres que parece que foram laranjas – a gente não sabe se foram, né – mas parece que foram laranjas, que não se elegeram, não se elegeram, olha só, então nós vamos retirar aquelas que foram eleitas e vamos colocar homens no lugar delas. Gente, isso não faz o menor sentido […] então, tô assistindo aqui uma deputada do PSOL, brigando pra, em nome da defesa da cota feminina, tirar mulheres que foram eleitas […] é o cúmulo! É cúmulo! Isso desafia a lógica você querer com base num argumento de que não foi cumprida a cota feminina que, por isso, você vai retirar as mulheres que foram eleitas com seus próprios votos…”.

Os fatos e a fala da deputada do PSOL Fernanda Melchionna (RS)

No trecho da transmissão da sessão da comissão (16’30” em diante), a deputada Fernanda Melchionna, que falou antes da deputada Kicis, denunciou o desvirtuamento trazido pela PEC 09/23, concernente às políticas afirmativas de inserção das mulheres na política, em razão da cota de gênero, estabelecida em Lei. 

Nas palavras críticas de Melchionna à PEC, foi dito: “nós pedimos a votação nominal como parte dos requerimentos de obstrução diante da PEC da vergonha, da PEC da autoanistia que, infelizmente, tramita nesta casa.” 

A deputada do PSOL, citou as ações movidas contra o Partido Liberal (PL), no Tribunal Regional Eleitoral do Ceará, sobre denúncias de “candidaturas laranjas” nas eleições de 2022 (prática ilegal, comum em eleições, de lançamento de candidatos sem o objetivo de ocupar vagas eletivas, mas  para preencher cotas ou para o partido receber financiamento). 

A deputada do PSOL no Rio Grande do Sul, lembrou a comprovação das denúncias e a condenação do partido por conta das “candidaturas laranjas” no Ceará, com a cassação da chapa de deputados, em primeira e em segunda instância,  por fraude à cota de gênero. O caso pode ser confirmado na página do TRE-CE.

Na verificação feita pelo Bereia, da gravação da transmissão da reunião citada por Bia Kicis em sua postagem, acessada diretamente no canal oficial da Câmara Federal, não se observou, em qualquer trecho, menção da deputada Melchionna que defendesse a substituição de mulheres eleita, por homens, conforme alegou Bia Kicis em sua fala, viralizada nas mídias sociais. 

Sete candidatas “laranja”

Fernanda Melchionna reproduziu, aos presentes na reunião, os depoimentos das mulheres que foram usadas pelo PL no Ceará, que, na alegação da deputada, “descobriram pela imprensa ou por parentes que eram candidatas. Sete candidatas laranja, com declaração delas próprias de que não deram seus nomes, que não eram candidatas e que foram usadas no verdadeiro laranjal no Ceará”. 

Melchionna afirma que, em depoimento, uma das “candidatas” a sra. Marlucia disse: “Eu não sabia. Me botaram, eu não sabia”. Segundo a parlamentar, a Sra. Marlucia, ao ser questionada, durante depoimento, se queria ser candidata, respondeu que “não queria, que não foi fazer foto para ser candidata, que ficou sabendo por um primo do marido e que sabia e não queria se candidatar.” 

A parlamentar encerrou essa parte da fala na Comissão Especial, com a denúncia da gravidade do uso de candidatas laranja acionadas para burlar a Lei e descumprir a cota de gênero. Nesse sentido, a deputada do PSOL afirmou que a condenação da Justiça em Primeiro e em Segundo Grau, no Ceará, se mostra “importantíssima para combater o uso de candidatas laranjas, descumprindo a cota de gênero, desrespeitando a histórica luta das mulheres […] e essa condenação colocou uma responsabilização  sobre o conjunto da chapa, porque é assim que tem que ser tratado. Os partidos não podem usar as mulheres achando que não vão ser condenados ou responsabilizados”, disse aos presentes.

A denuncia de um “jabuti” inserido na PEC 09/23

No prosseguimento da sua fala, de encaminhamento contrário à votação do texto do relator, Fernanda Melchionna menciona, com tom de indignação, o fato de que, além de manter a anistia aos partidos no caso das candidaturas de negros e negras,  e de transformar o piso de 30% das candidaturas femininas em teto, o relator da PEC 09/23, deputado Antonio Carlos Rodrigues (PL-SP), inseriu no texto final “um jabuti gigante” (jargão parlamentar que se refere à inserção de artigos em projetos de lei  que não têm relação com o objeto da proposta para atender interesses). 

O “jabuti”, segundo a deputada, tenta garantir a revogação da decisão tomada pela Justiça do Ceará. “É uma vergonha! E como é que não tem impedimento se o relator é de um partido que vai ser beneficiado com quatro cadeiras que obviamente foram anuladas diante do expediente criminoso de uso de candidatas laranjas”, criticou a deputada do PSOL.

Ao finalizar o encaminhamento contra a votação do texto do relator, Melchionna concluiu dizendo ter aproveitado o requerimento que fez para que haja votação nominal para dizer que a PEC 09/23 “tem impedimento, tem conflito de interesse, além de jabuti, além de uma vergonha, além de uma tentativa de autoanistia que já era objetivo original da PEC, aqui, de revogar uma decisão judicial no tapetão” (trecho no minuto 19’35’’). Verifica-se que foi logo após este momento que a deputada Bia Kicis fez a da defesa da PEC 09/23 e acusou a deputada do PSOL de atuar para retirar o mandato de mulheres de direita para substituir com homens de esquerda,  o que representa distorção do conteúdo da fala anterior, como se pode verificar. 

Bereia recorreu à avaliação da procuradora regional da República, coordenadora do GT Violência Política de Gênero da Cice-PGE/MPF, Raquel Branquinho sobre a situação denunciada por Fernanda Melchionna na Câmara Federal. Em artigo, a procuradora diz: “o mesmo Parlamento que promulgou uma legislação que representa, nos últimos 25 anos, um microssistema jurídico de políticas afirmativas em prol de maior representatividade feminina, vem, ao longo do tempo e principalmente nestes últimos anos, concedendo, por meio de Emendas Parlamentares, sucessivas anistias que aniquilam ou neutralizam a finalidade dessas medidas e seu modo de execução. Dessa forma fragilizam iniciativas que visam a uma maior participação feminina na vida política do país e aportam em reflexos positivos para a sociedade.”

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Após verificar  o contexto do vídeo que mostra as falas dos integrantes da Comissão Especial instalada para discutir e votar o texto do relator da PEC 09/23, Bereia considera o conteúdo postado em mídias sociais pela deputada Bia Kicis (PL-DF) enganoso. A publicação usou trecho gravado de reunião parlamentar que, de fato existiu, porém, as afirmações sobre falas dos parlamentares do PSOL, especialmente da deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RJ) foram distorcidas. 

Diferentemente da fala enganosa de Bia Kicis, o que se observou na análise dos fatos e nas publicações de instituições que se posicionaram em relação a PEC 09/23, ocorreu o contrário, a firme defesa da inserção da mulher no exercício parlamentar em consolidação às políticas afirmativas conforme estabelecido em lei. Foi identificado, no discurso de Fernanda Melchiona, a denúncia contra a PEC em discussão, que, se aprovada, manterá o uso de mulheres como “laranjas”, por partidos. A prática, trazida na denúncia com o caso da Justiça Eleitoral no Ceará, envolve o Partido Liberal, de direita, ao qual está vinculada Bia Kicis. A postagem viralizada e checada pelo Bereia, é um recorte de discussão mais ampla, que uma vez conhecida, desmente a acusação da deputada católica que atua para defender seu partido e a PEC em  discussão recorrendo a desinformação.

Bereia incentiva que o leitores e leitoras exerçam sempre uma leitura crítica dos discursos presentes nas redes sociais digitais que se apresentam de forma recortada e descontextualizada, em busca de informações de qualidade, completas e contextualizadas.

Referências

JOTA. https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/campanhas-eleitorais-a-pec-09-2023-e-seus-reflexos-sociais-19042023. Acesso em 19 set 2023

YOUTUBE.  PEC 9/23 – Cota Mínima de Recursos dos Partidos – Votação do parecer do relator – 13/09/2023  https://www.youtube.com/watch?v=ogtscyUxNLs . Acesso em 19 set 2023

TRE-CE. TRE-CE cassa chapa de deputados estaduais do PL por fraude à cota de gênero. https://www.tre-ce.jus.br/comunicacao/noticias/2023/Maio/tre-ce-cassa-chapa-de-deputados-estaduais-do-pl-por-fraude-a-cota-de-genero. Acesso 20 set 2023

MPF. MPF alerta para retrocesso em PEC de anistia a partidos que não repassaram mínimo de recursos a mulheres. https://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr/mpf-alerta-para-retrocesso-em-pec-de-anistia-a-partidos-que-nao-repassaram-minimo-de-recursos-a-mulheres. Acesso 20 set 2023

Mídias viralizam notícia de que capela em cidade de São Paulo foi depredada por terraplanistas

Mídias noticiosas informaram no final deste abril de 2023, que uma igreja foi depredada por intolerantes religiosos e adeptos da teoria “terraplanista”. A notícia rapidamente ocupou grupos de mensagens e mídias sociais religiosas. 

Imagem: reprodução do site Metrópoles

Bereia checou as informações e, de fato, a Capela de Nossa Senhora da Piedade, conhecida como ‘Igrejinha’, localizada na zona rural de Araras (SP), foi alvo de um ato de vandalismo no sábado, 29 de abril. 

Segundo os relatos, um maçarico foi utilizado para destruir  a porta e invadir o local, que fica à Avenida Fábio da Silva Prado, no bairro Elihu Root. Na capela, que pertence ao território da Paróquia São Benedito, da Igreja Católica Romana, imagens de santos foram destruídas e jogadas ao chão, paredes pichadas com dizeres que expressam intolerância religiosa e teoria da conspiração. conhecida como “terraplanismo”.

Imagem: reprodução do G1

“Estas estátuas não tiveram poder algum para me impedir de entrar aqui, de movê-las de lugar e de escrever nestas paredes”. 

“Teriam elas algum poder para ouvir orações ou livrar do mal aqueles que clamam a elas?”

Imagem: reprodução do G1

“Detalhe importante, a Bíblia também diz que a Terra é plana Marcos 13:25”

“A Terra é um círculo plano com uma cúpula acima”. 

Nota da Diocese

A Diocese Católica de Limeira publicou nota em repúdio ao que classifica como ato de intolerância religiosa sofrido: 

A  Diocese de Limeira repudia veementemente a manifestação de intolerância religiosa cometida, no último fim de semana, contra a capela dedicada a Nossa Senhora da Piedade, localizada na zona rural de Araras e que pertence ao território da paróquia São Benedito.

A capela foi invadida e teve imagens retiradas de seus nichos  e pichações nas paredes com dizeres que demonstram o desrespeito religioso.

Em tempos de um comportamento social agressivo, onde destaca-se a violência, o preconceito e a intolerância ao próximo, devemos ressaltar a Carta Magna de 1988, principalmente no tocante da prática da tolerância religiosa e da cultura de paz, respeitando a dignidade e a liberdade de consciência da religião.

Que a bandeira da paz, do respeito às manifestações religiosas e do amor ao próximo seja a bandeira a ser empunhada por todos nós.

Intolerância religiosa no Brasil

Mesmo com as mensagens de ódio religioso e referentes a teorias da conspiração, não é possível afirmar que os praticantes do ato de vandalismo são mesmo seguidores destas teorias ou que este tenha sido um ato pensado para justificar uma prática de cristofobia. 

De acordo com a cientista social Brenda Carranza, o termo cristofobia “se intensificou e consolidou uma narrativa de perseguição e ameaça, centrada no ataque aos cristãos (católicos e evangélicos), vilipendiados por sua fé, moralidade e crenças religiosas, (…) entretanto, uma perseguição religiosa pressupõe ameaça a direitos de expressão e culto religioso (liberdade religiosa) e de ataque físico e simbólico a templos, igrejas, pessoas e até morte. Porém, no Brasil é inexistente a ameaça e/ou ataque à maioria  histórica, demográfica e simbolicamente cristã, portanto, a narrativa parlamentar cristã é construída a partir de um sentimento de perseguição fictício” 

Para a pesquisadora do Instituto Superior de Estudos da Religião (ISER), antropóloga Lívia Reis, Bolsonaro deu legitimidade estatal à falsa trama de que cristãos brasileiros são acossados pelo que creem. “Para comprovar esse ponto, fez-se necessário que o governo estimulasse o uso de canais de denúncia entre pessoas cristãs, de modo que as estatísticas corroborassem essa narrativa”, diz a pesquisadora.

A alta de cristãos que acionam o Disque 100 também está, segundo Reis, “intimamente ligada à forma negacionista como o governo federal [no poder de 2019 a 2022] encarou a pandemia de covid-19, desencorajando medidas sanitárias de prevenção à doença, entre elas o fechamento das igrejas”. Determinações para a suspensão de cultos e missas foram interpretadas por algumas lideranças como um ataque à liberdade religiosa. 

A pesquisa resultante da parceria ISER / Data_Labe  aponta que após anos de protagonismo dos adeptos de religiões de matriz africana entre as vítimas de intolerância religiosa no Brasil, dados do Disque 100 indicam que cristãos passaram a ser maioria entre os denunciantes no canal, a partir do segundo semestre de 2020, quando o instrumento esteve sob o comando da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves. Diante desse quadro, ISER e Data_Labe apresentaram dados e opiniões sobre como a ascensão de fundamentalistas religiosos na política nacional durante o governo de Jair Bolsonaro pode ter contribuído para a mudança nos dados existentes até então.

A média de registros de denúncia de intolerância religiosa entre o segundo semestre de 2020 e o primeiro semestre de 2022 indica 46% de fiéis do segmento cristão católico, 30% de cristãos evangélicos, 12% que apontaram não ter religião, 6% que indicaram a opção “outras”, 3% de espíritas, e 2% de afrorreligiosos. 

O cenário é bem diferente do período compreendido entre 2011 e o primeiro semestre de 2018, como consta na reportagem Terreiros na Mira, lançada, em 2019, pela associação jornalística Gênero e Número e pelo Data_Labe. Naquela análise, cerca de 60% das denúncias sobre intolerância religiosa recebidas pelo Disque 100 eram referentes a seguidores de religiões de matriz africana. 

Cristãos também eram minoria no último levantamento nacional e oficial produzido pelo governo federal. O Relatório sobre Intolerância e Violência Religiosa no Brasil (2011-2015), realizado pela Assessoria de Direitos Humanos e Diversidade Religiosa – ligada à Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos – foi lançado em 2017 e apontava que 33% das vítimas não tinham sua religião identificada. Em segundo lugar, com 27%, estavam cidadãos que professam as religiões de matriz africana, seguidos por evangélicos com 16% e católicos com 8%. 

Terraplanismo 

Terraplanismo, segundo o Dicionário dos Negacionismos (2022), é um termo anticientífico e negacionista utilizado para defender a noção de que a Terra é plana. É uma teoria conspiratória baseada em algumas passagens da Bíblia, em dados sem comprovação científica e na imaginação de promotores da noção, cultivada por adeptos.

Imagem: reprodução do Twitter

O jornalista científico Javier Salas explica que negar o formato esférico da Terra é o caso mais extremo de um fenômeno que define a nossa época: desconfiar dos dados, enaltecer a subjetividade, rejeitar o que nos contradiz e acreditar em falsidades: 

Apenas 66% dos jovens de 18 a 24 anos nos Estados Unidos têm plena certeza de que vivemos em um planeta esférico (76% na faixa de 25 a 34 anos). Trata-se de um fenômeno global, também presente no Brasil, que costuma ser motivo de piada. No entanto, quando observamos os mecanismos psicológicos, sociais e culturais que levam as pessoas a se convencerem dessa gigantesca conspiração, descobrimos uma metáfora perfeita que resume os problemas mais representativos de nossa época. Embora pareça medieval, é muito atual.

Uma pesquisa do Instituto Datafolha, de 2019, mostrou que uma parcela de 7% dos brasileiros acredita que o formato da Terra é plano – cerca de 11 milhões de pessoas.. O levantamento foi realizado com 2.086 entrevistados maiores de 16 anos, em 103 cidades do país. Entre os entrevistados,  90% declararam crer que a Terra seja redonda e o restante disse não saber sua forma. 

Segundo a pesquisa, a crença de que a Terra é plana corresponde à baixa escolaridade: 10% das pessoas que deixaram a escola após o ensino fundamental defendem o chamado terraplanismo. O número diminui entre os que estudaram até concluir o ensino médio (6%) ou superior (3%).

Na pesquisa Datafolha, de forma similar ao que ocorre nos Estados Unidos, o recorte por idade também revelou uma propensão ligeiramente maior à crença entre os jovens no Brasil. Abaixo de 25 anos, 7% creem na Terra plana, e o número cai para 4% na faixa entre 35 e 44 anos. O terraplanismo é mais popular, porém, entre aqueles brasileiros acima dos 60 anos —11% adotam a crença.

No Brasil ainda não há dados sobre quando o terraplanismo surgiu. O desenvolvedor web Danilo Wiener, 43 anos, é um dos coordenadores do movimento Terra Plana Brasil. Matéria da Folha de S. Paulo informou que, como hobby, ele costuma fazer experimentos de observação do oceano buscando mostrar que ele não possui curvatura. 

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Bereia classifica as notícias sobre o vandalismo contra a capela católica em Araras(SP), como imprecisas. A igreja foi, de fato, invadida, depredada e pichada com frases que expressam intolerância religiosa e teorias da conspiração que defendem o formato plano da Terra. Porém, não é possível afirmar que “terraplanistas” foram os responsáveis, tomando por base apenas os textos pichados nas paredes da capela. Apenas a investigação da Polícia Civil de São Paulo poderá apontar o perfil dos autores/as do ataque. 

Além disso, atos de intolerância religiosa contra igrejas,  praticado por “terraplanistas”, ou seja, adeptos de uma teoria da conspiração que tem vínculos com outras noções relacionadas à grupos extremistas são incomuns. Portanto, as ações que envolvem este caso podem ter outros objetivos. 

Bereia também chama a atenção para o transbordamento de teorias da conspiração expostas em mídias sociais digitais e de discursos de ódio para o “mundo real”, transformando retórica, teorias conspiratórias e ideias extremistas em combustível para atos violentos.

Referências de checagem:

Metrópoles. https://www.metropoles.com/sao-paulo/capela-e-invadida-e-pichada-com-frases-terraplanistas-em-sp Acesso em 04 MAI 2023 

El País. 

https://brasil.elpais.com/brasil/2019/02/27/ciencia/1551266455_220666.html Acesso em 04 MAI 2023 

https://brasil.elpais.com/brasil/2018/08/06/opinion/1533562312_266402.html Acesso em 04 MAI 2023 

Diocese de Limeira. https://diocesedelimeira.org.br/publicacoes.php?id=4700 Acesso em 04 MAI 2023 

Outras Palavras. https://outraspalavras.net/crise-civilizatoria/qanon-delirio-como-arma-ideologica-do-capital/ Acesso em 04 MAI 2023 

G1.https://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2023/05/02/capela-de-araras-e-vandalizada-e-diocese-repudia-intolerancia-religiosa.ghtml Acesso em 04 MAI 2023  

Religião e Poder. https://religiaoepoder.org.br/artigo/cristofobia/ Acesso em 04 MAI 2023  

Estado de Minas. https://www.em.com.br/app/noticia/diversidade/2023/01/20/noticia-diversidade,1447311/religioes-afro-sao-maior-alvo-de-intolerancia-apesar-de-suposta-cristofobia.shtml Acesso em 04 MAI 2023  

 Data Labe. https://datalabe.org/ Acesso em 04 MAI 2023  

 ISER. https://iser.org.br/ Acesso em 04 MAI 2023   

Genêro e Número https://www.generonumero.media/ Acesso em 04 MAI 2023  

Dicionário dos negacionismos no Brasil. Organização: José Szwako e José Luiz Ratton. Recife, Editora Cepe, 2022. https://www.cepe.com.br/lojacepe/dicionario-dos-negacionismos-no-brasil Acesso em 04 MAI 2023  

Em vídeo que volta a circular, ministra propaga pânico sobre erotização em desenhos animados e universidades

Um vídeo publicado no YouTube e amplamente disseminado nas redes sociais digitais e em sites e blogs evangélicos em 2018, voltou a circular em espaços digitais religiosos no início deste ano, conforme indicação que Bereia recebeu de leitores. 

O vídeo é parte de uma palestra da atual ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, promovida pelo Centro de Formação da Comunidade Católica Missão Maria de Nazaré (MMN), em Divinópolis (MG), em abril de 2018.  A publicação no YouTube, intitulada “Dra. Damares Alves – A ideologia de gênero faz mal para a criança”, tem mais de 54 minutos, por meio da qual a ministra cita diversos exemplos do que seria, segundo ela, a ideologia de gênero ensinada para as crianças. 

Antes de assumir o ministério no governo do presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ), em janeiro de 2019, Damares Alves,  pastora da Igreja Batista da Lagoinha, e advogada ligada à Associação Nacional de Juristas Evangélicos (ANAJURE), foi assessora do ex-senador Magno Malta e assessora jurídica da Frente Parlamentar Evangélica e da Frente Parlamentar da Família e Apoio a Vida, tendo atuado também como secretária nacional do Movimento Brasil Sem Aborto. Ficou conhecida nacionalmente, nos últimos anos, por palestras que ofereceu em diferentes comunidades cristãs, relacionadas à pauta da moralidade sexual defendida por grupos conservadores.

Depois de assumir o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo Jair Bolsonaro, Damares Alves se afirmou “terrivelmente cristã” apesar do Estado ser laico. Ela já esteve envolvida em uma série de polêmicas por pronunciamentos públicos que enfatizam a compreensão restritiva de gênero, simbolicamente traduzida em cores azul para meninos e rosa para meninas, e a pauta de controle da sexualidade de mulheres, de adolescentes, recentemente relacionada ao “combate à ideologia de gênero”. 

O vídeo de 2018, que voltou a circular, aborda o que a líder religiosa chama de  “subversão” dos desenhos animados clássicos e mostra supostos eventos em universidades federais pelo país, que segundo ela, seriam “antros de depravação da juventude”. 

Desenhos para corromper crianças?

No início da transmissão, a pastora mostra algumas imagens de desenhos animados clássicos da Disney e faz um alerta em tom de pânico: “olha o que eles fizeram com os desenhos animados!”. Em seguida apresenta imagens baseadas em obras da empresa de entretenimento Disney, que são “FanArts”, produções gráficas independentes baseadas em personagens, fantasias ou obras clássicas,  produzidas por um fã ou um grupo de fãs. 

“FanArts” geralmente são produzidas por artistas amadores e são facilmente encontradas na internet. Essas imagens não são de responsabilidade dos criadores originais dos desenhos e não têm qualquer relação com os estúdios, produtoras e editoras responsáveis pelas obras originais. A pastora usou exemplos de FanArts em forma de paródia (recriação de uma obra já existente, a partir de um ponto de vista predominantemente cômico) que reconstroém histórias de animações Disney dando-lhes caráter erótico e homossexual. 

Uma das imagens utilizadas por Damares Alves na palestra registrada em vídeo, cria uma cena da animação “A Bela Adormecida”, em que o príncipe que deveria salvar a princesa em sono induzido, aparece segurando no colo um homem que diz: “Bem, não se preocupe, ela dorme”. Esta FanArt pode ser encontrada em espaços na internet como aminoapps ou behance

Imagem: reprodução do YouTube

Damares Alves refere-se de forma genérica a pessoas ou grupos que estariam agindo para perverter “nossas crianças” por meio destas produções: “Acreditem: eles estão armados, articulados. O cão está muito bem articulado e nós estamos alienados”, diz a pastora na gravação. A projeção das imagens é rápida e as referências genéricas. A religiosa também não apresenta nomes (quem seriam “eles”) para que a audiência tome providências concretas, o que é característico de discursos que buscam propagar um clima de pânico permanente.

A pastora também fez críticas às produções das próprias animações que são base das FanArts. Em trecho que popularizou na cobertura noticiosa da época em que o vídeo foi primeiramente divulgado, no início de 2019, quando Damares Alves já era ministra, ela afirma que assistiu à animação Frozen, a qual avaliou como “muito bonito”, e entoou a música “Livre estou, livre estou…”. Depois declarou que a personagem Elsa ‘vai acordar a Bela Adormecida com um beijo gay’ e perguntou: “Por que que ela termina sozinha no castelo de areia, de gelo?” E  engatou a resposta: “Porque ela é lésbica. Nada é por um acaso”. 

De fato, houve uma campanha em mídias sociais nos Estados Unidos para que a personagem Elsa fosse identificada como LGBTI+, para fortalecer o movimento por direitos desta população, uma vez que nunca houve uma “princesa Disney” com esta identidade. A roteirista da animação Jennifer Lee deu entrevista ao jornal The Huffpost, em 2018, ano da palestra de Damares Alves, e admitiu a possibilidade de atender aos fãs na sequência da história, Frozen 2. A pastora, então, usou a informação da campanha e da possibilidade futura assentida pela roteirista como verdade em relação ao primeiro filme e denotou sua avaliação sobre o destino de uma mulher lésbica: o castigo de viver sozinha.


Foram muitas as críticas a Damares Alves em mídias sociais, da parte de políticos, celebridades da TV e da internet e pessoas comuns. O tuíte do deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), de maio de 2019, foi um dos mais acessados e utilizados na cobertura noticiosa:

Imagem: reprodução do Twitter

A ministra se pronunciou pelo Facebook, à época (maio de 2019), em relação às críticas: “Fui surpreendida com mais esta polêmica que tem como base, novamente, uma pequena parte recortada de um vídeo que foi gravado durante uma de minhas palestras na igreja. Minha crítica é conhecida de todos. Eu critico é a tentativa de interferência dos ideólogos de gênero na identidade de nossas crianças. Vai um recado: Criança não namora! Criança brinca e estuda. Minha posição é contrária principalmente contra a erotização e “adultização” de crianças. Deixem nossas crianças serem crianças! Que estudem e brinquem sem que ninguém as incentivem a pular fases”, declarou.

Imagem: reprodução do Facebook

Lançada em 2020, a animação Frozen 2 frustrou as expectativas, tanto da campanha por afirmação LGBTI+ por meio da marca Disney quanto de quem usou as intrigas da internet para espalhar pânico em quem quer proteger famílias dos perigos das pautas de direitos sexuais e reprodutivos. Na segunda edição da produção, Elsa não tem uma namorada ou sequer busca um relacionamento sexual de qualquer natureza. Segundo matéria do Observatório do Cinema, fãs avaliaram que a intriga em torno de Elza ser lésbica acabou servindo mesmo como “caça cliques” em mídias sociais, isca para promoção do filme e chamariz para as pautas conservadoras por meio de pânico, caso da palestra de Damares Alves em 2018. 

Eventos corruptores em universidades federais

Ainda no vídeo da palestra em Divinópolis, em 2018, Damares Alves abordou sobre eventos e festas ocorridas em universidades federais pelo Brasil, que estariam corrompendo os jovens e promovendo badernas. A Universidade Federal da Bahia (UFBA) é a primeira mencionada na palestra. A pastora refere-se, inicialmente, à filósofa e estudiosa em teoria de gênero, dos Estados Unidos, Judith Butler, a quem chama de “maluca” e aponta como principal responsável pela ideia de “subversão da identidade”.  

Entretanto, a imagem apresentada ao fundo destas referências é a do I Seminário Queer, realizado  no Sesc Vila Mariana, em São Paulo, no ano de 2015. A data e o local do evento está no material apresentado por Damares Alves para embasar a palestra, mas mesmo assim, ela afirma que aconteceu na UFBA.

Imagem: reprodução do YouTube

O vídeo com a palestra da pastora menciona o II Seminário Internacional Desfazendo o Gênero, realizado na UFBA, em 2015, com a presença de Judith Butler. Em seguida, Damares Alves mostra uma foto que traz estudantes de costas e nus, sentados em círculo, associando a imagem ao seminário de Judith Butler. A atual ministra afirma ainda que para participar do evento os alunos tiveram que ficar “pelados no campus, para vencer as barreiras do sexo”, o que a levou a seguinte conclusão: “Não existe mais homem, não existem mais mulheres”.

A estadunidense Judith Butler é uma das principais referências mundiais de estudos de gênero, especificamente da teoria queer. Ela, de fato, esteve na UFBA, quando visitou o Brasil pela primeira vez, para a abertura do II Seminário Internacional Desfazendo o Gênero, de 5 a 7 de setembro de 2015. “Queer: cultura e subversão da identidade” foi o tema da Conferência Magna apresentada pela filósofa. 

De acordo com o material informativo do seminário, a “teoria Queer articula uma crítica à hegemonia heterossexual. A heterossexualidade, portanto, é vista e analisada como uma imposição cultural com graves consequências políticas para aqueles que não a incorporam. Originada a partir da confluência de vertentes radicais do feminismo e dos estudos gays e lésbicos, os estudos queer passaram a desenvolver análises críticas sobre como a hegemonia heterossexual tem passado a moldar até mesmo as homossexualidades contemporâneas por meio da heteronormatividade.” 

Contrariamente ao que diz Damares Alves na palestra gravada em vídeo, Judith Butler não é idealizadora da teoria Queer. Este ramo de estudos de gênero surgiu na década de 80, com diferentes de pesquisadores e ativistas. Butler ganhou alto reconhecimento por sua produção na temática.

Bereia verificou que a foto dos estudantes sem roupa foi tirada durante uma das oficinas que constavam na programação do evento, e não durante a palestra de Butler, como afirma Damares Alves no vídeo. A oficina, que ocorreu num dos pavilhões de aula (PAVIII), de acordo com veículos de notícias regionais, era parte do bloco temático do seminário no contexto “Cultura e Sociedade”. A foto foi publicada por um aluno participante, em grupo da UFBA no Facebook. 

Já a palestra de Judith Butler ocorreu no primeiro dia dos trabalhos, no Teatro Castro Alves, em ambiente fechado. Não é verdade ainda que para participar do evento os estudantes tinham que ficar nus. Foram mais de 1.500 participantes inscritos, sem qualquer exigência desta natureza. A experiência com nudez ocorreu na oficina, restrita a participantes, e em performance independente realizada por estudantes em frente ao PAVIII.

O Seminário Desfazendo o Gênero contou com 25 minicursos e 25 oficinas, entre elas performance, música e teatro.  O evento é organizado pelo Grupo de Pesquisa Cultura e Sexualidade, para reunir pesquisadores da área e ativistas do Brasil e do mundo. De acordo com organizadores, participam os que possuem interesse na área. 

Meme usado como exemplo de atividade universitária

Damares Alves também mostrou, durante a palestra gravada em vídeo, uma imagem referente  à Universidade Federal de Brasília (UNB):

Reprodução do YouTube

A imagem é a reprodução de uma publicação em perfil pessoal em mídia social, que convida pessoas a comerem alimentos preparados com plantas regadas com sangue menstrual e a conhecerem mais sobre o assunto. A pessoa que publicou, cujo nome na postagem está escondido, oferece a localização da exposição dos alimentos, o “ceubinho”, nome pelo qual é conhecido o Instituto Central de Ciências (ICC) da UNB.

Ao mostrar a imagem, a pastora afirma: “na Universidade Federal de Brasília, convidaram os alunos para comer no diretório, comidinha feita de plantas regadas a sangue menstrual! Isso mesmo. Não tem mais homens, não tem mais mulheres. A menstruação é para homens e para mulher, então vamos comer comidinha regada a sangue menstrual”.

Bereia não conseguiu localizar a publicação original e identificar a autoria, uma vez que, como nas demais imagens expostas na palestra, Damares Alves não indicou fonte ou referência. Porém, foi possível verificar que a postagem foi reproduzida em vários sites de “memes” e exposta como algo “bizarro”, tais como leninja.com.br, br.ifunny.co, me.me, entre outros, e é facilmente localizada no espaço digital, e são possíveis fontes da palestrante. 

A pastora ofereceu o conteúdo como uma prática da universidade. No entanto, é evidente que o material foi postado por um indivíduo que organizou a exposição dos alimentos fazendo uso de um espaço da universidade. 

Bereia verificou ainda que existem, sim, práticas de cultivo de alimentos que utilizam sangue menstrual como adubo. Um trabalho de conclusão do curso de Terapia Ocupacional da própria UNB refere-se a isso, com base em teoria e pesquisa de campo, bem como matéria jornalística da BBC Brasil. No entanto, não foi identificado qualquer processo de educação para estas práticas no currículo universitário. Damares Alves expôs aos presentes na palestra suas conclusões relacionadas a “ideologia de gênero” sem oferecer explicações sobre a origem da situação e os levou a compreender que tal prática foi um evento organizado pela universidade.

Foto colhida na internet atribuída a atividade curricular

O vídeo da palestra da pastora também expôs o que foi apresentado como  um “ritual” na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde “as pessoas riam da Bíblia e fumam muita maconha. E que era uma demonstração artística pra ganhar nota”, segundo Damares Alves. 

Ao apresentar uma imagem, com pessoas nuas ao redor de um crânio, a ministra insinuou se tratar de um ritual macabro, que ocorreu durante um evento intitulado “Xereca satânica”. Segundo ela, essa programação teria sido organizada por feministas da UFRJ, com o propósito de ir “contra os homens e a favor da ideologia de gênero”.  E passou a descrever sua interpretação de como ocorreu o suposto ritual que teria envolvido uma “vagina costurada” e seria uma aula de arte, para “ganhar nota no final”,  que envolveu uso de maconha.

O evento de fato ocorreu, no ano de 2014, mas na Universidade Federal Fluminense (UFF), no Campus de Rio das Ostras, e não na UFRJ, como informou Damares Alves. O caso chegou a ser alvo de inquérito da Polícia Federal, com indiciamento das pessoas envolvidas por atos obscenos em local público e investigação da UFF. Após quatro anos de investigações, o Ministério Público Federal reconheceu que não houve crime por parte de nenhum dos acusados, e arquivou o processo.

Damares Alves não falou a verdade quando afirmou que o evento era  uma aula de artes que valia nota para os estudantes. O caso ocorreu no contexto de uma confraternização de estudantes que encerrou o seminário Corpo e Resistência, organizado em 2014, pelo Curso de Produção Cultural da UFF. Esse evento também é parte das atividades do Grupo de Pesquisas “Cultura e Cidade Contemporânea: arte, política cultural e resistência.”  É fato que durante a festa houve performances pelo Coletivo Coiote, convidado pela organização do evento, mas eram manifestações autônomas e não um conteúdo curricular condicionado à atribuição de notas a estudantes, como afirma a atual ministra.

O chefe do Departamento de Produção Cultural da UFF, Daniel Caetano, na ocasião, declarou que “esse tipo de apresentação tem o propósito de chocar a sensibilidade das pessoas e fazê-las pensar sobre seus próprios limites, sendo uma realidade a costura da parte genital na arte contemporânea”.  As investigações não comprovaram, portanto, a realização de ritual satânico. Não há referências ao Cristianismo ou a qualquer outra religião e seus símbolos, e não há registro de que os envolvidos fizessem uso de drogas, que aparecem na interpretação da ministra.

Outro exemplo exposto por Damares Alves na palestra foi a “Oficina de Siririca”, apresentada pela pastora ao público presente como um evento de recepção aos calouros na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Foi projetada a seguinte imagem:

Reprodução do YouTube

O evento de fato ocorreu em 2014 e teve repercussão em mídias sociais. No entanto, foi publicada em espaços noticiosos, na época, a afirmação da Assessoria de Imprensa da UFOP de que a oficina não era um evento de recepção aos calouros como repetiu a ministra, mas uma ação específica do Centro Acadêmico (CA) de estudantes do Curso de Serviço Social para os novos integrantes da universidade, aberto para quem desejasse participar, sem obrigatoriedade. À época, a universidade informou, em nota, que “respeita a diversidade do pensamento e o debate democrático sobre quaisquer assuntos relacionados à sexualidade, gênero e comportamento no âmbito de seus institutos”. 

Logo depois da “Oficina de Sirica, surgiu nas redes sociais digitais dos alunos da UFOP um novo evento.  Dessa vez,  uma “Oficina de Punheta”, apenas uma paródia feita por alunos e não uma programação oficial Universidade ou Centro Acadêmico, como indicado na imagem veiculada no vídeo da palestra da pastora. 

Reprodução do Youtube

Damares Alves expôs ainda imagem sobre a “Oficina de Empoderamento de Buceta”, sobre a qual disse: “eu que pago”, numa referência ao que havia dito no início da sua apresentação: “nós é que pagamos por isso (os eventos nas universidades), é ou não uma palhaçada?”.

Reprodução do Youtube

O evento foi  organizado pelo Diretório Central de Estudantes (DCE) da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e não era parte da agenda oficial e do currículo da universidade, como Damares Alves faz parecer em seu discurso. A divulgação causou grande repercussão nas redes sociais digitais. Andréa Rufino, médica, sexóloga e pesquisadora em saúde, gênero, sexualidade e direitos humanos, convidada para participar do evento, foi vítima de ofensas e ameaças de perfis anônimos.

O DCE publicou uma “Nota de Esclarecimento” no Facebook com a justificativa da atividade, além de se defender e condenar os ataques. 

***

Com base na pesquisa desenvolvida a partir do vídeo enviado por leitores, Bereia classifica o conteúdo da palestra proferido pela pastora Damares Alves, atual ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos do governo federal do Brasil, como enganoso. A religiosa tem por objetivo criar pânico moral em torno do tema “ideologia de gênero”, conteúdo inventado para desenvolver oposição a temas referentes a direitos das mulheres e da população LGBTI+, como Bereia já publicou em várias matérias.

Seguindo uma prática que já vinha de outros eventos em que participou, Damares Alves faz um discurso exaltado, emotivo,  com o uso de imagens de eventos e situações  retiradas do seu contexto para oferecer sua interpretação de fatos e chamar a atenção dos participantes para a sua pauta. 

Neste vídeo que voltou a circular, há um esforço de fazer crer que há uma ação conspiratória para erotizar crianças e jovens (exemplos das animações Disney), que tomou também as  universidades públicas reduzindo-as em espaços de baderna e de perversão, e não instituições educacionais, formadoras de profissionais em várias áreas e produtora de ciência É fato que episódios controversos e ilegítimos ocorrem e, por vezes, acabam sendo alvo de investigação administrativa e judicial, como foi verificado, mas são promovidos por pessoas ou grupos de forma autônoma, não sendo parte da programação oficial da instituição ou do currículo acadêmico, como a atual ministra quer levar seu público a acreditar.

Bereia registra preocupação com o papel que a empresa Google, proprietária do Youtube, tem desempenhado na propagação de desinformação, como é o caso deste vídeo com conteúdo enganoso, que permanece na plataforma há quatro anos e segue sendo usado para desinformar. A campanha Fake News Mata (pessoas e democracias) tem denunciado esta situação e pressionado a Google para agir contra esta negação do direito à informação e não  lucrar com veiculação de conteúdo que desinforma.

Referências de checagem: 

Pavablog. https://www.pavablog.com/2013/05/11/magali-cunha-analisa-discurso-de-damares-alves-apresenta-elementos-criticos-genericos-e-imprecisos-inverdades-e-manipulacao-explicita-de-dados/ Acesso em: [20 fev 2022]

I Seminário Queer. https://www.pagu.unicamp.br/pt-br/i-seminario-queer Acesso em: [20 fev 2022]

UOL.https://educacao.uol.com.br/noticias/2014/09/16/recepcao-de-calouros-tem-oficina-de-siririca-na-ufop.htm Acesso em: [20 fev 2022]

Portal Justificando https://portal-justificando.jusbrasil.com.br/noticias/591267689/saude-sexual-empoderamento-feminino-e-o-panico-moral Acesso em: [20 fev 2022] 

Ministério da Educação. https://www.gov.br/pt-br/noticias/educacao-e-pesquisa/2020/10/censo-da-educacao-superior-mostra-aumento-de-matriculas-no-ensino-a-distancia#:~:text=A%20pesquisa%20tamb%C3%A9m%20aponta%20que,Centros%20Federais%20de%20Educa%C3%A7%C3%A3o%20Tecnol%C3%B3gica

Jornal Folha de São Paulo https://ruf.folha.uol.com.br/2019/ranking-de-universidades/principal/ Acesso em: [20 fev 2022]

BBC Brasil. https://www.bbc.com/portuguese/brasil-57812736 Acesso em: [20 fev 2022]

Poder 360. https://www.poder360.com.br/governo/estado-e-laico-mas-sou-profundamente-crista-diz-damares-ao-assumir-ministerio/ Acesso em: [20 fev 2022]

EXAME. https://exame.com/brasil/menino-veste-azul-e-menina-veste-rosa-diz-damares-em-video/   Acesso em: [20 fev 2022]

Aos Fatos. https://www.aosfatos.org/noticias/desvendamos-noticias-falsas-de-damares-alves-contra-ideologia-de-genero/ Acesso em: [20 fev 2022]

Aminoapps. https://aminoapps.com/c/gay-pt-br/page/blog/e-se-as-princesas-da-disney-fossem-principes/kjP4_dLFGu7jlZeBpBqbl3NxlVJVYK0Wr7 Acesso em: [20 fev 2022]

Behance. https://www.behance.net/search/projects?search=DISNEY+FANART&tracking_source=typeahead_search_direct Acesso em: [20 fev 2022]

Estado de Minas. https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2019/05/13/interna_politica,1053417/damares-diz-que-princesa-elsa-do-filme-frozen-e-lesbica.shtml Acesso em: [20 fev 2022]

Huffpost. https://www.huffpost.com/entry/frozen-director-elsa-girlfriend_n_5a9388c5e4b01e9e56bd1ead Acesso em: [20 fev 2022]

Observatório de Cinema https://observatoriodocinema.uol.com.br/artigos/2020/01/e-lesbica-frozen-2-enfim-responde-duvida-sobre-sexualidade-de-elsa#:~:text=Isso%2C%20no%20entanto%2C%20n%C3%A3o%20aconteceu,seja%20l%C3%A9sbica%2C%20mas%20sim%20assexual. Acesso em: [20 fev 2022]

Justificando http://www.justificando.com/2018/07/17/caso-xereca-satanica-juiz-decide-que-manifestacao-artistica-nao-e-crime/ Acesso em: [20 fev 2022]

O Globo. https://oglobo.globo.com/brasil/performance-ou-crime-12698298 Acesso em: [20 fev 2022]

Bereia. https://coletivobereia.com.br/?s=ideologia+de+g%C3%AAnero Acesso em: [20 fev 2022]

Campanha Fake News Mata. https://www.fakenewsmata.org/ Acesso em: [20 fev 2022]

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Imagem de capa: reprodução YouTube

É enganosa a informação do ministro Weintraub de que cientista não teve bolsa cortada

O Ministro da Educação, Abraham Weintraub, publicou em seu perfil no Twitter, em 1° de abril, um print de nota do portal da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), com título – “O estudante Ikaro Alves de Andrade não é bolsista da CAPES”.

A declaração se refere a uma notícia que circula na imprensa sobre o biomédico Ikaro Alves de Andrade, aprovado em 1º lugar para o Doutorado em Biologia Microbiana da Universidade de Brasília (UnB). O estudante corre o risco de não conseguir continuar os estudos por causa dos cortes promovidos pela pasta da educação.

O cientista estudava o sequenciamento genético dos casos de coronavírus no Distrito Federal, mas recentemente ficou sabendo que seus estudos foram ameaçados devido ao fato de o Programa de Pós-Graduação não ser mais contemplado com bolsas para os estudantes.

Isso aconteceu após a publicação da Portaria n° 34, de 18 de março, que altera os critérios de distribuição de bolsas de pós-graduação e permite cortes de até 20% em programas nota 7, e até 50% nos programas nota 3 (nota mínima para o funcionamento de um programa).

O Programa de Pós-graduação em Biologia Microbiana (PGBM), no qual Ikaro é aluno, existe há sete anos, é recente, e só foi avaliado pela Capes uma vez, tendo obtido nota 4.

Em nota, depois que o caso de Ikaro foi noticiado na imprensa, a Capes anunciou uma ação emergencial de combate ao coronavírus – o Programa de Combate às Epidemias, que “concederá adicionalmente 900 bolsas de mestrado e doutorado para os programas com nota 5, 6 e 7”. Por causa da nota 4, o programa de Ikaro e sua pesquisa sobre o Covid-19 não serão beneficiados.

Depois de pressionada pela comunidade acadêmica de todo o país,  a Capes admitiu no Ofício Circular 06/2020 enviado às universidades que um erro no novo modelo de concessão de bolsas ocasionou em cortes de seis mil bolsas no sistema (Portaria 34). Mesmo admitindo o erro, a instituição se negou a apresentar o quadro geral de distribuição das bolsas.

A PORTARIA 34

A Portaria 34 é um documento legislativo instituído pela Capes, publicada dia 9 de março de 2020, que “dispõe sobre as condições para fomento a cursos de pós-graduação stricto sensu pela Diretoria de Programas e Bolsas no País da CAPES”.

Entre as implementações chanceladas na Portaria destaca-se o artigo 5º no qual fica vedado o fomento aos cursos que estão no primeiro ano de seu funcionamento; no mesmo ano da homologação de alteração da modalidade profissional para acadêmico presencial; cujas as três últimas notas da Avaliação forem iguais a 3 (três); ou  partir do momento em que for deferido pedido de alteração da modalidade do curso de acadêmico para profissional presencial ou à distância. E o artigo 8º, que apresenta as questões que se se referem a movimentação nas distribuições de bolsas que acarretou situação apresentada neste artigo, e será apresentado à seguir:

Art. 8º Fica determinada a revisão dos pisos e dos tetos da redistribuição de bolsas definida pelas Portarias nº 18, nº 20 e nº 21, de fevereiro de 2020, de modo a conferir maior concretude à avaliação da pós-graduação e maior prioridade aos cursos mais bem avaliados, cujo resultado final deverá obedecer aos seguintes limites:

I – diminuição não superior a 50% (cinquenta por cento), para cursos cujas duas últimas notas forem iguais a 3 (três), vedado qualquer acréscimo;

II – diminuição não superior a 45% (quarenta e cinco por cento), para cursos cuja nota atual for igual a 3, vedado qualquer acréscimo;

III – diminuição não superior a 40% (quarenta por cento) ou acréscimo limitado a 10% (dez por cento), para cursos cuja nota atual for igual a 4;

IV – diminuição não superior 35% (trinta e cinco por cento) ou acréscimo limitado a 30% (trinta por cento), para cursos cuja nota atual for igual a 5;

V – diminuição ou acréscimo a 10% (dez por cento), para cursos de nota A ou de nota 3 ainda não submetidos a processo de avaliação de permanência;

VI – diminuição superior a 30% (trinta por cento) ou acréscimo a 70% (setenta por cento), para cursos cuja nota atual for igual a 6;

VII – diminuição não superior 20% (vinte por cento), para cursos cuja nota atual for igual a 7, sem limitação de teto.

As informações apresentadas acima demonstram as possibilidades de remanejamento de recursos nos programas de pós-graduação baseados na pontuação atual ou agregada durante os últimos anos. Cabe ressaltar que a avaliação que origina tal pontuação acontece a cada quatro anos.

Esta Portaria tem sido veementemente rechaçada pelos reitores das universidades do País, o que ocasionou uma ação no dia 03 de abril, do Ministério Público para que a Capes a suspenda. A Procuradoria da República argumenta que o ato mudou “de forma abrupta” processos de concessão em andamento e que há danos para projetos de pesquisa e também para inúmeros estudantes.

Em 6 de abril o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação (FOPROP) divulgou uma nota manifestando-se contra as ações de cortes de bolsas da Capes, “realizadas sem diálogo e sem transparência”. O Fórum declara ainda que “não houve qualquer consulta aos reitores sobre a concessão de bolsas em caráter emergencial para a área de saúde em combate à pandemia do coronavírus“. Segundo os reitores, “falta transparência “para explicar à comunidade acadêmica os critérios de distribuição dessas bolsas ‘emergenciais”.

Declaração da CAPES sobre o caso Ikaro Alves de Andrade

A nota publicada pela CAPES, em 1 de abril, compartilhada pelo ministro Weintraub, no Twitter, diz o seguinte:

“O estudante Ikaro Alves de Andrade não é bolsista da CAPES

Sobre a informação que está circulando na imprensa e nas redes sociais, a CAPES esclarece que:

O estudante Ikaro Alves de Andrade não é bolsista da Coordenação. Portanto, não teve sua bolsa “cortada”. Ele pode ter sido selecionado pelo programa de Biologia Microbiana da Universidade de Brasília (UnB), mas o curso, pelos critérios do Modelo de Distribuição de Bolsas, teve redução do quantitativo de benefícios.

O curso tem nota 4 – numa escala de 3 a 7 – na avaliação da CAPES e seu nível de titulação está abaixo da média nacional. Mesmo sem a edição da portaria 34, pelos critérios do Modelo ele não poderia incluir novos bolsistas.

O Programa de Combate às Epidemias, que será lançado pela CAPES em uma das ações emergenciais, concederá adicionalmente 900 bolsas de mestrado e doutorado para os programas com nota 5, 6 e 7, dentro da grande área de conhecimento do Colégio da Vida. Outra ação do Programa é o lançamento de um edital para submissão de projetos que não restringirá a nota dos cursos proponentes uma vez que a aprovação será por análise de mérito.

Reforçamos que não houve cortes de benefícios no total geral da concessão de 2020, mas sim um aumento de 3.386 bolsas na pós-graduação brasileira. A Portaria 34 não mudou os indicadores do Modelo publicados anteriormente e o estudante que tem bolsa continuará recebendo normalmente o recurso até o final de sua vigência.”

O que os fatos demonstram é que, apesar de não ter havido redução da quantidade total de bolsas de pesquisa concedidas pela Capes, houve remanejamentos dos benefícios entre os cursos, baseando seus novos critérios de distribuição implantados pela Portaria 34. Em uma dessas movimentações, a bolsa que estava aprovada para o estudante Ikaro Alves de Andrade no Programa de Pós-Graduação em Biologia Microbiana da UnB foi cortada pela Capes, como ação da Portaria 34, e a pesquisa sobre o novo coronavírus que ele desenvolvia foi afetada.

O Coletivo Bereia conclui que a nota da Capes divulgada pelo ministro Weintraub é enganosa pois não admite que Ikaro Alves de Andrade fosse bolsista da Capes, quando, de fato, o estudante teve a bolsa que lhe foi concedida para as pesquisas no Programa da UNB cortada, por aplicação da Portaria 34, publicada em março, quando os Programas de Pós-Graduação já haviam distribuído as bolsas disponíveis e o semestre letivo estava em andamento.

Referências de Checagem:

BBC – O cientista que perdeu a bolsa de pesquisa enquanto estudava o novo coronavírus. Disponível em: https://bbc.in/39PST5k

CAPES – O estudante Ikaro Alves de Andrade não é bolsista da CAPES. Disponível em: http://capes.gov.br/36-noticias/10240-o-estudante-ikaro-alves-de-andrade-nao-e-bolsista-da-capes

CORREIO BRASILIENSE – Cancelamento de bolsas afeta doutorando da UnB que estuda coronavírus. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/eu-estudante/ensino_posgraduacao/2020/04/01/interna-posgraduacao-2019,841272/cancelamento-de-bolsas-afeta-doutorando-da-unb-que-estuda-coronavirus.shtml

TERRA – O cientista que perdeu a bolsa de pesquisa enquanto estudava o novo coronavírus. Disponível em: https://www.terra.com.br/noticias/coronavirus/o-cientista-que-perdeu-a-bolsa-de-pesquisa-enquanto-estudava-o-novo-coronavirus,b99ac48f16df90d2dc3be45a1e3d505em90noh4m.html

CAPES – Programa de Combate às Epidemias. Disponível em: https://www.capes.gov.br/bolsas/programas-estrategicos/programas-emergenciais/programa-de-combate-as-epidemias 

FOLHA – Capes admite erro que cortou 6.000 bolsas após criar novo modelo de concessão. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2020/04/capes-admite-erro-que-cortou-6000-bolsas-apos-criar-novo-modelo-de-concessao.shtml

CAPES – Portaria nº 34, de 9 de Março de 2020. Disponível em: http://cad.capes.gov.br/ato-administrativo-detalhar?idAtoAdmElastic=3443

FOLHA – Procuradoria entra na Justiça para Capes revogar portaria que levou a corte de bolsas de pesquisa. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2020/04/procuradoria-entra-na-justica-para-capes-revogar-portaria-que-levou-a-corte-de-bolsas-de-pesquisa.shtml 

Ministra afirma em entrevista que há risco de legalização da pedofilia no Brasil

Em entrevista ao Correio Braziliense/Estado de Minas, a Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, defendeu que a nova campanha do governo pela abstinência sexual na adolescência é uma tentativa de combater a ”legalização da pedofilia”.

A entrevista abordou outros temas referentes à sexualidade, aos direitos de imigrantes e de idosos, bem como o futuro político da ministra. No entanto, o tema da pedofilia foi o mais enfatizado por Damares Alves nas respostas, como indicam os trechos a seguir:

CB – A senhora pretende mudar o comportamento sexual dos brasileiros?

Damares Alves – … O Unicef apresenta o relatório da idade média de iniciação do sexo no Brasil: menina está com 13,9 anos, e menino, 12,4 anos. Imaginem comigo: o Código Penal Brasileiro fala que é estupro transar com uma criança com menos de 14 anos. A idade média do sexo caiu para 12. Aí, nós temos uma proposta no Senado, o PLS 236/2012, para diminuir, no Código Penal, a idade do consentimento para 12. E, isso, quando a idade (média de iniciação do sexo) ainda era 13. Já caiu para 12. Está lá no relatório do projeto de lei. O relator rejeitou, manteve 14. Mas nem foi apreciado o voto do relator nem foi apreciado o projeto inicial. Eu saí do Senado em dezembro de 2018. Nos corredores, já se falava, entre assessores, da possibilidade de apresentar uma emenda para diminuir para 10 (a idade do consentimento). O que se faz com isso? Legaliza-se a pedofilia. Então, eu preciso reagir.

CB – Por que a senhora discorda da crítica? 

Damares Alves – Chega a ser hipócrita dizer que isso é assunto de família. Com a família desfuncional que nós temos aí, gente! Com a família que não fala. Nós vamos ter que conversar com os adolescentes. Não é uma imposição. Talvez, a resistência a essa minha proposta seja por eu ser pastora. Talvez, se estivesse sentada aqui no meu lugar uma médica ginecologista falando “nós vamos conversar com os meninos para retardar a idade da iniciação sexual”, todo mundo estivesse aplaudindo. Mas, o problema é que acham que eu quero impor uma conduta moral religiosa. Longe disso. Estou falando de biologia. Estou falando de saúde pública. Estou falando do risco que está por trás de tudo isso: a legalização da pedofilia no Brasil.

CB – Qual a saída para esse cenário?

Damares Alves – O que eu quero dizer é o seguinte: ou me apresentem outra alternativa e eu esqueço de falar em retardar a relação sexual, ou me deixem tentar. Outros países estão tendo esse diálogo com os meninos. Já existem nações onde isso é política pública. “No Brasil, a senhora vai instituir política pública?”. Não precisa ser política pública. É convidar os professores para acrescentarem uma frase ao que eles já estão fazendo. É só isso. Não sei para que tanto barulho. Na verdade, acho que sei. Se as meninas começarem a ter as relações sexuais mais tarde, nós teremos menos aborto no Brasil também. Aí a indústria do aborto, que tanto quer aprovar o aborto no Brasil, vai ter menos número para apresentar. Nós temos outros agentes por trás de tudo isso, inclusive o movimento pró-pedofilia. Esse movimento é forte. Na Holanda, tentaram montar um partido de pedófilos. Esse movimento é mundial.

CB – Como a indústria do aborto e grupos ligados à pedofilia agem no Brasil?

Damares Alves – Somos o maior produtor de imagens com pornografia infantil. São 17 mil sites produzidos no Brasil, alimentando o mundo com pedofilia. Tem muito dinheiro envolvido. Não pensem que pedofilia é um abusador da esquina que está bêbado, um vovô-gagá que está ali pegando a menina. É um mercado. Tem crime organizado, poderoso.

CB – O ministério está em cooperação com a PF para esse tipo de crime?

Damares Alves – Vinte e quatro horas. E neguinho que se cuide. A gente vai pegar todo mundo. Não sei se vocês acompanham o meu Instagram, por favor, me acompanhem. Eu sou a ministra pop… Postei uma mensagem sobre uma menina de 14 dias estuprada no hospital de Breves (PA).  Antes, tinha postado uma matéria a respeito de uma menina de 9 dias. Nunca se falou tanto de estupro de bebês no Brasil como hoje. Alguém teve que romper o silêncio. Eu rompi. Lido com isso todo dia, há 30 anos. Liberar o sexo no Brasil para meninas de 12 anos… Beleza, a gente vai ter imagens legais. Ninguém vai dizer que é pedofilia.

Bereia checou as afirmações da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo Bolsonaro sobre “legalização da pedofilia”, e identificou conteúdo desinformativo.

  1. PLS 236/2012

Damares Alves – … nós temos uma proposta no Senado, o PLS 236/2012, para diminuir, no Código Penal, a idade do consentimento para 12. E, isso, quando a idade (média de iniciação do sexo) ainda era 13. Já caiu para 12. Está lá no relatório do projeto de lei. O relator rejeitou, manteve 14. Mas nem foi apreciado o voto do relator nem foi apreciado o projeto inicial. Eu saí do Senado em dezembro de 2018. Nos corredores, já se falava, entre assessores, da possibilidade de apresentar uma emenda para diminuir para 10 (a idade do consentimento). O que se faz com isso? Legaliza-se a pedofilia. Então, eu preciso reagir. (…) Estou falando de biologia. Estou falando de saúde pública. Estou falando do risco que está por trás de tudo isso: a legalização da pedofilia no Brasil.

O Projeto de Lei do Senado (PLS) 2362/2012 não é uma proposta para diminuir a idade do consentimento sexual. O PLS é a proposta de reforma do Código Penal Brasileiro, de autoria do então senador José Sarney (MDB-AP), que tramita no Senado há sete anos. O projeto foi desenvolvido por uma comissão especial formada por 15 juristas e altera alguns dos artigos do código atual e inclui outros, totalizando quase 500 artigos. Alguns artigos do novo código tratam de crime sexual contra vulneráveis, mas não existe qualquer indicação de legalização da pedofilia.

Em 2018 já circulava pela internet material falso, durante a campanha eleitoral, atribuindo ao PT e ao seu candidato Fernando Haddad a autoria do PLS 2362 para legalização da pedofilia. Na ocasião, o site de checagem de notícias Aos Fatos já havia classificado este conteúdo, agora repetido pela ministra Damares Alves, como “Falso”:

Aos Fatos explicou:

… alguns artigos do novo código dizem respeito ao crime sexual contra vulneráveis, mas em nenhuma parte do texto há menção à legalização da pedofilia. No artigo 186 do novo Código Penal está escrito que:

Art.186. Manter relação sexual vaginal, anal ou oral com pessoa que tenha até doze anos: Pena — prisão, de oito a doze anos.

§ Incide nas mesmas penas quem pratica a conduta abusando de pessoa portadora de enfermidade ou deficiência mental, ou de quem, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência ou não possui o necessário discernimento.

Em relação ao Código Penal vigente (o artigo que trata do mesmo crime é no atual texto legal é o 217-A), há algumas mudanças: o novo código prevê aumento da pena em casos de gravidez ou doença sexualmente transmissível, tipifica como crime a manipulação ou introdução de objetos em vulnerável e altera a idade máxima para que um menor seja considerado vulnerável. Essa última provavelmente foi a que gerou a informação falsa: enquanto no texto atual essa idade é de 14 anos, no Novo Código Penal, ele passa a ser 12 anos.

A comissão responsável pela redação do código levou em conta o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), segundo o qual criança é a pessoa de até 12 anos de idade incompletos e os adolescentes a pessoa de 12 a 18 anos de idade. A medida não foi consenso entre os juristas: o relator do projeto em 2012 e, na época, procurador da República, Luiz Carlos Gonçalves, disse que “estamos concordando em parte com essa crítica e reduzindo a idade de consentimento para 12 anos. O problema atual é a idade. Eu particularmente concordo com os 14 anos, mas a comissão entendeu que o limite deve ser de 12. A intenção foi compatibilizar com o Estatuto da Criança e do Adolescente”.

Isso não significa, no entanto, que o projeto legaliza a pedofilia. O novo texto diminui a idade máxima de 14 para 12 anos para que haja a presunção da violência no ato sexual: em casos nos quais as vítimas são mais novas que a idade máxima, a relação é tipificada como crime, não permitindo prova em contrário. Ou seja, mesmo que a criança alegue consentimento, o ato é considerado estupro de vulnerável.

Vale lembrar que o ECA também criminaliza a produção, registro, venda, armazenagem ou até simulação de cena de sexo explícito envolvendo crianças e adolescentes. A pena varia de um a oito anos de reclusão, dependendo do caso, e o pagamento de multa. Além disso, também é importante lembrar que pedofilia não é o nome dado ao ato mas sim à parafilia (distúrbio sexual) na qual um adulto sente atração sexual por crianças.

A única emenda ao PLS que sugere uma mudança na legislação dos crimes sexuais contra vulneráveis é da senadora Ana Rita (PT-ES), que pediu a inclusão de um aumento da pena caso o agente seja algum parente ou tenha alguma autoridade sobre a criança por qualquer motivo.

O IPCO (Instituto Plínio Corrêa de Oliveira) entregou, no dia 17 de maio de 2013, um abaixo-assinado para que o Senado rejeitasse todo ou em parte o PLS. Um dos pontos criticado pelos membros do instituto foi essa nova legislação: “no caso de crimes sexuais contra vulneráveis, reduziu-se a menoridade do ofendido para até 12 anos. Todas as perversões sexuais contidas nos tipos penais referentes a ações praticadas por um indivíduo adulto contra adolescente de mais de 12 anos de idade, com o seu consentimento, não mais serão punidas. Essa aberração fica liberada”.

Houve também três pareceres que defenderam que a idade máxima de 14 anos deveria ser mantida, mas que não chegaram a serem votados: o do ex-senador Pedro Taques (PDT-MT), o da ex-senadora Ana Rita (PT-ES) e do ex-senador Vital do Rêgo (MDB-PB).

Além de não haver qualquer indicativo de processos de legalização da pedofilia no Brasil, que é considerada no país, seguindo posições assumidas internacionalmente, sob dois vieses:

1) transtorno da sexualidade (perversão, desvio), reconhecido pela Organização Mundial de Saúde como doença, que consiste na preferência sexual por crianças ou por adolescentes. Segundo a Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial da Saúde, item F65.4, pedofilia é preferência sexual por crianças, quer se trate de meninos, meninas ou de crianças de um ou do outro sexo, geralmente pré-púberes ou no início da puberdade. Este tipo de comportamento não é considerado uma orientação sexual como a heterossexualidade, homossexualidade e a bissexualidade;

2) crime, quando se torna prática de abuso ou exploração sexual contra crianças e adolescentes. Há capítulo específico acerca dos crimes sexuais contra vulneráveis no Código Penal: art. 217-A – estupro de vulnerável; art. 218 do CP – mediação de menor de 14 anos para satisfazer a lascívia de outrem; art. 218-A do CP – satisfação da lascívia mediante a presença de menor de 14 anos; 218-B do CP – favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de criança, adolescente ou vulnerável. O Estatuto da Criança e do Adolescente também trata de crimes envolvendo a pedofilia: art. 240 – utilização de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica; art. 241 – comércio de material pedófilo; art. 241-A – difusão de pedofilia; art. 241-B – posse de material pedófilo; art. 241-C  – simulacro de pedofilia; art. 241-D  – aliciamento de crianças.

Está em tramitação no Senado o PLS 496/2018, de autoria da Comissão Parlamentar de Inquérito dos Maus-tratos, de 2017, que altera a Lei nº 8.072/1990, para incluir a pedofilia no rol dos crimes hediondos.

Especialistas alertam para a necessidade de superação do equívoco conceitual – confundir pedofilia (doença) com abuso ou exploração sexual (tipificados como crime). Tratar todos os indivíduos que abusam ou exploram sexualmente de uma criança como se fossem pedófilos é, do ponto de vista clínico e legal, reconhecer que todos são portadores desse transtorno e que, nessa condição, podem ter uma punição atenuada. Esta tem sido uma prática recorrentemente utilizada pela mídia e até mesmo por profissionais que atuam na área da infância. O mais grave, ainda, é apontar muitas vezes de forma “espetacular” o problema, sem indicar soluções ou caminhos que possam fazer cessar essas graves modalidades de violência sexual cometida contra crianças e adolescentes. Denunciar o caso utilizando o Disque 100 para notificação ao Conselho Tutelar ou ainda informar às demais instâncias previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente são ações essenciais tanto para proteção da vítima quanto para responsabilização dos autores da violência.

Esta afirmação da ministra Damares Alves sobre o PLS 2362/2012 como legalização da pedofilia, é, portanto, falsa.

2. Movimentos e partido pró-pedofilia: pânico moral

Damares Alves – … Nós temos outros agentes por trás de tudo isso, inclusive o movimento pró-pedofilia. Esse movimento é forte. Na Holanda, tentaram montar um partido de pedófilos. Esse movimento é mundial.

A existência de movimentos pró-pedofilia é um fato. Eles emergiram com força na Holanda, nos anos 1950, e ampliaram apoios pela Europa Ocidental nos anos 1970, no entanto, a partir dos anos 80, cresceu uma forte oposição moral e política tanto na Europa como nos Estados Unidos que vai orientar as décadas seguintes. As mídias tiveram papel fundamental na divulgação de pesquisas científicas, legislação e políticas públicas no enfrentamento da pedofilia, enfraquecendo a ideia de movimento e fortalecendo a noção de transtorno e possível consequente abuso.

Os movimentos pró-pedofilia entraram em declínio e se tornam isolados nos anos 2000, especialmente por conta do avanço da internet e dos crimes cibernéticos de abuso sexual de crianças e adolescentes tornados públicos. Vários dos movimentos pró-pedofilia e até tentativas de criação de partidos políticos foram reprimidas nestas últimas décadas, tanto por ações populares de pressão sobre governos e suas políticas políticas quanto por ações judiciais. Por causa deste contexto sociopolítico e legislativo do tempo presente, são muito poucos os que ousam expressar público apoio a pedófilos ou a movimentos pedófilos. Algumas se restringem à internet.

Em 2006, três defensores da pedofilia fundaram, na Holanda, o Partido da Caridade, da Liberdade e da Diversidade (PNVD, sigla na língua original). O PNVD ganhou repercussão mundial por conta de sua plataforma polêmica (redução progressiva da idade de consentimento, legalização da pornografia infantil, de sexo com animais e transporte de trem gratuito para todos) mas não conseguiu participar nas eleições daquele ano, pois não coletou o número mínimo de assinaturas exigido pela legislação eleitoral holandesa para poder apresentar candidatos. O partido foi extinto em 2010. Além disso, a Associação Martijn, pró-pedofilia, que existiu por 30 anos, pertencente a um dos fundadores do PNVD, foi proibida e dissolvida pelo Supremo Tribunal da Holanda, em 2014. Na Holanda tem crescido o número de denúncias de abuso sexual de crianças e de ações de prevenção nas escolas.

Com base nestes dados, é possível afirmar que, ao dizer que o movimento pró-pedofilia é mundial e forte, e mencionar a criação do partido da Holanda, sem dizer que isto ocorreu em 2006 (treze anos atrás) e o partido e o movimento que o gerou estão extintos (o primeiro em 2010 e o segundo em 2014, respectivamente, nove anos atrás e cinco anos atrás), Damares Alves desinforma com conteúdo enganoso (omite a extinção de movimentos e partido por ações do Estado Holandês).

Estudos apontam que os usos de conteúdo enganoso em assuntos de cunho moral têm sido promovidos em diferentes sociedades para estabelecer pânico moral como estratégia de controle social.

“Erich Goode e Nachman Ben-Yehuda definem pânico moral como o consenso, partilhado por um número substancial de membros de uma sociedade, de que determinada categoria de indivíduos ameaça a sociedade e a ordem moral. Portanto, esse número considerável de pessoas que se sentem ameaçadas tende a concordar que ‘algo deveria ser feito’ a respeito desses indivíduos e seu comportamento. O algo a ser feito aponta para o fortalecimento do aparato de controle social, ou seja, novas leis ou até mesmo maior e mais intensa hostilidade e condenação pública a determinado estilo de vida” (…) “Muitos acham que uma sociedade ameaçada moralmente necessita de um renascimento dos valores tradicionais, o que os leva a defender uma forma idealizada do que teria sido a ordem social do passado. Para além da retórica do renascimento dos valores morais do passado, o que se constata é a tendência contemporânea a pensar a sociedade como se estivesse sob ameaça constante”. (…) “Os pânicos morais são fenômenos privilegiados nessa nova ordem do poder, pois levam sempre à discussão sobre o controle social e legal apropriado de uma forma de comportamento. Os empreendedores morais, ao invés de propor a criminalização e o aprisionamento tendem a sugerir medidas educacionais, de prevenção e regulamentação legal” (extraído do artigo de Richard Miskolci, Pânicos morais e controle social – reflexões sobre o casamento gay).

A ideia de pânico moral se relaciona à fala da ministra na entrevista: “O que se faz com isso? Legaliza-se a pedofilia. Então, eu preciso reagir”. Isto também torna possível a proliferação de material enganoso publicado em sites especializados em material desinformativo como o “Terça Livre”, dirigido por Allan dos Santos, que publicou matéria sob o título “Pedofilia, ideologia de gênero e feminismo? Especialista explica como se relacionam”.

Na matéria do Terça Livre, que é de 2018, há várias expressões que são repetidas por Damares Alves na entrevista ao Correio Braziliense/Estado de Minas, deste 26 de janeiro de 2020: movimentos pró-pedofilia e criação de partido pedófilo na Holanda, sem datar os casos ou mencionar que foram extintos por força judicial, levando leitores a crerem que estão em vigor influenciando o Brasil.

Material enganoso referente a movimentos e partidos pro-pedofilia aparecem exclusivamente em outros sites de conteúdo conservador e de extrema direita como Gazeta do Povo, Estudos Nacionais em 2015 e em 2019, Instituto Santo Anastásio, Guia-me, Brasil sem Medo, Olavo de Carvalho, Medium, Renova Mídia, Conexão Política.

Na pesquisa, promovida pelo Coletivo Bereia, não foram encontrados conteúdos desta natureza em outras fontes.

3. O perfil do abusador e o mercado da pedofilia

Damares alves – Não pensem que pedofilia é um abusador da esquina que está bêbado, um vovô-gagá que está ali pegando a menina. É um mercado. Tem crime organizado, poderoso.

A afirmação da ministra na entrevista quanto ao perfil de pedófilos abusadores é imprecisa. É fato que não se trata de bêbados ou de “vovôs-gagás, conforme pesquisas de diferentes fontes e regiões do país, no entanto, a ministra da Família omitiu o dado importante de que número significativo dos abusadores de crianças encontra-se no círculo familiar. Uma das pesquisas, realizada com crianças abusadas atendidas em unidade pública de saúde, indica que 85,6% agressores são conhecidos da criança ou da família; 28,7% são parentes, sendo os pais os principais, com uma taxa de 12,5%, os primos, 5,55%; e, dos 71,3% não parentes, 14,83% eram padrastos, 14,83% vizinhos; 73,9% ocorreram na casa da criança ou do agressor; em 66% houve intimidação com o uso de força e de ameaças, 2,8% com arma; em 36,6% houve penetração e em 46,3% manipulação; houve relação sexual só anal em 13,9%, só vaginal 44,9%, só oral em 3,74%.        

A afirmação da existência de um mercado da pedofilia é verdadeira, com a alta incidência de produção de material pornográfico envolvendo crianças, e a própria veiculação de conteúdo abusivo pelas mídias, com a erotização infanto-juvenil. A ministra afirma isto em outro trecho na entrevista ao Correio Braziliense/Estado de Minas:

CB – Ao mesmo tempo, fala-se que o Brasil é um país conservador. Não há contradição na ideia de que um país conservador tenha uma sexualização tão precoce?

Damares alves – A gente trabalhou muito o combate à exploração sexual, mas não combateu a erotização. Estamos diante de uma indústria forte de pornografia no Brasil. Na minha idade, qual era o acesso que a gente tinha à pornografia? Era um aluno conseguir uma revista na escola, e a gente ia para o banheiro escondido para olhar. Se pegassem, estava todo mundo suspenso. Hoje, criança de 4 anos tem acesso à pornografia. Mesmo a criança que não sabe ler, ela tem o Google, que ela fala e está lá a mensagem para ela de volta. Então, o que acontece, nossas crianças estão tendo mais acesso à erotização.

CB – Há uma erotização massificada?

Damares Alves – Minha geração fechou os olhos para a erotização infantil. Vamos lembrar do concurso “na boquinha da garrafa”? Vamos lembrar o concurso Carla Perez? A mini-Carla Perez, eram menininhas rebolando e menininhos acoxando elas por trás, e o Brasil inteiro aplaudindo aquilo. Vamos lembrar da Piscina do Gugu? Em pleno domingo à tarde, as crianças vendo bundas expostas daquele jeito. A gente não percebeu que estava fechando os olhos e até incentivando a erotização. Essa geração que hoje está abusando foi uma geração fruto de muita erotização.

  • Estupro de bebês

Damares Alves – Postei uma mensagem sobre uma menina de 14 dias estuprada no hospital de Breves (PA).  Antes, tinha postado uma matéria a respeito de uma menina de 9 dias. Nunca se falou tanto de estupro de bebês no Brasil como hoje. Alguém teve que romper o silêncio. Eu rompi. Lido com isso todo dia, há 30 anos.

Neste trecho da entrevista ao Correio Braziliense/Estado de Minas, a ministra Damares Alves menciona duas postagens que fez no Twitter sobre o estupro de dois bebês. A postagem sobre uma menina de 14 dias estuprada em Breves (PA) não consta na conta do Twitter da ministra, apesar de o caso ter sido noticiado, no Pará, não em Breves, mas em Santana do Araguaia.

A postagem sobre a menina de nove dias ocorreu no dia 22 de janeiro passado. Outro caso no Pará (Marajó), noticiada pelo site Roma News.

Bereia localizou ainda uma postagem da ministra no Twitter, no dia 4 de junho de 2019, sobre o tema de estupros de bebês. É um vídeo que reproduz entrevista da ministra à atriz e youtuber Antonia Fontenelle, canal “Na Lata”, programa de entrevistas com celebridades, publicado em 3 de junho de 2019.

No vídeo de 48 minutos, Damares Alves afirma que “a pedofilia no Brasil já atingiu a seara do “crime organizado”, que “além de colocarem preço em fotos de crianças, variando entre R$ 2 mil e R$ 50 mil, os criminosos vendem também estupro de bebês”. Ela conclui o vídeo dizendo: “É bom entender que os corruptos não querem essa ministra, por que ela vai abrir a caixinha e contar o que está no segredo”. 

Damares Alves falou sobre o tema dos estupros de bebês em evento do BNDES sobre saneamento básico em 6 de dezembro de 2019. “A ministra do MMFDH destacou a parceria do Governo com o BNDES no projeto Abrace o Marajó. ‘Começamos a trabalhar no Marajó primeiro pelo enfrentamento à violência sexual contra crianças naquela região. A violência sexual no Brasil é de verdade, ouviram senhores? Milhões de crianças nesta nação são vítimas da violência sexual. E não só crianças, mas bebês também. Estamos diante de uma tragédia no Brasil que se chama ‘estupro de bebês’’, lamentou”. (Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Notícias)

“Nunca se falou tanto”, têm sido, de fato, falas exclusivas da ministra, relacionadas a casos noticiados em site de notícias do Pará que ela reproduz no Twitter, a citações em entrevista a atriz youtuber e em evento do BNDES sobre os quais não são oferecidas fontes.

A pesquisa de Bereia para esta matéria não identificou fontes oficiais, do próprio Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos ou de institutos credenciados, que apresentem dados precisos sobre casos de estupro de bebês no Brasil, relacionando-os aos crimes de pedofilia ou a legalização de pedofilia no país. Não há também dados sobre o comércio de vídeos de estupros de bebês.

A pesquisa identificou apenas uma notícia sobre vídeo que mostra bebê sendo estuprado, veiculado em mídias sociais em agosto de 2019. A matéria do site Fato Amazônico  traz um alerta da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas de que o crime registrado em vídeo não foi cometido no país e indica que o compartilhamento de pornografia infantil é crime. Segundo a notícia, a Delegacia Especializada em Proteção à Criança e ao Adolescente, da Polícia Civil do Amazonas, afirma que o estupro do recém-nascido foi registrado em La Paz/Bolívia e que não foi a primeira vez que o vídeo foi compartilhado como tendo ocorrido no Brasil.

Na forma como o tratamento da questão é impreciso, na entrevista, é possível relacioná-lo a mais uma expressão de pânico moral, até que sejam expostos pelo ministério elementos mais precisos quanto a esta situação que não configurem casos isolados.

Bereia avalia que as diversas abordagens da ministra Damares Alves, na entrevista ao Correio Braziliense/Estado de Minas, relacionadas às políticas públicas em torno da sexualidade adolescente, que enfatizam o risco de legalização da pedofilia no país, apresentam, em síntese, desinformação, com conteúdo falso.

Referências de Checagem:

Projeto de Lei do Senado (PLS) 2362/2012 https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/106404 

Aos Fatos, por Luiz Fernando Menezes. Não há projeto de lei para legalização pedofilia; imagem distorce projeto de Novo Código Penal, 15 de outubro de 2018. https://aosfatos.org/noticias/nao-ha-projeto-de-lei-para-legalizar-pedofilia-imagem-distorce-projeto-de-novo-codigo-penal/

Equipe Andi. Pedofilia é Crime? https://blog.andi.org.br/pedofilia-e-crime

Anne-Claude Ambroise-Rendu. Un siècle de pédophilie dans la presse (1880-2000): accusation, plaidoirie, condamnation. Le Temps des médias n°1, automne 2003, p.31-41. http://www.histoiredesmedias.com/Un-siecle-de-pedophilie-dans-la.html

Geraldine Coughlan. Grupo que defende pedofilia cria partido na Holanda. BBC Brasil.com, 1 jun 2006. https://www.bbc.com/portuguese/reporterbbc/story/2006/06/060601_leiholandamp.shtml

Lusa. Supremo Tribunal da Holanda proíbe grupo defensor de pedofilia. TSF Rádio Notícias, 18 de abril de 2014. https://www.tsf.pt/internacional/europa/supremo-tribunal-da-holanda-proibe-grupo-defensor-de-pedofilia-3819604.html

EFE. Na Holanda, até jogo de tabuleiro vira arma contra pedofilia. Exame, 28 de dezembro de 2016. https://exame.abril.com.br/mundo/na-holanda-ate-jogo-de-tabuleiro-vira-arma-contra-pedofilia/

Richard Miskolci. Pânicos morais e controle social – reflexões sobre o casamento gay. Cadernos Pagu, n. 28, Janeiro/Junho de 2007. Dossiê Sexualidades Disparatadas. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-83332007000100006  

Ana Esther Carvalho Gomes Fukumoto, Juliana Maria Corvino, Jaime Olbrich Neto. Perfil dos agressores e das crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. Ciência em Extensão, v. 7, n. 2, 2011. https://ojs.unesp.br/index.php/revista_proex/article/view/475

Jane Felipe. Afinal, quem é mesmo pedófilo? Cadernos Pagu, n. 26, Janeiro/Junho de 2006. Dossiê Repensando a Infância. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-83332006000100009  

PIB não cresceu 20% em 2019 e fala de Senador Humberto Costa ainda será avaliada

No domingo 1 de dezembro de 2019, o vice-líder do Governo no Congresso Deputado Federal Marco Feliciano (PODEMOS/SP), comentou a entrevista que a Senadora Simone Tebet (MDB/MS) deu ao programa de entrevistas da Folha de S. Paulo e do UOL, em 28 de novembro de 2019, publicada pela Folha no mesmo 1 de dezembro.

O jornal destacou dois pontos da entrevista: a crítica ao Ministro Paulo Guedes e ao deputado federal Eduardo Bolsonaro, que, recentemente, em declarações públicas, ameaçaram a imposição de um AI-5 (Ato Institucional nº 5, experiência de fechamento do Congresso e censura durante a ditadura militar) diante de uma eventual radicalização de protestos de rua no Brasil. Outro destaque foi a crítica à condução da economia pelo governo Bolsonaro.

Tebet, que é presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado, apoia que a o Conselho de Ética da Câmara julgue Eduardo Bolsonaro. A senadora defende o processo não por ser o filho do presidente, mas por ser um deputado federal. “A democracia é, dentre os sistemas, mais frágil justamente porque permite esse tipo de manifestação de qualquer pessoa. Mas não de parlamentares que juraram defender a Constituição”, disse a senadora na entrevista.

A Folha de S. Paulo destacou na publicação da entrevista, a avaliação negativa que Tebet tem da condução da economia pelo governo: “Se a economia não reagir até o ano que vem, se nós continuarmos com esse PIB pífio e não voltarmos a gerar emprego e renda, se continuamos tendo esses números vergonhosos de desemprego, se voltarmos a ver pessoas voltando para as ruas porque não têm um teto para morar, esse governo não consegue se sustentar”.

Ao comentar a entrevista da senadora em sua conta no Twitter, Marco Feliciano abordou os dois destaques da Folha de S. Paulo:

Bereia checou as afirmações de Marco Feliciano em defesa do filho do Presidente da República e da governança em relação à economia.

O PIB deste ano aumentou 20% e crescerá 100% em 2020?

O Produto Interno Bruto (PIB) é a soma de todos os bens e serviços finais produzidos no país em um período determinado (nesta conta entram o que produzem indústria, serviços e agropecuária). É um dos indicadores mais utilizados para quantificar a atividade econômica do país. No Brasil, o cálculo do PIB é feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), instituição federal subordinada ao Ministério da Economia. “Se um país produz 100 reais de trigo, 200 reais de farinha de trigo e 300 reais de pão, seu PIB será de 300 reais, pois o valor da farinha e do trigo estão embutidos no valor do pão”, exemplifica o IBGE. O PIB não é o total de riqueza existente no país, mas sim um indicador de fluxo de novos bens e serviços finais produzidos durante um período. Se um país não produzir nada em um ano, seu PIB será nulo.

Em 2018, o PIB fechou o ano em R$ 6,9 trilhões com expansão de 1,3% frente a 2017. O mesmo índice de crescimento havia sido registrado 1,3% em 2017, marca positiva diante do recuo nos anos anteriores: 3,5% em 2015, e 3,3% em 2016.

No primeiro trimestre de 2019, o valor do PIB não cresceu em relação ao trimestre anterior e a taxa de expansão registrada foi 0%. O PIB do segundo trimestre de 2019 teve uma alta de 0,5% na comparação com o primeiro trimestre do ano. No terceiro trimestre de 2019 o PIB totalizou 1,842 trilhão de Reais, um aumento de 0,6% na comparação com o segundo trimestre. A estimativa é de que o PIB de 2019 chegue a uma expansão de 1.0%.

Neste 2 de dezembro de 2019, o Banco Central do Brasil divulgou o Relatório de Mercado Focus, utilizado para controle da inflação, divulgado toda primeira segunda-feira de cada mês, que mostra a evolução das distribuições de frequência das medianas das expectativas de mercado para o IPCA do ano corrente e três anos subsequentes, a taxa Selic (juros), o crescimento do PIB e a taxa de câmbio para o ano corrente e próximo ano. Nessa edição do Focus, a expectativa de crescimento do PIB em 2019 permaneceu em 0,99% (abaixo do 1,1% de 2018). Para 2020, o mercado financeiro alterou a previsão do PIB, de 2,20% para 2,22%.

Ao dizer que o PIB teve “aumento de 20% este ano”, o Deputado Marco Feliciano apresenta número que não reflete os indicadores do IBGE e as projeções do Banco Central, como Bereia levantou. Considerando que o deputado estivesse se referindo a uma comparação com o segundo trimestre do ano anterior (os resultados do terceiro trimestre ainda não haviam sido divulgados quando da postagem de Marco Feliciano), a verificação também não encontrou correspondência, pois o PIB do segundo trimestre de 2018 foi superior ao de 2019 no mesmo período, com 1.6% de crescimento. Nesse sentido, a afirmação do vice-líder do governo no Congresso é falsa: o PIB teve crescimento de um trimestre para outro de 0,6% e permanece em baixa em relação a 2018.

Já a afirmação de que o PIB crescerá 100% em 2020 provavelmente se baseie no Relatório Focus do Banco Central que trabalha com previsões. É uma afirmação categórica de Marco Feliciano baseada em otimismo não compartilhado pela Senadora Simone Tebet.

O Senador Humberto Costa/PT pregou a “violência/subversão que ocorre no Chile para o Brasil”?

Para a defesa da crítica de Simone Tebet ao Deputado Eduardo Bolsonaro (PSL/SP), o Deputado Marco Feliciano demanda coerência da Senadora a fim de que exija que a Comissão de Ética do Senado julgue também o líder do PT no Senado Humberto Costa (PE) que teria incitado violência e subversão.

Marco Feliciano se refere à postagem de Humberto Costa em sua conta no Twitter, em 19 de outubro de 2019, período de auge dos protestos no Chile contra o governo do presidente Sebastián Piñera. Na ocasião da postagem, o Deputado Marco Feliciano enviou à Procuradoria-Geral da República (PGR), uma acusação formal contra Humberto Costa por “conclamar a população a derrubar o presidente”.

Feliciano alega que o Senador incitou a subversão da ordem política ou social e a luta violenta entre a população, as Forças Armadas e o governo. De acordo com a representação do deputado à PGR, a tentativa de subversão já configura crime e é passível de punição com pena de um a quatro anos de reclusão. Caberá ao procurador-geral da República, Augusto Aras, aceitar ou arquivar o pedido.

O ato de Marco Feliciano é uma contraposição à abertura de processos na Comissão de Ética da Câmara Federal contra Eduardo Bolsonaro, por ter defendido publicamente a volta do Ato Institucional 5 (AI-5), em entrevista à jornalista Leda Nagle, em 31 de outubro de 2019.

Lideranças da oposição também solicitaram no Supremo Tribunal Federal (STF) que Eduardo Bolsonaro seja processado por improbidade, incitação e apologia ao crime, além da cassação de seu mandato pela Câmara.  A queixa-crime foi aceita pelo STF e está nas mãos do Ministro Gilmar Mendes.

Em 2 de novembro, o Deputado Marco Feliciano publicou em seu perfil no Twitter: “Se Eduardo Bolsonaro tem que ser cassado, senador Humberto Costa também tem! Defesa da democracia não pode ser seletiva, caros Davi Alcolumbre e Rodrigo Maia, pois senão é demagogia pura”.

Agora, ao rebater as críticas da Senadora do MDB/MS a Eduardo Bolsonaro, Marco Feliciano retoma a acusação a Humberto Costa.

A representação de Marco Feliciano está com a PGR. No espaço público, não alcançou o nível de repercussão que teve a declaração de Eduardo Bolsonaro, dada a gravidade da afirmação do deputado que pertence à família presidencial. A fala do deputado em entrevista a Leda Nagle acabou sendo agravada por outra declaração, a do Ministro da Economia, também citada por Simone Tebet na entrevista à Folha. Guedes reforçou a ameaça de um “AI-5” se houver protestos contra as políticas do governo, em coletiva de imprensa em Washington (EUA), em 25 de novembro. “Não se assustem se alguém pedir o AI-5”, disse ministro ao comentar possibilidade de protestos de rua no Brasil.

O senador Humberto Costa, por seu lado, não comentou a queixa de Marco Feliciano à PGR e fez discurso no Plenário do Senado, em 6 de novembro, contra a atitude de Eduardo Bolsonaro. Costa disse ser inaceitável que um membro do Congresso Nacional defenda a reinstituição do AI-5, considerado o ato de maior repressão adotado no regime militar. Representantes que foram eleitos pela legitimidade do voto popular e que defendem a ditadura, avalia o senador, não podem ficar impunes.

Bereia avalia que a afirmação do Deputado Marco Feliciano, com acusação a Humberto Costa, em defesa de Eduardo Bolsonaro, é uma posição subjetiva, interpretativa das palavras postadas pelo Senador. A interpretação ganhou a forma de queixa entregue à PGR e ainda não teve parecer. A afirmação é, portanto, inconclusiva. A Senadora Simone Tibet referiu-se, na entrevista em questão, aos processos contra Eduardo Bolsonaro, que, de fato, estão em curso na Comissão de Ética da Câmara e no STF.

Referências de Checagem:

CARVALHO, Daniel, ANDRADE, Hanrrikson. Se economia não reagir, governo não se sustenta, diz senadora Simone Tebet. Folha de S. Paulo, 1 dez 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/12/se-economia-nao-reagir-governo-nao-se-sustenta-diz-senadora-simone-tebet.shtml.

PRODUTO Interno Bruto. – PIB. IBGE. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/explica/pib.php

O QUE é PIB: entenda como é calculado o principal indicador da economia. Veja, 29 ago 2019. Disponível em: https://veja.abril.com.br/economia/o-que-e-pib-entenda-como-e-calculado-o-principal-indicador-da-economia/

IBGE.  Sistema de Contas Nacionais Trimestrais – SCNT. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/contas-nacionais/9300-contas-nacionais-trimestrais.html?edicao=24645&t=destaques

BANCO CENTRAL DO BRASIL. Relatório de Mercado Focus. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/controleinflacao/relatoriofocus

SARDNHA, Edson. Marco Feliciano quer processar Humberto Costa por “incitar golpe” contra Bolsonaro. Congresso em Foco, 3 nov 2019. Disponível em: https://congressoemfoco.uol.com.br/legislativo/marco-feliciano-quer-processar-humberto-costa-por-incitar-golpe-contra-bolsonaro/

BOLDRINI, Angela. Conselho de Ética abre processo contra Eduardo Bolsonaro por fala sobre AI-5. Folha de S. Paulo, 26 nov 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/11/conselho-de-etica-abre-processo-contra-eduardo-bolsonaro-por-fala-sobre-ai-5.shtml

ENTREVISTA com Eduardo Bolsonaro. Youtube, Canal de Leda Nagle, 31 out 2019. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=m_cyKtlTpL4

PAULO Guedes reaviva polêmica sobre AI-5. DW, 25 nov 2019. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/paulo-guedes-reaviva-pol%C3%AAmica-sobre-ai-5/a-51423303

‘É INACEITÁVEL que membro do Congresso defenda o AI-5’, diz Humberto Costa. https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/11/06/2018e-inaceitavel-que-membro-do-congresso-defenda-o-ai-52019-diz-humberto-costa

Universidades públicas não produzem drogas em suas dependências

Em entrevista ao programa “7 Minutos com a Verdade”, da TV Jornal da Cidade On Line, baseada em críticas ao trabalho das universidades públicas, o Ministro da Educação Abraham Weintraub acusou estas instituições de produzirem drogas em suas dependências. Durante a entrevista de 36 minutos dada à jornalista Camila Xavier, veiculada no site do Jornal da Cidade, em 23 de novembro, o ministro criticou a autonomia das universidades. Ele chama a autonomia universitária de “falácia” pois, na sua avaliação, teria se transformado em “soberania”.  Para exemplificar a crítica, Weintraub afirmou:

Você tem plantações de maconha, não plantações de três pés de maconha, mas plantações de extensivas de maconha em algumas universidades, a ponto de ter borrifador de agrotóxico. Porque orgânico é bom contra a soja, para não ter agroindústria no Brasil, mas a maconha é deles e eles querem tudo que a tecnologia tem à disposição. Ou coisas piores: você pega laboratórios de química (uma Faculdade de Química não era um centro de doutrinação), desenvolvendo laboratório de droga sintética, de metanfetamina, porque a polícia não pode entrar nos campi. Então o desafio é este. Foi criada uma estrutura muito bem pensada durante muito tempo. E a verdade é que a gente aterrissou aqui há um ano, nem um ano ainda, e estamos começando a descobrir um monte de detalhes.” [7 Minutos com a Verdade, 23 nov 2019, minutos 12´23 a 13´30]

O Ministro da Educação não explicitou a quais universidades se referia, não apresentou casos específicos e também não recebeu questionamento da entrevistadora quanto estas informações.

O Jornal da Cidade On Line, publicação do Rio Grande do Sul identificada em pesquisas como disseminadora de notícias falsas, transformou o pouco mais de um minuto e meio do trecho da fala de Abraham Weintraub em chamada para a entrevista completa, divulgada em 21 de novembro. Na chamada, o Jornal da Cidade On Line afirma: “Foi isso que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, encontrou em algumas universidades quando assumiu a pasta! E isso é apenas uma gota no oceano!”.

A acusação do ministro teve ampla repercussão nas mídias noticiosas e em alguns veículos, como o blog BRPolítico do jornal O Estado de São Paulo, que replicou a divulgação do Jornal da Cidade tal como se deu, sem tratamento da informação.

A fala de Weintraub causou indignação em educadores ligados às universidades que produziram notas de repúdio. A Associação dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES) afirma em nota que o ministro ultrapassou todos os limites da ética pública ao “fazer tais acusações para detratar e ofender as universidades federais perante a opinião pública, mimetizando-as com organizações criminosas”. A ANDIFES classifica a fala de Weintraub como “um absurdo sem precedentes” e o desafia:

… se o Sr. Ministro, enquanto autoridade pública, efetivamente sabe de fatos concretos, sem todavia apontar e denunciar às autoridades competentes de modo específico onde e como ocorrem, preferindo antes usá-los como instrumento de difamação genérica contra todas as universidades federais brasileiras, poderá estar cometendo crime de prevaricação. Assim, diante dessas declarações desconcertantes, a ANDIFES está tomando as providências jurídicas cabíveis para apurar eventual cometimento de crime de responsabilidade, improbidade, difamação ou prevaricação.

Já a Sociedade Brasileira de Química (SBQ) publicou nota em que afirma ser “absolutamente estarrecedor e incompreensível a sequência de ataques que o Sr. Ministro vem proferindo contra as Universidades Federais, usando de dados infundados ou algum problema pontual, numa tentativa aparentemente premeditada de macular a imagem de nossas Universidades”. A SBQ também desafia Abraham Weintraub:

Se o Sr. Ministro possui dados que comprovem alguma ação isolada relacionada as suas declarações, se tem conhecimento de algum caso pontual de desvio de conduta, que aponte, nomeie os responsáveis, denuncie à Polícia Federal, como é sua obrigação. Caso contrário, estará prevaricando e poderá responder por isto.

Diante das críticas que também se estenderam pelas mídias sociais, o ministro Abraham Weitraub divulgou duas notícias em seu perfil no Twitter para fundamentar o que falou na entrevista. A primeira é o compartilhamento de uma postagem no Twitter do grupo de estudantes conservadores UNB Livre que diz apresentar uma prova de que há plantações de maconha na própria Universidade de Brasília.

O que se apresenta como prova é uma reportagem produzida pelo Jornal de Brasília On Line, em abril de 2017, intitulada “Falhas na segurança da UnB facilitam crimes dentro da instituição”.

A matéria mostra a descoberta de uma área vizinha a um dos campi da UNB com vasos com plantação de maconha. Houve intervenção policial no local e é apresentada entrevista com o delegado responsável pelo caso Rodrigo Bonach. Ele diz que investigações seriam conduzidas para determinar se a maconha era produzida para consumo pessoal ou para venda para terceiros, o que caracterizaria tráfico.

O Ministério Público do Distrito Federal informou ao portal de notícias G1 que o caso foi encerrado depois de um acordo com cada um dos três envolvidos (dois estudantes de engenharia e outro jovem formado em administração, todos maiores de idade). Os acusados concordaram em pagar R$ 1.874 (dois salários mínimos) a uma escola da rede pública, como pena alternativa. O processo foi encerrado “sem análise da questão” (“não há condenação e o acusado continua sem registros criminais”, conforme a na Lei nº 9099/95). Esta informação não foi divulgada pelo Ministro da Educação.

A UnB esclareceu em nota de repúdio à fala de Weintraub, que o terreno onde a plantação de maconha foi encontrada não pertence à universidade:

A referida operação foi realizada em abril de 2017, em uma área não localizada na UnB. Trata-se de área de Cerrado próxima ao campus Darcy Ribeiro. Foram apreendidos vasos com maconha no local. Segundo as primeiras impressões da polícia, as plantas eram mantidas por um grupo, sendo dois estudantes da Universidade e uma terceira pessoa não pertencente à comunidade acadêmica. Na ocasião, as forças de segurança da Universidade deram todo o apoio à polícia.

A segunda postagem de Abraham Weintraub no Twitter para fundamentar o que disse na entrevista ao Jornal da Cidade On Line, sobre drogas sintéticas, indica um link de buscas no Google que leva para matéria do portal de notícias R7.

A matéria, de 23 de maio de 2019, intitulada “Polícia apura se insumos da UFMG são usados para fabricar drogas”, refere-se a uma investigação da Polícia Civil de Minas Gerais sobre pessoas que usariam materiais da própria Universidade Federal de Minas Gerais para fabricar e vender drogas. O resultado foi a prisão de cinco homens em flagrante portando maconha e haxixe.

À época, o delegado responsável Rodolpho Machado identificou os homens e disse que eles não eram alunos da universidade, tendo afirmado que “usavam aquele espaço público como finalidade para práticas ilícitas”.

Em nota ao portal de notícias G1 a UFMG declarou que uma sentença para o caso foi pronunciada em 24 de outubro de 2019, em uma ação penal conduzida pelo Ministério Público de Minas Gerais. “Restou comprovado que nenhum dos indiciados é estudante ou servidor da UFMG ou tem qualquer relação formal ou informal com a instituição”, afirma a nota oficial. No texto também consta a declaração de que “Não há também no documento indícios ou qualquer prova de que laboratórios de química da UFMG foram utilizados para a fabricação de drogas. Segundo o Juiz de Direito, responsável pela ação, Thiago Colnago Cabral, ‘deve ser frisado, que não existe nenhuma prova de que a direção das faculdades que serviram de palco para o delito tenham, de algum modo, concorrido para o fato criminoso ou mesmo tenham oficialmente sido cientificados da ocorrência’”.

A nota da UFMG informa que o Conselho Universitário estaria reunido em 25 de novembro para um posicionamento oficial referente à acusação do Ministro da Educação.

Bereia enviou mensagens à Assessoria de Imprensa do Ministério da Educação solicitando esclarecimentos sobre as acusações do ministro Abraham Weintraub e não obteve respostas.

Ao acusar as universidades federais de produzirem drogas em seus espaços (“plantações extensas de maconha” e “drogas sintéticas”) o Ministro da Educação desinforma o público pois trata as instituições de forma genérica e não apresenta conteúdo comprobatório das acusações. Da mesma forma o Jornal da Cidade On Line não cumpriu o papel de um órgão informativo e não indagou o ministro quanto a elementos concretos das graves denúncias proferidas. O jornal ainda alimenta a desinformação dizendo que este foi o quadro que “o ministro encontrou em algumas universidades quando assumiu”, o que não corresponde ao que Weitraub apresentou em mídias sociais como “provas”.

Nessas postagens no Twiiter, posteriores à entrevista, Abraham Weintraub demonstra que não teve contato direto com as universidades ou com os possíveis casos a que se referiu pois compartilhou como provas reportagens inconclusivas, com histórias tratadas ainda como suspeitas e de forma preliminar. Fato é que os casos a que recorreu já haviam sido encerrados sem qualquer referência ao envolvimento das universidades citadas.

Bereia conclui, portanto, que a entrevista e as postagens do ministro oferecem conteúdo enganoso pois induzem o público a construir uma visão negativa sobre as universidades públicas ao enquadrá-las em crimes relacionados a drogas. O ministro, pressionado por provas, fez uso de informações preliminares sobre casos isolados, já encerrados pelo Judiciário que, nas sentenças, isentou as universidades de participação nas ilegalidades.

Referências de checagem:

Weintraub quer acabar com a escravidão intelectual existente no país (veja o vídeo). TV JCO, 23 nov. 2019. Disponível em: https://www.jornaldacidadeonline.com.br/noticias/17454/weintraub-quer-acabar-com-a-escravidao-intelectual-existente-no-pais-veja-o-video

GALHARDI, Raul. Brasil é terreno fértil para fake news. Observatório da Imprensa, 20 ago 2019. Disponível em: http://observatoriodaimprensa.com.br/crise-na-imprensa/brasil-e-terreno-fertil-para-fake-news/

A “soberania” das Universidades escondeu “plantações extensivas de pés de maconha”, revela Weintraub (Veja o vídeo). TV JCO, 21 nov 2019. Disponível em: https://www.jornaldacidadeonline.com.br/noticias/17424/a-soberania-das-universidades-escondeu-plantacoes-extensivas-de-pes-de-maconha-revela-weintraub-veja-o-video

Wentraub cita plantações “extensivas” de maconha em federais. BRPolítico, O Estado de São Paulo, 21 nov 2019. Disponível em: https://brpolitico.com.br/noticias/weintraub-cita-plantacoes-extensivas-de-maconha-em-federais/?utm_source=twitter:newsfeed&utm_medium=social-organic&utm_campaign=redes-sociais:112019:e&utm_content=:::&utm_term=

ANDIFES. Declarações do Ministro da Educação sobre as Universidades Federais. ANDIFES, 22 nov 2019. Disponível em: http://www.andifes.org.br/declaracoes-do-ministro-da-educacao-sobre-as/

Nota pública SBQ. Boletim Eletrônico da SBQ, 22 nov 2019. Disponível em: http://boletim.sbq.org.br/boletim/2019/especial-nota-publica-sbq221119.php

GARCIA, Keven. Falhas na segurança da UnB facilitam crimes dentro da instituição. Jornal de Brasília On Line, 20 abr 2017. Disponível em: https://jornaldebrasilia.com.br/cidades/policia-civil-encontra-plantacao-de-maconha-dentro-da-unb/

Desfechos de casos citados por ministro isentam universidades de ligação com drogas em campi. G1, 25 nov 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/educacao/noticia/2019/11/25/desfecho-de-casos-citados-por-ministro-isentam-universidades-de-ligacao-com-drogas-em-campi.ghtml

SOARES, Ingrid. UnB repudia post de ministro Weintraub sobre maconha na universidade. Correio Brasiliense, 24 nov 2019. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2019/11/24/interna-brasil,808874/unb-repudia-post-de-ministro-weintraub-sobre-maconha-na-universidade.shtml

OLIVEIRA, Matheus Renato, MOREIRA, Regiane Moreira. Polícia apura se insumos da UFMG são usados para fabricar drogas. R7, 23 mai 2019. Disponível em:  https://noticias.r7.com/minas-gerais/policia-apura-se-insumos-da-ufmg-sao-usados-para-fabricar-drogas-23052019?amp

Damares Alves usa delação sobre Lula no caso Celso Daniel para acusar mídia de conspiração contra Jair Bolsonaro e defende “novo Brasil”

Em discurso na cerimônia em que recebeu a Medalha Tiradentes, na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ), em 30 de outubro, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves concentrou-se na defesa do presidente Jair Bolsonaro, que teve o nome envolvido nas investigações do assassinato da vereadora do Rio Marielle Franco (PSOL). As informações foram divulgadas pelo Jornal Nacional na noite anterior, 29 de outubro. 

O registro em vídeo (veja abaixo) pela TV ALERJ mostra a cerimônia de duas horas de duração, com outras premiações com a Medalha Tiradentes, culminando na homenagem à ministra. A proposta da homenagem partiu dos deputados estaduais Rosane Felix (PSD) e Rodrigo Amorim (PSL), “por conta dos relevantes serviços de Damares Alves em defesa da vida e da família, no combate à pedofilia e a violência contra a mulher”.

O discurso da ministra, em agradecimento à homenagem, durou três minutos (no vídeo, de 1.54:15 a 1.57:26). A fala dedicou-se à defesa do presidente Jair Bolsonaro e de seu governo. Depois de uma breve introdução de agradecimento, Damares Alves afirma:


“… Depois que um bandido disse que um ex-Presidente da República mandou matar um prefeito, a mídia não podia ficar quieta, e inventou que o meu presidente… ah, mídia, por favor, foca em mim…com o meu presidente, não! Yes! Com Jair Bolsonaro, não! Chega! Basta! Basta! Com o meu presidente, não! Esta nação está sendo governada por um homem digno, por um homem justo, e um homem que está lá porque foi Deus que o colocou lá. E para os pessimista (sic) vai aí um recado: divido a minha homenagem com ele porque esta nação já é outra. Chora pessimista! 24% a menos de homicídios no Brasil em oito meses de governo. São mais de sete mil famílias que não estão chorando. Mães que não perderam filhos, maridos que não perderam esposa, porque a violência está diminuindo no Brasil. O abuso sexual está acabando. A nossa economia está crescendo. Somos uma grande nação. Somos uma nova nação. Porque temos um líder. Vou dizer uma coisa para vocês: ninguém consegue entender humanamente o que está acontecendo aqui no Brasil. Eu tenho andado por todos os países, e quando eu estou lá fora eu tenho reuniões bilaterais, e os outros ministros me perguntam assim: “o que está acontecendo no Brasil, ministra? Não existe uma experiência no mundo em que o homicídio tenha caído 24% em 8 meses. O que vocês estão fazendo lá?” Eu fico quieta. “Explica ministra!” Eu fico quieta. “Diz!” Temos um homem que disse ao crime organizado: “chega de impunidade”. Temos um homem que disse aos nossos policiais: “vocês são nossos heróis e vocês serão respeitados”. Temos um homem que disse ao Brasil: “chega de violência”. Mas também tem uma coisa que o mundo não sabe. Concordam comigo, pastores, agora? A glória de Deus está sobre esta nação… Ah, eu sou ministra e tenho que falar como ministra porque o Estado é laico. O Estado é laico mas eu sou terrivelmente cristã! [Seguem promessas para fim da violência com crianças e com mulheres e o testemunho pessoal de ter sofrido estupro e visto Jesus no pé de goiabeira, a afirmação de que zombam da ministra e de sua família e a demanda de não negar a própria fé frente a zombaria e ameaça de morte e agradecimento a políticos parceiros com quem divide a medalha e destaque final para a primeira dama que abre o palácio para surdos, crianças e não lobistas. Bênçãos partilhadas com a afirmação de que a igreja é a agência que vai mudar este país e a frase “Brasil acima de tudo, Deus acima de Tudo.”


Bereia checou as cinco informações contidas no discurso de Damares Alves.

1 – “…um bandido disse que um ex-Presidente da República mandou matar um prefeito”. Aqui a ministra credencia as mídias pois reproduz em sua fala a matéria de capa da revista Veja, de 25 de outubro de 2019. A revista expõe que o publicitário Marcos Valério, preso por envolvimento no caso “Mensalão”, em depoimento ao Ministério Público de São Paulo, prestado no Departamento de Investigação de Homicídios de Minas Gerais, disse ter ouvido do empresário Ronan Maria Pinto, que participava de um esquema de cobrança de propina na prefeitura de Santo André, que o ex-presidente Lula foi o mandante do assassinato do prefeito Celso Daniel.

No dia seguinte, o promotor do Ministério Público de São Paulo Roberto Wider Filho que, segundo Veja teria acompanhado o depoimento de Marcos Valério, foi categórico em afirmar ao jornal El País que, de fato, tomou depoimento de Valério em outubro de 2018, mas que jamais ouviu essa versão que implica Lula como mandante do crime. “Na minha frente, ele não falou isso. Depois, teve um outro depoimento que ele prestou só para o delegado do DHPP (Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa) de Minas Gerais. Não sei se para esse delegado ele falou alguma coisa”, afirmou o promotor ao El País. A revista Veja não contestou a matéria de El País ou corrigiu sua própria matéria. A informação sobre a acusação do delator Marcos Valério é inconclusiva e não pode ser afirmada como verdadeira.

2 – “… Depois que um bandido disse que um ex-Presidente da República mandou matar um prefeito, a mídia não podia ficar quieta, e inventou que o meu presidente…” A ministra não conclui a frase mas credencia a matéria de Veja e afirma que ela foi motivadora para uma revanche da própria mídia contra Jair Bolsonaro, com a “invenção” das notícias que eram manchete do noticiário de 30 de outubro, dia da homenagem na ALERJ. O Jornal Nacional teve que rever a notícia do dia anterior, depois das rápidas investigações da Polícia Federal e a conclusão da procuradora do MP-Rio Simone Síbilo de que o porteiro que havia citado Jair Bolsonaro em depoimento mentiu, o que ainda está envolto em suspeita.

Ainda assim, é falso que o JN “inventou” que o presidente Jair Bolsonaro tivesse nome envolvido no assassinato de Marielle Franco. Bereia concorda com o jornalista Kennedy Alencar que classificou a matéria do JN como “jornalisticamente impecável”. A matéria é correta do ponto de vista jornalístico ao dar o furo de que o suspeito de matar Marielle entrou no condomínio no dia do crime para encontrar o outro suspeito dizendo que iria à casa de Jair Bolsonaro (nº 58), conforme depoimento do porteiro do residencial ao qual a reportagem teve acesso.

O JN deixou claro na matéria que registros da Câmara Federal apontavam a presença do então deputado Bolsonaro em Brasília, o que expunha uma possível contradição no depoimento do porteiro. Não há “invenção”, houve apuração de dados, inclusive de que foi anotado no livro de visitantes do condomínio que o suspeito Élcio se dirigia à casa 58. Dados sobre o carro usado estão também anotados. Quando isto é questionado, ao mesmo tempo se afirma a curiosa existência de uma trama contra Jair Bolsonaro no dia da morte de Marielle, quando ele ainda era deputado federal. É, portanto, falso atribuir o que foi apresentado pelo JN como “invenção” e também que a matéria seja uma reação contra Jair Bolsonaro por conta de Lula ter sido acusado em uma suposta delação sem a apresentação de dados que substancial tais afirmações.

3 – “24% a menos de homicídios no Brasil em oito meses de governo”. O dado é parcialmente verdadeiro pois diz respeito ao primeiro trimestre de 2019 em relação ao mesmo período em 2018, segundo os dados do Monitor da Violência (uma parceria do G1 com o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública).

O levantamento divulgado em setembro passado, com sete meses de pesquisa, indica um índice um pouco menor: 22,6%, em relação ao mesmo período em 2018, mas mantém a tendência de queda. É verdade que a informação, é algo a ser celebrado, e, como disse a ministra, são menos famílias chorando perdas. No entanto, a afirmação da ministra Damares Alves é enganosa em dois aspectos:

  • Não é possível atribuir a queda do número de homicídios tão-somente a uma ação do governo federal. O declínio vem sendo observado há 15 meses, portanto, anteriormente ao governo Bolsonaro. Segundo pesquisadores são vários os elementos responsáveis pela redução : o ano de 2017 tinha sido extraordinariamente violento com ações de facções dentro de fora de presídios e os especialistas afirmam que quando uma facção como o PCC consolida poder alcança-se um certo equilíbrio; ações de prevenção a crimes dos governos estaduais; criação do Ministério da Segurança Pública, com o Sistema Único de Segurança Pública, sob o governo Michel Temer (com injeção de recursos financeiros nos estados e presídios); o envelhecimento da população (aumenta-se os índices de vivos).
  • Estes números não incluem o aumento do número de mortes provocadas ação policial, não caracterizadas como homicídios. Houve um aumento de 18% no uso letal da força pela polícia entre 2017 e 2018. Em alguns estados é alto o aumento das mortes por policiais: Pará, 68%, Rio de Janeiro e Ceará, 36%, Rio Grande do Norte, 29%, Santa Catarina, 27%, e Minas Gerais, 24%. Não há dados de 2019 mas a aplicação de políticas de eliminação de supostos criminosos indica que serão maiores. O índice de suicídios de policiais também aumentou quase 50% em 2018. O Brasil ainda é um dos países mais violentos do mundo, com taxas de assassinatos muito maiores que a de países como México, Argentina, Estados Unidos e Portugal. Os dados completos de 2018 podem ser encontrados aqui: http://www.forumseguranca.org.br/publicacoes/13-anuario-brasileiro-de-seguranca-publica/

4 – “O abuso sexual está acabando”. A ministra Damares Alves não apresentou dados que comprovem a afirmação de que o abuso sexual esteja acabando por meio do governo Jair Bolsonaro. Ao pesquisar nos dados do Ministério de Direitos Humanos, Mulheres e Família, Bereia encontrou o balanço anual em relação a crianças e adolescentes, por meio das denúncias do Disque 100, de 2018. Em comparação com os dados levantados da mesma fonte a partir de 2011, há oscilações no número de denúncias de violência sexual com crianças e adolescentes, entre altas e quedas: 2011 = 34,73%; 2012 = 28,91%; 2013 = 25,71%; 2014 = 25%; 2015 = 21,86%; 2016 = 20,62%; 2017 = 24,19%; 2018 = 22,40%.

Não há outros registros de dados oferecidos pelo MDHMF tornem possível uma comparação. Os dados oficiais mais recentes sobre esta situação são de 2017, do Ministério da Saúde, indicando que 2011 a 2017 houve aumento de 83% nas notificações de violência sexual contra crianças e adolescentes nas unidades de saúde.  Foi destacado que maioria dessas ocorrências foi praticada mais de uma vez e dentro de casa, sendo os agressores pessoas do convívio, em geral familiares da vítima. Não foram identificadas pesquisas sobre o tema por outras fontes que indiquem números que corroborem a afirmação da ministra de que estes números estejam se extinguindo.  

5 – “A nossa economia está crescendo”. Damares Alves também não apresentou dados sobre esta afirmação. Pode ser que tenha se valido das informações do Monitor do PIB-FGV em relação ao segundo trimestre de 2019: crescimento de 0,2% do PIB no segundo trimestre, na comparação com o primeiro, revertendo a queda de 0,1% observada no primeiro trimestre.

No mês de junho, o indicador aponta crescimento de 0,7% da economia, em comparação a maio. Para o coordenador do Monitor do PIB-FGV Claudio Considera, “O crescimento de 0,2% da economia neste segundo trimestre, segundo o Monitor do PIB-FGV, põe a economia de volta a trajetória de crescimento que havia se perdido no primeiro trimestre. Entre os três grandes setores, a agropecuária e a indústria apresentam taxas negativas, salvando-se os serviços que já apresenta taxas positivas há dez trimestres. Na comparação contra o mesmo trimestre do ano anterior, o crescimento é fraco, mas positivo como já ocorre desde o quarto trimestre de 2016. Os dados mostram que, apesar do crescimento, a economia ainda não consegue se expandir a taxas mais robustas”.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) calcula que o crescimento do Brasil este ano seja de 0,9%, o que colocaria o país no 58º lugar globalmente, junto com Bahamas, Japão e Suécia. O FMI prevê que a economia global cresça 3% em 2019; as economias desenvolvidas se expandiriam em 1,7% e as emergentes, 3,9%. Em 2018, o FMI crescimento de 1,1% no PIB brasileiro.

A checagem de Bereia conclui que as informações dadas pela ministra Damares Alves em discurso na ALERJ são enganosas pois a apresentação delas é baseada em inconclusões, não é substanciada em dados e é desenvolvida para instigar julgamentos negativos a outrem e para manutenção ou conquista de apoio público.

Referência de Checagem:

ALENCAR, Kennedy. Twitter, 30 out 2019. Disponível em: https://twitter.com/KennedyAlencar/status/1189501965698551808?s=20

CARVALHO, Ilona Szabó. Explicando a queda nos homicídios. Folha de S. Paulo, 24 abr 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ilona-szabo/2019/04/explicando-a-queda-nos-homicidios.shtml?loggedpaywall

FORUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. 13º Anuário de Segurança Pública. Disponível em: http://www.forumseguranca.org.br/publicacoes/13-anuario-brasileiro-de-seguranca-publica/

G1. Assassinatos caem 24% no 1º trimestre do ano no Brasil (Monitor da Violência). G1, 13 mai 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2019/05/13/assassinatos-caem-24percent-no-1o-trimestre-do-ano-no-brasil.ghtml

G1. Em sete meses, Brasil registra 24,4 mil mortes violentas; queda é de 22,6% em relação ao ano passado (Monitor da Violência). G1, 3 out 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2019/10/03/em-sete-meses-brasil-registra-244-mil-mortes-violentas-queda-e-de-226percent-em-relacao-ao-ano-passado.ghtml

GUIMARÃES, Arthur, FREIRE, Felipe, LEITÃO, Leslie, MARTINS, Marco Antônio, MENEZES, Tyndaro, Jornal Nacional, G1 Rio. Suspeito da morte de Marielle se reuniu com outro acusado no condomínio de Bolsonaro antes do crime; ao entrar, alegou que ia para a casa do presidente, segundo porteiro. G1 Rio, 29 out 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2019/10/29/suspeito-da-morte-de-marielle-se-reuniu-com-outro-acusado-no-condominio-de-bolsonaro-antes-do-crime-ao-entrar-alegou-que-ia-para-a-casa-do-presidente-segundo-porteiro.ghtml

HAIDAR, Daniel. MP de SP não recebeu depoimento de Marcos Valério que implicaria Lula no caso Celso Daniel. El País, 26 out 2019. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/10/26/politica/1572050707_197593.html

JORNAL NACIONAL. MP diz que depoimentos do porteiro do condomínio de Bolsonaro não condizem com a realidade. Jornal Nacional, 30 out 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2019/10/30/mp-diz-que-depoimentos-do-porteiro-do-condominio-de-bolsonaro-nao-condizem-com-a-realidade.ghtml.

MARQUES, Hugo. Marcos Valério cita Lula como um dos mandantes da morte de Celso Daniel. Veja, 25 out 2019. Disponível em: https://veja.abril.com.br/politica/marcos-valerio-cita-lula-como-um-dos-mandantes-da-morte-de-celso-daniel/

MINISTÉRIO DA MULHER, FAMÍLIA E DIREITOS HUMANOS. Crianças e adolescentes: Balanço do Disque 100 aponta mais de 76 mil vítimas, 14 jun 2019. https://www.mdh.gov.br/todas-as-noticias/2019/junho/criancas-e-adolescentes-balanco-do-disque-100-aponta-mais-de-76-mil-vitimas

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Vigilância em Saúde. Análise epidemiológica da violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, 2011 a 2017. Boletim Epidemiológico, n. 27, v. 49, jun 2018. Disponível em: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/junho/25/2018-024.pdf

MONITOR DO PIB. Monitor do PIB: a economia volta a crescer lentamente no segundo trimestre. FGV-IBRE, 14 ago 2019. Disponível em: https://portalibre.fgv.br/navegacao-superior/noticias/monitor-do-pib-a-economia-volta-a-crescer-lentamente-no-segundo-trimestre.htm

TV ALERJ. Youtube, 30 out 2019. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=6_fzOH_zNyM

UOL. Meme confunde ao destacar Brasil em ranking de crescimento econômico, 1 nov 2019. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/comprova/ultimas-noticias/2019/11/01/meme-confunde-ao-destacar-brasil-em-ranking-de-crescimento-economico.htm?cmpid=copiaecola&cmpid=copiaecola

Sóstenes Cavalvante retuíta postagem com declaração falsa atribuída à ONG Greenpeace

A postagem retuitada é do Pastor Silas Malafaia (Assembleia de Deus Vitória em Cristo, Rio de Janeiro), padrinho de Sóstenes Cavalcante.  

Sóstenes Cavalcante credenciou e passou adiante o conteúdo que atribui à ONG Greenpeace a declaração de que não poderia ajudar a remover o óleo que contaminou o litoral do Nordeste do Brasil porque lhe faltariam conhecimento e equipamentos. 

A afirmação atribuída ao Greenpeace é conteúdo de um vídeo falso – uma versão editada que usa parte de vídeo publicado pela ONG de defesa do meio ambiente nas redes sociais. Na gravação original completa, com 03 minutos e 07 segundos, Thiago Almeida, da Campanha de Clima e Energia do Greenpeace, tira dúvidas sobre o derramamento de óleo no litoral do Nordeste e confirma a atuação de voluntários da ONG na limpeza de regiões afetadas, apesar de reconhecer e reivindicar que o trabalho de combate ao óleo derramado exige equipamentos e conhecimentos técnicos específicos e deve ser feito por instituições especializadas. 

O ativista Thiago Almeida também afirma no vídeo: “os nossos grupos de voluntários do Maranhão e do Ceará também visitaram os locais impactados, conversaram com a população, colheram depoimentos, fizeram imagens, justamente para documentar tudo aquilo que está sendo afetado, do meio ambiente às pessoas, à economia das regiões”, afirma. 

O Greenpeace publicou fotos de seus voluntários na limpeza das praias no Twitter

O vídeo com conteúdo falso, tem 1 minuto e 11 segundos e usa 20 segundos do vídeo original para acusar o Greenpeace de ter recusado a ajuda na limpeza do óleo nas praias do Nordeste. A montagem foi reproduzida em postagem do Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, no Twitter.  

No tuíte, Salles ironiza que o Greenpeace não tenha se disposto a ajudar na limpeza de praias e ilustra a afirmação com o vídeo editado. O trecho original que relata o trabalho dos voluntários e a coleta de depoimentos da população no Maranhão e no Ceará não foi incluído na versão publicada pelo Ministro do Meio Ambiente. 

O Greenpeace teve sua conta do Twitter bloqueada pelo Ministro Ricardo Salles mas publicou uma resposta contestando a versão falsa de sua declaração no Instragram.  

A plataforma multimídia brasileira de cobertura diária dedicada à verificação do discurso público Aos Fatos publicou matéria  classificando como falso o conteúdo do vídeo publicado pelo Ministro Ricardo Salles.  

Projeto de Lei rejeitado pela Comissão de Educação da Câmara Federal não pretende fortalecer “ideologia de gênero”

Duas postagens do Deputado Federal Diego Garcia, uma pelo Twitter outra pelo Facebook, em 23 de outubro, aclamam uma “grande vitória” na Comissão de Educação da Câmara Federal, da qual é integrante. O deputado informa que participou da votação que “barrou” o PL 9762/2018, “de autoria de parlamentares do PT e PSOL, que queria fortalecer a Ideologia de Gênero”. 

As postagens de Diego Garcia apresentam evidências de desinformação de viés enganoso por abordarem duas situações de fato ocorridas, mas expõem-nas com dados distorcidos e falsos que instigam julgamentos negativos a dois partidos políticos e ao próprio PL. 

As situações de fato ocorridas foram a discussão do PL 9762/2018  na Comissão de Educação da Câmara Federal e a rejeição do PL na Comissão por 17 votos contra 13 (apesar de os números serem apresentados erroneamente na postagem do Twitter do deputado, “17 votos a 3”, sem terem sido corrigidos até a data de redação desta checagem)  

Os dados distorcidos são a atribuição da autoria do PL a parlamentares do PT e do PSOL. Os autores são, na verdade, um grupo de cinco deputados e uma deputada federais, todos do PSOL, encabeçados pelo Deputado Ivan Valente (PSOL-RJ). Um deputado federal do PT, Pedro Uczai (SC), foi o Relator do PL  na Comissão de Educação.  

A informação falsa é a de que o PL 9762/2018 quer “fortalecer a ideologia de gênero”.  

O teor da proposição é a “implementação de Programa Social de Intervenção Social para Prevenção à Violência – PISPV, pela União, em parceria com as demais Unidades da Federação, nos territórios que registrarem altos índices de violência ou que sejam objeto de operações de segurança resultantes de intervenção federal ou de operações voltadas para a Garantia de Lei e Ordem” (Ementa). Ou seja, é uma proposta para uma parceria da União com Estados e Municípios para o enfretamento preventivo da violência. 

Há apenas duas menções à expressão “gênero” e estão no artigo Art. 4º do PL: “O PISPV tem por objetivo prevenir a violência por meio da promoção da superação da pobreza e da inclusão social e da redução das desigualdades sociais, inclusive as de gênero, raça e etnia, por meio de estratégia de desenvolvimento local que contemple… IX – violência e criminalidade, especificando a violência em razão de gênero, raça ou contra a população LGBT; …”  

Fica explicitado no projeto o objetivo de prevenir a violência por meio da promoção da superação da pobreza e da inclusão social e da redução das desigualdades sociais. Nesse caso, o termo “gênero” refere-se apenas à lista de desigualdades sociais destacadas (juntamente com raça e etnia), o que reflete a realidade do país (ver relatório do IPEA/Ministério da Economia).

“Gênero” refere-se também, no texto do PL, a alvo da violência e da criminalidade, da mesma forma que raça e a população LGBTI+, o que também condiz com dados nacionais sobre violência (conforme o Atlas da Violência do IPEA/Ministério da Economia).

O deputado Diego Garcia apresentou emenda ao PL para que se retirasse o termo “gênero” do PL para que fossem inseridos outros termos. A emenda foi rejeitada pelo relator.  

A atitude de Diego Garcia corresponde à postura de uma parcela de líderes religiosos no Brasil, em torno da ideia “Ideologia de gênero”. Ela tem sido considerada por educadores e pesquisadores uma das mais bem sucedidas noções criadas e propagadas no ambiente religioso para desinformar a opinião pública.

Surgido no ambiente católico e abraçado por grupos evangélicos distintos, o termo trata de forma depreciativa a categoria científica “gênero”, que emergiu de estudos acadêmicos sobre questões relativas a gênero e sexualidade na sociedade, nos EUA, a partir dos anos 1970. O uso da ideia de “ideologia de gênero” desqualifica as lutas por justiça de gênero, pela busca da igualdade de condições entre homens e mulheres e ampliação de direitos para LGBTI+. 

Atrela-se, portanto, a categoria científica e as lutas por justiça à noção de “ideologia”, no sentido banalizado de “ideia que manipula, que cria ilusão”. Em oposição à ciência e às causas, defensores do termo propagaram a ideia de que “gênero” seria um instrumento político da esquerda para impor uma sexualidade libertada do que dita a natureza, para permitir que as mulheres tenham liberdade total com seus corpos e para promover o matrimônio homossexual.   

A plataforma multimídia brasileira de cobertura diária dedicada à verificação do discurso público Aos Fatos publicou a matéria “Desenhamos fatos sobre a ‘ideologia de gênero’” com esclarecimentos sobre esta desinformação. 

Ao relacionar o PL 9762/2018 “ao fortalecimento da ideologia de gênero”, Diego Garcia faz uso da desinformação que o termo representa e oferece conteúdo enganoso. As postagens do deputado induzem o público a rejeitar também o PL (que ainda será discutido em outras Comissões da Câmara) com base em informações distorcidas sobre a autoria da proposta e falsas sobre o conteúdo do projeto. 

Referências da checagem: 

Página do PL 9762/2018:  https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2169256

Inteiro teor do PL 9762/2018:  https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=30C1A0B0FB7FBACEEDEF9F490EE4DD6F.proposicoesWebExterno2?codteor=1643916&filename=PL+9762/2018

Parecer do Relator do PL 9762/2018:  https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1756077

RETRATO das Desigualdades de Gênero e Raça. Brasília: Ministério da Economia/Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 2017. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/retrato/ 

ATLAS da Violência 2019. Brasília/São Paulo: Ministério da Economia/Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)/ Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2019. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/arquivos/downloads/6593-190605atlasdaviolencia2019.pdf  

MISKOLCI, Richard, CAMPANA, Maximiliano. Revista Sociedade e Estado, Volume 32, Número 3, p. 725-747, Setembro/Dezembro 2017. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/se/v32n3/0102-6992-se-32-03-725.pdf  

MENEZES, Luiz Fernando. Desenhamos fatos sobre a ‘ideologia de gênero’. Aos Fatos, 6 set 2019. Disponível em: https://aosfatos.org/noticias/desenhamos-fatos-sobre-ideologia-de-genero/