Os Bots e a Esfera Pública

Derivação de robots (robôs), os bots são utilizados na rede mundial de computadores, por meio de perfis falsos, para a manipulação de discursos empregados nas redes sociais. A influência da internet e das redes sociais no desenvolvimento de posicionamentos político-ideológicos têm impactado fortemente a formação da opinião pública. As campanhas eleitorais não ficam à margem desse fenômeno. Países como Índia, Israel, Espanha e EUA já haviam conhecido, anos antes, o impacto das redes sociais na formatação da opinião do eleitorado. No Brasil, o efeito dos bots apareceu de forma embrionária nas eleições de 2014 e, de forma incisiva, na eleição do ano passado, a ponto de chamar a atenção do TSE para providências mais rigorosas quanto ao uso manipulativo de informações distorcidas ou falseadas. 

 
O modo deliberativo do cidadão e a maneira como este relaciona-se com o poder político são ameaçados pela influência de um sistema gerenciado por algoritmos. Os aplicativos de mensagens, diferente das redes sociais tradicionais, inovam na medida em que proporcionam o diálogo com um grande número de pessoas em ambiente privado. Isso poderia, em princípio, gerar um resultado positivo: o efetivo debate entre candidatos e eleitores, aprimorando a formação da opinião e da vontade decisional. No entanto, como afirma Marília Maciel, em estudo a respeito, “o uso de aplicativo de mensagens instantâneas pelos candidatos tem focado no espraiamento de conteúdo, mantendo-se na lógica de comunicação unidirecional que caracteriza as mídias mais tradicionais”. 

 
Tais ferramentas tecnológicas não permitem a ampliação da participação nem a qualificação do debate político. Geram, ao contrário, a instrumentalização dos meios de participação. Ao disparar mensagens sem lastro com fatos ou destituídas de um conteúdo proposicional verdadeiro, a pessoa não se dá conta de que as mesmas foram preparadas e pensadas estrategicamente por grupos de interesses, cuja pretensão não é o esclarecimento ou a reflexão ponderada, mas, sim, a manipulação. 

 
Em 2015, o escritor e filósofo Umberto Eco fez uma declaração polêmica ao alegar que “as redes sociais deram o direito à palavra à uma legião de imbecis que antes falavam apenas em um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade”. Diante da contemporaneidade do assunto, parece que a frase de Umberto Eco deve ser atualizada. A internet não deu o direito à palavra para as pessoas. Essas, maioria das vezes, sequer fazem uso da palavra, do discurso. Antes, pelo contrário, são meras transmissoras de fake news produzidas em série. Esse esparrame de notícias falsas, sem o mínimo de questionamento, tem potencializado o surgimento de cidadãos apolíticos, transformando a política em uma arena cada vez mais rarefeita e distante de nós. 

Artigo publicado na Folha de Londrina, edição de 19-20/10/2019, e no Jornal Ecos de Sant’Ana, edição 19-20/10/2019.