Ministra Cármen Lucia é acusada em mídias digitais de assinar carta pró-aborto

* Matéria atualizada às 11:31

Circulou nas mídias sociais e portais de notícias gospel a notícia de que ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármem Lúcia Rocha, participou de uma reunião fechada com ativistas feministas e assinou carta pró-aborto. Nas matérias vinculadas ao tema é apontado ainda que a reunião realizada pela ministra em seu gabinete contou com cerca de 30 mulheres ligadas a partidos de esquerda progressistas, como a ex-senadora Marta Suplicy, resultando em uma carta pública em defesa do aborto. 

Imagem: Reprodução portal Gospel Prime

De acordo com os sites de notícias, a reunião aconteceu em ambiente fechado e houve, por parte da ministra e de Marta Suplicy, a tentativa de “disfarçar” a defesa do aborto usando o termo “direitos sexuais e reprodutivos das mulheres”, criando assim uma “carta pró-aborto”, que legalizaria e incentivaria o procedimento.

Imagem: reprodução Twitter Gazeta do Povo

Bereia checou as informações. A carta assinada pela ministra se refere à Carta Aberta Brasil Mulheres, texto publicado pelo portal Brasil mulheres, fruto da reunião realizada em 28 de janeiro de 2022, organizada pela ex-senadora Marta Suplicy em sua casa. O encontro contou com a participação de 28 mulheres convidadas, dentre elas a ministra Cármen Lúcia, a escritora e filósofa Djamila Ribeiro, a líder do movimento Sem-Teto do Centro Carmem Silva e a secretária municipal de Cultura de São Paulo Aline Torres, além de outras. O debate durou pouco mais de dez horas, e aprovou 19 tópicos com demandas dirigidas aos futuros presidenciáveis. 

O texto final intitulado “Carta Aberta Brasil Mulheres” tem temas variados que se estendem, desde o pedido por políticas públicas para mulheres negras, afirmação de direitos à população LGBTQ+, direito à saúde reprodutiva feminina até propostas em prol dos direitos de mulheres sob custódia do sistema prisional. Em entrevista à Folha de São Paulo, Suplicy afirma que “são propostas para que a sociedade reflita sobre essas demandas que essas mulheres têm. Aqui são mulheres de várias áreas, de várias condições, com muito sofrimento, muita dor, muita alegria, muita superação, muito sucesso. Tem de tudo. É uma somatória de bagagens mil”, afirmou. A ministra Carmém Lúcia estava presente durante o processo de debate e escrita da carta, chegando a discursar durante a reunião. 

Pautas sobre a legalização e regulamentação do aborto foram apresentadas e dabatidas na reunião, e, por opção das mulheres presentes, o termo “aborto” foi tratado como tema geral referente à saúde reprodutiva feminina, não havendo nenhuma inferência direta na criação de um projeto pró-abortivo. 

Fonte: Captura de tela canal Brasil Mulheres no Youtube 

A carta 

A carta aberta dirige-se ao público geral e também aos futuros presidenciáveis, contando com 19 pontos. Leia na íntegra:

  1. Não aceitar qualquer retrocesso nas leis que garantam os direitos das mulheres. Não vetar avanços oriundos do Congresso Nacional aos direitos das mulheres;
  2. Paridade transversal de gênero e equidade de raça nas instituições públicas, políticas e privadas;
  3. Estímulo e facilitação de candidaturas femininas competitivas. Garantia de cumprimento da legislação eleitoral em relação às mulheres;
  4. Garantia da alocação de recursos para políticas públicas destinadas a meninas e mulheres nas leis orçamentárias (plano plurianual, lei de diretrizes orçamentárias e lei do orçamento anual) e ferramentas efetivas para acompanhamento da execução desses gastos;
  5. Desenvolvimento de macropolíticas econômicas e sociais com vistas à geração e manutenção de empregos e renda para mulheres. Acesso a crédito para mulheres empreendedoras; conexão com inovação, programas de educação empreendedora para geração de renda; acesso ao mercado por meio de cotas de compras de empresas públicas e privadas. Qualificação profissional, para autonomia financeira, de mulheres negras, indígenas, quilombolas e em situação de vulnerabilidade social;
  6. Implementação de uma política de renda básica universal capaz de mitigar a pobreza, a fome, as desigualdades socioeconômicas e violências decorrentes;
  7. Universalização da educação infantil, garantindo o atendimento aos indicadores nacionais de qualidade para esta etapa de ensino. Promoção da oferta educacional laica e gratuita e a ampliação da escolaridade. Cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação. Incentivo à educação em ciência, tecnologia e empreendedorismo para meninas e mulheres, com atenção à juventude negra. Priorização na educação em geral e na educação de jovens e adultos (EJA), possibilitando que as mães estudem no mesmo período que os filhos e/ou criando espaços de cuidado para crianças no local de estudo da mãe;
  8. Construção de um programa nacional de incentivo a formação de novas gerações de atletas femininas (cis e trans) em diversas modalidades, incentivando o investimento na manutenção das potências esportivas que atuam e representam o Brasil.
  9. Ampliação de políticas de ações afirmativas étnico-raciais reparatórias – educacionais, de paridade econômica e memória – visando a erradicação das desigualdades socioeconômicas existentes na sociedade;
  10. Promoção da saúde integral da mulher ao longo de todo o ciclo de vida, com especial atenção à mulher idosa. Manutenção e expansão dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Investimento em pesquisas científicas, campanhas preventivas e de estímulo à vacinação. Valorização e defesa do Sistema Único de Saúde (SUS);
  11. Reconhecimento do trabalho doméstico e de cuidados, como centrais à vida; reengenharia do tempo e fortalecimento da economia dos cuidados para melhoria das condições de vida e bem-estar das mulheres. Atenção ao tema da economia do cuidado (ou do trabalho reprodutivo) por meio de políticas públicas e arcabouço normativo que valorizem o trabalho, remunerado ou não, das mulheres que cuidam;
  12. Respeito e preservação dos direitos de todas as famílias em suas múltiplas manifestações. Ampliação da licença parental com equidade de gênero. Educação masculina para os cuidados. Políticas públicas que se guiem pela proteção das mulheres nas violências intrafamiliares. Garantia de vagas em creches de forma contínua, em período integral, para todas as crianças na condição de serviço público essencial. Iniciativas de amparo às crianças e adolescentes com mães presas, órfãos do feminicídio ou mães em situação de extrema vulnerabilidade;
  13. Enfrentamento ao discurso de ódio, violência política e institucional e cerceamento da liberdade de expressão de todas as mulheres, em especial proteção contra os ataques às mulheres jornalistas, políticas, artistas e defensoras de direitos humanos;
  14. Defesa da vida de meninas e mulheres, cis, trans e travestis. Enfrentamento ao feminicídio, às violências doméstica, política, física, psicológica, obstétrica, simbólica, moral e patrimonial. Estabelecimento de uma política integral de acolhimento e cuidado de mulheres e crianças em situação de violência. Desenvolvimento de um programa nacional de prevenção à violência sexual e de acolhimento às vítimas e às famílias de vítimas. Formulação de um marco civil de gênero;
  15. Adoção de uma abordagem pacífica para a reforma da política de drogas, com atenção às mulheres que respondem por delitos relacionados a drogas, cuidado pautado na redução de danos. Garantia de direitos e incentivo a produção de dados sobre o tema;
  16. Reforma no modelo de segurança pública – enfrentamento ao encarceramento em massa, aos índices de homicídio da população negra, efetiva implementação da lei de execuções penais (acesso aos autos do processo, remissão pela leitura e cultura, garantia de direitos sexuais, reprodutivos e saúde menstrual, trabalho decente, educação nas áreas tecnológicas e de cultura, estrutura adequada das cadeias e prisões, acesso ao direito de defesa), garantia de saúde mental para pessoas presas e seus familiares. Consulta a pessoas trans, travestis, não-binárias ou intersexo sobre a preferência pela custódia em unidade masculina, feminina ou específica, se houver, com a devida garantia de proteção em qualquer das unidades. Envolvimento dos três entes federados na inclusão e garantia de direitos de adolescentes em conflito com a lei, pessoas encarceradas e seus familiares e egressas;
  17. Recriação do Ministério da Cultura. Desenho e implementação de políticas de memória que valorizem as mulheres. Fomento à cadeia produtiva cultural nacional (leis de incentivo). Políticas de incentivo ao livro e à leitura, com formação de público leitor. Valorização de artistas e sua produção. Criação e manutenção de aparelhos de cultura. Retomada do vale cultura. Respeito à liberdade de expressão artística e cultural;
  18. Valorização dos saberes de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, na garantia da justiça climática e enfrentamento ao racismo ambiental, com implementação e cumprimento das normas ambientais de espectro local e global;
  19. Garantia da implementação de políticas intersetoriais para a proteção integral de mulheres refugiadas, migrantes legais e ilegais.

Bereia classifica a notícia como imprecisa, com título enganoso. A carta em questão existe e foi assinada pela ministra, porém o documento trata de um esforço coletivo de mulheres em prol de melhores condições de vida para este segmento da população, não havendo incentivo ou sinalização de legalizar o aborto, mas sim a defesa da manutenção e expansão dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. A ministra Cármen Lúcia é uma das mulheres que participaram do projeto, mas não sua principal argumentadora ou organizadora. A abordagem dada pelos veículos busca atribuir a ela um expressivo poder sobre a redação final do manifesto, não levando em consideração outras mulheres e pautas envolvidas no processo. 

Bereia avalia que este tipo de desinformação faz parte de um repertório que busca: 1) alimentar pânico moral em torno da afirmação de que grupos de esquerda e progressistas são defensores do aborto com vistas ao processo eleitoral 2022, repetindo o que ocorreu em pleitos anteriores para conquista de público religioso para propostas de cunho conservador, negadoras da manutenção e da ampliação de direitos para mulheres; 2) sustentar discursos anti-STF, que têm sido pauta de grupos bolsonaristas em mídias sociais, desde o primeiro ano do mandato do atual governo. Estes dois repertórios desinformativos vêm sendo verificados pelo Bereia e por outros projetos de checagem de conteúdo.

Foto de capa: Nelson Jr./SCO/STF

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Referências: 

Brasil Mulher. https://brasilmulheres.com.br/ Acesso em: 07 de fev. de 2022

Youtube. https://www.youtube.com/watch?v=5D81js5L-K8&t=3s Acesso em: 07 de fev. de 2022

Folha de São Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2022/01/grupo-liderado-por-marta-suplicy-pede-direitos-as-mulheres-cis-e-trans-em-carta-a-nacao.shtml acesso em: 07 de fev. de 2022

Geledés. https://www.geledes.org.br/carta-aberta-brasil-mulheres/ Acesso em: 07 de fev. de 2022 

Twitter. https://twitter.com/gazetadopovo/status/1489294791397552133?s=20&t=mAgEwleRRGTOjzRVWVYI0Q cesso em: 07 de fev. de 2022

É falso que médica foi afastada do Hospital Albert Eisntein por defender cloroquina

Circulam pelas mídias sociais de apoiadores do Presidente Jair Bolsonaro e de relativistas da gravidade da pandemia do novo coronavírus conteúdos em tom de denúncia, de que a médica Nise Yamagushi teria sido afastada do Hospital Albert Einsten por defender a cloroquina na cura da Covid-19, como nos exemplos a seguir:

Reprodução/ Twitter

A partir do fato, o site evangélico de notícias Pleno News publicou uma matéria intitulada: “Nise Yamaguchi é afastada por apoiar a hidroxicloroquina”. Além do título, o subtítulo também atrela a suspensão da médica ao suposto apoio da profissional ao uso da hidroxicloroquina: “”Tenho a certeza que ela cura os pacientes nas etapas iniciais”, disse a imunologista”. 

Pesquisadora científica, imunologista e oncologista, a médica Nise Hitomi Yamagushi tornou-se uma das principais defensoras do uso da hidroxicloroquina como tratamento precoce ao novo coronavírus. Ela foi convidada pelo presidente Jair Bolsonaro, em abril, a integrar o comitê de crise ainda na gestão de Luiz Henrique Mandetta no Ministério da Saúde e chegou a ser cotada como ministra quando ele pediu demissão, o que ocorreu novamente quando Nelson Teich se demitiu em maio. Em abril e maio, esteve em diversas agendas com ministros.

Dessa vez, o nome de Nise Yamagushi ganha destaque no cenário nacional mediante seu afastamento do Hospital Israelita Albert Einstein.  De acordo com o Pleno News, a médica concedeu uma entrevista ao jornalista Roberto Cabrini, que foi ao ar na sexta-feira, 10 de julho no programa SBT Brasil, por meio da qual ela teria revelado que foi afastada do hospital. O aviso teria vindo através de uma ligação do diretor clínico da instituição, que acreditaria que o apoio de Nise Yamaguchi ao uso da hidroxicloroquina “denigre o hospital”. 

Matéria Pleno News/ Reprodução

O portal, que na seção “Quem somos” afirma ser uma “referência segura de conteúdo, principalmente no momento de profusão das fake News”, traz a afirmação de que a médica garantiu que grande parte da comunidade médica defende o uso do medicamento.

O Pleno News se baseou na matéria do SBT Brasil publicada no portal da emissora no dia 10 de julho, que registra que Nise Yamaguchi afirmou ter sido afastada do hospital por defender o uso da hidroxicloroquina, ao ser entrevistada exclusivamente pelo jornalista da emissora Roberto Cabrini para o programa Conexão Repórter, que iria ao ar em 13 de julho. 

“Eu recebi uma ligação do diretor clínico do hospital me informando que, a partir deste momento, eu não poderia estar exercendo as minhas funções no hospital, não poderia estar prescrevendo e nem atendendo meus pacientes que já estão internados. (…) Eles acreditam que a minha fala, sempre em prol da hidroxicloroquina, que eles consideram que não tenha fundo científico, denigre o hospital“, afirmou a médica ao jornalista Roberto Cabrini.

Entretanto, o programa também incluiu entrevista exclusiva com o presidente do Hospital Israelita Albert Einstein Sidney Klajner, que confirmou a suspensão de Nise, mas deu outra explicação:

Em entrevista recente a médica teria feito uma comparação infeliz entre o pânico provocado pela pandemia e a postura das vítimas do holocausto, denominada por ela “massa de rebanho de judeus famintos” incontrolável. 

A entrevista à TV Brasil

Nise Yamaguchi concedeu entrevista à emissora pública TV Brasil, programa Impressões, transmitida no domingo, 2 de julho de 2020

Yamaguchi descreveu no programa como deve ser o tratamento com cloroquina, e não mencionou o fato de não haver comprovação científica de sua eficácia, o que vem agradando o governo federal, que tem indicado o medicamento.

“O tratamento é de cinco dias, de hidroxicloroquina. Isso eu posso falar, porque normalmente médico não pode falar receita de bolo na… Mas como ninguém vai conseguir se automedicar, porque precisa de receituário, de controle…”. 

A médica também recomendou o uso preventivo da ivermectina, o que tampouco é embasado categoricamente por estudos clínicos.

“Você pode usar na primeira fase hidroxicloroquina ou ivermectina, ou os dois, com azitromicina e zinco. Porque essa composição é a melhor coisa”.

A apresentadora do programa da TV Brasil Katiuscia Neri, reforçou o que disse a médica:

“Se você não traz essa informação para a gente de que há um tratamento, eu vou continuar com pânico em casa. Não é que a gente está pregando que as pessoas saiam de casa, mas que entendam que tem um tratamento. Esse medo também é muito prejudicial, né?”. 

Neise Yamaguchi respondeu: 

“O medo é prejudicial para tudo. Em primeiro lugar, te paralisa, te deixa massa de manobra. Qualquer pessoa, você pega… Você acha que alguns poucos militares nazistas conseguiriam controlar aquela massa de rebanho de judeus famintos se não submetessem diariamente a humilhações, humilhações e humilhações, tirando deles todas as iniciativas?”.

Ao repórter do SBT, Roberto Cabrini, dias depois, e já suspensa do Albert Einstein, a médica reconheceu que sua fala, comparando o medo do uso da hidroxicloroquina com o nazismo, foi uma das justificativas dadas pelo hospital para sua suspensão.

“Eles [direção do hospital] se referiram também a uma fala que eu teria dito na semana passada, que foi interpretada de uma forma errônea. Eu falei que existia uma situação muito grave no mundo com o pânico que foi instalado, com o medo que levava as pessoas a ficarem reféns de seus algozes”, explicou.

Questionada por Cabrini sobre a relação entre medo, nazismo e uso de hidroxicloroquina, Nise Yamaguchi disse que:

“Todo mundo fala que não tem cura, que não tem tratamento, que você vai morrer. Toda noite tem uma série de campanhas pra pessoa ficar cada vez mais amedrontada e achar que vai entrar em um aparelho de respiração imediatamente. Eu estou dizendo para o público que existe tratamento, sim. Principalmente na fase precoce, que se a pessoa se tratar na fase inicial, ela não vai ter a fase grave”, finalizou. 

Questionada ainda sobre manter um posicionamento contrário ao da maioria da comunidade científica, a médica afirma não saber se este é, de fato, um consenso. “Não acredito que a comunidade inteira pense assim“, diz a médica. Ela ainda afirma que há uma “grande maioria silenciosa” que defende o uso do medicamento.

Depois da divulgação, pelo SBT Notícias, em 10 de julho, de que Nise Yamaguchi teria sido afastada por ser defensora do medicamento hidroxicloroquina para a cura da Covid-19, o Hospital Israelita Albert Einstein divulgou nota à imprensa:

Íntegra da nota do hospital Albert Einstein:

“Com relação a declarações prestadas pela Dra. Nise Yamagushi, o Hospital Israelita Albert Einstein tem a esclarecer o seguinte:

1. O hospital respeita a autonomia inerente ao exercício profissional de todos os médicos, jamais permitindo restrições ou imposições que possam impedir a sua liberdade ou possam prejudicar a eficiência e a correção de seu trabalho.

2. A Dra. Nise Yamagushi faz parte do corpo clínico do Hospital, sendo admissível que perfilhe entendimento próprio com relação ao atendimento de seus pacientes ou à sua postura em face da pandemia ora combatida, desde que observe as regras relacionadas ao uso da sua condição de integrante do Corpo Clínico em sua comunicação.

3. Trata-se, contudo, de hospital israelita e a Dra. Nise Yamagushi, em entrevista recente, estabeleceu analogia infeliz e infundada entre o pânico provocado pela pandemia e a postura de vítimas do holocausto ao declarar que “você acha que alguns poucos militares nazistas conseguiriam controlar aquela MASSA DE REBANHO de judeus famintos se não os submetessem diariamente a humilhações, humilhações, humilhações…”.

4. Como se trata de manifestação insólita, o hospital houve por bem averiguar se houve mero despropósito destituído de intuito ofensivo ou manifestação de desapreço motivada por algum conflito. Durante essa averiguação, que deve ser breve, o hospital não esperava que o fato viesse a público.

A expectativa do hospital é a de que o incidente tenha a melhor e mais célere resolução, de modo a arredar dúvidas e remover desconfortos”.

Pedido de desculpas

Após ter sido afastada das atividades do Hospital Israelita Albert Einstein e procurado o SBT para criticar a medida, atribuindo-a ao fato de ser defensora da hidroxicloroquina, a médica Nise Yamaguchi divulgou nota, por meio de sua assessoria jurídica, em 12 de julho de 2020, se desculpando por qualquer comentário ofensivo à comunidade judaica, ainda que, segundo ela, seja proveniente de uma “interpretação errônea”. 

Íntegra da nota de Nise Yamaguchi:

“Dra. Nise Yamaguchi, por meio de sua assessoria jurídica, manifesta este esclarecimento: 

Têm orgulho de ser membro do Corpo Clínico do Hospital Israelita Albert Einstein por mais de 30 (trinta) anos, possibilitando ajudar e atender inúmeros pacientes. Agradece de forma especial todo o apoio por cartas, e-mails e ligações de diversos membros da Comunidade Judaica, que compreenderam que jamais seria ela anti-semita, já que foi ela a maior apoiadora do processo de conversão da sua irmã para o Judaísmo (Greice Naomi Yamaguchi).

Homenageia os brilhantes cientistas judeus na pessoa do seu mentor, o Professor Doutor Reuben Lotan (Z”L) do M.D. Anderson Cancer Center e previamente do Instituto Weizmann de Israel, que muito a apoiou na sua tese de doutorado na Universidade de São Paulo.

Por tudo aqui já relatado, é cristalino o entendimento de que nunca foi ela antisemita, ao contrário, expressa verdadeira e irrestrita admiração ao conhecimento e toda a contribuição que o povo judeu deu ao planeta, quer por suas percepções cientificas, quer pela sua convivência mais íntima.

Por fim, manifesta o pedido de desculpas por expressões outras e interpretações errôneas sobre assuntos sensíveis ao grande sofrimento judaico que envolveram seu nome, pois é solidária à dor dessa ilustre comunidade como a maior das atrocidades de nossa história ocidental.

Suas palavras, objeto de interpretações não condizentes com suas convicções, foram manifestadas no intuito de expressar a maior dor que ela conhece.”

Apesar do pedido de desculpas, no portal UOL, em matéria de 12 de julho, traz o título: Albert Einstein não descarta demissão de médica após fala sobre holocausto” .

Ao UOL, o presidente do hospital explicou:

“A doutora Nise teve uma suspensão provisória enquanto o nosso comitê de ética apura o que norteou os comentários relativos à comparação do medo da pandemia ao holocausto, um momento extremamente importante, onde 6 milhões de judeus foram mortos, e vários sobreviventes contribuíram inclusive com a fundação do próprio Israelita Albert Einstein”. Ele reiterou que a médica foi chamada para conversar com a diretoria clínica a respeito da utilização do nome Albert Einstein ou contra ou favor de qualquer tratamento promovido por ela. “E não pesa, neste momento, a prescrição ou não da hidroxicloroquina na decisão de sua suspensão”, acrescentou. 

Questionado sobre a possibilidade de demissão, Klajner afirmou. “Aí nós temos que consultar quais as consequências que podem haver porque nunca, na história do Albert Einstein, houve uma situação igual a essa”, finalizou o presidente.

Repúdio de entidades judaicas

A Confederação Israelita do Brasil (Conib) e a Federação Israelita do Estado de São Paulo (Fisesp) emitiram nota conjunta, em 11 de julho, condenando as declarações da médica Nise Yamaguchi comparando a tragédia do Holocausto com a pandemia do coronavírus. Diz a nota:

“São deploráveis as declarações da médica Nise Yamaguchi comparando a tragédia do Holocausto, que causou a morte de 6 milhões de judeus inocentes, além de outras minorias, com a atual pandemia do coronavírus. Comparações desse tipo não têm qualquer fundamento, minimizam os horrores do nazismo e ofendem a memória das vítimas, dos sobreviventes e de suas famílias.

A politização da medicina só contribui para a disseminação desta pandemia. Nosso total apoio ao Hospital Israelita Albert Einstein, referência médico-hospitalar de nosso país e orgulho da comunidade judaica”.

Perda de prestígio com o governo

Reportagem de O Globo, de 3 de julho, já indicava que Nise Yamaguchi havia dito a pessoas próximas que não é mais ouvida pelo Palácio do Planalto ou pelo Ministério da Saúde  estaria escanteada pelo governo federal desde que o General Eduardo Pazuello assumiu o Ministério da Saúde. 

A reportagem de O Globo diz que evidências científicas mostram que o uso da cloroquina não tem efeito sobre pacientes de coronavírus. Mesmo sem uma comprovação da eficácia do remédio, porém, o Ministério da Saúde mantém a orientação de que o medicamento deve ser usado em casos leves, desde que observada a dosagem. Hospitais têm descartado a cloroquina no tratamento do coronavírus. O Hospital Albert Einstein, por exemplo, recomenda que médicos não receitem a substância no tratamento dao Covid. A recomendação ocorreu após a agência norte-americana que regula alimentos e medicamentos, FDA, equivalente à Anvisa brasileira, ter revogado a autorização do uso da cloroquina no tratamento da Covid-19.

Com a perda do protagonismo da medicação no tratamento do coronavírus, Nise Yamaguchi vinha passando mais tempo em São Paulo, onde tem consultório. Procurada pela reportagem de O Globo, a médica negou que tenha havido qualquer estranhamento entre ela e o governo federal, mas reconheceu que estaria trabalhando mais diretamente com o governo de São Paulo: “Sou uma consultora científica independente, o que faço é um trabalho de levantamento da literatura, trabalho com as sociedades médicas. Nunca existiu um vínculo formal”.

Bereia conclui que o conteúdo de postagens e matéria site do site Pleno News, em tom de denúncia, sobre o afastamento da médica Nise Yamaguchi do Hospital Israelita Albert Einstein são falsas. Elas foram induzidas por chamada enganosa da matéria do SBT, de 10 de julho, baseada na fala da médica, sobre ter sido afastada por ser defensora da cloroquina, desconsiderando a afirmação do hospital à própria emissora, de que a ação deveu-se à declaração indevida sobre judeus e o holocausto, uma vez ser funcionária de uma instituição israelita. 

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Referências 

SBT Notícias, 10 de julho de 2020, https://www.sbt.com.br/jornalismo/sbt-brasil/noticia/144931-medica-diz-ter-sido-afastada-de-hospital-por-defender-uso-da-hidroxicloroquina.  Acesso em 14 de julho de 2020

Pleno News, 11 de julho 2020, https://pleno.news/saude/coronavirus/nise-yamaguchi-e-afastada-por-apoiar-a-hidroxicloroquina.html Acesso em 14 de julho de 2020

Conexão Repórter, 13 de julho de 2020, https://www.sbt.com.br/jornalismo/conexao-reporter/noticia/144998-exclusivo-roberto-cabrini-entrevista-medica-nise-yamaguchi Acesso em 14 de julho de 2020

 TV Brasil, Impressões, 2 de julho de 2020, https://www.youtube.com/watch?v=Hi-KDKCRQXs. Acesso em 14 de julho de 2020

Hospital Israelita Albert Einstein, Imprensa: https://www.einstein.br/sobre-einstein/imprensa/press-release/nota-a-imprensa-13072020  Acesso em 14 de julho de 2020 

G1, 12 de julho de 2020, https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/07/12/medica-afastada-por-hospital-albert-einstein-apos-declaracao-sobre-nazismo-pede-desculpas-por-expressoes-e-interpretacoes-erroneas.ghtml Acesso em 14 de julho de 2020

UOL Notícias, 12 de julho de 2020, https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/07/12/albert-einstein-nao-descarta-demissao-de-medica-apos-fala-sobre-holocausto.htm. Acesso em 14 de julho de 2020

CONIB, https://www.conib.org.br/conib-e-fisesp-condenam-comparacao-do-holocausto-com-o-coronavirus/ Acesso em 14 de julho de 2020 

O Globo, 3 de julho de 2020, https://oglobo.globo.com/sociedade/nise-yamaguchi-defensora-da-cloroquina-escanteada-pelo-governo-24514102 Acesso em 14 de julho de 2020