Veículos de imprensa exageram ao divulgarem pesquisa sobre evangélicos e pautas de extrema direita

Veículos de jornalismo publicaram, no final de julho passado, matérias positivas sobre evangélicos, a propósito da pesquisa do Instituto Datafolha sobre eleições na cidade de São Paulo. As matérias apresentam tom que se coloca em direção contrária ao que é predominante, como Bereia já publicou em outras checagens, com troca do pejorativo para o valorativo.

O jornal O Globo afirmou, em 22 de julho, que “evangélicos se contrapõem ao bolsonarismo”. O Mídia Ninja publicou, na mesma data, matéria sob o título “Evangélicos abandonam agenda bolsonarista; maioria é contra prisão de mulheres que abortam”. A revista Fórum divulgou, em 20 de julho, que “evangélicos de São Paulo rejeitam bolsonarismo”. Bereia checou estas formas de chamar para o tema e a origem dos dados apontados pelos veículos de imprensa. 

Imagem: reprodução Instagram

Pesquisa ‘Perfil dos Evangélicos em São Paulo’

Perfil dos Evangélicos em São Paulo foi o título da pesquisa, realizada pelo Instituto Datafolha, entre os dias 24 e 28 de junho último, com 613 moradores da capital paulista. O relatório completo do estudo foi divulgado em 25 de julho, e a Folha de S. Paulo publicou uma sequência de quatro matérias, com diferentes abordagens: o perfil evangélico da capital paulista; como o grupo religioso enxerga o pertencimento à comunidade religiosa; o afastamento dos evangélicos de pautas bolsonaristas com o porte de armas e o homeschooling; e a recusa à indicação de votos por líderes religiosos.

A pesquisa traz informações como o partido político de preferência do grupo em tela: entre os evangélicos, 15% preferem o PT (Partido dos Trabalhadores) e 7% preferem o PL (Partido Liberal); enquanto 40% dos católicos preferem o PT, contra 4% que preferem o PL. Estes dados contrariam a visão predominante nas mídias, segundo a qual haveria um alinhamento político-ideológico dos evangélicos com a extrema direita.

A composição da renda familiar e o vínculo a diferentes denominações – classificadas entre pentecostal, neopentecostal e histórico/protestante – são apresentadas no início do relatório, que é dividido nas seções: perfil religioso, pauta de valores, igreja e política, eleições em São Paulo e perfil ideológico; cada uma trazendo dados pormenorizados da pesquisa feita a partir de 613 entrevistas.

Imagem: reprodução Folha de S.Paulo

Nas mídias digitais, o Instituto Datafolha destacou a informação de que “para 78% dos evangélicos, é fundamental que seu candidato acredite em Deus, mas apenas 22% consideram muito importante que o escolhido seja da mesma religião que a sua”. A pesquisa também foi divulgada na íntegra, com possibilidade de download e detalhamento em texto.

Participaram da concepção e desenvolvimento da pesquisa, como consultores, o antropólogo Juliano Spyer, a professora associada do Departamento de Sociologia e Metodologia das Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense (UFF) Christina Vital, o professor de Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Rodrigo Toniol, o doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) Vinicius S. M. do Valle e a repórter especial da Folha de S. Paulo e autora de “O Púlpito – Fé, Poder e o Brasil dos Evangélicos” (Todavia), Anna Virginia Balloussier. 

Imagem: reprodução Datafolha

Abordagem por veículos de jornalismo

O portal de notícias Mídia Ninja, a revista Fórum e o jornal O Globo divulgaram recortes da pesquisa relacionados às pautas defendidas pelo bloco político liderado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Estes veículos optaram por adotar títulos que relacionam os segmento evangélico ao chamado “bolsonarismo”, porém deixaram de apresentar outros dados relevantes sobre o perfil do grupo religioso.

A revista Fórum publicou, ainda em 20 de julho, texto em que afirma que dois temas são determinantes para a “rejeição” dos eleitores evangélicos dos candidatos ligados ao “bolsonarismo”: armas e “homeschooling” (educação escolar em casa). Na chamada, a revista apresenta a conclusão de que o evangélico paulistano “não concorda com a extrema-direita”.

Imagem: reprodução Revista Fórum

Os jornais O Globo e Mídia Ninja destacaram outros temas relacionados à extrema direita, abordados pela pesquisa. No título, O Globo também chamou a atenção para “armas” e ‘homeschooling’  e apresentou os dados da opinião de evangélicos de São Paulo sobre aborto, educação sexual e acolhimento a homossexuais.

Imagem: reprodução O Globo

Mídia Ninja, por sua vez, abordou os mesmos temas que O Globo, e acrescentou a opinião do segmento cristão sobre o Brasil apoiar todas as guerras de Israel. Em seu portal digital, porém, o Mídia Ninja utilizou como chamada os dizeres “Evangélicos abandonam agenda bolsonarista”.

Outros veículos de imprensa também repercutiram a pesquisa Datafolha. Entre eles, CNN, Metrópoles, Carta Capital, com diferentes abordagens da mesma pesquisa. 

Enquanto o canal de notícias CNN divulgou que a maioria dos evangélicos da capital do estado de São Paulo é contra porte de arma e ‘homeschooling’, o portal Metrópoles, a revista Carta Capital deram destaque à opinião do grupo religioso sobre pastores indicarem votos para fiéis.

Mídia religiosa

O site Folha Gospel também repercutiu os resultados da pesquisa e destacou, em título de matéria, que a maioria dos evangélicos de São Paulo é contra a indicação de voto por líderes religiosos. O portal abordou informações correlatas, como a importância de candidatos serem também evangélicos, mas omitiu os dados de opinião sobre porte de armas e aborto.

E abordagem semelhante, o portal O Fuxico Gospel não mencionou os achados da pesquisa que dizem respeito à opinião sobre aborto e sobre porte de armas. Já o portal Guiame enfatizou os dados sobre idade de conversão. O site Pleno News, que faz um grande volume de publicações diárias, ignorou a pesquisa.

Políticos com identidade religiosa, ativos nas mídias digitais e que costumam repercutir discursos religiosos, não repercutiram a pesquisa.

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A pesquisa Perfil dos Evangélicos em São Paulo, elaborada pelo Instituto Datafolha, divulgada no último 25 de julho, apresenta uma série de resultados que ratificam o que pesquisadores vêm mostrando há anos: evangélicos formam um bloco múltiplo e tentar homogeneizá-los é incorreto.

A pesquisa, feita com 613 entrevistados, traz números que não permitem concluir posicionamentos “dos” evangélicos enquanto grupo homogêneo, o que não se constitui. O uso de expressões como “rejeitam o bolsonarismo” e “abandonam o bolsonarismo” é, portanto, exagerado e e enganoso, como revelam os próprios dados da pesquisa.

Os resultados apresentados dão conta de que algumas parcelas do grupo pesquisado pensam de uma forma, e outras pensam de outra, tal como se desenha na própria sociedade brasileira. É um erro retratar qualquer grupo religioso como bloco indissociável, sobretudo quando questões de natureza político-ideológica são consideradas.

A correta veiculação de informações não permite disseminar a ideia de que evangélicos “abandonam” ou “rejeitam” o chamado bolsonarismo. O apoio e o alinhamento político ao bloco extremista existem de forma parcial, ao lado da rejeição e da dissidência que também são fato. O que a pesquisa revela, como bem expresso pela Folha de S. Paulo e pelo jornal O Globo, é uma dada maioria desse grupo religioso tem se afastado de um determinado conjunto de ideias defendidas pelo chamado “bolsonarismo”.

A relevância disso é comprovada, por exemplo, pelo fato de veículos relacionados à extrema direita não terem publicado sobre os números da pesquisa.

O uso de termos absolutos e chamativos por alguns veículos acaba por expressar um discurso participante de disputas na arena política que varia conforme a atmosfera que se deseja ressaltar. É preciso rever as abordagens sobre evangélicos que ora exageram no sensacionalismo negativista, ora exageram com pauta “positiva”,  e não favorecem processos informativos necessários na superação de polarizações nocivas. 

Informação digna é um direito humano e distorções como as que são observadas na repercussão publicada não colaboram na construção de um jornalismo a serviço dos cidadãos brasileiros.

Referências da checagem:

Folha de S.Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2024/07/mulheres-negras-sao-maioria-nas-igrejas-evangelicas-paulistanas-aponta-pesquisa-datafolha.shtml Acesso em: 31 jul 2024

https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2024/07/armas-e-homeschooling-afastam-evangelicos-em-sp-do-bolsonarismo-aponta-datafolha.shtml?utm_source=sharenativo&utm_medium=social&utm_campaign=sharenativo Acesso em: 31 jul 2024

https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2024/07/maioria-dos-evangelicos-paulistanos-e-contra-pastor-indicar-voto-mostra-datafolha.shtml?utm_source=sharenativo&utm_medium=social&utm_campaign=sharenativo Acesso em: 31 jul 2024

https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2024/07/evangelicos-paulistanos-veem-igreja-como-lugar-para-achar-amor-trabalho-e-amigos.shtml?utm_source=sharenativo&utm_medium=social&utm_campaign=sharenativo Acesso em: 31 jul 2024

CNN. https://www.cnnbrasil.com.br/politica/sp-maioria-de-evangelicos-na-capital-e-contra-porte-de-arma-e-homeschooling-diz-datafolha/ Acesso em: 31 jul 2024

Metrópoles. https://www.metropoles.com/sao-paulo/datafolha-maioria-evangelicos-contra-pastor-indicar-voto Acesso em: 31 jul 2024

Carta Capital. https://www.cartacapital.com.br/politica/maioria-dos-evangelicos-e-contra-pastor-indicar-voto-mostra-pesquisa-datafolha-em-sao-paulo/ Acesso em: 31 jul 2024

Fuxico Gospel. https://www.fuxicogospel.com.br/2024/07/datafolha-evangelicos-de-sp-sao-contra-pastores-indicarem-voto-em-candidatos.html Acesso em: 31 jul 2024

Guiame. https://guiame.com.br/gospel/noticias/maioria-dos-evangelicos-se-converte-apos-18-anos-e-nao-tem-familiares-crentes-diz-pesquisa Acesso em: 31 jul 2024

Datafolha.

https://media.folha.uol.com.br/datafolha/2024/24/hxnnvpz2mvs5msosj0is3ffozpmxdk-bqu3cnh1syz9bywlayjnflqy1e6nbuvqqlsys6mxesxdisrmugq9wlg.pdf Acesso em: 31 jul 2024

https://datafolha.folha.uol.com.br/opiniao-e-sociedade/2024/07/92-dos-evangelicos-paulistanos-concorda-que-a-igreja-muda-para-melhor-a-vida-das-pessoas.shtml Acesso em: 31 jul 2024

Folha Gospel. https://folhagospel.com/maioria-dos-evangelicos-de-sp-e-contra-pastor-indicar-voto-diz-datafolha/ Acesso em: 4 ago 2024

Fórum. https://revistaforum.com.br/politica/2024/7/20/evangelicos-de-sp-rejeitam-bolsonarismo-por-armas-homeschooling-diz-datafolha-162463.html Acesso em: 31 jul 2024

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Foto de capa: Shelagh Murphy/Pexels

Conflito armado Israel x Palestina: Brasil na berlinda da desinformação – Parte 2

* Matéria atualizada em 18/04/2024 às 17:52 e 07/06/2024 para ajustes de texto

O conflito na Faixa de Gaza chegou ao sexto mês. Desde o ataque do Hamas a Israel, em 7 de outubro, o governo israelense revidou com, o que o governo do Brasil considera, um massacre da população palestina. Bereia publicou em 19 de março a primeira parte desta reportagem, na qual abordou a corrente de desinformação que surgiu a partir da fala do presidente Luís Inácio Lula da Silva, durante visita à Etiópia, em 18 de fevereiro passado, enquanto participava da 37ª Cúpula da União Africana e de reuniões bilaterais com chefes de Estado. O presidente brasileiro se pronunciou sobre o conflito e comparou a resposta de Israel aos ataques promovidos pelo Hamas, ao extermínio de milhões de judeus por nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, o que gerou uma série de críticas e comoção nas redes. 

Bereia também abordou, na primeira parte desta matéria, a escalada da violência na região e como Israel vem perdendo o apoio da comunidade internacional diante das atrocidades praticadas sobre a população palestina. Leia a matéria completa

Nesta segunda parte, Bereia apresenta a origem histórica deste conflito, a motivação do apoio de cristãos evangélicos a Israel e atualizações sobre a guerra contra a Palestina que completou seis meses. 

O Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou, em 25 de março passado, pela primeira vez desde o 7 de outubro de 2023, um pedido de cessar-fogo em Gaza. A resolução recebeu o apoio de 14 dos 15 membros do órgão, o único a se abster foi os Estados Unidos. O texto estabelece uma cessação de hostilidades durante o Ramadã, período sagrado para os muçulmanos, que começou em 11 de março e terminou em 9 de abril. Apesar da aprovação histórica, e da pressão internacional, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu afirmou que não acatará a ordem da ONU e ainda planeja um ataque terrestre à cidade de Rafah. “Não estamos dispostos a cessar-fogo”, declarou. 

Apesar da abstenção, o gesto do governo estadunidense causou uma rusga entre o presidente Joe Biden e Benjamin Netanyahu. Assim que o resultado no Conselho de Segurança foi anunciado, o governo israelense suspendeu a visita planejada de uma delegação do país aos EUA. O grupo iria discutir uma alternativa à invasão planejada por Israel à Rafah. O premiê israelense acusou a Casa Branca de abandonar sua “posição de princípio”. Entretanto, o governo de Biden correu para explicar que não havia mudanças na posição dos EUA de apoio a Israel.

“A única certeza em Gaza é a incerteza”
O grupo Hamas, por sua vez, pediu desculpas à população de Gaza pelo sofrimento causado pela guerra, entretanto, reiterou a intenção de prosseguir com o conflito que, segundo o comunicado, deve conduzir à “vitória e à liberdade” dos palestinos. O anúncio foi feito, no dia 31 de março, pelo canal oficial do grupo no Telegram.

Imagem: reprodução da Agência Brasil

Um dos principais líderes do grupo islâmico Hamas. Chefe do Departamento Político em Gaza e membro do Comitê Político Basem Naim disse, em entrevista ao jornal Correio Braziliense, que o premiê israelense é o culpado pela dificuldade de chegar a um cessar-fogo. “O principal obstáculo para chegarmos a um acordo é Benjamin Netanyahu e seu grupo de direita. Netanyahu não planeja alcançar um cessar-fogo, pois sabe que, no dia seguinte à trégua, haverá comitês de investigação e ele poderá ir para a prisão. A carreira política dele acabaria imediatamente”, garante o médico formado na Alemanha e com pós-doutorado em cirurgia. 

Para o líder palestino que ocupou o posto de ministro da Saúde entre 2007 e 2012, o grupo está disposto a negociar o fim da guerra, entretanto o lado israelense não quer chegar a um acordo. “Apelamos por um cessar-fogo completo e sustentável, pela retirada total das forças israelenses da Faixa de Gaza e pelo retorno das pessoas que foram expulsas de suas casas e vilarejos depois de 7 de outubro. Também pedimos uma grande operação de socorro e de reconstrução da Faixa de Gaza. Ao mesmo tempo, o engajamento em um acordo tácito para a troca de prisioneiros”, disse Naim ao jornal brasiliense.  

Perguntado sobre as denúncias de violência sexual cometida por integrantes do Hamas, o político palestino negou veementemente as acusações. “Nós negamos qualquer agressão sexual a qualquer mulher. (…) Esta foi uma operação militar e nossos alvos eram complexos militares e soldados. Nós evitamos civis, mulheres, crianças e homens. Ao mesmo tempo, temos dito que estamos prontos para receber qualquer comitê de investigação da ONU ou internacional, a fim de apurar o que ocorreu em 7 de outubro”, assegurou. 

Por que os cristãos evangélicos apoiam Israel incondicionalmente?

Segundo o professor de Teologia e doutorando em Filosofia, pela PUC-SP, Wallace Góis, os evangélicos têm uma visão escatológica do papel de Israel na história da humanidade e o consideram como o “Relógio de Deus no mundo”. “Para eles, você tem que ficar de olho no que acontece em Israel para entender o que está acontecendo no plano divino. Então os eventos que envolvem Israel, qualquer avanço político, ameaça militar ou instabilidade, vai ser interpretado à luz de alguma passagem bíblica que tenha mais ou menos a ver com essa situação e vai ser colocado como um sinal do fim dos tempos, como a volta de Cristo”, explica o professor em entrevista ao Bereia.

“Eles dizem que Israel é a continuidade da história do povo de Deus, apoiam porque Israel é e sempre foi o povo perseguido das escrituras, o guardião da Palavra de Deus, e as coisas que acontecem em Israel têm uma direta conexão com aquilo que ajuda a formar a cosmovisão cristã sobre a realidade”, afirma Góis se referindo ao que pensam os evangélicos brasileiros. 

Para o professor, que integra a coordenação brasileira do Programa de Acompanhamento Ecumênico na Palestina e em Israel, do Conselho Mundial de Igrejas, e viveu por quatro meses, de julho a outubro de 2015, na região, há uma espiritualização exacerbada em tudo que se refere a Israel. “Tem toda uma aura mística que envolve o imaginário cristão evangélico sobre Israel e coloca o país como se fosse um lugar mágico, um lugar sagrado em que tudo que se toca e se vê é referência do Divino”. 

Além disso, o professor ressalta que o turismo religioso reforça a ideia de que a nação é o ideal de civilidade para todas as outras. “Há uma propaganda de Israel como um país civilizado, ético, abençoado por Deus e aberto à liberdade religiosa, mas é uma grande encenação, porque a liberdade religiosa é restrita. Principalmente, para os muçulmanos, as comunidades cristãs na Palestina também estão definhando, estão sofrendo com restrições”, relata.

Góis compara a ação do governo israelense ao Império Romano da época de Jesus. “Israel se tornou um grande império opressor e a população palestina se vê perseguida pelos ideais imperialistas, pela opressão, pela sanha de poder, pela sede por territórios. As melhores áreas da Palestina estão sendo ocupadas pela extensão territorial israelense, as riquezas naturais estão sendo exploradas por Israel. Então, qualquer chance que a Palestina teria de se estabelecer, de construir uma história de demonstração da ‘benção de Deus’ foi previamente sequestrada por Israel e tudo isso vai sendo associado à imagem de que Deus está na verdade ao lado de Israel”, lamenta. 

O teólogo denuncia ainda que os direitos palestinos estão sendo minados para que Israel possa ser vitoriosa. “O próprio Monte do Templo, onde muitos evangélicos dizem que será reconstruído o Templo de Jerusalém, existem mesquitas no local e, por isso, para os cristãos há uma certa ojeriza, uma certa ideia de usurpação do lugar sagrado pela religião islâmica, sobre o Judaísmo, uma tentativa de suplantar o Deus verdadeiro. Então, são detalhes e mais detalhes da geografia da organização social dos pontos turísticos que são utilizados na hora de tecer esses argumentos em favor de Israel”.

A antropóloga e professora da Universidade de Brasília Jacqueline Teixeira também analisou a situação. Em entrevista à BBC Brasil, ela disse que o bolsonarismo trouxe uma novidade para o apoio que cristãos evangélicos sempre deram à Israel: o discurso bélico-religioso, ou seja, a ideia de que uma disputa entre o bem e o mal justificaria o uso da violência. “Tem me chamado a atenção a tentativa de construção de uma justificação ética para os bombardeios, para as políticas de violência e de guerra que Israel tem lançado sobre o povo palestino. Uma naturalização da violência ou da guerra”, explica.

Teixeira acredita ainda que a naturalização entre religiosos de medidas como restrição de comida e água para os palestinos, seria resultado de uma “circulação mais preeminente de imagens do bolsonarismo no contexto das igrejas”, que permitiu uma “naturalização um pouco maior da desumanização” dos palestinos.

Jerusalém e as três religiões

De acordo com a antropóloga, professora e pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) Dra. Francirosy Campos Barbosa Ferreira, ouvida pelo Bereia, é importante ressaltar que aquela região é sagrada para judeus, cristãos e muçulmanos que dividem o espaço de Jerusalém. “O que a gente tem visto acontecer é uma captura, algo que costumamos chamar de leituras fundamentalistas da Bíblia. Os livros sagrados passam por leituras diversas, desde as mais rígidas, ipsis litteris, até as reformistas ou com interpretações diferenciadas. Então, acho que essa é uma das questões, é a ideia da Terra Prometida, associada com outras questões do judaísmo”, aponta a pesquisadora. 

A antropóloga da USP relembra o caso das senhoras cristãs que, em uma manifestação a favor do ex-presidente Jair Bolsonaro, disseram que Israel é um país cristão, assunto já abordado por Bereia, na primeira reportagem desta série. “É a distopia que a nossa sociedade chegou. Não é de estranhar que uma pessoa cristã diga, de repente, que judeus também são cristãos. Infelizmente, em nossa sociedade hoje, o nível de conhecimento religioso, e isso eu falo de qualquer religião, é muito pífio, é insignificante, não tem profundidade, não tem um contexto histórico. É uma espiritualidade vazia”, analisa. 

Para Campos, a ultradireita soube se apropriar dessa narrativa e cooptar pessoas com esse conhecimento dúbio sobre o cristianismo. “Assim começaram a criar outras figuras, outros seres, outras formas de interpretação. Então, acho que a extrema direita bolsonarista, junto com interpretações fundamentalistas, podemos até dizer equivocadas da Bíblia, acabam distorcendo todo esse campo religioso, e fazendo mau uso dele”. 

Ela ressalta ainda, que precisamos lembrar que antes da criação do Estado de Israel em 1948, as três religiões viviam em harmonia na região. “Antes da ocupação da Palestina, da expulsão dos palestinos, a gente tem um histórico de uma convivência respeitosa entre cristãos, muçulmanos e judeus, isso em várias partes do mundo, seja na Síria, no Egito, enfim, a gente tem um histórico de boa convivência. havia festas religiosas e as pessoas se respeitavam mutuamente. Essa é uma forma de uso da religião, de uma instrumentalização religiosa muito equivocada, infelizmente, que gera todo esse conflito”.

Origem do conflito na região

Para compreender o atual cenário na região é necessário voltar no tempo. Governada, destruída, povoada e repovoada por diversos povos, dinastias e impérios, a Palestina foi conquistada pelo Império Otomano no século 16. A região que havia sido conquistada por Alexandre, o Grande, pelo Império Romano e pelo general Amr Ibn Al-As, vivenciou várias expressões de fé e viveu períodos de declínio e prosperidade ao longo dos séculos.

A Palestina fez parte do Império Otomano até 1917, quando passou a ser controlada pelo Reino Unido. Os britânicos se comprometeram a apoiar a formação de um reino árabe unificado.

Durante a Primeira Guerra Mundial britânicos e turcos chegaram a um acordo sobre o futuro da Palestina e da maioria dos territórios árabes na Ásia antes pertencentes ao Império Otomano. 

No entanto, durante a Conferência de Paz de Paris, em 1919, as potências europeias vencedoras da Primeira Guerra impediram a criação do reino árabe unificado. Elas estabeleceram uma série de mandatos para que pudessem controlar e repartir toda a região. Assim, a região passou a integrar o Mandato Britânico da Palestina, autorizado pela Liga das Nações e se estendeu de 1920 até 1948.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o Reino Unido decidiu transferir a decisão sobre a Palestina para a recém criada Organização das Nações Unidas (ONU). A ONU aprovou, em 1947, a Resolução 181, que dividiu a Palestina da seguinte forma: 55% do território para os judeus, Jerusalém sob controle internacional e o restante para os árabes (incluindo a Faixa de Gaza). Ao entrar em vigor em maio de 1948, a resolução pôs fim ao Mandato Britânico da Palestina e Israel declarou sua independência.

Horas após a declaração de independência do Estado de Israel, os exércitos do Egito, Jordânia, Síria, Líbano e Iraque invadiram Israel. Os enfrentamentos iniciaram quase que imediatamente, levando ao conflito árabe-israelense. Ao fim da guerra, cerca de 6 mil israelenses e entre 10 mil e 12 mil árabes foram mortos e estima-se que de 700 mil a 800 mil palestinos foram expulsos de suas terras e entre 400 e 500 vilas palestinas foram destruídas. Os refugiados palestinos se deslocaram e acabaram se assentando na Faixa de Gaza. 

A crise econômica causada pela Guerra da Independência e a necessidade de sustentar uma população em rápido crescimento exigiram austeridade no país e ajuda financeira do exterior. A assistência prestada pelo Estados Unidos, os empréstimos de bancos americanos, as contribuições de judeus da Diáspora e reparações alemãs após a guerra foram usados para construir casas, mecanizar a agricultura, estabelecer uma frota mercante e uma companhia aérea nacional, além de favorecerem a exploração mineral, o desenvolvimento industrial e a expansão de rodovias, telecomunicações e redes elétricas.

Após o armistício, Gaza foi ocupada e administrada pelo Egito até a Guerra dos Seis Dias, em 1967 – um conflito entre a coalizão árabe formada pela Jordânia, Iraque e pela antiga República Árabe Unida, que reunia o Egito e a Síria.

Após seis dias de batalha, as antigas linhas de cessar-fogo foram substituídas por outras como Judeia, Samaria, Gaza, Península do Sinai e Colinas de Golã, sob controle israelense. A passagem para Israel através do Estreito de Tiran foi assegurada e Jerusalém, que estava dividida desde 1949 entre Israel e Jordânia, foi reunificada sob autoridade israelense. Desde o fim do conflito Israel ocupa a Faixa de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental. Esta ocupação desencadeou uma série de conflitos que chegaram até os dias atuais.

Evolução do território palestino – 1920 aos dias atuais

Imagens: reprodução da BBC Brasil

Pertencente à Palestina, localizado em uma estreita faixa de terra na costa oeste de Israel e fazendo fronteira com o Egito, a Faixa de Gaza é um território marcado pela pobreza e superpopulação, com 2 milhões de habitantes morando em um território de 360 km².

Foi na Faixa de Gaza que teve início uma série de conflitos armados, incluindo algumas das guerras que influenciaram a história recente da região. Entregue aos palestinos em 2005, a Faixa de Gaza passou a ser governada pelo partido Hamas, em 2007, enquanto a região da Cisjordânia ficou sob o governo da Autoridade Nacional Palestina (PNP), mas sob ocupação militar israelense. 

A primeira intifada (levante) dos palestinos contra os israelenses na Faixa de Gaza ocorreu em 1987. No mesmo ano foi criado o partido islâmico Hamas, que se estenderia posteriormente a outros territórios ocupados.

Os Acordos de Oslo entre israelenses e palestinos, em 1993, criaram a Autoridade Nacional Palestina (ANP) e concederam autonomia limitada à Faixa de Gaza e partes da Cisjordânia ocupada. Após uma segunda intifada, mais violenta que a primeira, Israel retirou suas tropas e cerca de 7 mil colonos da Faixa de Gaza, em 2005.

No ano seguinte o Hamas venceu as eleições palestinas. Este resultado gerou uma violenta luta de poder em 2007 entre o Hamas e o partido Fatah, liderado pelo líder da ANP, Mahmoud Abbas. O grupo militante saiu vitorioso na Faixa de Gaza. Desde então, o Hamas mantém o poder na região, tendo sobrevivido a três guerras e a um bloqueio de 16 anos. O braço armado do partido, mais radical, faz oposição ostensiva a Israel.

Em comunicado no dia 22 de janeiro passado, o Hamas destacou essas origens históricas do conflito, afirmando que “a batalha do povo palestino contra a ocupação e o colonialismo não começou em 7 de outubro. A liderança do partido recordou que a luta palestina foi iniciada há 105 anos, incluindo os 30 anos de colonialismo britânico e os 75 anos de ocupação sionista, e pretende responsabilizar legalmente a ocupação israelense pelo sofrimento infligido ao povo palestino”.

Netanyahu isolado

O Primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu tem sofrido vários reveses, por conta de sua condução do conflito em Gaza, considerada equivocada e desastrosa por analistas de todo o mundo. Para permanecer no poder, o líder israelense tem levado o país a se embrenhar cada vez mais fundo em conflitos regionais secundários. 

Em 31 de março passado, um ataque de Israel ao hospital Al-Aqsa, em Gaza,deixou quatro mortos e 17 feridos. O cerco ao hospital palestino já durava duas semanas. De acordo com o governo israelenese, o alvo do exército era o centro de comando da jihad islâmica que, segundo o mesmo, atuava no local. Os militares anunciaram o fim das operações no local, após a invasão que deixou a maior parte do importante complexo médico em ruínas e inoperante. O Ministério da Saúde de Gaza informou que dezenas de corpos foram encontrados, e moradores locais disseram que áreas próximas foram devastadas.

Em 01 de abril, Israel bombardeou e destruiu o consulado iraniano em Damasco, na Síria, e matou Mohammed Reza Zahedi, comandante da Guarda Revolucionária, a força de elite que protege o regime iraniano, além de outros alvos militares e civis. O motivo estaria ligado ao conflito em Gaza. De acordo com o governo israelense, o Irã é o principal financiador do Hamas e de outros grupos extremistas islamitas. 

O líder supremo do Irã aiatolá Ali Khamenei lamentou a morte do general Zahedi e fez ameaças a Israel. “O regime sionista será punido pelas mãos de nossos bravos homens. Faremos com que ele se arrependa desse crime e de outros que cometeu”, declarou o líder iraniano. 

No mesmo dia, mais um ataque israelense deixou líderes de todo o mundo em alerta. Desta vez, um drone israelense atingiu o carro onde funcionários da World Central Kitchen, ONG do chef espanhol José Andrés, estavam. O ataque vitimou sete voluntários. A organização não governamental havia acabado de levar uma carga de alimentos ao território palestino, horas antes do bombardeio. A entidade é uma das principais fornecedoras de alimentos à Faixa de Gaza desde o início da guerra. O premiê admitiu a culpa de Israel e disse que incidentes como este “’Acontecem em guerras’. “Infelizmente, no último dia houve um caso trágico em que as nossas forças atingiram involuntariamente pessoas inocentes na Faixa de Gaza. Acontece em guerras, e estamos verificando até o fim, estamos em contato com os governos, e tudo faremos para que isso não aconteça novamente”, declarou Netanyahu. 
Segundo a ONG, entre os mortos há três cidadãos do Reino Unido, um da Austrália, um dos Estados Unidos, um da Polônia, e um palestino. A World Central Kitchen é uma das mais atuantes em Gaza. Os dois veículos que transportavam as vítimas e que foram atingidos tinham o logotipo e o nome da ONG desenhados no teto e circulavam sozinhos em uma via de uma área sem conflitos. “Este não é apenas um ataque contra a World Central Kitchen, é um ataque a organizações humanitárias que se apresentam nas situações mais terríveis, em que os alimentos são usados ​​como arma de guerra. Isso é imperdoável”, disse o CEO da ONG, Erin Gore.

Nem mesmo o governo americano, aliado de Israel, tem poupado críticas e conseguido fechar os olhos para o que acontece em Gaza. O presidente americano Joe Biden disse estar “Indignado” com o ataque de Israel ao veículo de transporte da ONG World Central Kitchen e cobrou uma investigação “rápida” e que “traga responsabilidade”. Biden está em ano eleitoral e passou a ser acusado por sua própria base de ser cúmplice pelas mortes de palestinos. 

Imagem: reprodução site CNN

Os EUA vetaram três resoluções desde o início da escalada dos conflitos, em 7 de outubro de 2023, após ataques do Hamas no sul de Israel. Os cinco membros permanentes do Conselho, China, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos, têm o poder de vetar.
Apesar de dar sinais de mudança de atitude, o governo Biden continua enviando armamentos para Israel. Os Estados Unidos enviaram dezenas de armas para Israel, incluindo bombas e munições de precisão, desde os ataques do Hamas em 7 de outubro. Atualmente, há 600 operações ativas de transferência ou venda potencial de armamento no valor de mais de US$ 23 bilhões entre os dois países, segundo autoridades do Departamento de Estado americano, denuncia o jornal Valor Econômico.

Imagem: reprodução do Valor Econômico

Imagem: reprodução/BBC

Por causa do ataque ao carro da ONG norte-americana, o ministro Britânico para o Desenvolvimento e África Andrew Mitchell, convocou o embaixador de Israel para expor a “condenação inequívoca do governo ao terrível assassinato de sete trabalhadores humanitários da World Central Kitchen, incluindo três cidadãos britânicos”, disse ele num comunicado de imprensa do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Outra frente de batalha levantada pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu é contra a imprensa. O Parlamento israelense aprovou, também em 01 de abril, uma lei que permite o fechamento temporário em Israel de emissoras estrangeiras consideradas uma ameaça à segurança nacional do país. O alvo principal do premiê é a TV Al Jazeera, com sede no Catar. “A Al Jazeera prejudicou a segurança de Israel, participou ativamente do massacre de 7 de outubro e incitou contra os soldados das Forças de Defesa de Israel. O canal terrorista Al Jazeera não transmitirá mais de Israel”, declarou o líder israelense. 

Em nota, a Al Jazeera afirmou que Netanyahu faz uma campanha contra a rede. “Netanyahu não conseguiu encontrar nenhuma justificativa para dar ao mundo para seus ataques recorrentes contra a Al Jazeera e a liberdade de imprensa, exceto as mentiras e calúnias contra a rede e seus funcionários”, frisa o veículo. 
O desprezo pelo trabalho da imprensa é refletido em números. De acordo com a ONG Repórteres sem Fronteiras (RSF), em cinco meses de guerra, ao menos 103 jornalistas foram foram mortos em Gaza, pelo exército israelense. Segundo um balanço da RSF essa é  uma das guerras mais letais para jornalistas. A organização acionou duas vezes o Tribunal Penal Internacional contra Israel. “Esses 103 jornalistas não são números, são 103 vozes que Israel silenciou. 103 testemunhos a menos sobre a catástrofe que se desenrola na Palestina. (…) Reiteramos o nosso apelo urgente para proteger os jornalistas em Gaza”, disse o Secretário-geral da RSF Christophe Deloire, em comunicado no site da ONG.

A Federação Internacional de Jornalistas (IFJ), por sua vez, afirma que 99 jornalistas e profissionais de mídia palestinos, quatro israelenses e três libaneses foram mortos, um total de 106 profissionais de imprensa. Houve também relatos de 16 jornalistas feridos, quatro desaparecidos e 25 detidos enquanto cobriam a guerra em Gaza, com base num relatório do Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ).

Em balanço realizado pela Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), desde o início do conflito 109 jornalistas e trabalhadores de meios de comunicação perderam suas vidas: 102 palestinos, 4 israelenses e três libaneses. Com estes dados, a Guerra em Gaza se configura como um dos conflitos mais mortais da história para os meios de comunicação e apresenta grave risco para a liberdade de imprensa.

Protestos internos

As ruas de importantes cidades de Israel têm sido tomadas por milhares de manifestantes pedindo a libertação dos reféns na Faixa de Gaza e a destituição de Benjamin Netanyahu. Eles exigem eleições antecipadas e um acordo imediato para libertar os cerca de 130 reféns israelenses ainda detidos pelo Hamas. A situação do premiê israelense torna-se cada vez mais insustentável e o futuro dele está atrelado à continuidade do conflito. 

Segundo dados do Serviço Prisional Israelense divulgados pela Human Rights Watch, as autoridades do país mantinham, até 1º de dezembro, 2.873 palestinos em detenção administrativa, sem acusação ou julgamento, com base em informações secretas. Já a organização palestina de direitos humanos Addameer afirma que, até novembro de 2023, a população carcerária palestina em unidades carcerárias administradas por Israel tinha um total de 7.000 palestinos presos. A lista inclui 80 mulheres e 200 crianças menores de 18 anos.

Números da guerra

Após seis meses de conflito, os números do conflito em Gaza falam por si. Segundo levantamento da BBC Brasil, até o 175º dia de guerra, pelo menos, 32.623 pessoas tinham morrido e 75.092 tinham sido feridas, de acordo com o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA, na sigla em inglês), a maioria das vítimas é de mulheres e crianças. 

Ainda segundo a ONU, 85% da população no setor sitiado, onde vivem mais de 2,3 milhões de pessoas, foi forçada a deixar suas casas devido à destruição de infraestrutura e a falta de alimentos, água, combustível e eletricidade na região. “Prevê-se que metade da população da Faixa de Gaza (1,11 milhões de pessoas) enfrente condições catastróficas no que diz respeito à segurança alimentar”, afirmou um relatório elaborado pela ONG Integrated Food Security Phase Classification (IPC), que fornece à governos, à ONU e às agências de ajuda humanitária dados apolíticos sobre a fome no mundo. 

Imagem: reprodução/BBC

Mais de 196 trabalhadores humanitários foram mortos em Gaza desde outubro, de acordo com a Aid Worker Security Database, entidade financiada pelos EUA que registra incidentes de violência contra agentes humanitários. Além destes, há os jornalistas mortos já citados nesta matéria.

Do lado Israelense, cerca de 600 soldados morreram desde os ataques de 7 de outubro.  Nesse dia, 253 pessoas foram sequestradas. Acredita-se que cerca de 130 reféns ainda estejam detidos em Gaza, dos quais, pelo menos, 34 são considerados mortos, afirmam autoridades de Israel.

Referências de checagem:

Agência Brasil.

https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2024-03/brasil-repudia-massacre-de-palestinos-famintos-situacao-intoleravel Acesso em 07 jun 2024

https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2024-04/hamas-pede-desculpa-populacao-pelo-sofrimento-causado-pela-guerra Acesso em 07 jun 2024

https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2024-03/ataque-de-israel-hospital-em-gaza-faz-quatro-mortos-e-17-feridos Acesso em 07 jun 2024

https://humanidades.com/br/primeira-guerra-arabe-israelense-1948-1949/ Acesso em 07 jun 2024

BBC Brasil.

https://www-bbc-com.cdn.ampproject.org/v/s/www.bbc.com/portuguese/articles/c6p4513ldr1o.amp?amp_gsa=1&amp_js_v=a9&usqp=mq331AQIUAKwASCAAgM%3D#amp_tf=De%20%251%24s&aoh=17093095837382&referrer=https%3A%2F%2Fwww.google.com&ampshare=https%3A%2F%2Fwww.bbc.com%2Fportuguese%2Farticles%2Fc6p4513ldr1o Acesso em 07 jun 2024

https://www.bbc.com/portuguese/articles/c9xkn90p550o Acesso em 07 jun 2024

https://www.bbc.com/portuguese/articles/c803n5yrdw7o Acesso em 07 jun 2024

https://www.bbc.com/portuguese/articles/clkjxpvjxjgo#:~:text=Uma%20das%20bases%20teol%C3%B3gicas%20%C3%A9,hist%C3%B3ria%20sagrada%20do%20povo%20israelita Acesso em 07 jun 2024

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https://www.bbc.com/portuguese/articles/clwe05xqjxno#:~:text=%22Prev%C3%AA%2Dse%20que%20metade%20da,a%20ajuda%20que%20chega%20diariamente. Acesso em 07 jun 2024

IFJ. https://www.ifj.org/es/sala-de-prensa/noticias/detalle/category/comunicados-de-prensa/article/apoyemos-la-libertad-de-prensa-en-gaza-exige-la-fip Acesso em 07 jun 2024

CNN Brasil.

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/ira-promete-vinganca-contra-israel-apos-ataque-a-embaixada-na-siria/ Acesso em 07 jun 2024

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/reino-unido-convoca-embaixador-israelense-apos-ataque-que-matou-trabalhadores-humanitarios/ Acesso em 07 jun 2024

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/ataque-de-israel-que-matou-voluntarios-em-gaza-causa-indignacao-na-casa-branca/ Acesso em 07 jun 2024

Correio Braziliense. https://www.correiobraziliense.com.br/mundo/2024/04/6833290-estar-ou-nao-no-governo-e-decisao-palestina-diz-lider-do-hamas.html Acesso em 07 jun 2024

ONU. https://news.un.org/pt/story/2024/03/1828597 Acesso em 07 jun 2024

Bereia. https://coletivobereia.com.br/conflito-armado-israel-x-palestina-brasil-na-berlinda-da-desinformacao/ Acesso em 07 jun 2024

G1.

https://g1.globo.com/mundo/noticia/2024/03/25/conselho-de-seguranca-da-onu-aprova-resolucao-de-cessar-fogo-imediato-em-gaza.ghtml Acesso em 07 jun 2024

https://g1.globo.com/mundo/noticia/2024/04/02/acontece-em-guerras-diz-netanyahu-sobre-ataque-que-matou-7-de-ong-de-chef-espanhol-na-faixa-de-gaza.ghtml Acesso em 07 jun 2024

https://g1.globo.com/mundo/noticia/2024/04/01/netanyahu-israel-fechamento-al-jazeera.ghtml Acesso em 07 jun 2024

Repórteres Sem Fronteiras.

https://rsf.org/pt-br/103-jornalistas-mortos-em-150-dias-em-gaza-uma-trag%C3%A9dia-para-o-jornalismo-palestino#:~:text=Em%20cinco%20meses%2C%20ao%20menos,mais%20letais%20para%20os%20jornalistas. Acesso em 07 jun 2024

UOL.

https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2023/10/30/benjamin-netanyahu-cessar-fogo.htm Acesso em 07 jun 2024

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2024/03/25/32-mil-mortos-depois-conselho-de-seguranca-aprova-cessar-fogo-em-gaza.htm Acesso em 07 jun 2024

Valor Econômico.

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2024/03/07/como-os-eua-enviam-armas-a-israel-sem-tornar-publicas-algumas-remessas-de-apoio-militar.ghtml Acesso em 07 jun 2024

Metrópoles.

https://www.metropoles.com/mundo/israel-milhares-de-manifestantes-protestam-contra-governo-em-tel-aviv Acesso em 07 jun 2024

“Deus, pátria e família”: o que é o neoconservadorismo em destaque na política do Brasil – parte 1

De 2018 a 2022, vimos a figura do ex-presidente Jair Bolsonaro (PSL) declarar seu lema “Deus Pátria e Família” com a retórica de “conservadorismo”. Em seu discurso na 75ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o político chegou a declarar: “O Brasil é um país cristão e conservador, e tem na família a sua base”. Ao longo da mesma fala, ele fez um apelo à comunidade internacional pela liberdade religiosa a fim de combater o que chamou de “cristofobia”. Tais declarações trazem à tona dois elementos centrais na composição das bases do que se convencionou chamar “bolsonarismo”: religiosidade e neoconservadorismo. 

Para entendermos a origem desse discurso, teremos que retomar brevemente o conceito de neoconservadorismo. Conservadorismo é um movimento amplificado, não só de ideias, mas de convenções sociais e reações a mudanças do mundo moderno. Apresenta um discurso de retorno a ordem, de previsibilidade, controle de excessos morais para fortalecimento da unidade nacional. Sua esfera de influência se dá na política, cultura, arte, sexualidade. Em sua raiz histórica, conservadores se constituíam como contrarrevolucionários, posicionando-se em oposição a qualquer pensamento que questionasse a ordem do establishment, em especial revoluções lideradas pelo proletariado, defendendo assim a ordem burguesa. 

Já o neoconservadorismo se origina na década de 1950, em Nova York. O movimento foi estimulado no contexto da Guerra Fria, de enfrentamento do comunismo e da União Soviética, e pelo avanço de ideias feministas e de movimentos culturais liberais. No neoconservadorismo algumas características se destacam: defesa do nacionalismo exacerbado; religiosidade como sustentáculo do Estado; luta contra comunismo, ideologia sionista e defesa incondicional do Estado de Israel; associação ao neoliberalismo – não intervenção do Estado na economia –, além de salvaguarda e manutenção das instituições tradicionais, hierarquias e desconfiança de alterações sociais bruscas, buscando manter a política estável com mudanças lentas e sólidas. 

O movimento foi constituído na década de 1970 por grupos dominantes do capital e setores moralistas da classe trabalhadora, explica David Harvey. Tal associação inspirou ideias centradas na defesa tradicional da formação familiar, defesa de determinada doutrina cristã e concepções direitistas em oposição a ideias progressistas relacionadas ao feminismo, direitos LGBTs, programas de inserção social. Era uma aliança entre grupos divergentes, cristãos evangélicos, judeus, promotores da Guerra Fria, defensores da família tradicional, intelectuais, militares, liberais. 

O discurso cristão é uma das bases do conservadorismo nos Estados Unidos e tem sido de maneira semelhante aqui no Brasil. É constituído por setores evangélicos e evangélicos conservadores. Essa nova direita tem um discurso anticomunista e se posiciona contrário a medidas que promovam o Estado de bem-estar social. Foi com o apoio desse grupo que o presidente Ronald Reagan foi eleito em 1980 e o Partido Republicano conquistou maioria no congresso. Embora constituíssem um grupo pequeno, portanto minoritário, argumentavam que sua organização e coerência fazia com que se tornassem a “Maioria Moral”, por isso assim se autodenominavam.

Nesse período, grupos conservadores evangélicos ainda tinham a si mesmos como missionários imbuídos da missão de levar o Evangelho aos países da América Latina. Os Estados Unidos, vistos como detentores da moral, seriam os únicos capazes de levar os valores cristãos onde o pecado se precipita. Para eles, a ideia de livre mercado converge ou conversa com o princípio de livre arbítrio, por isso Cristianismo e capitalismo seriam uma união ideal. 

Havia ainda o anticomunismo em oposição à chamada Teologia da Libertação, movimento que se propaga em círculos evangélicos progressistas na América Latina, a partir dos anos 1960, mas ganha mais intensidade na Igreja Católica e se populariza. A proposta partia de uma análise socioeconômica de instrumentalização da fé visando a responsabilidade social, políticas distributivas, libertação dos povos marginalizados e políticas de responsabilidade social.

Nesta perspectiva da direita evangélica está o sionismo na defesa de Israel. Há uma leitura que relaciona judeus e cristãos a partir do Antigo Testamento, sendo notável a preferência pelos textos desta parte da Bíblia em pregações e discursos, em especial entre pentecostais e neopentecostais. Pesquisadores, como John Mearsheimer e Stephen Walt chamam essa característica de “sionismo cristão” e os motivos que teriam levado grupos tão distintos a se unirem teria sido suas atividades e áreas de interesses em comum.

Outra bandeira de sustentação do neoconservadorismo é a “pauta moral”. Para as lideranças que abraçam esta perspectiva, haveria papéis sociais e sexuais hierárquicos, direcionados a homens sobre mulheres no cuidado e educação dos filhos. Por isso, uma reação antifeminista chegou a se opor a políticas de combate a violência doméstica, pois alegavam que esse seria um problema possivelmente solucionado com a valorização e fortalecimento da instituição “família”, mesmo argumento utilizado para defender palmadas de pais e responsáveis em crianças. 

No que confere ao militarismo anticomunista, os Estados Unidos viam na União Soviética e a ameaça comunista um inimigo a ser combatido, por isso, o fundamento conservador se configura um elemento de combate a ideologias e discursos. Tal pauta moralista conservadora e anticomunista estava presente não apenas nos discursos e costumes, como também na indústria cultural estadunidense fabricada e exportada por meio de filmes de Hollywood, cantores e estilos musicais. 

Pesquisadores apontam os desajustes sociais e o consequente fortalecimento de medidas punitivistas como consequência do avanço do neoliberalismo e neoconservadorismo. Ou seja, na medida em que as desigualdades, exclusão, marginalização avançam, cresce também a violência. Nisso, transparece a conveniência do discurso pró-armamento e em defesa de uma política combativa por parte do Estado. Indivíduos comuns são tolhidos e culpados, enquanto o sistema exclusivista beneficia determinadas classes.

No Brasil, a ala conservadora pós-década de 1990 foi ao encontro dessa agenda neoliberal defendendo a entrada do capital estrangeiro e enxugamento da máquina estatal. Somado a isso, o neoconservadorismo se fortaleceu a partir desse período com pautas morais e em defesa de valores cristãos, ganhando ressonância em igrejas neopentecostais. 

A internet se tornou um espaço de fortalecimento e expansão desse ideal conservador, que pode ser observado no Brasil, ocupado por movimentos direitistas, surgidos a partir dos protestos de 2013, como: Vem pra Rua, Movimento Brasil Livre, Revoltados Online, Proteste Já!. A união desses grupos conservadores, somado ao fortalecimento do antipetismo (o Partido dos Trabalhadores/PT estava no poder do país nesse período) e o crescimento da presença evangélica no espaço público, são elementos que nos ajudam a compreender a ascensão do neoconservadorismo ao poder no Brasil a partir de 2016, o que será tratado no segundo artigo deste estudo.

Referências:

BURITY, Joanildo. Itinerário histórico-político dos evangélicos no Brasil. In: ALBINO, Chiara; OLIVEIRA, Jainara; MELO, Mariana (Orgs.). Neoliberalismo, neoconservadorismo e crise em tempos sombrios. Recife: Editora Seriguela, 2021.

CAMILO, Rodrigo Augusto Leão. A Teologia da Libertação no Brasil: das formulações iniciais de sua doutrina aos novos desafios da atualidade. II Seminário de Pesquisa da Faculdade de Ciências Sociais. Goiânia: UFG, 2011. Disponível em: https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/253/o/Rodrigo_Augusto_Leao_Camilo.pdf 

HARVEY, David. A Brief History of Neoliberalism. Nova Iorque: Oxford University Press, 2005.

LACERDA, Marina Basso. O novo conservadorismo brasileiro: de Reagan a Bolsonaro. Porto Alegre: Editora Zouk, 2019

MEARSHEIMER, John J. e WALT, Stephen M. The Israel Lobby And U.S. Foreign Policy. Nova Iorque: Farrar, Straus And Giroux.NETTO, Leila Escorsim. O conservadorismo Clássico: elementos de caracterização e crítica. São Paulo: Cortez, 2011.

**Os artigos da seção Areópago são de responsabilidade de autores e autoras e não refletem, necessariamente, a opinião do Coletivo Bereia.

***Foto de capa: Fernando Frazão/Agência Brasil

Desinformação com teor religioso baseou ataque contra deputada ligada ao MST  no Estado do Rio

* Matéria atualizada em 01/04/2024 para acréscimo de informações recentes sobre o tema

Enquanto cumpria agenda de prestação de contas no município de Nova Friburgo, no distrito de Lumiar,em 12 de agosto passado, a deputada estadual Marina do MST (PT-RJ) foi atacada por manifestantes de extrema-direita.

Bereia teve acesso a áudios que indicam a organização do ataque a partir da propagação de desinformação, com uso de discurso religioso, a respeito do propósito da ida de Marina do MST ao distrito de Nova Friburgo. 

Entre os que propagaram áudios para convocar  a população para uma manifestação contra a deputada está um homem investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro por incitar bolsonaristas a pegar em armas.

Ataque à deputada estadual Marina do MST (PT-RJ) em Nova Friburgo

Lucia Marina dos Santos, conhecida como Marina do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), é deputada estadual no Rio de Janeiro e cumpre o primeiro mandato. A parlamentar foi eleita defendendo, principalmente, as bandeiras da luta por soberania alimentar, agroecologia e o combate aos agrotóxicos.

Em visita à Nova Friburgo, Região Serrana fluminense, a deputada realizou uma reunião de prestação de contas do mandato, denominada Plenária Territorial, no centro da cidade, na manhã de 12 de agosto. À tarde, a reunião estava marcada para acontecer no distrito de Lumiar. 

Marina do MST tem a prática de divulgar as plenárias que realiza, desde 24 de maio, e também publica fotos dos eventos nas cidades fluminenses. 

Imagem: reprodução do Instagram

Um grupo de manifestantes, identificados como seguidores do ex-presidente Jair Bolsonaro, compareceu ao ato de prestação de contas da deputada Marina do MST, na praça Levi Aires Brust, em Lumiar, com o intuito de protestar contra a presença do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na localidade.

Imagens gravadas e publicadas nas redes digitais mostram uma multidão em torno de Marina e sua equipe. Os manifestantes, aos gritos de “fora”, cercaram a deputada, chegaram a empurrá-la e é possível ver pessoas arremessando garrafas em direção à deputada. Um vídeo mostra a chegada de viaturas policiais para conter as agressões.

Imagem: reprodução 

Mobilização do ataque via redes digitais com referência bíblica

Áudios compartilhados em grupos de Whatsapp mostram que a decisão de protestar surgiu a partir da divulgação de informações de que o evento se tratava de uma ocupação do MST e não de uma ação do mandato da deputada. Os autores dos áudios identificam-se como pessoas ligadas a organizações como Associação dos Agricultores Familiares e Ação Rural dos distritos de Lumiar, São Pedro da Serra e Macaé de Cima.

Em um dos áudios obtidos por Bereia, o autor se identifica como Jailton Barroso Eller e convoca outras pessoas para um “movimento pacífico, mas (…) de ‘passo firme’”. “Não queremos eles [MST] aqui. Mas, para isso, meus irmãos, não adianta só as lideranças, não adianta só eu, da Ação Rural, ir. (…) O povo tem que estar junto. Não podemos aceitar e [temos que] mostrar que não queremos eles aqui. Convoco a todos do 5º e 7º distrito para estarmos em Lumiar a partir das 12h, para já esperar esse povo e mostrar que a gente não quer eles (sic)  lá”, diz Eller.

Ao final da mensagem, o agricultor usa referências da Bíblia para incitar uma espécie de combate: “Não tem que ter plenária territorial aqui dentro do 7º distrito. Para quê esse inferno na nossa vida agora? Então vamos lutar. Nós somos pessoas de bem, pessoas que temem a Deus. (…) Para encerrar: Davi era um homem pacífico, um pastor de ovelhas. Estava no campo, mas foi ungido por Deus e derrotou Golias com cinco pedras (…). Estamos aqui há mais de 200 anos e vamos continuar, se nós nos unirmos cada vez mais. Não devemos aceitar esse movimento aqui dentro”, afirmou.

Jailton Barroso Eller, que fornece seu nome completo no áudio, já foi investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, em 2022, por incitar extremistas apoiadores da direita política  a pegar em armas. Segundo informações do blog Ancelmo Gois, em O Globo, um mandado de busca e apreensão foi expedido contra Eller, após o agricultor veicular, nas mídias sociais, áudios em que exalta o ataque do ex-deputado Roberto Jefferson contra policiais federais, conclamando apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro a pegar em armas em caso de derrota do candidato a reeleição  nas eleições presidenciais.

Vereador de Nova Friburgo sugeriu que haveria invasão do MST em Lumiar

Além dos áudios que convocaram manifestação contra a presença da deputada estadual no distrito de Lumiar, um vereador de Nova Friburgo usou o plenário da Câmara Municipal para sugerir que haveria uma invasão por parte do MST. Em 10 de agosto, dois dias antes do ataque sofrido por Marina do MST e sua equipe, o vereador José Carlos Schuabb (PRTB-RJ) discursou, na Câmara dos Vereadores de Nova Friburgo, em tom crítico à ida da deputada.

“Sábado marcaram uma reunião lá [em Lumiar]. Nada mais, nada menos do que Marina do MST. Será que Lumiar, o 5º e o 7º distrito, tem tantas terras improdutivas assim (…) ou será que vão montar um acampamento na praça lá de Lumiar, que já vai começar as invasões?. Será possível isso?”, discursou o vereador.

Em 11 de agosto, a deputada estadual declarou à imprensa ter sido ameaçada por empresários da região, e por isso, não só acionou a Polícia Militar e Civil do município, como comunicou ao Ministério Público sobre as ameaças. No mesmo dia, em seu perfil na rede digital X (antigo Twitter), Marina do MST esclareceu o motivo de sua ida à cidade: “A gente não vai a Friburgo ocupar latifúndio de ninguém, inclusive porque a cidade é referência no que a gente defende: o pequeno produtor. 96% das propriedades são de pequenos produtores que colocam comida de verdade na mesa dos brasileiros. Friburgo dá aula para o Brasil”, publicou.

Imagem: reprodução do Twitter

Desdobramentos após o ataque

No mesmo dia do ataque, o Movimento Fé e Política da Diocese Católica de Nova Friburgo divulgou nota em solidariedade à deputada em que afirmava “Lumiar está inserida na Diocese de Nova Friburgo, o que nos exige cobrar posição da Igreja Católica contra esses fatos. Porque a Igreja de Nova Friburgo precisa ser um fator de formação/evangelização para a paz, a Justiça, e a sabedoria, ao invés do ódio que nasce da ignorância”.

Uma nota de solidariedade também foi publicada pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), em 14 de agosto, que dizia “O impedimento da realização do debate público de ideias e propostas por parte de representantes legitimamente eleitos pelo povo, mediante o uso de métodos de violência física e moral, constitui-se em ameaça à democracia e ao Estado de Direito, razão pela qual não podem ser tolerados em nossa sociedade”.

O presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), deputado estadual Rodrigo Bacellar (PL), emitiu, em 15 de agosto, uma nota oficial em solidariedade à deputada Marina do MST e cobrou punição aos envolvidos. No mesmo dia, a Federação dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino no Estado-RJ (Feteerj) e o Sindicato dos Professores emitiram uma nota de repúdio ao ataque contra Marina do MST.

O Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Estado do Rio de Janeiro (Sepe) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) também se posicionaram contra as agressões sofridas pela deputada em Lumiar. A Agência de Notícias das Favelas divulgou na sexta-feira, 18 de agosto, que dois atos públicos estavam programados para acontecer no Rio de Janeiro e em Lumiar,  em 18 e 25 de agosto, respectivamente.

ATUALIZAÇÃO: Denúncia do Ministério Público estadual

A 1ª Vara Criminal da Comarca de Nova Friburgo recebeu, em 1o. de abril de 2024, a denúncia do Ministério Público (MP) estadual do Rio de Janeiro contra oito pessoas que seriam responsáveis pelos ataques contra a deputada estadual Marina do MST (PT-RJ).

Jailton Barroso Eller foi denunciado por incitar a prática do crime publicamente, e Wanderlei Araujo, Leandro Nascimento Longo, Manoel João Leal, Marcos Halley da Silva Klein, Aderlã de Oliveira Frez, Maria Conceição Costa e Samara Thuller de Oliveira, por injúria real e constrangimento ilegal.

O texto da denúncia do MP esclarece que após conclamação de Eller, via aplicativo de mensagens, os outros sete denunciados compareceram no dia e local do evento divulgado pela deputada e praticaram os crimes, juntamente com outras pessoas não identificadas, e declara ainda que “o crime de injúria real foi praticado contra funcionária pública, em razão de suas funções”. 

***

Bereia considera falso o conteúdo que levou ao ataque sofrido pela deputada estadual Marina do MST (PT-RJ). Os áudios utilizados para organizar o protesto contra a deputada revelam que houve desinformação sobre o motivo da visita da parlamentar a Nova Friburgo (RJ). O conteúdo dos áudios carecem de substância factual, caracterizando-se como boatos ou conteúdos fabricados para parecer informação.

O conteúdo veiculado nos áudios levou uma parcela da população a crer que a visita se tratava de um ato do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), possivelmente uma ocupação não apenas de propriedades rurais, mas também de imóveis. Nenhuma das informações disponíveis, porém, indicavam que isso aconteceria. Houve, ainda, uso de discurso religioso com o objetivo de mobilizar a população local contra a agenda oficial de uma deputada eleita.

Além dos áudios, o pronunciamento de um vereador no plenário da Câmara Municipal de Nova Friburgo, na antevéspera da ida da deputada à cidade, foi compartilhado juntamente com os áudios nos grupos de Whatsapp e contribuiu para a crença de que haveria “invasões”, o que, igualmente, não se sustenta à luz das informações disponíveis. Bereia alerta alerta para a importância de uma leitura cuidadosa dos fatos e informações relacionadas ao MST e suas lideranças. Extremistas usam justamente as lacunas de informação e de conhecimento sobre pessoas, grupos e fatos para acionar a intolerância e incitar violência.

Referências da checagem:

Extra.

https://extra.globo.com/blogs/extra-extra/post/2023/08/marina-do-mst-confirma-visita-a-nova-friburgo-depois-de-receber-ameacas.ghtml Acesso em: 17 ago 2023

https://extra.globo.com/blogs/extra-extra/post/2023/08/presidente-da-alerj-cobra-punicao-apos-marina-do-mst-ser-atacada-em-friburgo.ghtml Acesso em: 18 ago 2023

Twitter.

https://twitter.com/marinadomst/status/1690179369770037248 Acesso em: 17 ago 2023

https://twitter.com/marinadomst/status/1690459408319287296 Acesso em: 17 ago 2023

https://twitter.com/marinadomst/status/1690529567172145152 Acesso em: 17 ago 2023

G1.

https://g1.globo.com/rj/regiao-serrana/noticia/2023/08/13/deputada-do-mst-e-atacada-em-encontro-de-apoio-a-pequenos-produtores-no-norte-do-rj.ghtml Acesso em: 17 ago 2023

Marina do MST.

https://marinadomst.com.br/ Acesso em: 17 ago 2023

MST.

https://mst.org.br/2023/08/12/nota-em-solidariedade-a-deputada-marina-do-mst/ Acesso em: 17 ago 2023

O Globo.

https://oglobo.globo.com/blogs/sonar-a-escuta-das-redes/post/2023/08/deputada-marina-do-mst-denuncia-ataques-de-bolsonaristas-em-visita-a-nova-friburgo-veja-video.ghtml Acesso em: 17 ago 2023

https://oglobo.globo.com/blogs/ancelmo-gois/post/2022/10/investigado-por-incitar-bolsonaristas-a-pegar-em-armas-e-alvo-de-operacao-em-friburgo.ghtml Acesso em: 18 ago 2023

Portal Multiplix.
https://www.portalmultiplix.com/noticias/cotidiano/presenca-de-deputada-petista-gera-confusao-em-distrito-de-nova-friburgo-no-fim-de-semana Acesso em: 17 ago 2023

Nova Friburgo em Foco. https://novafriburgoemfoco.com.br/friburgo-confusao-marca-presenca-de-deputada-petista-em-lumiar/ Acesso em: 17 ago 2023

YouTube.

https://www.youtube.com/watch?v=J01reEET_Bk&ab_channel=TVCidadeNovaFriburgo Acesso em: 17 ago 2023

https://youtu.be/b0VrykVfF20?t=7549 Acesso em: 17 ago 2023

Instagram.

https://www.instagram.com/reel/Cv2tOengvkV/?id=3167918294942546197_455134703 Acesso em: 17 ago 2023

Alerj.

https://www.alerj.rj.gov.br/Deputados/PerfilDeputado/491?Legislatura=20 Acesso em: 18 ago 2023

Infoamazonia.
https://infoamazonia.org/2022/11/09/bolsonaro-extrema-direita-youtube-mst-terrorista/ Acesso em: 18 ago 2023

Tempo Real.

https://temporealrj.com/mp-denuncia-oito-pessoas-que-empurraram-e-atacaram-marina-do-mst-em-lumiar/ Acesso em: 01 abr 2024

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Foto de capa: reprodução Portal Multiplix em fotos de mídias sociais

Nacionalismo cristão promove terrorismo no Brasil

* Matéria atualizada às 15:08 de 19/01/2023 para acréscimo ao final do texto de organizações que se manifestaram contra os atos em Brasília

Os ataques às instituições da República Federativa do Brasil – em especial ao Supremo Tribunal Federal (STF) – saíram da retórica para a ação, após a derrota eleitoral do candidato da extrema-direita, Jair Messias Bolsonaro, em 30 de outubro de 2022. 

Nacionalistas cristãos, também chamados de “golpistas”, “bolsonaristas radicais” e “terroristas domésticos” promoveram um atentado, bloquearam estradas, ocuparam áreas militares e atacaram as sedes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, no último domingo 8 de janeiro)

O objetivo do grupo, que marchou escoltado pela Polícia Militar de Brasília até chegar aos prédios públicos, cantando hinos, cânticos espirituais e utilizando símbolos religiosos, era, como publicizado pelo próprio nas mídias sociais, uma tomada hostil do poder e a instauração de um golpe de Estado. 

Desde o fim das eleições, quando bloquearam estradas e iniciaram os acampamentos em frente aos quartéis do Exército Brasileiro, os revoltosos clamavam pela mobilização das tropas e “virada de mesa” na derrota eleitoral – nesses quatro meses, além de agredirem verbalmente os eleitores de Lula, os derrotados perseguiram e saquearam jornalistas, espancaram agentes de segurança, destruíram viaturas e saquearam as sedes dos Três Poderes (exibindo nas fotografias e vídeos os resultados das ações como troféus de uma guerra santa).  

Em 12 de dezembro, como forma de protesto contra a prisão do pastor evangélico indígena José Acácio Tserere Xavante, cinco bolsonaristas foram presos após ataque ao prédio da Polícia Federal em Brasília. O ápice da escalada em direção ao terrorismo doméstico foi a tentativa de explodir um caminhão-tanque no Aeroporto de Brasília, em 24 de dezembro passado. 

Caminhão de combustível com artefato explosivo (imagem: Correio Braziliense)

Frustrados na ação que visava impedir a posse do presidente eleito, o movimento rearticulou-se para “retomar o poder” em 8 de janeiro de 2023. Religiosos atuaram nas convocações.

O cantor gospel Salomão Vieira, apontado como um dos articuladores dos atos em Brasília, teve sua conta banida do Instagram nesta semana após transmitir em tempo real as invasões às sedes dos Três Poderes. Segundo reportagem da rádio CBN, ele teria financiado com ao menos 10 mil reais em suprimentos para manifestantes golpistas. 

Já o pastor José Acácio Tserere Xavante não participou da invasão em Brasília. Preso desde dezembro por determinação do STF, o indígena publicou uma carta na quinta-feira 5 de janeiro, pedindo desculpas pelos seus atos e reconhecendo que errou ao dizer que havia fraude nas urnas eletrônicas. Bereia já confirmou a biografia de José Acácio Tserere Xavante em matéria anterior.

O terrorismo doméstico brasileiro, que é denominado como “fascismo verde-amarelo”, pelo presidente do Instituto Carioca de Criminologia, o ex-governador presbiteriano Nilo Batista, titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Universidade Candido Mendes, revisita as práticas de movimentos fascistas italianos da década de 1930, atualizando-as com ações e retórica “conspiracionista global” imitadas do movimento trumpista “Make America Great Again (em português: Torne a América Grande Novamente), negando em especial o papel da Justiça, como árbitro final do Estado de Direito.

Reações das igrejas, organizações e influenciadores religiosos

Desde o domingo, dia 8 de janeiro, igrejas e organizações religiosas têm se manifestado contra as tentativas de incentivo à sedição, golpe de Estado ou guerra civil. Os clamores pela paz e pela manutenção da lei e da ordem vão desde a Universidade Presbiteriana Mackenzie e ANAJURE (anteriormente alinhados ao governo Bolsonaro) até instituições que sempre se posicionaram contra atos da extrema-direita brasileira (como a CNBB e CONIC). Estão listados ao final da matéria os links e os pronunciamentos na íntegra daqueles a que Bereia teve acesso até o fechamento desta matéria.

O jornalista e teólogo da Assembleia de Deus, Ministério Belém, Gutierres Fernandes Siqueira autor de três livros pela Casa Publicadora das Assembleias de Deus (CPAD) e pela Thomas Nelson Brasil, publicou um artigo analítico, na revista evangélica Christianity Today (Cristianismo Hoje), em 10 de janeiro, e no jornal Folha de S. Paulo, em 11 de janeiro), no qual sugere que a Igreja Brasileira e o país precisam exorcizar o nacionalismo religioso messiânico. 

O pastor da Igreja Batista e músico cristão Nelson Bomilcar, definiu os líderes evangélicos que incentivaram a rebelião como “influencers do caos”. Bomilcar também escreveu : “Precisamos de (uma) campanha nacional para diminuir violência de toda espécie. Desarmamento é fundamental. Violência é injustificável em qualquer situação (…) Violência por qualquer motivo: Religiosa, política, policial”.

Até o momento, ao contrário do que ocorreu nos EUA em 6 de janeiro de 2021, com a invasão do Capitólio por extremistas, o nacionalismo evangélico ainda não provocou vítimas fatais  – concentrando suas ações em bloqueios econômicos, destruição de patrimônio público e ameaças. Podem, também, figurar nessa lista, os atos que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aponta como “sabotagem” e vandalismo”, ocorridos entre 8 e 10 de janeiro, nas redes de transmissão do Paraná e Rondônia

O teólogo Ronilson Pacheco, Mestre em Religião e professor assistente da Universidade de Filosofia de Oklahoma (EUA) avalia: “Sem um monitoramento inteligente de como a extrema-direita se movimenta, seu núcleo organizado e desorganizado, de onde vem estratégias e narrativas, sem conhecer a capilaridade de suas ideologias e atravessamentos, principalmente religiosos, vai ser um ataque atrás do outro”. 

Além das prisões em flagrante dos que praticaram as ações criminosas de 8 de janeiro, ao solicitar a prisão do ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro e do ex-secretário de segurança pública do Distrito Federal, o Supremo Tribunal Federal (STF) registrauma possível organização criminosa que tem por um de seus fins desestabilizar as instituições republicanas, principalmente aquelas que possam contrapor-se de forma constitucionalmente prevista a atos ilegais ou inconstitucionais… utilizando-se de uma rede virtual de apoiadores que atuam, de forma sistemática, para criar ou compartilhar mensagens que tenham por mote final a derrubada da estrutura democrática e o Estado de Direito no Brasil”.

Após o decreto de intervenção federal na segurança pública de Brasília e os mandados de busca e prisão dos sediciosos, monitoramento de mídias sociais demonstram que os mesmos nomes que incentivaram a ocupação dos acampamentos em frente aos quartéis e clamavam pela “intervenção”, começaram a clamar por direitos humanos e apelaram às organizações internacionais na denúncia de uma “ditadura comunista” instaurada no Brasil. 

Detidos pedem ajuda aos Direitos Humanos (reprodução do Twitter)

Mensagens enganosas, relatando maus tratos aos detidos, falecimentos e suicídios passaram a circular intensamente. A deputada federal Bia Kicis, inclusive, espalhou a mentira em um de seus pronunciamentos, mas retratou-se posteriormente, por meio da sua conta no Twitter.

Reprodução do Twitter
Reprodução do Twitter

A Polícia Federal divulgou uma nota combatendo a desinformação disseminada e notificou que após a detenção em flagrante de 1.500 pessoas, entre vândalos e acampados em Brasília, idosos e mulheres com crianças já foram liberados. 

Reprodução do Twitter

Até o fechamento desta matéria, as autoridades já receberam mais de 60 mil denúncias de promoção e patrocínio de atos anti-democráticos. Ao todo, foram detidas em Brasília, 1.843 pessoas. Todas foram identificadas pela Polícia Federal e irão responder por crimes de terrorismo, associação criminosa, atentado contra o Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, perseguição, incitação ao crime, sedição, dentre outros. Há 684 detidos, entre os quais há idosos, pessoas com problemas de saúde, pessoas em situação de rua e pais/mães acompanhados de crianças responderão em liberdade.

A Polícia Federal qualificou, interrogou e prendeu 1.159 pessoas. Há, ainda, novos mandados de prisão, busca e bloqueio de bens – especialmente de empresários e financiadores do movimento, com um total de 50 investigações relatadas até o momento. Não há ações contra igrejas.

Envie vídeos e publicações nas mídias sociais para o Bereia

Bereia continuará coletando e analisando as publicações, vídeos e mensagens enviadas por pastores, igrejas e organizações religiosas sobre os atos de sedição e terrorismo doméstico ocorridos entre 30 de outubro de 2022 e 8 de janeiro de/2023.  

Envie-os pelo formulário abaixo:

https://forms.gle/MRHk1fEVZazba2hi9

Lista de links de líderes e organizações que se manifestaram contra os atos terroristas:

Reprodução do Linkedin

Universidade Presbiteriana Mackenzie – https://www.linkedin.com/posts/professorflaviodeleaobastos_activity-7018235852199739392-X_nY

Conselho dos Pastores Evangélicos do Distrito Federal (Copev-DF), Mitra Arquidiocesana de Brasília, Federação Espírita do Distrito Federal, Central Organizada de Matriz Africana (Afrocom) e Igreja Sirian Ortodoxa de Antioquia – Missão no Brasil – https://noticias.r7.com/brasilia/entidades-religiosas-divulgam-nota-de-repudio-a-atos-e-pedem-retorno-de-ibaneis-rocha-10012023

ANAJURE – https://anajure.org.br/nota-publica-sobre-a-invasao-as-sedes-dos-tres-poderes-na-cidade-de-brasilia/

Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC) – https://www.conic.org.br/portal/conic/noticias/conic-e-igrejas-historicas-manifestam-repudio-pelos-atos-terroristas-praticados-em-brasilia

UNIGREJAS, União Nacional das Igrejas e Pastores Evangélicos – https://www.unigrejas.com/noticia/4573/nota-acerca-da-invasao-aos-predios-dos-tres-poderes.html

Aliança de Batistas do Brasil – https://www.facebook.com/aliancadebatistas/posts/pfbid031KXzfyPA35gvGeC35A1zWVKHutzBEanEBUEaFKeMEjBFBjKk5zWnpS1LkFApQ2Vil

Igreja Adventista – https://noticias.adventistas.org/pt/imprensa/notas-oficiais/nota-publica/

Aliança Cristã Evangélica Brasileira – https://aliancaevangelica.org.br/2023/01/09/alianca-lamenta-e-repudia-ataques-aos-tres-poderes/

Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito – https://www.instagram.com/p/CnLfnktLzZZ/ 

CNBB – https://www.cnbb.org.br/organismos-do-povo-de-deus-da-igreja-no-brasil-repudiam-ataques-feitos-contra-as-sedes-dos-tres-poderes-da-republica-em-brasilia/

Resistência Reformada – www.instagram.com/p/CnLQvzGOZPy/?igshid=YmMyMTA2M2Y%3D

Igreja Episcopal Anglicana do Brasil – https://www.ieab.org.br/2023/01/09/ieab-manifesta-repudio-pelos-atos-terroristas-perpetrados-em-brasilia/

Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) – https://www.luteranos.com.br/textos/manifesto-da-ieclb-sobre-invasao-em-brasilia

Igreja Metodista – https://www.metodista.org.br/nota-de-repudio-a-atos-de-violencia-e-vandalismo/

Igreja Presbiteriana Unida – http://ipu.org.br/nota-de-repudio-atos-golpistas/

Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (ANEC)

Aliança Bíblica Universitária do Brasil (ABUB) – https://www.instagram.com/p/CnUdgdkOEht/

Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (ANEC) – https://anec.org.br/noticias/nota-de-repudio/

Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos – CEBI – https://www.instagram.com/p/CnMvWK2un1y/

Coletivo Mulheres Presbiterianas do Brasil – https://www.facebook.com/coletivompb/posts/pfbid02DPMpNiJLY7sSZXJvayNtBR6zCsezpJtVzKQdzJMZCGF82RcAvcSpmAAR7yo5a1Hvl

Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) do Estado de São Paulo (Regional Sul-1 da CNBB) – https://cebsdobrasil.com.br/nota-de-repudio-das-cebs-sul-1-aos-atos-terroristas-de-08-de-janeiro/

Confederação dos Conselhos de Pastores do Brasil (Concepab) e Fórum Evangélico Nacional de Ação Social e Política (Fenasp) – https://saranossaterra.com.br/concepab-e-fenasp-declaram-repudio-as-manifestacoes-do-dia-08-de-janeiro/

Conferência dos Religiosos do Brasil – CRB – https://crbnacional.org.br/nota-de-repudio-3/

Igreja Betesda – https://www.instagram.com/p/CnNN2yJv8Ug/

Igreja Presbiteriana Independente do Brasil (IPI) – https://ipib.org/index.php/2023/01/09/alianca-evangelica-brasileira-lanca-nota/

Igreja Sara Nossa Terra – https://twitter.com/BispoRodovalho/status/1615339078009995266

Movimento Batistas por Princípios – https://www.batistasporprincipios.com.br/2023/01/09/nota-de-repudio-ao-ataque-aos-simbolos-da-democracia/

Rede Cristã De Advocacia Popular (RECAP) – https://www.instagram.com/p/CnNen7Isxzs/

União Marista do Brasil – https://marista.org.br/noticia/nota-de-repudio/

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Referências de checagem:

Brasil de Fato. https://www.brasildefato.com.br/2023/01/08/atos-golpistas-apoiadores-de-jair-bolsonaro-invadem-congresso-nacional-veja-reacoes. Acesso em: 12 jan 2023

Folha de S. Paulo.

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/11/equipe-do-uol-e-agredida-por-manifestantes-bolsonaristas-em-resende-rj.shtml Acesso em: 12 jan 2023

https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/11/manifestantes-atacam-prf-com-tiros-e-pedras-em-bloqueio-antidemocratico-veja-video.shtml Acesso em: 12 jan 2023

https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/1752057185608884-bolsonaristas-tentam-invadir-pf-e-queimam-carros-em-brasilia#foto-1752057186239931 Acesso em: 12 jan 2023

https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2023/01/o-nacionalismo-evangelico.shtml Acesso em: 12 jan 2023

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2023/01/moraes-fala-em-organizacao-criminosa-e-omissao-para-justificar-prisao-de-ex-ministro-de-bolsonaro.shtml Acesso em: 12 jan 2023

CNN Brasil.

https://www.cnnbrasil.com.br/politica/policiais-encontram-arma-roubada-no-palacio-do-planalto-em-avenida-de-brasilia/ Acesso em: 12 jan 2023

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/invasao-ao-capitolio-completa-um-ano-relembre-o-ataque-a-democracia-dos-eua/ Acesso em: 12 jan 2023

Contragolpe. https://www.instagram.com/p/CnKyK-KpuPa/ Acesso em: 12 jan 2023

G1.

https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2022/12/12/bolsonaristas-radicais-depredam-carros-em-frente-ao-predio-da-policia-federal-no-df.ghtml Acesso em: 12 jan 2023

https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/01/12/veja-quem-sao-os-5-mortos-na-invasao-ao-congresso-dos-eua.ghtml Acesso em: 12 jan 2023

Estado de Minas. https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2023/01/10/interna_politica,1443154/torres-de-energia-sao-derrubadas-e-aneel-cogita-vandalismo-e-sabotagem.shtml Acesso em: 12 jan 2023

Correio Braziliense. https://www.correiobraziliense.com.br/cidades-df/2022/12/5061410-com-dispositivo-remoto-homem-planejou-explosao-sob-caminhao-com-querosene.html Acesso em: 12 jan 2023

Agência Pública. https://apublica.org/2023/01/a-face-religiosa-do-terrorismo-pastores-articularam-caravanas-e-convocaram-ataques-em-bsb/ Acesso em: 12 jan 2023

CBN. https://cbn.globoradio.globo.com/media/audio/397231/cantor-gospel-salomao-vieira-e-apontado-como-um-do.htm Acesso em: 12 jan 2023

Coletivo Bereia. https://coletivobereia.com.br/indigena-preso-por-atos-antidemocraticos-e-pastor-evangelico/ Acesso em: 12 jan 2023

Conjur. https://www.conjur.com.br/2019-out-02/nilo-batista-advogado-criminal-co-construtor-jurisprudencia Acesso em: 12 jan 2023

Insurgência. https://periodicos.unb.br/index.php/insurgencia/article/view/44011 Acesso em: 12 jan 2023

Presidência da República. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/decreto/D11377.htm Acesso em: 12 jan 2023

Ministério da Justiça e Segurança Pública. https://www.christianitytoday.com/ct/2023/january-web-only/ataque-evangelicos-brasil-congresso-stf-bolsonaro-lula-pt Acesso em: 12 jan 2023

Christianity Today. https://www.christianitytoday.com/ct/2023/january-web-only/ataque-evangelicos-brasil-congresso-stf-bolsonaro-lula-pt.html Acesso em: 12 jan 2023

Twitter.

https://twitter.com/sonsdocoracao Acesso em: 12 jan 2023

https://twitter.com/sonsdocoracao/status/1611052602732728320?s=20&t=N010yzQ1XZUW4kwIJRO2CA Acesso em: 12 jan 2023

https://twitter.com/ronilso_pacheco/status/1612173564249268224 Acesso em: 12 jan 2023

https://twitter.com/Biakicis/status/1612649054164471809 Acesso em: 12 jan 2023

https://twitter.com/policiafederal/status/1612638943958413312 Acesso em: 12 jan 2023

https://twitter.com/delucca/status/1613234618588602368

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Foto de capa: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Perfis religiosos repercutem conteúdo falso sobre morte de Lula

*Matéria atualizada no dia 13/12/2022 para correção de informações. Na primeira versão do texto, que repercute matéria de Aos Fatos, constava que os conteúdos relativos a contatos com alienígenas havia sido também compartilhados por perfis religiosos, o que não ocorreu.

Circula em mídias sociais religiosas conteúdo falso alegando a morte do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Os conteúdos produzidos vão da morte do futuro presidente, até trocas de corpos, e pedidos de intervenção alienígena.

A desinformação a respeito da morte de Lula tem ganhado popularidade após a vitória do líder do Partido dos Trabalhadores (PT). Em pouco mais de 30 dias a falsa morte de Lula tornou-se um dos principais assuntos pesquisados na ferramenta de busca Google, atingindo o top cinco nacional. Com esta “notícia”  vieram também dúvidas sobre seu estado de saúde e teorias da conspiração envolvendo um sósia dele. 

Imagem: Google Trends

De acordo com pesquisa realizada pela a Agência Aos Fatos, a produção de conteúdo falso sobre a morte de Lula começou a ganhar força após o presidente eleito ter tirado cinco dias de férias em Porto Seguro (BA). Na ocasião, perfis de influenciadores digitais bolsonaristas alegaram que Lula teria sofrido um infarto durante o voo e morrido no avião, ou, ainda, que ele havia sofrido um AVC e morrido poucos dias antes de sua viagem. Surgiram ainda outras informações sobre a sua morte baseando-se em um agravamento do quadro clínico do presidente eleito, uma vez que o mesmo se encontraria com um caso avançado de câncer na laringe. 

As falsidades sobre a morte de Lula dividiram opiniões entre influenciadores evangélicos. De um lado ficaram os produtores de conteúdo que defendiam que, de fato, o presidente havia morrido – como é o caso dos que compartilharam publicações do advogado Marcelo Suave. Em live, Suave afirmou que lula havia morrido graças a complicações do câncer na laringe. 

Já outros influenciadores e canais conservadores que afirmaram que essa era uma estratégia de marketing envolvendo Lula, o PT e comunistas, para confundir a população e desorganizar o movimento bolsonarista denominado “patriótico”. Vídeos do canal Mundo Polarizado News e  do jornal Gazeta do Povo reforçam esta noção.

Após aparições do presidente eleito em matérias jornalísticas, entrevistas, e eventos públicos (dentre eles COP27 – Conferência do Clima das Nações Unidas -, no Egito), passou-se a divulgar que um sósia havia assumido o lugar de Lula e imagens foram manipuladas para encobrir algumas falhas na prótese usada pelo sósia. 

Entre influenciadores que ganharam mais seguidores com o tema, está o pastor da Igreja Porto de Cristo (em São João Batista/SC) Sandro Rocha, que incluiu o caso em suas lives no YouTube, com trechos em vídeos curtos nas redes do TikTok, Kwai e Helo. Em 15 de novembro, o pastor apoiador da campanha de Jair Bolsonaro à  reeleição, exibiu fotos antigas de Lula  para comparar e insinuar que não se trata da mesma pessoa. “Você pensa o que você quiser, eu só vou te mostrar as fotos”, diz ele na live que, segundo Aos Fatos, chegou a 344 mil visualizações no YouTube e mais de dois milhões em trecho no TikTok. .⁸

Imagem: reprodução do YouTube

Ao publicarem capturas de tela, vídeos de análise de imagens e especialistas em edição e manipulação de fotografia, os influenciadores passaram a,  não apenas a produzir conteúdo sobre a falsa morte de Lula, como também alegar que seu corpo estaria escondido e ele foi substituído por um sósia que usava uma máscara de silicone com o rosto do presidente morto. Uma das “provas” era que a pessoa que aparecia nas imagens possuía dez dedos (já  que é de conhecimento notório que Lula tem nove dedos, uma vez que ele perdeu um  em um acidente de trabalho décadas atrás).

Bereia lembra que a produção de conteúdo falso sobre Lula e apoiadores é campo fértil e em constante transformação, não se restringindo apenas ao período de disputa eleitoral.  A desinformação produzida por perfis alinhados a uma campanha bolsonarista têm sido verificadas pelo Bereia, e suas abordagens se estendem desde embates religiosos e suposta ameaça comunista, até acusações de satanismo, entre outras variações alinhadas a disputas que envolvem grupos extremistas da direita política. Os que mais fazem uso destes recursos para convencer e captar apoiadores. 

Bereia lembra também que suas mídias sociais encontram-se disponíveis para sugestão de checagens de conteúdos que gerem suspeita ou desinformação.

Referências de checagem:

Aos Fatos. https://www.aosfatos.org/noticias/bolsonarismo-teoria-conspiratoria-lula-morto/ Acesso em 09 de dez 2022

Uol. https://noticias.uol.com.br/confere/ultimas-noticias/2022/11/29/teoria-conspiratoria-diz-que-lula-morreu-e-foi-substituido.htm Acesso em 09 de dez 2022

Folha de S. Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/11/exame-de-lula-aponta-manchas-na-laringe-que-requerem-acompanhamento-medico.shtml Acesso em 09 de dez 2022

Estado de Minas.

https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2022/11/28/interna_politica,1426823/bolsonaristas-espalham-fake-news-que-lula-morreu-e-foi-trocado-por-um-sosia.shtml Acesso em 09 de dez 2022

Youtube.

https://www.youtube.com/watch?v=JWTcFlbVLas Acesso em 09 de dez 2022

https://youtube.com/shorts/FvbapSd-lOY?feature=share Acesso em 09 de dez 2022

Revista Forum. https://revistaforum.com.br/politica/2022/11/8/cad-lula-presidente-eleito-tem-agenda-intensa-em-meio-fake-news-bolsonarista-de-que-morreu-127133.html Acesso em 09 de dez 2022

Poder 360. https://www.poder360.com.br/brasil/humorista-brinca-sobre-troca-de-corpo-entre-lula-e-bolsonaro/ Acesso em 09 de dez 2022

Google Trends. https://trends.google.com.br/trends/explore/RELATED_TOPICS/1670527800?hl=pt-BR&tz=180&date=today+1-m&geo=BR&q=lula&sni=3 Acesso em 09 de dez 20222

Jornal do Commercio. https://jc.ne10.uol.com.br/colunas/saude-e-bem-estar/2022/11/15124972-lula-esta-de-alta-apos-passar-por-cirurgia-para-retirar-lesao-na-laringe.html Acesso em 09 de dez 2022

Bereia.

https://coletivobereia.com.br/site-gospel-usa-video-de-participante-de-reuniao-do-pt-para-alimentar-desinformacao-sobre-perseguicao-a-igrejas-pelo-novo-governo/ Acesso em 09 de dez 2022

https://coletivobereia.com.br/?s=lula Acesso em 09 de dez 2022

https://coletivobereia.com.br/video-manipulado-que-liga-o-ex-presidente-lula-ao-satanismo-viraliza-entre-evangelicos/ Acesso em 09 de dez 2022

https://coletivobereia.com.br/comunismo-e-ameaca-comunista-vs-patriotismo-e-argumento-que-embasa-temas-com-mais-desinformacao-em-espacos-religiosos-nas-eleicoes/Acesso em 09 de dez 2022

Sobre evangélicos, política e o constrangimento

Direto ao ponto: a situação que começamos a viver a partir deste 30 de outubro se tornou pertinente para uma reflexão sobre fé e eleições. Convertido à fé evangélica desde os meus 14 anos, acompanho o uso do púlpito por candidaturas políticas que se tornou intenso com o bolsonarismo. 

E a vitória do candidato do PT é, também, um resultado disso. Parte dela veio do voto silencioso. Muitos evangélicos acuados pela versão “venha para Jesus e vote em Bolsonaro”, com gritos de “mito” em cultos e batismos e a elevação de um humano num pedestal simplesmente causaram uma rejeição somada: já há alguns anos os próprios “candidatos da igreja” nem sempre conseguem ser eleitos e isso é, claramente, porque os próprios membros não os elegem.

Muitas igrejas evangélicas tornaram-se terreno fértil para teorias da conspiração e pânico moral. O apoio a um candidato vem com uma série de informações polemizadas, alarmistas, sem rastro de racionalidade, como visto nos últimos anos. Não há sequer esclarecimento sobre as notícias, existe apenas a veiculação conveniente. 

A defesa cristã foi sequestrada pelo discurso partidário, pelo personalismo com pitada de messianismo, e o outro feito de inimigo em uma luta pelos “princípios” da fé. Não assumem que, na realidade, nunca haverá um candidato que corresponda aos anseios cristãos. Vamos criar uma lista para competir? É nisso que vamos reduzir a nossa fé? É a ideologia partidária que vai substituir as doutrinas do evangelho?

Não há voto cristão sem constrangimento, pois nunca haverá um candidato suficiente que corresponda a nossa fé. O mundo, a humanidade, os ideais, sempre apresentarão lacunas nos princípios, quanto mais estar em um partido!  Sempre ocorrerá o constrangimento sobre em quem votar, pois, a humanidade está em jogo e homens imperfeitos pleiteiam cargos públicos. Um cristão nunca estará satisfeito sobre seja quem for e, no final, sobra ódio, pessoas excluídas e descrédito para as instituições religiosas que afirmam representar Aquele cujo Reino é superior a tudo isso.

Nosso país passou por um momento decisivo, e líderes religiosos optaram por entrar em jogos de mentira, deturpar notícias e não perceberam que, no silêncio, as pessoas calaram-se para conviver em suas comunidades, rejeitando, porém, suas “orientações”. 

A presença dos evangélicos no Brasil é fato incontestável, com atuação em vários campos da sociedade e, de fato, ainda existe uma resistência em alguns setores para a presença de pessoas que não escondem a sua fé. O evangélico conservador sofre dificuldades em meios políticos mais progressistas – que desejam o seu voto e pouco a sua voz. A participação política faz parte da vida em sociedade. Todavia, esse caminho, que mistura pregação, espiritualidade e conveniência, está causando uma ferida difícil de curar. 

Na defesa da família, partidos com candidatos cristãos votaram em mudanças nas leis que, na prática, deixam pais e mães cada vez mais ausentes de seus filhos pela necessidade de trabalhar. Pessoas estão passando fome e essa gravidade social se tornou menos importante que o direito às armas. Fantasmas do comunismo e sobre professores que ensinarão o filho a ser gay ultrapassaram a razão. E depois do pleito deste domingo, ainda candidatos apoiados por pastores continuaram sustentando uma narrativa de inimigos do “povo de Deus”. 

A categoria “evangélico” caminha para um patamar mais político do que religioso, dando espaço para o fundamentalismo que incita a violência em nome de Deus. E Jesus já nos advertiu sobre esse perigo. Nunca haverá um candidato que corresponda de maneira suficiente aos anseios da fé cristã genuína, da qual nenhum segmento possui a patente. Não existe voto sem constrangimento, mas, combate à desinformação e aos discursos inóspitos do bem contra o mal são saudáveis para restaurar as comunidades evangélicas fraturadas. E se os líderes não escolherem esse caminho, o povo pode escolher.

**Os artigos da seção Areópago são de responsabilidade de autores e autoras e não refletem, necessariamente, a opinião do Coletivo Bereia.

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Foto de capa: Pexels/Luis Quintero

E agora? Reposicionando o campo evangélico após as eleições

Eleições definidas. Entre outros grupos que apoiaram o presidente derrotado, é preciso saber como se posicionarão os evangélicos bolsonaristas. Não tanto todos e todas que votaram em Bolsonaro, mas o grupo bolsonarista evangélico. O grupo que construiu o argumento da família e dos valores tradicionais, do antiesquerdismo visceral, do punitivismo, das armas e da defesa do neoliberalismo. Essas pessoas criaram um discurso evangélico de direita sobre a política, a sociedade e a própria fé. Tiveram notável sucesso em mobilizar a “consciência hermenêutica” dos evangélicos – isto é, sua propensão a “ler o mundo” permanentemente em busca de sinais da ação divina e de orientações para sua conduta – vem como em mobilizar a paixão em termos de um “programa”. Foram os evangélicos bolsonaristas que mais longe chegaram no intento de dar um nome e um roteiro como norte da política evangélica no Brasil, a mais bem-sucedida de toda a América Latina. Bolsonaro + um “neoconservadorismo à brasileira” (penso na versão americana dessa palavra, como “modelo” da direita brasileira).

O termo “evangélico” foi apropriado pela direita evangélica – primeiro a pentecostal, depois a histórica. Qualquer observação minimamente sensível do campo evangélico revela a heterogeneidade de posições em todas as direções. Mas “os evangélicos” foi tão solidamente hackeado pela direita que, simbólica e numericamente, passou a designar toda a população protestante. Primeiro, um “povo evangélico” de direita. Depois, um ator assim nomeado, “os evangélicos” pretendendo dirigir uma “maioria cristã”.

Pois bem, da velha identidade “apolítica” pré-democratização, a direita evangélica pretendeu reforçar o adesismo governista – a velha ideia de respeitar e obedecer às autoridades, orar por elas … apoiá-las, votar nelas, de modo quase incondicional. O governismo sempre foi corolário do “apoliticismo” evangélico. Também foi capitalizada a leitura moral dos acontecimentos (bem/mal, luzes/trevas, fé/descrença – ou seja, conversão evangélica ou recusa à mesma). A ela foi acrescida essa politização da “família” e do gênero (a “mulher virtuosa” e a heterossexualidade normativa).

Em terceiro lugar, o velho anticomunismo predominante entre os evangélicos desde os anos 1960, foi “atualizado” como crítica da “esquerda” em geral – democrática, socialista, comunista, anarquista, sindical, ongueira, eclesial, ou seja, qualquer pensamento da igualdade e da solidariedade que resista ao individualismo radical e à subordinação do estado ao poder das corporações, dos bancos e dos “empreendedores”. A perseguição aos evangélicos não-reacionários se intensificou enormemente sob a batuta da direita evangélica, muito ao modo dos tempos da ditadura, quando o governismo era defendido como tradução do apoliticismo e se expulsavam os dissidentes, após tentativas múltiplas de intimidação e desqualificação dessas pessoas.

Pois bem, entramos numa nova fase desse jogo. Agora a direita evangélica perdeu espaço no Congresso, perdeu seu “Ciro” (refiro-me ao governante persa do mundo antigo que, sendo pagão, foi considerado um “messias” – ungido, escolhido – para reconduzir o povo judeu no exílio a sua terra), seu Trump dos trópicos, e perderá seu controle arbitrário sobre a dissidência nas igrejas. Uma possibilidade é que se entrincheire denominacionalmente e vejamos uma debandada de fiéis não-bolsonaristas, reforçando uma divisão política no meio evangélico. Outra possibilidade é que os dissidentes consigam, em algumas denominações, reequilibrar o jogo e desalojar os mais reacionários de suas posições de mando.

Na política institucional, agora a direita evangélica será oposição. Foi oposição num momento de fragilidade do lulismo, entre 2014 e 2016. Mas agora será oposição fora do poder. Como se comportará? Vai manter-se como base do golpismo e da fragilização da democracia? Vai se tornar propositiva (como ensaiou a Frente Parlamentar Evangélica no governo Temer, com seu Manifesto ornitorrinco)? Perderá consistência? Será a primeira vez desde 1986 que suas posições estarão claramente do lado de fora da nova coalizão dirigente. Não sabemos se estará à altura do desafio de ser oposição político-religiosa.

Outro desafio é interno. Que “spin” vai ser dado ao discurso do governismo e do “biblismo político” (aquele código de leitura seletiva da Bíblia que legitima as alianças sociais e eleitorais e o programa da direita evangélica)? Se “o cristão” tem que obedecer às autoridades e orar por elas (sem ironias ou hipocrisia), a direita vai honrar seu ensino? Se ser de esquerda é ser anticristão, vai-se continuar rejeitando e perseguindo as vozes nas igrejas que não só se fizeram ouvir, mas estão mais organizadas do que nunca antes nas últimas quatro décadas? Vão partir pra disputa interna, transformando de vez as igrejas em campos de batalha ideológica? Como responderão as igrejas evangélicas à convocação do novo presidente a que se envolvam nos Conselhos a serem recriados, a participarem das conferências de políticas públicas, agora que cravaram anos de envolvimento direto no desenho e implementação de políticas “alternativas” nos governos Temer e Bolsonaro? Terão algo a dizer e propor? Quererão?

E como se comportarão os anti-bolsonaristas em relação aos líderes evangélicos bolsonaristas – alguns e algumas vitoriosos/as eleitoralmente, mas lançados à oposição (de direita, sem mais subterfúgios linguísticos, como “de centro” ou “conservadores”)? Vão peitar seus irmãos e irmãs? Vão enquadrá-los/las em nova guerra de posições dentro e fora das igrejas?

Ao que parece, ainda tem muita água pra rolar nesses primeiros meses pós-eleitorais. Algumas escaramuças serão conjunturais, mas há lances estratégicos a serem jogados na política evangélica no país, agora que ninguém mais duvida de que a religião pública – ou seja, a religião vivida em público, politizada e contestada publicamente em suas razões e ações – está aí pra ficar por bem mais tempo.

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Foto de capa: Pexels/Luis Quintero

Direita e esquerda no Brasil: o imaginário, o digital, o caos

Novas formas de ativismo passaram a compor o cenário político brasileiro, traduzindo as mudanças significativas na organização e mobilização política  na era das novas tecnologias, mídias sociais, influenciadores digitais, disparos de mensagens em massa etc, conferindo à esfera pública digital e à opinião pública um papel fundamental sobre as mediações que realiza entre os cidadãos e o Estado. 

A pesquisa “Cara da Democracia no Brasil” realizada pelo Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação fornece algumas pistas para tentar compreender estas e outras  importantes mudanças no comportamento, nas atitudes, nas crenças e valores dos cidadãos brasileiros com relação à democracia, temas que dominam o debate público desde a eleição de Jair Bolsonaro, como legalização do aborto, descriminalização das drogas e direitos das chamadas minorias. 

De acordo com a pesquisa, o dobro dos brasileiros se diz mais à direita do que  à esquerda no espectro político. Entretanto, devemos levar em conta que a compreensão do significado do que é pertencer à direita ou esquerda não alcança a maioria da população, e muitas percepções mudam ao longo do tempo. 

Direita e esquerda

Os termos direita e esquerda no campo político surgiram no turbulento período da Revolução Francesa de 1789. Durante os acalorados debates na Assembleia Constituinte a respeito do poder que o rei Luís 16 deveria ter a partir daquele momento, o grupo conservador, favorável à manutenção dos poderes da monarquia, ficaram à direita; enquanto os progressistas ou revolucionários, que defendiam diminuir os poderes do rei, sentaram-se à esquerda. 

Com o passar dos anos, as diferenças entre os grupos evoluíram para outros temas, além dos poderes da monarquia, que pouco tempo depois chegou ao fim. Com a direita em busca de uma república vinculada à Igreja e um Estado com mercado liberal e a esquerda lutando por um Estado laico e regulador na economia. Em alguns países os termos progressistas e reacionários, conservadores e liberais ou democratas e republicanos nomeiam esses espectros políticos opostos. No Brasil, mais de 200 anos depois das discussões na França,  os campos da esquerda e direita, com diversos tons entre os extremos de cada lado, continuam polarizando o debate político. 

A pesquisa “A Cara da Democracia”, para tentar compreender onde cada brasileira está posicionado neste debate, apresentou um questionário no qual os entrevistados deveriam marcar de 1 a 10, sendo 1 o máximo à esquerda e 10 o máximo à direita. 

Imagem: reprodução de O Globo

Entretanto, chama atenção na pesquisa – para além de uma direita sedimentada que convive com algumas opiniões progressistas pontuais – o grande número de brasileiros que acreditam em teorias da conspiração. Apresenta-se como um desafio compreender de que maneira essas bizarras teorias ocuparam o imaginário social, o conjunto de crenças, de parte da população.

É espantoso que 20% dos entrevistados acreditam que a Terra é plana, 21% que a cloroquina cura a covid-19, e 27%  não acreditam que o ser humano pisou na lua. No aspecto “ideológico” das conspirações, os números são ainda maiores,  49% acreditam que a China criou a covid-19 e uma das teorias mais difundidas pelo bolsonarismo, o globalismo (ideia de que  a globalização econômica passou a ser controlada pelo “marxismo cultural”), é acolhida por 44% dos entrevistados, que acreditam em uma conspiração global da esquerda para tomar o poder no mundo. O falecido guru do bolsonarismo, Olavo de Carvalho e o ex chanceler Ernesto Araújo difundiram o globalismo incansavelmente. 

Imagem: reprodução de O Globo

Como explica a jornalista e doutora em Ciências da Comunicação Magali Cunha, em seu artigo O lugar das mídias no processo de construção imaginária do “inimigo” no caso Marco Feliciano, “os seres humanos vivem de imagens, vivem de imaginação socialmente construída, o que forma e reforma suas crenças, sua linguagem e suas atitudes frente às demandas da vida e do outro”. 

Desta maneira, “o imaginário é, portanto, um componente da existência humana como experiência marcadamente social, que dá sentido à vida coletiva e é ressignificado por ela. Imaginário é a elaboração coletiva da coleção de imagens formada pelo ser humano, de tudo o que ele apreende visualmente e experencialmente do mundo.” 

O cientista político da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Leonardo Avritzer, afirma que Bolsonaro adota uma tática para (des)governar que está relacionada à ampla base constituída nas redes sociais e degrada as instituições a partir de uma rede impressionante de geração de fake news.   Especificamente a respeito da pesquisa “A Cara da Democracia” e número de brasileiros que acreditam em teorias da conspiração, Leonardo Avritzer destaca que há os dois caminhos para entender a adesão de brasileiros aos apelos conspiratórios: “Há, primeiramente, o nível baixo de escolaridade, especialmente em questões como se a terra é plana. Em outros temas, há um amplo processo de desinformação nas redes sociais, especialmente quando recebem informações das estruturas de confiança delas, como instituições religiosas, família, ou local de trabalho. 

Na campanha eleitoral de 2018, Jair Messias Bolsonaro reuniu os discursos conservador tradicional, neoliberal, populista e religioso em uma nova combinação e elaborou uma retórica sem precedentes no Brasil. Tal rearticulação discursiva materializa um projeto hegemônico para a constituição de uma nova base e agenda política, liberal na economia e conservadora nos costumes, que é uma das facetas de um projeto político mais amplo de reestruturação da hegemonia do bloco centrado na elite econômica e financeira do país em novas condições. 

De acordo com o sociólogo Jessé Souza, “distorcer o mundo social é parte do projeto das classes dominantes para subjugar os demais segmentos da sociedade e se apropriar da riqueza nacional e só a percepção adequada da dimensão cultural e simbólica da vida social nos permite uma compreensão mais profunda e verdadeira da vida que levamos como indivíduos”.  No Brasil de Bolsonaro, as pautas morais e o inimigo comunista alimentam o imaginário de grande parte da população. As mídias sociais são o caminho.

“Engenheiros do Caos”

Na obra “Os Engenheiros do Caos: Como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições, Giuliano da Empoli (2019) refaz os caminhos percorridos por figuras como Gianroberto Casaleggio _ cofundador do partido italiano Movimento Cinco Estrelas e um dos primeiros a utilizar a internet e as redes sociais para fazer política, Steve Bannon – guru de Donald Trump e um dos principais nomes da ultradireita no mundo, Milo Yiannopoulos – comunicador e “blogueiro” inglês, apoiador convicto da “liberdade de expressão” e crítico feroz do “politicamente correto” e Arthur Finkelstein – conselheiro de Viktor Orban, presidente ultraconservador da Hungria, que juntos “estão em vias de reinventar uma propaganda adaptada à era das selfies e das redes sociais, e, como consequência, transformar a própria natureza do jogo democrático”. Esses são os Engenheiros do Caos. 

O engajamento técnico: curtidas, comentários e compartilhamentos, tão buscados pelos executivos de marketing e publicidade das grandes empresas, é também o objetivo desses “profissionais” da esfera pública digital. Assim, colocam os algoritmos das redes sociais digitais ao seu favor, pois se os programadores do Facebook ou Instagram, por exemplo, trabalham para atrair e prender a atenção dos usuários pelo maior tempo possível, os algoritmos e ferramentas dos Engenheiros do Caos têm a mesma finalidade, capturar a razão dos indivíduos, neste caso, através da emoção, com iniciativas como o projeto Brasil Paralelo, produtora de conteúdo de extrema-direita, inspirado nas ideias de figuras como Olavo de Carvalho. Buscam “recontar” a História do Brasil,  e as teorias da conspiração são a matéria prima de suas produções e documentários. Um projeto que à primeira vista pode parecer independente e feito por alguns jovens conservadores com “uma ideia na cabeça”, é parte de um movimento bem orquestrado, organizado e muito bem financiado.                          

Não importa se as posições apresentadas são absurdas, mentirosas ou fantasiosas, pois estão pautadas em uma questão numérica de engajamento e não são baseadas em valores éticos. A meta é identificar e hackear as aspirações e os temores dos usuários das mídias sociais digitais e fazer com que interajam com outros que defendem as mesmas posições e com as páginas ou perfis que apresentam estes conteúdos.

Magali Cunha explica que exércitos precisam de inimigos e a Teologia de um Deus guerreiro e belicoso sempre esteve presente na formação fundamentalista dos evangélicos brasileiros, compondo o seu imaginário e criando a necessidade de identificação de inimigos a serem combatidos, através dos tempos estes inimigos foram, em maior ou menor grau, a Igreja Católica, as religiões afro-brasileiras, os comunistas e mais recentemente, a população LGBTQIA+. Parte das estratégias no quadro das disputas político-ideológicas baseadas no enfrentamento de inimigos estabelecidos simbolicamente é criar uma “guerra” pela visibilidade, que comumente envolve números e exposição nas mídias. 

As consequências na política nacional

 Jair Bolsonaro e os seus próprios Engenheiros do Caos deram ainda uma nova roupagem a esse discurso, unindo a ameaça aos valores tradicionais da família e da ameaça comunista. Esses temas não são novos, mas a utilização das redes sociais digitais é a novidade.

Jessé Souza afirma que “colonizar o espírito e as ideias de alguém é o primeiro passo para controlar seu corpo e seu bolso”.  De nada adianta os Engenheiros do Caos proclamarem as virtudes do governo atual e demonizar os governos de esquerda se ninguém acreditar nisso. E essa lavagem cerebral, ou melhor, privação sensorial, é turbinada pelas notícias falsas, teorias da conspiração, manipulação de dados e desinformação, turbinados pelas mídias sociais digitais e legitimadas por políticos, religiosos e influenciadores digitais. Algumas vezes, um indivíduo representa tudo isso, como o pastor presidente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia. 

Nessa bolha sinistra que comporta as mais inusitadas ideias e conspirações, os indivíduos em busca de acolhimento, reconhecimento e alguma explicação para seus anseios, parecem cada vez mais presos e hipnotizados. As teorias da conspiração, preconceitos e ódio sempre estiveram entre nós, no entanto, as redes sociais digitais conectaram pessoas com interesses em comum, inclusive os mais negativos. Os Engenheiros do Caos perceberam este poder das mídias sociais digitais e a utilizaram para manipulação da informação com fins políticos. 

Derrotar Jair Bolsonaro é, para muitos analistas, fundamental para estancar esse processo do que podemos chamar de privação sensorial. Temos o componente religioso e conservador, um grande número de evangélicos e católicos representados por líderes políticos e influenciadores digitais nada cristãos, além de um grande contingente, independentemente de classe social ou nível de escolaridade, que lê cada vez menos, escreve cada vez menos, interpreta cada vez menos e tem nas mídias sociais digitais sua única fonte de informação. 

Contudo, mesmo derrotando o atual presidente nas urnas, esse grupo extremista e seus métodos continuarão em atuação na esfera pública, buscando provocar uma ruptura no sistema democrático. Estes seres não estão mais nas sombras, são métodos e táticas são debatidos em artigos, livros e documentários, mas como um espectro sinistro, são difíceis de abalar ou capturar.

Imagem de capa: Gerd Altmann por Pixabay

Mendonça, evangélicos e bolsonarismo

Na condição de evangélico e membro de uma igreja presbiteriana no Rio de Janeiro, venho a público manifestar meu mais profundo lamento pela aprovação de André Mendonça, pastor presbiteriano, para o STF. O Estado é laico. Evangélicos precisam confiar realmente em Deus, e não depender de acesso aos poderes do Estado, como boa parte de seus líderes vêm fazendo, sobretudo desde que Jair Bolsonaro assumiu a Presidência da República. Mendonça foi aprovado pelo Senado para assumir uma vaga no STF, por 47 votos a 32.  É a segunda indicação de Bolsonaro para o STF, a única instituição do país que ainda consegue deter os desmandos do presidente da República.

Bolsonaro – que está mais para lobo em pele de cordeiro – nunca foi evangélico. Mas quando começou a pensar em ser presidente da República rapidamente se aproximou de líderes evangélicos oportunistas. Com a ajuda dessas figuras, Bolsonaro então montou seu marketing eleitoral pra cima dos evangélicos. Deixou-se fotografar sendo batizado nas águas do Rio Jordão, no mesmo local onde Jesus Cristo foi batizado. A foto rapidamente se espalhou pelos grupos de WhatsApp do segmento evangélico. Além disso, o presidente – que tinha seu nicho político-eleitoral entre as “viúvas” do golpe civil-militar de 1964 e pensionistas de militares – acabou ganhando terreno entre os evangélicos por apresentar uma narrativa baseada nos costumes, na homofobia e no anticomunismo, temas que costumam ser caros à direita cristã americana e sua congênere brasileira. 

Quando encontrou na Advocacia-geral da União com o advogado André Mendonça – um profissional que transmitia segurança e competência e, além disso era pastor presbiteriano de uma igreja chamada Esperança (que triste sina a nossa) – Bolsonaro juntou a fome com a vontade de comer. Alçou Mendonça ao cargo máximo da instituição e logo depois ao de ministro da Justiça, substituindo o “traidor” Sergio Moro. 

Como titular do Ministério da Justiça, Mendonça foi alvo de críticas por mandar abrir inquéritos contra opositores do governo Bolsonaro, tais como Ciro Gomes, Guilherme Boulos, Hélio Schwartsman e outros políticos, jornalistas e cartunistas, sob a acusação de calúnia ou injúria devido a críticas ao presidente. Na sabatina, o mesmo Mendonça disse que a liberdade de imprensa é um bem sagrado. Para quem?

Também durante sua gestão, o Ministério da Justiça foi acusado de produzir um dossiê contra mais de 500 servidores federais e estaduais de segurança identificados como membros do “movimento antifascismo“. Mendonça confirmou à Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso a existência de um relatório de inteligência, mas negou que houvesse ilegalidades em sua produção. Apesar de aparentar notório saber jurídico, Mendonça fez o jogo do poder. Só pelas duas atitudes acima, não se pode dizer que tenha “caráter ilibado”, uma das exigências para ser ministro do STF. E, ao assumir o cargo de ministro da Justiça, sinalizou para o chefe que estaria disposto antes de tudo a cumprir ordens.

Em plena posse como ministro da Justiça, Mendonça chamou Bolsonaro de “profeta” por ele ter sido um político “preocupado” com a agenda da segurança pública quando esse assunto não comovia Brasília. Um gesto típico de bajulador, principalmente se levarmos em conta que o tal “profeta” jamais apresentou um projeto sequer em favor da segurança pública do povo brasileiro. 

Pela bajulação, Mendonça não levou sequer um “puxão de orelhas” de sua igreja. Na verdade, os evangélicos, de modo geral, continuam fazendo vista grossa para os erros de Bolsonaro e sua equipe. Entre os evangélicos que se arrependeram do mau caminho bolsonarista, poucos têm coragem de ir à público e manifestar sua opinião. De certo modo, a igreja evangélica brasileira aprofundou suas divisões com a chegada de Bolsonaro ao poder. Mesmo sem ser evangélico, ele consegue influenciar muitos membros de igrejas, sobretudo as pentecostais e neopentecostais. Evangélico que tem a coragem de criticar os desmandos de Bolsonaro muitas vezes sofre discriminação dentro da própria igreja. Há uma legião de jovens evangélicos que ficaram “desigrejados” diante da insistência de pastores e diáconos em manifestarem, até do púlpito, apoio ao governo.

Embora o presbiterianismo tenha suas bases na busca de reformas sociais, também por meio da pregação do Evangelho, os evangélicos no Brasil se afastaram da política partidária justamente durante o regime militar. Boa parte das igrejas mais conservadoras apoiou o golpe, mas sempre houve na membresia ilhas de oposição à ditadura e seus algozes. Tanto assim que saiu das fileiras da Igreja Presbiteriana um líder respeitado na luta pelos direitos humanos, o reverendo James Wright, que se tornou o executivo do projeto Brasil Nunca Mais, patrocinado pela Arquidiocese de São Paulo – que denunciou os violentos crimes praticados pela ditadura, com base em 707 processos da própria Justiça Militar. Wright, a quem tive o prazer de conhecer e entrevistar, era o braço direito do cardeal Paulo Evaristo Arns.

Com o Congresso Nacional Constituinte, em 1987, os evangélicos voltaram a se aproximar da política, convencidos de que tinham que participar da construção da nova Constituição, temendo, principalmente, que sofressem algum revés no direito à liberdade de culto. Encontraram de braços abertos justamente o Centrão que reunia o que de mais fisiológico havia na política, em partidos de centro-direita. Seu lema na época era “é dando que se recebe”, frase que também teria sido citada pelo frade São Francisco de Assis. Esses evangélicos negociaram seus votos na bacia das almas. Muitos deles com a desculpa esfarrapada da ameaça do comunismo. Afinal, o Muro de Berlim – que precipitou a extinção da União Soviética e da chamada Cortina de ferro, só cairia em 1989. E ali, com o Centrão de 1987, está a origem desse núcleo político que viu em Bolsonaro um líder capaz de derrotar as esquerdas progressistas que, para os evangélicos, defendem o comunismo  que eliminou cristãos na Cortina-de-ferro, exatamente como o Império Romano fez aos primeiros mártires cristãos nas arenas dos leões.

Esses “novos evangélicos” na política sofrem também grande influência da direita cristã norte-americana, que, nos Estados Unidos, conseguiu, com uma agenda conservadora nos costumes e na economia, eleger Donald Trump. O principal estrategista de Trump, Steve Bannon, ainda hoje dá conselhos ao governo Bolsonaro. 

Apesar de Bolsonaro não ter feito tudo que poderia ter feito pela candidatura de Mendonça, o presidente usou o carimbo de “terrivelmente evangélico” para seu candidato, como uma espécie de ameaça ao Supremo, que tornou-se o único poder a conter os ímpetos autoritários do presidente. Só esse carimbo feito pelo presidente já deixa o novo ministro do STF sob suspeita. Como ministro de estado, numa corte suprema, Mendonça não pode agir como lobista de qualquer que seja o grupo, político ou religioso. Mendonça, inclusive, se revelou um homem de duas faces. Na sabatina, apresentou-se como guardião da Constituição. Logo após eleito, fez um discurso em tom triunfalista, afirmando que sua vitória é o passo para um homem (no caso, ele), mas também para todos os evangélicos. Nada a ver. O Supremo não pode ser evangélico, católico, espírita ou qualquer outra religião e, muito menos, se comprometer com a agenda de qualquer ideologia política. O Estado é laico. E foi justamente a separação entre Igreja Católica e Estado que historicamente deu força para os evangélicos conseguirem superar todas as discriminações, sendo minoria religiosa no país. Agora somam 40 milhões. Um enorme rebanho de ovelhas que cada vez mais atrai lobos vorazes. Sobretudo às vésperas de ano eleitoral.

Agora cabe aos verdadeiros evangélicos, preocupados com a ética e a cidadania, serem os primeiros a fiscalizar as atitudes e os votos de André Mendonça no STF.  E essa forma de preenchimento dos cargos do Supremo precisa urgentemente ser revista pelos legisladores. Mas quem vai ter coragem de mexer nesse vespeiro?

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Foto de capa: Alan Santos/PR