Desinformações praticadas pelos doutores da lei no meio evangélico

Não deveria ser assim, diria Jesus Cristo, mas infelizmente é. Alguns dos autointitulados intelectuais do meio evangélico, por falarem como doutores, cometem desonestidade intelectual. Ao longo das próximas semanas devo apresentar algumas delas, as quais selecionei ora pela importância da temática, ora por sua insistente repetição.

A primeira grande desonestidade é atribuir o fenômeno do pós-cristianismo europeu ao surgimento do chamado liberalismo teológico. Para estes intelectuais o declínio da fé cristã no continente europeu se deu por conta da crescente racionalização da fé, de um profícuo diálogo com a ciência. Ao contrário dos fundamentalistas que, quando muito, instrumentalizam a ciência, apropriando-se das partes que lhes interessam, os chamados teólogos liberais se propuseram a revisionar interpretações, incorporar métodos no fazimento teológico. A perspectiva era dialógica, e não ideológica como fazem os fundamentalistas, pelo simples reconhecimento que nem toda verdade estava na Bíblia.

Os que assim fazem esquecem o desgaste pela longevidade no continente (2000 anos), o que faz com que a institucionalidade ganhe expressões insuportáveis para quem quer viver a singeleza da fé. Em Estudos de Religião é recorrente a noção de as religiões possuem sua maior taxa de expansão justamente no seu início, período em que há mais espontaneidade e menos institucionalização. Ora, ao mesmo tempo que a institucionalização funciona como um foco de permanência, de resistência para um grupo religioso, ela também traz consigo o desgaste, que afasta a instituição da sua própria raiz, da sua crença primeira, como Dostoievski brilhantemente assinalou em O Grande Inquisidor.

Outro esquecimento que me parece seletivo é a ausência de menção das guerras de religião, que varreram o continente europeu, opondo católicos aos protestantes e produzindo milhares de mortes em nome da mesma fé, nos séculos XVI-XVIII. Voltaire chegou a comparar tal insanidade a um trovão irrompendo em pleno sol de meio dia. Ele também sarcasticamente assinalou, em uma de suas Cartas Inglesas, que a Bolsa de Valores de Londres produzia mais resultados em termos de tolerância religiosa e de respeito ao diferente, do que os templos religiosos, dos quais os participantes saíam com menos disposição ao diálogo. Estas estúpidas mortes pelo legado da Cristandade e não do Cristianismo, e muito menos do Cristo, marcaram profundamente a alma do europeu, tornando-o reticente a uma religião que discursa sobre o amor, mas que tem disposição de matar seu semelhante por divergência doutrinária.

Nesta mesma linha que conduz aos equívocos históricos, está o apoio de boa parte da Igreja cristã ao nazismo, bem como a insistência de certos grupos alienados da pesquisa histórica que sustentam que regime hitlerista foi de esquerda. Os que assim procedem esquecem que da invasão da URSS, e do apoio da elite alemã a Hitler para que freasse a escalada da simpatia alemã com a internacional socialista. Sim, minha prezada leitora, o nazismo sacrificou judeus e caçou comunistas. Uma vez desnudados os horrores praticados na 2ª Grande Guerra, a igreja cristã ficou adesivada com este selo da vergonha, deslegitimando sua pregação. Se para Paulo a questão era quem iria ouvir a mensagem do evangelho se não há pregadores que alcancem as diferentes etnias, após a passagem do nazismo a igreja se viu diante de uma atualização: quem vai QUERER ouvir sua pregação?

Por fim, em uma lista que não se esgota em si mesma, é preciso lembrar que parte do escanteamento da fé cristã se deu pela sua própria e inadequada pregação. Há um esquecimento do teor do querigma praticado que obsoletou Deus. Ora, se Deus é anunciado como o cirurgião do plantão eterno, ou como o Rei das melhorias sociais, quando a ciência avança encontrando novas formas, fármacos para a cura, ele se torna, como lembra Harry Emerson Fosdick, obsoleto. O mesmo procede com um governo antenado às necessidades do seu povo. Nesse caso a política traria respostas que antes eram buscadas no templo. Não foi por outro motivo que Ernst Troeltsch aventou a possibilidade da religião se substituída pela Ciência e pela Política.

Se os pregadores querem que Deus seja sempre atual, é preciso falar mais sobre Ele e menos sobre o que Ele pode fazer. Se os pregadores querem que Deus seja assunto do almoço em família, é preciso que eles dialoguem com esse tempo, com suas demandas, em suas prédicas. Caso contrário, seguirão confinando Deus ao passado e declarando sua obsoletização, sua perda crescente de importância, quanto mais respostas a Ciência e a Política fornecerem às pessoas.

Fica então a indagação: por que tais intelectuais evangélicos não abordam estes fatores ao explicarem o declínio cristão na Europa? Por que eles não mencionam que o fundamentalismo tem feito o principal estamento religioso dos Estados Unidos, a saber, a Convenção Batista do Sul, perder membros, entrar em declínio?

**Os artigos da seção Areópago são de responsabilidade de autores e autoras e não refletem, necessariamente, a opinião do Coletivo Bereia.

***Foto de capa: Imagem de Rudy and Peter Skitterians /Pixabay

Após perda de mandato de Dallagnol, políticos religiosos propagam narrativa enganosa de perseguição

* Matéria atualizada em 29/05/2023 para correção de informações

No último 16 de maio, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassou, por unanimidade, o registro da candidatura a deputado federal de Deltan Dallagnol (Podemos-PR), enquadrando-a na Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar n. 135/2010) . A decisão teve como consequência a perda do mandato por parte do ex-coordenador da Operação Lava-Jato em Curitiba.

Nos dias subsequentes, Deltan Dallagnol e outros políticos, que se utilizam da religião como plataforma política, manifestaram-se nas redes digitais de maneira contrária à decisão do TSE, alimentando um discurso religioso de perseguição.

Bereia apurou os acontecimentos recentes e os analisou a partir dos fatos, da legislação vigente e da opinião de especialistas, muitos dos quais também se manifestaram em plataformas digitais.

Deltan Dallagnol perde mandato de deputado federal

A federação partidária Brasil da Esperança, que reúne os partidos PT, PCdoB e PV, junto com o PMN, promoveu ação, no TSE, sobre a regularidade da candidatura de Dallagnol, argumentando que sindicâncias e reclamações disciplinares no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) contra o ex-procurador o impediam de deixar a carreira de procurador da República.

Segundo a Lei da Ficha Limpa, membros do Ministério Público (como Deltan Dallagnol) ficam inelegíveis por oito anos se pedirem exoneração ou aposentadoria voluntária enquanto tramitarem processos administrativos disciplinares. O relator do caso, ministro do TSE Benedito Gonçalves, entendeu que Deltan Dallagnol, ao pedir a exoneração para concorrer ao cargo de deputado federal, buscou se esquivar da regra que poderia torná-lo inelegível.

Estavam em trâmite no Conselho Nacional do Ministério Público 15 procedimentos administrativos de variada natureza que poderiam resultar em Processo Administrativo Disciplinar (PAD) e, possivelmente, na aposentadoria compulsória ou na perda do cargo de procurador por Dallagnol. O então procurador teria pedido exoneração para evitar que esses procedimentos se tornassem PADs, o que o impediria de se candidatar.

Gonçalves destacou, em seu voto, que, como consequência do pedido de exoneração, “todos esses procedimentos (…) foram arquivados, extintos ou mesmo paralisados, e, como se verá, a legislação e os fatos apurados poderiam perfeitamente levá-lo à inelegibilidade”. Em outro trecho, o ministro afirmou que “o pedido de exoneração teve propósito claro e específico de burlar a incidência da inelegibilidade”.

Interpretação extensiva e controvérsia sobre cassação

A perda do cargo de Deltan Dallagnol ensejou uma série de debates acerca da decisão do TSE e do voto do ministro Benedito Gonçalves. Juristas, acadêmicos e jornalistas repercutiram uma possível controvérsia na interpretação dos fatos concretos à luz do que prevê a Lei da Ficha Limpa. Isto porque a lei seria clara ao dizer que a inelegibilidade se dá nos casos em que a exoneração acontece “na pendência de processo administrativo disciplinar”, o que não era o caso quando Deltan se exonerou.

O advogado e presidente da Comissão Estadual de Direito Penal da Abracim-SP, Marcelo Aith, em artigo de opinião para o site Consultor Jurídico, aponta que “embora entenda que as condutas de Deltan sejam deploráveis diante do cargo que ocupava (…) não há menção expressa em relação aos procedimentos preparatórios”, em referência aos 15 procedimentos administrativos em curso no CNMP. Para Aith, a interpretação da lei deveria ser feita de modo restritivo, já que há em jogo uma sanção.

Em editorial, o jornal Folha de São Paulo manifestou contrariedade à cassação de Dallagnol: “Neste universo em que vivemos, o Judiciário deveria se guiar não por hipóteses, mas por fatos. E os fatos são simples: não havia nenhum PAD contra Deltan no momento de sua exoneração, e a lei menciona de maneira explícita justamente esse tipo de processo”. O texto do jornal destaca que “As regras, para terem o respeito de todos, não podem se dobrar ao sabor das circunsâncias”. 

Entretanto, as avaliações sobre o caso não são unânimes. A doutora e mestre em Direito do Estado Letícia Kreuz veiculou, nas plataformas digitais, considerações sobre a Lei da Ficha Limpa e a cassação de Dallagnol. Para Kreuz, o voto de Gonçalves “é ruim e abre uma porteira bizarra, com precedentes perigosos”, mas há motivos para a cassação, como o fato de o ex-procurador ter requerido a suspensão de sanções que recebeu em PADs, fazendo com que tais PADs continuassem em tramitação e tornando, de fato, Dallagnol inelegível.

Para o PhD em Direito, Política e Sociedade Fábio de Sá e Silva, com estudos sobre a Operação Lava Jato e seus efeitos, que também veiculou considerações nas mídias digitais, a decisão de cassar o mandato de Dallagnol não se fundamentou na pendência de PAD, mas no cometimento de fraude por parte de Dallagnol. Silva destaca, ainda, que “a decisão do TSE oferece um incentivo correto contra a instrumentalização da magistratura e do MP para fins de construção de carreiras políticas. Se juízes e procuradores/promotores querendo aparecer começam a cometer abusos, serão alvos de representações”.

Imagem: reprodução do Twitter

O portal ConJur veiculou, no dia seguinte à cassação, a opinião de diversos especialistas sobre o caso, que consideraram a atuação do TSE “coerente e adequada”. Para o membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep) Carlos Medrado, ouvido pelo portal, “A fraude é sempre de difícil demonstração. E foi no conjunto de indícios e presunções, como autoriza o artigo 23 da Lei das Inelegibilidades, que o ministro formou convicção, acompanhado, aliás, por todos os outros integrantes do TSE”. O referido artigo diz que o tribunal formará sua convicção a respeito da inelegibilidade a partir de uma livre apreciação dos fatos públicos e notórios, “ainda que não indicados  ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral”.

Defesa de Dallagnol e aceno ao eleitorado cristão

Após perder o cargo de deputado federal, Deltan Dallagnol passou a se dizer vítima de uma perseguição. Em pronunciamento à imprensa, disse que foi cassado por uma “inelegibilidade imaginária”. “Existia algum processo administrativo disciplinar? Não. Nenhum. Zero. Mas eles construíram suposições”, alegou.

Imagem: reprodução do Twitter

Na mesma ocasião, Dallagnol afirmou: “como muitos cristãos ao longo da história, quando parecia que eles tinham tomado um tombo e que era o fim, na verdade aquilo era um novo começo”. Os acenos ao eleitorado cristão continuaram, inclusive com referência a diversas passagens bíblicas.

Ainda, em nota divulgada via Twitter, Dallagnol declarou: “Meu sentimento é de indignação com a vingança sem precedentes que está em curso no Brasil contra os agentes da lei que ousaram combater a corrupção. Mas nenhum obstáculo vai me impedir de continuar a lutar pelo meu propósito de vida de servir a Deus e ao povo brasileiro”.

Imagem: reprodução do Twitter

Segundo matéria de O Globo, alguns parlamentares fizeram coro à ideia de “perseguição política”. Entre os políticos que saíram em defesa de Deltan Dallagnol, muitos têm no eleitorado cristão sua principal base de apoio. Os deputados federais Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Nikolas Ferreira (PL-MG) e André Fernandes (PL-CE) criticaram a cassação de Dallagnol e a senadora Damares Alves (Republicanos-DF) disse que estava “orando” pelo parlamentar cassado.

Em 20 de maio, o senador Sérgio Moro (União Brasil-PR) e Deltan Dallagnol participaram da Marcha para Jesus, em Curitiba, como noticiou o portal Poder 360. Moro, em discurso posteriormente compartilhado em suas redes digitais, fala em “gigantesca injustiça” e faz um apelo aos fiéis presentes: “Queria pedir para vocês orações, não só para que nós possamos ter justiça na Terra em relação ao Deltan, mas também para afastar as sombras dos corações e mentes de Brasília.

Sérgio Moro e Deltan Dallagnol discursam durante Marcha para Jesus, em Curitiba

Imagem: reprodução do Twitter

Desde 2021, Bereia produz materiais informativos acerca da relação estreita entre religião e política no Brasil. A falsa narrativa de perseguição a cristãos já foi destaque em checagem e Bereia já produziu, também, conteúdo sobre a desinformação envolvendo a chamada “cristofobia”.  A plataforma Religião e Poder, iniciativa do Instituto de Estudos da Religião (ISER), produz reportagens e estudos que contribuem para o debate sobre a temática.

Pastor condena discurso religioso de perseguição

Bereia ouviu o pastor e advogado da Igreja Evangélica de Confissão Luterana em Curitiba Walter Schenkel sobre o uso do discurso religioso que caracteriza perseguição ao ex-procurador batista Deltan Dallagnol. Ele avalia que não há perseguição como se apregoa. “Temos que entender que vivemos em um país laico, de maioria cristã. Dificilmente se vai encontrar uma pessoa no Brasil sofrendo por ser cristã. Ainda mais uma pessoa pública como ele. Dificilmente Dallagnol sofreria por ser cristão, pois conhece as leis, ou deveria conhecê-las, e sabe se defender”.

Schenckel se contrapõe, ainda, à consideração de que o ex-procurador sofre censura e perseguição política e ideológica. “Ao chegar em Curitiba [depois de ter o seu registro de candidatura cassado], Dallagnol subiu em um carro de som; dois dias depois esteve na Marcha para Jesus e fez uso da palavra; no domingo, convocou um ato de defesa do mandato dele. Quem sofre censura, perseguição política, não poderia conduzir tais atos”.

O pastor luterano, evocando a Bíblia, conclui: “Tem uma passagem que diz ‘Todos carecem da glória de Deus. Todos somos pecadores’. (…) Enquanto vivermos como cidadãos especiais, com uma imagem de estarmos acima de outros porque somos cristãos, ou de nos fazermos mártires, colocando-nos no papel de vítimas, quando na verdade, somos causadores da própria desgraça, nós estamos, não só enganando a população, como desfazendo do próprio Evangelho. Porque, nesse caso, Dallagnol usa a palavra de Deus para produzir uma defesa que não existe”.

Deslizes de Dallagnol e planos pessoais

O Jornal da Universidade de São Paulo (USP), em matéria publicada em maio de 2022, destaca que questionamentos sobre a Operação Lava-Jato mudaram o entendimento da imprensa internacional sobre a força-tarefa que, por algum tempo, foi sinônimo de combate à corrupção.

Em 2016, reportagem do jornal alemão DW mostrou que, já nos primeiros anos da operação, alguns observadores apontavam “espetacularização e exageros” por parte da Lava-Jato. Em entrevista ao jornal, o então diretor da Fundação Heinrich Böll no Brasil Dawid Bartelt alertava para a necessidade de que a Justiça não se torne parte de uma disputa política. É fato notório, porém, que personagens centrais da Lava-Jato se utilizaram dessa posição de destaque para migrar para a política, ocupando um espaço identificado com posições conservadoras e religiosas.

A série de reportagens conhecida como “Vaza-Jato”, conduzida por sete veículos de imprensa com o objetivo de analisar mensagens privadas tornadas públicas entre procuradores da Força-Tarefa, membros do Ministério Público e juízes, foi responsável por desvendar uma série de controvérsias nos métodos utilizados, por tais personagens, no esforço de combate à corrupção. Os desvios levariam, por exemplo, à anulação da condenação de Lula Inácio Lula da Silva (PT).

Especificamente no caso de Deltan Dallagnol, a Vaza-Jato mostrou, após acesso a mensagens trocadas pelo ex-coordenador da força-tarefa, uma série de práticas que extrapolaram sua atuação como membro do MP. Reportagens apontaram, entre outras coisas, a utilização de organizações sociais para pressionar o STF e o governo, a aliança com ONGs internacionais para moldar a imagem pública da Lava-Jato e, ainda, o esforço empreendido junto ao eleitorado evangélico para viabilização de sua candidatura ao Congresso Nacional nas eleições de 2022.

A esse respeito, mensagens de 2018, no aplicativo Telegram,  indicam que Dallagnol estudava uma saída estratégica do MP. O então procurador da República optou, à época, por permanecer no cargo, mas não deixou de tecer considerações para seu futuro na política: “Precisaria me dedicar bastante a isso e me programar. Para aumentar a influência, precisaria muito começar uma iniciativa de grupos de ação cidadã. Dois pilares seriam: grupos de ação cidadã em igrejas e viagens.”

Antevendo problemas com o Conselho Nacional do Ministério Público, continuou: “Tem um risco de CNMP, mas é pagável, cabendo fazer uma pesquisa de campanhas públicas (de órgãos) de voto consciente, para me proteger”.

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Após checagem dos fatos recentes, analisados à luz da legislação, bem como dos debates acerca da cassação do registro de candidatura de Deltan Dallagnol, Bereia considera enganosa a repercussão, promovida por políticos religiosos, que tenta caracterizar como “perseguição” a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Há vasto material informativo sobre a decisão e um rico debate, em curso, quanto à extensão interpretativa da Lei da Ficha Limpa. Não é possível, no entanto, afirmar que haja uma perseguição em andamento, como alguns políticos religiosos querem fazer acreditar.

Os pronunciamentos que propagam o discurso de perseguição não apresentam todos os elementos necessários para serem classificados como verdadeiros, sendo materiais que demandam cuidado, atenção e acompanhamento antes de se chegar a conclusões.

Referências de checagem:

CNN Brasil. https://www.cnnbrasil.com.br/politica/tse-marca-para-dia-16-julgamento-de-acao-contra-candidatura-de-dallagnol/ Acesso em: 25 mai 2023

Planalto. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp135.htm Acesso em: 25 mai 2023

Consultor Jurídico. https://www.conjur.com.br/2023-mai-17/marcelo-aith-controversias-cassacao-deltan-dallagnol Acesso em: 23 mai 2023

Folha de São Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2023/05/tse-no-metaverso.shtml Acesso em: 24 mai 2023

Consultor Jurídico. https://www.conjur.com.br/2023-mai-17/cassar-deltan-tse-nao-deu-interpretacao-extensiva-inelegibilidade Acesso em: 24 mai 2023

O Globo. https://oglobo.globo.com/blogs/sonar-a-escuta-das-redes/noticia/2023/05/perseguicao-criticas-e-oracao-de-eduardo-bolsonaro-a-damares-oposicao-reage-a-cassacao-de-deltan-dallagnol.ghtml?utm_source=dlvr.it&utm_medium=twitter Acesso em: 23 mai 2023

Poder 360. https://www.poder360.com.br/justica/moro-e-deltan-participam-de-marcha-para-jesus-em-curitiba/ Acesso em: 25 mai 2023

Jornal da USP. https://jornal.usp.br/ciencias/questionamentos-sobre-a-lava-jato-mudaram-visao-da-imprensa-internacional-sobre-a-operacao-aponta-pesquisa/ Acesso em: 25 mai 2023

DW. https://www.dw.com/pt-br/observadores-veem-espetaculariza%C3%A7%C3%A3o-e-exageros-na-lava-jato/a-19109844 Acesso em: 25 mai 2023

STF. https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=464261&ori=1 Acesso em: 25 mai 2023

Agência Pública.

https://apublica.org/2019/09/deltan-captava-recursos-de-empresarios-para-instituto-mude/ Acesso em: 25 mai 2023

https://apublica.org/2020/09/a-alianca-da-lava-jato-com-a-transparencia-internacional/ Acesso em: 25 mai 2023

https://apublica.org/2019/09/de-olho-em-vaga-no-senado-em-2022-dallagnol-mirou-apoio-de-evangelicos/ Acesso em: 25 mai 2023

https://apublica.org/especial/vaza-jato/ Acesso em: 25 mai 2023

Terra. https://www.terra.com.br/noticias/de-coordenador-da-lava-jato-a-deputado-cassado-as-polemicas-de-deltan-dallagnol,a0a5ebaf2f532c28c6212ba72c2ac98598oq7zyq.html Acesso em: 25 mai 2023

Thread Reader App. https://threadreaderapp.com/thread/1658832952975867906.html Acesso em: 24 mai 2023

Bereia.

https://coletivobereia.com.br/?s=cristofobia Acesso em: 25 mai 2023

https://coletivobereia.com.br/religiao-e-politica-no-olho-do-furacao/ Acesso em: 25 mai 2023

https://coletivobereia.com.br/lider-evangelico-afirma-que-cristaos-comecaram-a-ser-perseguidos-no-brasil/ Acesso em: 25 mai 2023

Religião e Poder. https://religiaoepoder.org.br/ Acesso em: 25 mai 2023

Twitter. https://twitter.com/deltanmd/status/1658940277283856385 Acesso em: 26 mai 2023

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Foto de capa: Lula Marques/Agência Brasil

O elitismo e o mal banal dos protestantes tradicionais no governo Bolsonaro

A posse do pastor presbiteriano Milton Ribeiro, no dia 16 de julho, como ministro da Educação coloca em evidência a força e o encaixe elitista dos protestantes tradicionais no governo Bolsonaro. Se a ação dos pentecostais ligados à prosperidade-empresarial, tal como Macedo e Malafaia, é ruidosa e sempre foi notória, os protestantes tradicionais, tais como os batistas e presbiterianos, tiveram sua força amplificada com o advento da pandemia.

Os movimentos do governo indicam que aos protestantes tradicionais cabe a parte “mais intelectualizada” da gestão, tendendo a assumir o setorial “jurídico-educacional”, áreas mais teóricas e técnicas. Assusta a percepção do perfil comum dos protestantes ao aderirem ao governo carimbem o projeto autoritário e genocida como de Bolsonaro, colorindo sua gestão com uma face banal, como a do religioso vizinho do lado. Destaca-se que esse encaixe de protestantes tradicionais na gestão de Bolsonaro serve, sobretudo, para amplificar suas pautas elitistas.

Sim, os protestantes tradicionais estão assumindo as áreas mais técnicas porque, entre os evangélicos, são os que têm um largo histórico de formação educacional dos mais ricos. Basta lembrar a trajetória já centenária de seus colégios e seminários teológicos no país. Estrategicamente, esses colégios confessionais ajudaram na formação das classes médias urbanas das grandes metrópoles brasileiras. Cito o exemplo do Colégio Batista Shepard, anexo do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, na área nobre da Tijuca, na zona norte do Rio de Janeiro.

Portanto, se é evidente que se os evangélicos são parte fundamental do governo Bolsonaro, sua fração mais ligada ao ethos das camadas médias tomou a frente da operacionalização “ideológica” do estado cerceador cristofascista. Na pandemia, esse arranjo de forças pernósticas ficou mais evidente chamando a atenção o perfil técnico e discreto dos protestantes bolsonaristas.

Presbiterianos e batistas no jurídico-educacional cristofascista pandêmico

A tomada de posição do governo em direção aos presbiterianos e batistas não pode ser compreendida como ocasional. Está relacionada com a força da Frente Parlamentar Evangélica, junto ao núcleo duro do governo. Diferentes dos líderes pentecostais ligados à teologia da prosperidade, esses protestantes têm um perfis mais discretos. Representantes exemplares da concepção tradicional de família, facilmente passam despercebidos da grande maioria da população brasileira.

Também não pode ser desprezado que presbiterianos e batistas já ocupam liderança do governo Bolsonaro como, por exemplo, a própria ministra da Mulher, Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, que é pastora da Igreja Batista da Lagoinha. Contudo, a novidade é a tomada de poder dos elitistas protestantes tradicionais na área mais “ideológica” da gestão Bolsonaro.

O primeiro nome do protestantismo tradicional a exercer função técnica destacada foi o atual presidente da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Benedito Guimaraes Aguiar Neto. Na presidência da fundação, Aguiar Neto se tornou responsável pelas bolsas de estudos do governo de graduação e pós-graduação e pela avaliação dos Programas de Pós-Graduação do país. Engenheiro, ligado à Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) e ex-reitor da Universidade Mackenzie (de confissão presbiteriana), Benedito Guimaraes marcou sua trajetória como reitor pela assinatura de convênio entre a Mackenzie e o Discovery Institute, instituto responsável pela promoção do Design Inteligente nos EUA e no mundo. Apensar do pomposo e moderno nome em inglês, Design Inteligente (DI) nada mais é que uma variação pretensamente científica do criacionismo.

Pelo convênio, a Universidade promoveu eventos sobre o tema do DI, chegando a trazer ao país a referência mundial da teoria, o bioquímico Michael Bene. Também foi publicado pela editora da Mackenzie, o livro clássico sobre o DI, intitulado “A caixa preta de Darwin”. Os esforços na difusão da concepção criacionista da Mackenzie são amplos: a universidade tem um centro de “ciência, fé e sociedade”, de onde consolida a ideia do DI. O próprio Benedito chegou a reforçar essa expressão do criacionismo como uma possibilidade a ser incluída no programa pedagógico da educação básica. O que assusta a comunidade científica quando se tem o gestor de um órgão tão importante como a CAPES, ser signatário de uma tendência pouco científica.

Além disso, no dia 18 de junho, Aguiar Neto reafirmou a tônica classista de sua gestão à frente da Capes. Nesse dia passou a tramitar internamente na Capes um processo para revogação das cotas na pós-graduação, pois, como indica “elas ferem o pacto federativo” do país. O ato de Aguiar Neto busca desarticular as cotas na pós-graduação que são uma importante politica de acesso aos estudos de parte significativa da população brasileira. O diretor, com isso, busca diminuir o acesso de diferentes setores sociais às pós-graduações, ratificando o incômodo de que as políticas de cotas incidem sobre as elites brasileiras.

Após Benedito, o segundo protestante tradicional a obter um cargo de destaque no governo Bolsanaro foi outro pastor presbiteriano André Luís Mendonça, que assumiu o lugar do ex-juiz Sergio Moro, no Ministério da Justiça e da Segurança Pública. Como terrivelmente evangélico, André Luís é pastor assistente voluntário da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), com doutorado na Universidade de Salamanca em Direito. Em sua solenidade de posse do cargo no dia 29 de abril, já no contexto pandêmico, o pastor chegou a dizer publicamente que as “gerações de brasileiras não sabem o que é viver um estado de segurança pública”. Vai mais além ao indicar que “a segurança pública, deve defender a boa família brasileira”, logo garantiria a “vida plena” da classe média brasileira que afirma a falta de segurança nos grandes centros brasileiros.

Sem qualquer crítica mais sistêmica, afirmou literalmente que “será um fiel missionário” do governo. Interessante que o pastor André é descrito pelos colegas como pai zeloso, uma pessoa afável e educada, além de ser muito competente nos elementos da Ciência Jurídica, os mesmos qualitativos atribuídos ao diretor da Capes. Contudo, assume voltar-se contra a corrupção, mas, sobretudo, a questão da segurança pública das classes médias, dita “tão falha no país nos últimos anos”. Logo, será um “missionário” de Bolsonaro na direção da reafirmação do atual estado policial em prol das já higienizadas famílias ricas que habitam nossas cidades.

Além das posses de Benedito de Aguiar e de André Luís Mendonça, o fortalecimento dos evangélicos tradicionais teve como marco a ascensão do pastor Milton Ribeiro como ministro da Educação, que tomou posse na última quinta-feira, 16 de julho. Antes de ser empossado como ministro, Ribeiro havia atuado por 28 anos à frente da Igreja Presbiteriana Jardim da Oração em Santos. Na igreja, Ribeiro é descrito como pessoa “acolhedora, tranquila e conversadora”. A comunidade religiosa chegou a se posicionar no apoio ao novo projeto do antigo pastor, destacando seu trabalho prol família.

O pastor Milton também atuou em varias instâncias da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Em sua tese de doutorado na USP, que não está aberta ao público, intitulada “Calvinismo no Brasil e organização: o poder estruturador da educação” defende o pioneirismo das instituições protestantes no Brasil na constituição da liberdade e da democracia. Destaca que as instituições protestantes “deveriam ser parâmetros para a formação do país”. Seu trabalho é uma exaltação à educação presbiteriana no país, “esquecendo”, porém, de avaliar o caráter elitista projeto de educação protestante no Brasil, como nos lembram os pesquisadores Antônio Gouveia e Mendonça e Procoro Velasques Filho, no clássico “Introdução ao protestantismo brasileiro”.

Batista no CNE

Além de Milton Ribeiro, a Educação brasileira ganhou a adesão de outro religioso, o batista Valsenir Braga, que assumiu, no último dia 10 de julho, o Conselho Nacional de Educação (CNE). No currículo de Braga, uma longa trajetória como gestor da Rede Batista de Educação em Minas Gerais, uma rede de colégios com 13 unidades. O novo conselheiro tem formação em Engenharia e Administração de Empresas e é diretor da Associação Comercial de Minas – ACMinas e do Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais SINEP-MG. Além de ter um filho pastor batista em Minas Gerais.

Na direção do Colégio Batista Mineiro, Valsenir Braga se destacou na implementação do ensino de inglês para crianças a partir de três anos de idade pelo programa Batista Bilíngue. Também se empenhou no ensino de robótica, numa clara demonstração da preocupação quanto a “educação tecnológica”. O que garante ao Colégio Batista Mineiro uma das mensalidades mais caras de sua região em Minas Gerais. Além do conhecido empenho na gestão, Valsenir Braga é descrito em suas redes sociais como pessoa simples, de bom trato e de fortes laços familiares. Agora, sua característica de defesa da educação a partir da tecnologia interessa de sobremaneira às pautas do governo Bolsonaro.

Os protestantes tradicionais e a banalidade do mal no governo Bolsonaro

As trajetórias dos discretos protestantes tradicionais que vem assumindo os cargos mais “ideológicos” do governo assinalam um caminho já acenado pelo próprio presidente, após tantos problemas políticos nos ministérios. Contudo, o perfil mais pragmático desses protestantes nos projetos das camadas superiores, parecem indicar um movimento mais assustador. A ação desses religiosos mais discretos, “mais educados” remete à expressão da “banalidade do mal”.

A expressão remete à filósofa Hannah Arendt, que ao analisar o julgamento do líder nazista Adolf Eichmann, entendeu que, na maioria dos casos, a gestão do genocídio do nazista foi exercida por burocratas comuns. Para espanto de Arendt, os responsáveis pelo racional mecanismo que promoveu milhares de morte sob o nazismo não eram perversos inteligentes, mas pessoas banais empenhadas em exercer seu ofício de forma eficiente.

Assim, a questão ao analisar ascensão dos protestantes tradicionais no governo é entender os motivos que levam homens religiosos, zelosos pais e profissionais técnicos a aderirem a um governo com características explicitamente genocidas. Nenhum deles pode dizer que desconhece o caráter eugenista do atual governo. A gestão da morte ficou absolutamente evidente nas ações de combate à pandemia de Covid-19. As declarações de Bolsonaro falam por si. Por diversas vezes, admitiu a banalização da morte e o sacrifício dos mais velhos e dos mais vulneráveis durante a pandemia. Cito uma frase em que a postura genocida do presidente fica clara: “ninguém disse que não ia morrer, está morrendo gente (…) alguns acham que dava para diminuir o número de óbitos. Diminuir como? Devemos tomar cuidado com os mais velhos, mas, mais cedo ou mais tarde, esse idoso não está livre de ser contaminado pelo vírus. É a realidade”.

O que parece evidente é que as ações desses discretos religiosos, bem formados remontam ao mal que as pessoas comuns podem praticar nos contextos autoritários, quando deixam de refletir criticamente. Retomando as reflexões de Arendt, a banalização do mal ocorre, principalmente na classe média, quando um governo se baseia em concepções que levam à tentativa de tirar a humanidade do “outro indesejável” e acabam por fomentar nas pessoas mais comuns e mais qualificadas a incapacidade de compaixão pelo próximo.

Nesse sentido, mesmo sendo pessoas discretas e “técnicas”, os religiosos batistas e presbiterianos ao aderirem ao projeto bolsonarista, ajudam na construção de um estado mais elitista; e, da mesma forma, agem tal como os burocratas que serviram à máquina fascista. Demonstram que crentes comuns, aqueles que frequentam as igrejas de classes médias, preocupados com a rotina religiosa de orar, jejuar, cuidar dos filhos e filhas, de zelar pela segurança da família podem ser partes do maquinário estatal eugênico de Bolsonaro.

Por seus perfis pragmáticos e discretos, tais religiosos foram escolhidos a dedo pelo bolsonarismo, com aval da Bancada Evangélica, justamente para operar tecnicamente a área “ideológica” da política autoritária e de morte da atual gestão do país. Além do perfil pragmático, competente, cada um deles, de formar específicas, executar as lacunas do bolsonarismo, em especial o projeto elitista de governo: permeado por traços anticientíficos, que se levantam contra as cotas raciais, que apoia a construção de um estado policial de guerra aos pobres, no qual destaca ênfase educacional às camadas superiores a partir da educação tecnológica.

Portanto, o grande escândalo não está a postura irascível ou histriônica desses religiosos, mas, no contrário, é escandaloso que cristãos comuns, educados, voz mansa, participantes de comunidades piedosas, em nome da posição e do cargo, optem em abrir mão da reflexão crítica associando-se ao genocídio que hoje assistimos.

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Foto de Capa: Pixabay/Reprodução

Bibliografia

ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

MENDONÇA, Antônio Gouveia & VELASQUES, Procoro. Introdução ao protestantismo no Brasil. São Paulo: Loyola, 1990.

PACHECO, Ronilso. Quem são os evangélicos calvinistas que avançam silenciosamente no governo Bolsonaro. The Intercept Brasil – Vozes, 2020. Disponível: https://theintercept.com/2020/02/04/evangelicos-calvinistas-bolsonaro/.

PY, Fábio. Pandemia cristofascista. São Paulo: Recriar, 2020.