Vacina da Pfizer não causou mortes; Anvisa tem prazo para avaliar uso de imunizantes no Brasil

Postagens em ambientes digitais religiosos têm divulgado que seis pessoas imunizadas com a vacina da Pfizer contra a Covid-19 na Inglaterra teriam morrido.

As postagens surgiram depois que a agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos responsável pela saúde pública, controle de medicamentos, produtos biológicos, dispositivos médicos, alimentos e cosméticos, a FDA (Food and Drug Administration), aprovou, em 11 de dezembro, a vacina do Laboratório Pfizer e da empresa BioNTech. Era a etapa que faltava para permitir o início da distribuição das doses nos Estados Unidos.

Em entrevista coletiva em 12 de dezembro, o diretor da FDA Stephen Hahn negou que tenha sofrido pressão política para acelerar a liberação e garantiu que a avaliação manteve a integridade científica e afirmou que os americanos devem ter plena confiança nos cientistas.

A verificação feita pelo Estadão constatou que a informação é falsa. Duas das pessoas que morreram haviam tomado a vacina, e as outras quatro haviam tomado um placebo (formulação sem efeito farmacológico, administrada ao participante do ensaio clínico com a finalidade de mascaramento ou de ser comparador, segundo a ANVISA, RDC nº9, de 20/02/2015. Uma substância que não contém ingredientes ativos, feito para ter gosto e aparência idêntica da droga real a ser estudada). Portanto, a FDA descartou relação entre as mortes e o imunizante.

A vacina da Pfizer

O imunizante da Pfizer utiliza a técnica de RNA mensageiro, em que informações genéticas levam o organismo a produzir proteína do vírus e assim ativar a produção de anticorpos no sistema imunológico contra o vírus. Já aprovada em alguns países como Reino Unidos, EUA, Chile, Bahrein e México, a chegada da vacina norte-americana ainda é negociada pelo Governo Federal do Brasil. Em 17 de dezembro, a farmacêutica protocolou os dados da fase 3 na Anvisa e a agência analisará os dados recebidos. A próxima fase trata de registrar a vacina para uso emergencial. Até o momento de publicação desta reportagem, nenhuma empresa fez esse pedido no Brasil.

Autorizações para campanhas de vacinação

A Lei 14.006 de 2020, sancionada em maio, estipula que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitário) deve analisar em 72 horas a liberação de vacina que for aprovada por pelo menos uma das seguintes autoridades sanitárias estrangeiras: FDA (Estados Unidos), European Medicines Agency (EMA), da União Europeia; Pharmaceuticals and Medical Devices Agency (PMDA), do Japão; National Medical Products Administration (NMPA), da China.

Nesse sentido, a aprovação da vacina da Pfizer no FDA deveria levar à análise desse imunizante pela Anvisa em até 72 horas. No entanto, matéria do jornal Folha de São Paulo explica como a autoridade brasileira faz uma interpretação restritiva da lei, segundo a qual a regra não se aplicaria à aprovação de uso emergencial no exterior. 

Por outro lado, especialistas ouvidos pela Folha discordam dessa leitura. “Não faria sentido excluir da regra vacinas aprovadas de forma emergencial numa lei editada para fazer frente à situação emergencial da pandemia”, afirma o diretor da Faculdade de Direito da USP, Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto, especializado em direito administrativo. O médico e advogado sanitarista  Daniel Dourado, pesquisador do Institut Droit et Santé da Universidade de Paris, também critica a interpretação feita pela autoridade sanitária. “No debate da inclusão desse prazo no Congresso, a lógica foi a de agilizar o processo. Acrescentar um dispositivo para acelerar, mas esperar o registro definitivo em outro país, que demora três ou quatro meses, não faz sentido”, afirma.

A liberação da vacina da Pfizer pela autoridade sanitária norte-americana ocorreu em 11 de dezembro, já no dia 14 de dezembro, a Anvisa publicou nota em que fixou prazo de 10 dias para avaliar pedidos de uso emergencial de vacinas contra a Covid-19. A Agência determinou que só irá realizar a avaliação “se todos os documentos necessários tenham sido enviados pela fabricante da vacina” e possuam ensaios clínicos em condução no Brasil.

A agência também argumentou que nenhum país deu aprovação automática de uma vacina baseada na liberação de agência reguladora estrangeira. Além disso, a Anvisa divulgou uma lista de questões que devem ser respondidas pela fabricante, que vão desde o tipo de vacina, qualidade dos insumos e até mesmo qual é a população-alvo para uso no país.  

Anvisa e CoronaVac

A nota da Anvisa critica os critérios chineses para autorização de uso emergencial da CoronaVac (vacina contra o coronavírus desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan de São Paulo) e menciona a consideração de questões geopolíticas envolvidas na discussão sobre a vacina da Covid-19. Ainda assim, a fixação do prazo de dez dias para análise do pedido de uso emergencial fez o Instituto Butantan divulgar que vai solicitar a aprovação do imunizante nessa modalidade

Mais cedo naquele dia 14 de dezembro, o governador de São Paulo João Doria havia decidido já buscar o registro definitivo do fármaco. Em lugar de divulgar de imediato o estudo preliminar da fase 3 do imunizante foi decidida uma apresentação do ensaio completo no dia 23 de dezembro para o registro definitivo do fármaco. Também no dia 23, a Sinovac vai pedir o registro à NMPA, agência sanitária chinesa. Dessa forma, o governo paulista busca tanto o uso emergencial quanto o registro definitivo.

Limiar do Supremo Tribunal Federal

Em 17 de dezembro, o ministro do STF Ricardo Lewandovski permitiu que estados e municípios distribuam vacinas já aprovadas por autoridades sanitárias estrangeiras, caso a Anvisa não autorizá-las seguindo o prazo de 72 horas estipulado na Lei 14.006/2020. Se o Plano Nacional de Imunização, entregue pelo governo federal ao STF, por exigência do órgão, em novembro, for descumprido, estados e municípios também poderão distribuir e aplicar imunizantes aprovados pela Anvisa.

Em entrevista, o presidente da Anvisa Antônio Barra Torres afirmou: “Não tivemos acesso ao texto oficial, mas faremos todo o possível para o acatamento integral do que está ali preconizado. É claro que prazos podem ser difíceis de serem cumpridos em função do volume de informações, mas, nem por isso, deixaremos de tentar esse cumprimento. Aguardamos obter formalmente essa definição para que possamos fazer os ajustes necessários”.

Estratégias de combate à desinformação

Em 16 de dezembro, o Twitter atualizou sua política de combate a informações falsas sobre a Covid-19 e as vacinas contra a doença. Em uma postagem no blog oficial da empresa, a plataforma afirmou que irá remover postagens com conteúdo enganoso sobre a vacinação a partir da próxima semana. Para as semanas seguintes planejou um esforço maior para inserir avisos marcando tuítes sobre vacinas como potencialmente incorretos.

Já está incluída atualmente na política da empresa a remoção de conteúdos falsos sobre a natureza do coronavírus, transmissões, eficácia de medidas de segurança, tratamentos, diretrizes oficiais de controle da doença e o risco de infecção e morte ligado à Covid-19. Com as novas regras, também serão retiradas as postagens que afirmarem que vacinas causem danos ou são usadas para controle populacional, alegações falsas sobre efeitos colaterais das vacinas e tuítes que digam que a Covid-19 não é real ou um problema sério e que, portanto, não requer vacinação. A partir de 2021 a rede social planeja incluir um aviso em tuítes que espalhem conteúdo falso, informações não verificadas ou incompletas a respeito das vacinas. A inteligência artificial e a análise humana devem estar juntas na checagem das informações.

Pesquisadores ao redor do mundo decidiram se unir em meio à pandemia provocada pelo coronavírus para um desafio que vai além das análises e descobertas em laboratório. Os cientistas estão produzindo conteúdo sobre a Covid-19 em redes como TikTok, Instagram e Twitter para se comunicar com um público amplo de forma direta e didática.

A iniciativa é da Equipe Halo, uma ação global criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e outras organizações internacionais para apoiar e celebrar a colaboração científica em busca de vacinas seguras e eficazes.

Por meio dos aplicativos os pesquisadores mostram seu dia a dia de forma voluntária e publicam vídeos, nos quais contam histórias, explicam detalhes sobre as pesquisas, respondem perguntas do público, esclarecem boatos e informações incorretas. 

Os profissionais são oriundos de diversos países e conta com a participação de seis brasileiros. Entre eles, o professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), diretor regional da Sociedade Brasileira de Imunologia.

Em entrevista, o pesquisador André Báfica afirmou que “esse engajamento é um processo fundamental para que cientistas capilarizem conteúdo confiável e não autoritário para as pessoas. Precisamos ocupar esses espaços e naturalmente as pessoas compreenderão o que a nossa universidade produz e como a ciência é uma grande aliada das nossas vidas”, ressalta.

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Bereia conclui que é falsa a informação de que pessoas morreram em decorrência da imunização pela vacina da farmacêutica Pfizer. O imunizante tem a segurança atestada pelos países em que já está sendo utilizado e. no Brasil. tem seguido as fases necessárias para sua aprovação. Quanto à CoronaVac, vacina produzida em parceria da chinesa Sinovac e o Instituto Butantan, o mais recente status é de espera pelo pedido de uso emergencial, anunciado pelo governo paulista em 17 de dezembro. Em todos os casos, a Agência tem prazo determinados para realizar as avaliações requisitadas para a aprovação de vacinas no país. Bereia também checou e classificou como falsas as informações a respeito da CoronaVac disseminadas por um pastor durante pregação no Ceará.

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Foto de capa: Pixabay/Reprodução

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Referências

Portal FDA, https://www.fda.gov/. Acesso em: 16 dez. 2020

Estadão Verifica, https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/agencia-dos-eua-descartou-relacao-de-vacina-com-morte-de-voluntarios-da-pfizer-maioria-dos-obitos-ocorreu-em-grupo-de-placebo/. Acesso em: 16 dez. 2020.

Instituto Nacional do Câncer (INCA), https://www.inca.gov.br/perguntas-frequentes/o-que-e-placebo. Acesso em: 18 dez. 2020.

Portal UOL, https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2020/12/16/pfizer-protocola-resultados-de-testes-da-fase-3-de-vacina-na-anvisa.htm. Acesso em: 17 dez. 2020.

Portal do Planalto, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L14006.htm. Acesso em: 17 dez. 2020.

Folha de São Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/12/aprovacao-da-vacina-da-pfizer-nos-eua-e-pedido-no-brasil-obrigam-anvisa-a-examinar-liberacao-em-72h.shtml. Acesso em: 17 dez. 2020.

Anvisa, https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2020/uso-emergencial-de-vacinas-anvisa-estabelece-prazo-de-ate-10-dias-para-dar-decisao. Acesso em: 17 dez. 2020.

Portal G1, https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/12/17/governo-de-sp-volta-atras-e-diz-que-pedira-uso-emergencial-da-coronavac-a-anvisa-doria-aguarda-formalizacao-da-compra-pelo-governo-federal.ghtml. Acesso em: 17 dez. 2020.

Folha de São Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/12/doria-prepara-estudo-completo-e-registro-chines-para-pressionar-anvisa-a-aprovar-coronavac.shtml. Acesso em: 17 dez. 2020.

Ministério da Saúde, https://www.gov.br/saude/pt-br/media/pdf/2020/dezembro/16/plano_vacinacao_versao_eletronica.pdf. Acesso em: 18 dez. 2020.

Portal UOL, https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/12/17/stf-libera-estados-a-darem-vacinas-se-anvisa-nao-autorizar-em-ate-72-horas.htm. Acesso em: 17 dez. 2020.

CNN Brasil, https://www.cnnbrasil.com.br/saude/2020/12/17/presidente-da-anvisa-pede-entendimento-a-autoridades-ja-temos-problemas-demais. Acesso em: 17 dez. 2020.

Twitter Brasil, https://blog.twitter.com/pt_br/topics/company/2020/covid-19-nossa-abordagem-para-informacoes-enganosas-sobre-vacinas.html. Acesso em: 16 dez. 2020

Portal Cultura Notícias, https://cultura.uol.com.br/noticias/14892_twitter-vai-remover-postagens-com-informacoes-falsas-sobre-vacina-da-covid-19.html. Acesso em: 16 dez. 2020

Brasil de Fato, https://www.brasildefato.com.br/2020/11/23/cientistas-combatem-desinformacao-sobre-covid-19-em-apps-como-tiktok-e-instagram. Acesso em: 16 dez. 2020

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/pastor-usa-informacoes-falsas-em-pregacao-sobre-vacina-contra-covid-19/. Acesso em: 17 dez. 2020.

Teorias QAnon ganham espaço em grupos antivacina no Facebook

* Publicado originalmente no site do IEA/Polo Ribeirão Preto/USP por Thaís Cardoso.

Conteúdos com teorias da conspiração QAnon que já haviam se espalhado em grupos com teor antivacina nos Estados Unidos estão ganhando espaço também no Brasil. Uma análise conduzida pela União Pró-Vacina com base em postagens ao longo de 2020 nos dois principais grupos antivacina brasileiros na plataforma confirmou essa disseminação.

O que é o QAnon?

O QAnon é um movimento que surgiu em fóruns de extrema-direita na deep web após a eleição de 2016 nos Estados Unidos. Ele se baseia em uma série de teorias da conspiração ligando políticos e personalidades a pedofilia e satanismo, mas também assume o perfil de um movimento social militarizado, incitando, inclusive, a violência em seus conteúdos. O FBI, departamento federal de investigação americano, chegou até mesmo a classificá-lo como ameaça terrorista doméstica.

As teorias do QAnon se espalharam pela internet e desde 2017 também invadiram as redes sociais. Somente em agosto de 2020, o Facebook anunciou que havia excluído páginas, grupos e contas diretamente ligados a ele, alegando que esse conteúdo viola suas políticas. No Brasil, a plataforma também realizou uma ação semelhante em setembro, derrubando grupos e páginas que totalizavam pelo menos 570 mil seguidores.

Com a demora em uma providência mais enérgica, o movimento foi capaz de se organizar e se espalhar por outros grupos com histórico em teorias da conspiração, como os de radicalismo político e comunidades antivacina. O Facebook agiu novamente e anunciou, em outubro, que removeria quaisquer páginas, grupos e contas do Instagram com algum tipo de ligação com o QAnon, mesmo que não fosse um conteúdo violento. Um dos resultados foi o recente banimento do maior grupo antivacina dos Estados Unidos nessa rede social, o Stop Mandatory Vaccination.

Apesar da situação ser a mesma nos grupos antivacina do Brasil, nenhuma medida foi tomada ainda. A União Pró-Vacina alerta que a demora do Facebook em adotar uma atitude assertiva pode produzir consequências desastrosas, principalmente pela associação dessas teorias da conspiração ao movimento antivacina no momento em que o País enfrenta novo crescimento na contaminação pela covid-19 e está às vésperas de uma vacinação que pode salvar milhões de vidas.

A pesquisa

Teorias QAnon ganham espaço em grupos antivacina no Facebook

A União Pró-Vacina vem monitorando as postagens dos dois grupos mais conhecidos com temática antivacina no Brasil desde o início de 2020. Os assuntos referentes ao QAnon começaram a aparecer em fevereiro e alcançaram picos em abril e julho. Ao todo, a análise encontrou 144 conteúdos, entre comentários e postagens incluindo vídeos, links, imagens e textos, que exibiam algum tipo de termo ligado ao movimento ou direcionavam os usuários para grupos ou sites específicos. Foram mapeados 16 termos tradicionalmente usados pelo QAnon nessas publicações.

No caso dos comentários – que representam 65% do conteúdo – os responsáveis incitam os usuários a pesquisarem sobre essas teorias conspiracionistas e fazem menções explícitas ao QAnon. Mesmo assim, não há qualquer tipo de moderação. Alguns perfis responsáveis por esses comentários também exibem imagens e conteúdos com clara ligação ao movimento e seguem ativos na rede. Apenas uma das publicações analisadas estava marcada pela plataforma como informação falsa. 

Assim como em outras análises realizadas anteriormente pela União Pró-Vacina, um padrão se repete: um número pequeno de usuários é responsável por um volume muito grande de postagens. Nesse caso, apenas 8 dos 73 autores das postagens geraram 55 publicações, mais de 38% do total.

Teorias QAnon ganham espaço em grupos antivacina no Facebook

O modus operandi do movimento pode produzir danos ainda maiores, pois, além de incitar os demais integrantes do grupo a pesquisarem termos relacionados ao QAnon na internet – o que acaba por direcioná-los a sites ligados a essas teorias da conspiração -, eles também agem de forma a sequestrar hashtags importantes e que fazem menção a assuntos reais. Em uma das postagens, por exemplo, são usadas as hashtags #fiqueemcasa, #usemascara, #vacinaréproteger, vinculadas a hashtags do movimento #QANONBRASIL e outras que incitam comportamentos de risco, como #filmeseuhospital.

Teorias QAnon ganham espaço em grupos antivacina no Facebook

Os pesquisadores da União Pró-Vacina destacam que esse tipo de ação direciona pessoas que buscam por esses termos e hashtags, procurando um conteúdo de confiança, para páginas e postagens conspiracionistas e recheadas de informações falsas. Um exemplo semelhante aconteceu nos Estados Unidos, quando o QAnon sequestrou a hashtag #SavetheChildren. Em vez de se referir à organização não governamental centenária que atua em prol dos direitos das crianças, o termo direcionava a uma das principais teorias da conspiração defendidas pelo QAnon, envolvendo o suposto sequestro e abuso de crianças por membros do Partido Democrata e celebridades de Hollywood.

Sobre a União Pró-Vacina

A União Pró-Vacina é uma iniciativa organizada pelo Instituto de Estudos Avançados (IEA) Polo Ribeirão Preto da USP em parceria com o Centro de Terapia Celular (CTC), o Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID), a Ilha do Conhecimento, a Vidya Academics, o Gaming Club da FEA-RP, o Instituto Questão de Ciência e o Pretty Much Science.

O objetivo é unir instituições acadêmicas e de pesquisa, poder público, institutos e órgãos da sociedade civil para combater a desinformação sobre vacinas, planejando e coordenando atividades conjuntas.

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Foto de capa: Pixabay/Reprodução

Pastor usa informações falsas em pregação sobre vacina contra Covid-19

* Com colaboração de Bruno Cidadão

Pelas mídias sociais, circula o vídeo de um pastor que, durante pregação em uma igreja, propaga mentiras sobre a Coronavac, vacina chinesa contra a Covid-19. Nas imagens, o pastor afirma:

“Daqui alguns anos muitas pessoas vão morrer de câncer, por quê? Por causa da vacina. Um cientista francês soltou um vídeo todo em francês alertando sobre a vacina. Já está sendo constatado por ele, um grande cientista francês, que o vírus surgiu na França, criado em laboratório, foi levado para China, aprimorado e espalhado para o mundo. (…) No mundo não tem uma nação comprando vacina da China. Quem tá comprando? São Paulo. Aí o cientista soltou a nota dizendo que essa vacina que está vindo aí, quem tomar vai atingir o seu DNA. Quando atingir seu DNA você não vai sentir nada mas depois de um tempo doenças aparecerão. Muitas pessoas vão morrer de câncer achando que foi câncer porque comeu alguma coisa, porque é hereditário, porque tem tumor, mas na verdade é por causa da vacina. Você, concordando comigo ou não, graças a Deus, tem um presidente doido no Brasil que diz que no Brasil não vai ser ninguém obrigado a tomar, porque se fosse outro estaria dizendo ‘vai todo mundo tomar’. Eu não tenho coragem de tomar uma vacina vindo da China, o país de origem do vírus. O cientista diz que até HIV tem dentro dela.”

Pastor Davi Goes
Foto: Reprodução/Twitter

Bereia verificou que o líder religioso que aparece no vídeo é pastor na Igreja Assembleia de Deus Ministério Canaã, no bairro Água Fria, em Fortaleza (CE). Davi Goes é capelão no Exército Brasileiro e comandante da Capelania Samaritans, organização que oferece serviços religiosos. Segundo o site da organização, Goes foi militar das Forças Armadas, mas “saiu com méritos e honras para trabalhar no Exército de Deus”, sendo hoje pastor da igreja que tem cerca de 2.500 membros, onde foi gravado o vídeo.

Bereia checou nos registros do Portal da Transparência do Governo Federal e não encontrou qualquer vinculação de Davi Baracho Ferreira (nome de Davi Goes antes de sua alteração para Davi Baracho Ferreira Goes, em abril de 2013, por via judicial) nem de seu atual nome com qualquer órgão militar ou civil da Administração Pública Federal. Não foi possível ao Bereia verificar os dados dos militares da reserva – categoria em que supostamente Davi Goes se enquadra – uma vez que o governo federal tem descumprido, sem consequências, uma determinação do Tribunal de Contas da União (TCU) de 11 de setembro de 2019 para que torne estas informações disponíveis.

Entretanto, em ferramentas de busca na internet, foram encontrados apenas dois registros que vinculem, em algum nível, Davi Goes com as Forças Armadas Brasileiras, mas nenhum deles comprova a vinculação como servidor efetivo ou temporário do órgão militar. O primeiro é referente ao Concurso Público para Admissão de Capelães Navais da Marinha do Brasil do ano de 2015, onde o nome do pastor aparece em documento de habilitação dos candidatos para realização de provas para o referido concurso. O segundo é referente ao mesmo cargo, porém em certame do ano de 2018, no qual Davi Goes aparece na relação de candidatos com inscrição deferida e habilitado para a prova escrita do concurso. Mesmo em busca por concursos anteriores e resultados dos certames, os sites das Forças Armadas não disponibilizam de forma facilitada os arquivos para consulta pública.

No Twitter, foram localizadas imagens em que Davi Goes aparece realizando funções de capelania militar, inclusive trajado conforme o código militar. Em uma das fotos é possível identificar a tarjeta em seu peito com o nome do pastor. As imagens foram publicadas em 21 de março de 2018 por um usuário do Twitter.

Foto: Twitter/Reprodução

Davi Goes, além disso, é filho de Jecer Goes, pastor fundador e presidente da denominação Assembleia de Deus Ministério Canaã, iniciada no ano 2000. Segundo postagem em um antigo site da igreja, em 2011, o ministério possuía 140 congregações, um seminário teológico, um santuário para 12 mil lugares, uma rádio, duas fazendas (uma delas com 852 hectares), um grande hospital evangélico e um canal aberto de TV para todo o Estado.

Após a repercussão da gravação de sua pregação, o pastor deletou seu perfil no Instagram, Twitter, Facebook, bem como seu canal no YouTube. A página da Igreja Assembleia de Deus Canaã em Água Fria no Youtube também não pode mais ser encontrada. Antes da exclusão, entretanto, era possível assistir pregações de Davi no mesmo cenário exibido no vídeo do qual falamos. Portanto, o sermão antivacina contra a Covid-19 foi, provavelmente, ministrado em um culto na igreja. 

Foto: Reprodução/Youtube

Na terça-feira (15), o Ministério Público do Ceará (MPCE) protocolou dois ofícios pedindo a responsabilização do pastor pelas informações falsas disseminadas. Para o MPCE, o pastor fere a legislação estadual contra fake news relacionadas à pandemia (Lei estadual nº 17.217/2020). Cabe à promotoria verificar se houve crime ou contravenção penal e, se constatado, Davi Goes poderá responder nas esferas civil e criminal pela fala.

Bereia tentou contato com a Assembleia de Deus Ministério Canaã mas não obteve resposta até o momento desta publicação. 

Sobre o vídeo do “cientista francês” mencionado pelo pastor, o Projeto Comprova já havia realizado verificação sobre o material original, com a colaboração do Coletivo Bereia

Bereia confere nesta matéria, especificamente, os trechos selecionados pelo pastor Davi Goes:

“No mundo não tem uma nação comprando vacina da China. Quem tá comprando? São Paulo” FALSO

A afirmação do pastor é falsa. A informação foi repetida também pelo vice-presidente da República Hamilton Mourão, na manhã deste 14 de dezembro, em entrevista em Brasília, mas tem sido desmentida por vários veículos jornalísticos, como fez o portal de notícias UOL. Além do Brasil (por meio do estado de São Paulo, em parceria com o Instituto Butantã), dois outros países já encomendaram as vacinas desenvolvidas na China para imunizar suas populações e vêm realizando testes: a Turquia e a Indonésia. Além destes, o Chile tem realizado estudos sobre a vacina, embora ainda não tenha fechado contrato de compra para o território nacional. 

“Aí o cientista soltou a nota dizendo que essa vacina que está vindo aí, quem tomar vai atingir o seu DNA” FALSO

A falsidade sobre a “alteração do DNA” por parte da vacina já foi verificada em outras checagens do Coletivo Bereia. Essa confusão é comum entre aqueles que desconhecem os mecanismos das formas mais avançadas de vacinação, que são as vacinas de RNA mensageiro. O mecanismo, que alguns apontam “mudar o DNA”, não faz alterações no código genético nem é permanente para o indivíduo. Isto não existe em qualquer vacina.

RNA (ribonucleic acid) é uma sigla em inglês que significa ácido ribonucleico. O RNA, ao contrário do DNA, é composto por apenas uma fita e ela é produzida no núcleo celular a partir de uma das fitas de uma molécula de DNA. Depois de pronto, o RNA segue para o citoplasma celular, onde desempenhará sua principal função, que é controlar a síntese de proteínas.

Existem três tipos de RNA, o RNA mensageiro, o RNA transportador e o RNA ribossômico.

O RNA mensageiro (RNAm) é o responsável por levar a informação do DNA do núcleo até o citoplasma, onde a proteína será produzida.

As vacinas de RNA mensageiro funcionam da seguinte forma: o conteúdo da substância de imunização é um trecho de RNA mensageiro do vírus. As células das pessoas “leem” o RNA e produzem, enquanto ele permanecer no organismo (intervalo de dias), pedaços do vírus. O sistema imune do corpo humano identifica esses pedaços e começa a produzir anticorpos antes que sejamos infectados. Assim, quando o indivíduo tem contato com o vírus, já conta com um sistema imune treinado, e o RNA mensageiro que foi inserido já se encontra fora do corpo humano. 

A desinformação se torna ainda mais grave quando se recorda que a CoronaVac, vacina produzida pela Sinovac Biotech, indústria chinesa, é de RNA mensageiro. Este imunizante encomendado pelo Governo do Estado de São Paulo, na verdade, é do mesmo modelo já usado há anos no Brasil na “tríplice viral” que previne contra caxumba, rubéola e varíola. Ambas as vacinas trabalham com formas enfraquecidas do vírus, que são identificadas pelo sistema imune e geram resposta imunológica. Portanto, tal base da Coronavac não é novidade no país.

“Já está sendo constatado por ele, um grande cientista francês, que o vírus surgiu na França, criado em laboratório, foi levado pra China, aprimorado e espalhado para o mundo” FALSO

Desde abril, as fake news sobre os planos conspiratórios para a “fabricação” da COVID-19 vêm circulando na rede, com ares de ciência, fazendo-se uso de declarações do pesquisador francês e Nobel de Medicina Luc Montagnier. O pesquisador francês recebeu um quarto do prêmio no ano de 2008 pela sua descoberta do vírus HIV. Ele dividiu o prêmio com Françoise Barré-Sinoise (também com ¼) e Harald zur Hausen (½ do prêmio). No entanto, essa não é a primeira vez que o pesquisador se envolve em polêmicas científicas. 

Em 2009, Montagnier conduziu uma série de experimentos, com pouca validade científica, que buscavam defender a efetividade da homeopatia. Em 2012, ele também engrossou as linhas do movimento antivacina, afirmando que as mesmas seriam a causa de autismo em crianças. Ambas as declarações geraram revolta e descrédito da comunidade científica, que apresentou estudos e testes desmentindo ambas as declarações. 

A ideia do coronavírus ter sido criado em laboratório já foi testada e confirmada como falsa. Também em abril, um editorial da Agência Lupa demonstrou como vários artigos científicos têm indicado a falta de veracidade nas declarações, e há abundância de evidências de que o vírus é, de fato, natural e se desenvolveu do contágio animal para o humano.  

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Bereia conclui que o vídeo citado é verídico e representa uma gravação de pregação do pastor da Assembleia de Deus Ministério Canaã, Davi Goes, porém seu conteúdo é falso. A apuração mostra que o pastor mentiu durante culto ao dizer que o vírus foi criado em laboratório; que a vacina causará câncer, ao atingir o DNA dos usuários; e que contaminará com HIV. Todas estas afirmações já foram classificadas como falsas por diferentes fontes de informação comprometidas com a saúde da população.

O Coletivo Bereia chama a atenção dos/as leitores/as para que toda e qualquer afirmação referente à Covid-19, doença que já matou mais de 180 mil pessoas no Brasil, seja verificada antes de ser compartilhada. Ainda que informações sejam veiculadas por autoridades políticas e religiosas há muita mentira e confusão em circulação que pode causar a perda de vidas. Bereia está à disposição para receber denúncias e indicação de checagens pelo e-mail coletivobereia@gmail.com ou pelo WhatsApp (38) 98418-6691

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Referências

Capelania Samaritans. https://capelaniasamaritans.org/quem-somos/. Acesso em 14 dez 2020. 

Portal da Transparência, http://www.portaldatransparencia.gov.br/servidores/consulta?paginacaoSimples=true&tamanhoPagina=&offset=&direcaoOrdenacao=asc&colunasSelecionadas=detalhar%2Ctipo%2Csituacao%2Ccpf%2Cnome%2CorgaoExercicio%2CorgaoServidorExercicio%2Cmatricula%2CtipoVinculo%2Cfuncao&orgaosLotacao=OR52131%2COR52132&tipoVinculo=3&ordenarPor=nome&direcao=asc. Acesso em: 15 dez. 2020.

Diário da Justiça do Ceará, http://www.radaroficial.com.br/d/5314233633865728. Acesso em: 15 dez. 2020.

UOL, https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2020/09/14/governo-omite-ha-um-ano-pagamentos-a-militares-da-reserva-e-pensionistas.htm. Acesso em: 15 dez. 2020.

Marinha do Brasil, https://hugepdf.com/download/instruoes-aos-candidatos-diretoria-de-ensino-da-marinha-5ad2ae8452b52_pdf. Acesso em: 15 dez. 2020.

CIAAR FAB, https://www2.fab.mil.br/ciaar/images/concursos/eiac2018/02relafsidefeiac18.pdf. Acesso em: 15 dez. 2020.

AD Canaã Saboeiro. https://adcanaasaboeiro.webnode.com.br/ministerio%20cana%C3%A3/. Acesso em 14 dez 2020. 

Diário do Nordeste, https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/seguranca/pastor-diz-que-coronavac-causa-cancer-e-possui-hiv-e-mpce-pede-responsabilizacao-civil-e-criminal-1.3022961. Acesso em: 16 dez. 2020.

Assembleia Legislativa do Ceará, https://belt.al.ce.gov.br/index.php/legislacao-do-ceara/organizacao-tematica/trabalho-administracao-e-servico-publico/item/6995-lei-n-17-207-de-30-04-20-d-o-20-05-20. Acesso em: 16 dez. 2020.

Comprova. https://projetocomprova.com.br/publica%C3%A7%C3%B5es/virus-nao-foi-feito-na-franca-e-vacinas-nao-sao-uma-iniciativa-globalista-para-reduzir-a-populacao/. Acesso em 14 dez 2020. 

UOL. https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/12/14/mourao-erra-ao-dizer-que-nenhum-pais-comprou-a-coronavac.htm. Acesso em 14 dez 2020. 

Veja Saúde. https://saude.abril.com.br/medicina/vacinas-de-dna-e-rna-contra-coronavirus-nao-causam-alteracoes-nos-genes/. Acesso em 14 dez 2020. 

Sanar Med. https://www.sanarmed.com/tipos-de-vacinas-em-estudo-contra-covid-19-resumo. Acesso em 14 dez 2020. 

Nobel Prize. https://www.nobelprize.org/prizes/medicine/2008/summary/. Acesso em 14 dez 2020. 

HuffPost. https://www.huffpost.com/entry/luc-montagnier-homeopathy-taken-seriously_b_814619#:~:text=Luc%20Montagnier%2C%20Nobel%20Prize%20Winner%2C%20Takes%20Homeopathy%20Seriously,-Dana%20Ullman%2C%20MPH&text=Dr.,strong%20support%20for%20homeopathic%20medicine. Acesso em 14 dez 2020. 

Forbes. https://www.forbes.com/sites/stevensalzberg/2012/05/27/nobel-laureate-joins-anti-vaccination-crowd-at-autism-one/?sh=6d3edb955c53. Acesso em 14 dez 2020. 

Piaui. https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2020/04/27/lupa-ciencia-coronavirus-laboratorio/. Acesso em 14 dez 2020. 

Vídeos falsos alegam vacinação e medição de temperatura como forma de controle da população

Durante a pandemia da covid-19, circulam nas mídias sociais muitos conteúdos de pessoas que se dizem médicos e especialistas oferecendo recomendações de saúde e até mesmo desafiando os protocolos das organizações internacionais. Essas informações, quando sua veracidade não é verificada, podem provocar além de pânico, graves danos à saúde da população.

O Coletivo Bereia verificou dois vídeos que viralizaram em mídias sociais nos últimos dias, especialmente no WhatsApp. O primeiro mostra um suposto médico que fala contra a testagem e vacinação em massa, pois segundo ele são um projeto de redução da população mundial. O segundo vídeo trata da aferição de temperatura na testa, que supostamente atinge a chamada glândula pineal e pode prejudicar o funcionamento do corpo.

Vídeo 1: Vacinas são um plano de controle da população?

O primeiro vídeo circula na internet desde junho e exibe um idoso, não identificado, vestido como um médico, que se expressa em italiano e é legendado em inglês, portanto, foi produzido fora do Brasil. A versão que circula nas mídias sociais do Brasil tem áudio sobreposto com tradução simultânea. O homem lê um texto que, segundo ele, nenhum lugar da grande imprensa ousou exibir. Ele cita, então, alguns argumentos contrários à vacinação. Bereia checou, identidade do autor e a veracidade do vídeo e dos argumentos.

Confira o vídeo abaixo:

Segundo o jornal O Globo, o homem que aparece no vídeo é Roberto Petrella, médico ginecologista aposentado e militante antivacina. Ele foi suspenso de suas atividades na Itália em 2019 por ser contra a obrigatoriedade da vacina contra o papilomavírus.

O vídeo é repleto de teorias da conspiração, entre elas de que a covid-19 é um plano internacional de controle e redução da população em até 80%, que foi desenvolvido nas últimas décadas e lançado em 2020. Para ele, covid significa “Certificado de Identificação de Vacinação com Inteligência Artificial”. O autor do vídeo traz argumentos de teor pseudocientífico para afirmar que se deve evitar a testagem e vacinação em massa, afirmando que esse será o modo de controle da população, e que vacinas reduzem a imunidade.

Movimento Antivacina

A fala do médico aposentado faz eco com o movimento antivacina, listado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um dos dez maiores desafios de saúde para 2019, porque ameaça reverter o progresso já alcançado no combate a doenças evitáveis por vacinação, como o sarampo e a poliomielite.

Os motivos de cada pessoa evitar a vacinação variam desde falta de confiança e complacência até motivos religiosos e teorias da conspiração, como a de que vacinas são um método de controle populacional e teriam objetivo de fragilizar a imunidade e matar a população. 

Nada disso tem veracidade comprovada. A produção de vacinas passa por diversos testes rigorosos até que sejam realmente seguras para aplicação na população, e regularmente reavaliada. Segundo a Fiocruz, “Vacinas são preparações que, ao serem introduzidas no organismo, desencadeiam uma reação do sistema imunológico (semelhante à que ocorreria no caso de uma infecção por determinado agente patogênico), estimulando a formação de anticorpos e tornando o organismo imune a esse agente e às doenças por ele provocadas”. As vacinas são mais úteis, efetivas e tem maior custo-benefício para a saúde pública do que medicamentos, pois atuam na prevenção de doenças chegando até ao ponto da sua erradicação, caso grande parte da população esteja vacinada. 

A Fiocruz explica que a primeira vacina foi criada em 1796, pelo inglês Edward Jenner, que conseguiu imunizar um garoto de 8 anos contra varíola ao aplicar soro de varíola bovina. Desde então, a ciência teve diversos marcos importantes com a criação de vacinas que impediram a propagação de doenças graves, como vacina contra raiva, inventada em 1885 por Louis Pasteur, ou a contra a paralisia criada em 1960 por Albert Sabin. No Brasil, a vacinação começou no século XX, quando epidemias de febre amarela, varíola e outras doenças eram comuns devido à ausência de saneamento básico. O sanitarista Oswaldo Cruz comandou campanhas de vacinação obrigatória da população, que na época desconhecia os benefícios da medida. Desconfiando das intenções do governo e acreditando em uma possível medida de controle da população, a população protestou contra as vacinas, na que ficou conhecida como “Revolta da vacina”.

Campanhas de vacinação já foram capazes de prevenir até três milhões mortes por ano contra diversas doenças, incluindo sarampo, poliomielite e difteria. Vacinas não são um plano de controle ou extermínio da população, mas sim de redução da mortalidade.

A pesquisadora Luisa Massarani, da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), alerta para o perigo das fake news a respeito de vacinas, especialmente nas mídias sociais, pois podem auxiliar o crescimento do movimento antivacina. “O movimento antivacina pode estar atuando prioritariamente em grupos fechados no Facebook e no WhatsApp, e não em espaços públicos do Twitter e do Facebook. Nesse sentido, é necessário direcionar novas pesquisas que levem em consideração esses outros espaços midiáticos”, afirma. 

Em 2020 o Brasil apresentou o menor índice de vacinação dos últimos 20 anos, e metade das crianças não recebeu todas as vacinas que deveria, o que parece refletir os efeitos da desinformação sobre o tema que está em circulação. Segundo índices do Programa Nacional de Imunização, cobertura vacinal está em 51% para o calendário infantil. O ideal é que fique entre 90% e 95% para garantir proteção. Se o país continuar nesses índices, nem mesmo a vacina contra a Covid-19, que ainda está em teste, poderá ter o efeito desejado de imunização. 

O professor Túlio Batista Franco, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal Fluminense (UFF), aponta que fatores políticos podem ter interferido na baixa cobertura vacinal. “O governo federal desorganizou todo o equilíbrio técnico que havia no Ministério da Saúde. Houve duas alterações de ministros, e hoje há um ministro militar que não conhece dos aspectos da Saúde, do funcionamento da máquina do SUS, e que levou para as áreas técnicas militares que também não conhecem”, afirmou em entrevista para o G1.

Esta reflexão do professor Túlio Franco pode ser corroborada pelo episódio de 31 de agosto, quando, em resposta a uma apoiadora que o abordou em frente ao Palácio Alvorada, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que ninguém pode obrigar pessoas a tomarem vacina. A Secretaria de Comunicação da Presidência da República institucionalizou a afirmação de Bolsonaro por meio de um tuíte no dia seguinte.  

Bereia conclui que o vídeo do médico italiano aposentado propaga diversas mentiras sobre a vacinação, pois não é verdade que vacinas reduzem imunidade, ou que são um método de controle da população. Pelo contrário, vacinas podem salvar a população, de acordo com a orientação de órgãos oficiais de saúde nacionais e internacionais.. Covid-19 também não significa “Certificado de Identificação de Vacinação com Inteligência Artificial”, e sim é a abreviação de “Coronavirus Disease”, ou doença do coronavírus, conforme estabelecido pela OMS. O número 19 diz respeito ao ano em que o vírus começou a circular. O fato de o vídeo ocultar a identificação do médico, punido em seu país por promover mau uso de seu título profissional, já é fonte de desconfiança quanto à intencionalidade da promoção de tal material. Leitores e leitoras devem estar sempre atentos/as a isto quando submetidos a este tipo de conteúdo.

Vídeo 2: Aferição da temperatura e glândula pineal

O segundo vídeo que viralizou em mídias sociais nos últimos dias foi gravado no Brasil. Um homem está à porta de um estabelecimento e pede para a atendente que não meça a temperatura na testa (prática que vem sendo frequentemente adotada como medida preventiva com a flexibilização do isolamento social) para não atingir a glândula pineal, e sim no pulso. Ele, então, incentiva as pessoas a fazerem o mesmo. Na segunda parte do vídeo, um áudio orienta novamente que as pessoas peçam que a temperatura no pulso para não atingir a pineal. A tela exibe uma imagem de cérebro, a frase “é melhor prevenir do que remediar” e um endereço de e-mail para saber mais. 

Assista o vídeo abaixo:

A pineal – ou conarium – é uma pequena glândula, localizada no centro da cabeça de animais vertebrados, como o ser humano, que é responsável por produzir melatonina, hormônio responsável pela regulagem do sono e pelo controle biológico.

O vídeo citado circula pelas mídias sociais desde o mês passado e, apesar das afirmações feita pelo homem no vídeo, não há qualquer tipo de comprovação científica a respeito delas, pelo contrário, assim como os outros termômetros existentes, a ciência atesta a importância e necessidade dos medidores infravermelhos.

Conforme afirma o Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, “os termômetros infravermelhos sem contato podem ser usados ​​para reduzir o risco de contaminação cruzada e minimizar o risco de propagação de doenças”. 

Em um tempo de pandemia, em que as organizações de saúde indicam o distanciamento social como forma à evitar a contaminação, os termômetros infravermelhos se mostram importantes ferramentas para que pessoas contaminadas não acessem determinados ambientes e contamine outras pessoas. 

Além disso, quando comparado a outros métodos de aferição de temperatura, o infravermelho é o mais preventivo, pois permite a leitura da temperatura a uma distância considerada, reduzindo o risco de contágio de quem faz o controle de entrada e saída dos espaços públicos.

Embora a gravação em vídeo tenha sido realizada em um estabelecimento e por uma pessoa que não se identifica, o vídeo completo tem parte com a fala de um homem não identificado, que, com seus argumentos técnicos, leva muitos a acreditarem que se trata de um biólogo, médico ou até um cientista.

Durante a explanação, este suposto especialista exibe uma tela com a imagem do cérebro humano e a localização da glândula pineal. Junto à imagem, há um endereço de e-mail para que pessoas saibam mais informações sobre o assunto. Por meio deste endereço, o Coletivo Bereia identificou o homem. Ele é Tarcísio Silva e se apresenta como psicoterapeuta, massoterapeuta clínico, personal trainer e especialista em estética e atividade física. No entanto, a única informação encontrada sobre sua formação foi um suposto número de cadastro no CRT-RJ. Oficialmente, o CRT é o Conselho Regional de Técnicos Industriais, que não tem relação com as formações informadas por Tarcísio. 

Entretanto, Bereia verificou que há uma outra organização que se autonomeia CRT: o Conselho de Auto Regulamentação da Terapia Holística. Sediada em São Paulo, a organização afirma desenvolver padrões técnicos, éticos e qualitativos, aos quais os Profissionais voluntariamente assumem o compromisso contratual de cumprimento. 

“O Profissional zeloso que espontaneamente se dispõe a seguir as boas práticas, firma o Termo de Compromisso e passa a identificar-se publicamente com a Marca Registrada, consagrada e respeitada pela sociedade, composta pelo Símbolo da Terapia Holística e sigla CRT, seguida de uma numeração exclusiva”, afirma o site do Conselho.

O Coletivo Bereia tentou contato com Tarcísio inúmeras vezes, mas não obteve resposta.

Este é mais um vídeo em que pessoas que se apresentam como especialistas que oferecem orientação em saúde não são identificadas. Como Bereia afirma acima, esta é uma fonte de desconfiança sobre as verdadeiras intenções da divulgação de tal conteúdo. 

Teorias da conspiração – Chip da besta

Os dois vídeos verificados nesta matéria, fazem coro com uma teoria da conspiração que não é nova em espaços cristãos, a de que determinadas tecnologias como cartão de crédito, código de barras, microchip ou vacina seriam o sinal da besta descrito no Apocalipse. 

Desde março circula no WhatsApp uma corrente dizendo que a vacina contra o coronavírus seria aplicada com um microchip para controlar a população mundial. Essas teorias da conspiração são falsas e podem ter graves riscos à saúde da população quando desincentivam a adesão às campanhas de vacinação.

Teoria da conspiração – QAnon

Além disso, outra teoria da conspiração que se mistura a esses temas é a QAnon. Esse movimento tem origem nos Estados Unidos e se destaca por fazer crer que existe uma luta satânica no mundo e que o presidente Donald Trump foi escolhido para ser um soldado “do bem” nesta guerra.

Esse grupo é visto como potencial ameaça terrorista pelo FBI, o serviço de inteligência estadunidense, e se hospeda em espaços não públicos da internet, o submundo digital, a conhecida deep web

Nas eleições dos EUA de 2016, o grupo veiculou uma notícia falsa dizendo que a candidata Hillary Clinton, que era de oposição a Trump, fazia parte parte de um esquema de pedofilia e tráfico infantil, e que tudo isso era promovido dentro de uma pizzaria em Washington, capital federal. Movido pela mentira e armado, um cidadão americano foi até o suposto local e o metralhou. Por sorte, ninguém ficou ferido e o caso ficou conhecido como pizzagate

No Brasil, o movimento foi adaptado por bolsonaristas que encontraram no presidente Jair Bolsonaro a figura desse soldado que luta contra a tal guerra satânica. Por aqui, o grupo segue as mesmas regras da versão estadunidense: ataques às instituições e disseminação de informações comprovadamente falsas.

Por isso, no começo deste mês de setembro, após uma reportagem do jornal O Estado de São Paulo, o Facebook excluiu diversas páginas ligadas ao movimento conspiratório no Brasil. Antes disso, o Twitter também já havia feito a derrubada de algumas páginas ligadas ao grupo e que violavam as regras das redes. 

A seção Areópago do Coletivo Bereia oferece aos leitores e leitoras um texto de reflexão sobre o avanço do QAnon e os malefícios de tal movimento.

Bereia conclui que os vídeos sobre vacinação como controle populacional, e aferição de temperatura como forma de cauterizar a glândula pineal, são falsos, baseados em teorias da conspiração com fundo religioso, mas que não se comprovam com dados científicos. Este tipo de conteúdo tem sido disseminado em mídias sociais para causar pânico, alimentar a relativização da gravidade da pandemia de coronavírus e diminuir o engajamento nas medidas preventivas, podendo causar prejuízos graves à população.

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Referências 

O Globo. https://oglobo.globo.com/fato-ou-fake/e-fake-que-covid-um-plano-internacional-de-controle-reducao-da-populacao-lancado-em-2020-24618580?versao=amp&utm_source=Twitter&utm_medium=Social&utm_campaign=O%20Globo&__twitter_impression=true&s=08. Acesso em 01 set  2020.

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G1. https://g1.globo.com/bemestar/vacina/noticia/2020/09/08/metade-das-criancas-brasileiras-nao-receberam-todas-as-vacinas-que-deveriam-em-2020-apontam-dados-do-ministerio-da-saude.ghtml. Acesso em 09 set 2020. 

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Brasil Escola. https://brasilescola.uol.com.br/biologia/principais-glandulas-endocrinas-seus-hormonios.htm. Acesso em 09 set 2020. 

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