Sites religiosos desinformam ao tratar da Revisão do Código Civil Brasileiro

Sites e mídias religiosas questionam os pontos mais sensíveis relacionados à família e costumes do Relatório Final da atualização do Código Civil Brasileiro e causam alardes ao distorcerem trechos que tratam sobre direitos do nascituro, casamento e modelos de família. 

Imagem: reprodução do site Terra Brasil Notícias

Entre estes espaços digitais está  o site Pleno News que publicou título de uma de suas matérias com a afirmação de que o anteprojeto trata de aborto. 

Bereia checou as informações.

Imagem: reprodução site Pleno News

Imagem: reprodução do site Brasil Paralelo

O que é a Comissão de Revisão do Código Civil

Desde quando foi instalada no Senado Federal, em 4 de setembro de 2023, a Comissão de Juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil (CJCODCIVIL) tem sido alvo de polêmicas entre grupos cristãos e outros segmentos alinhados a valores conservadores.  O colegiado é composto por 39 juristas e presidido pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luis Felipe Salomão, , o vice-presidente é Marco Aurélio Bellizze, também ministro do STJ. Dos 39 membros, 11 são mulheres. É a primeira vez que juristas mulheres participam da elaboração do Código. Além disso, a professora associada de Direito Civil da Faculdade de Direito da PUC/SP Rosa Maria de Andrade Nery é uma das relatoras do anteprojeto. 

Em oito meses de encontros, audiências e discussões sobre a reformulação do Código, a comissão recebeu 280 sugestões da sociedade, e ouviu especialistas em Direito Civil para compor o documento. O relatório final, que inclui o Anteprojeto de Lei, acompanhado das

justificativas das propostas, foi divulgado em 26 de fevereiro de 2024, e aprovado pela Comissão, em 5 de abril. A sessão de debate temático para apresentação e discussão do anteprojeto para reformular o Código Civil, instituído em 2002 e que está em vigor desde 2003, está marcada para o dia 17 de abril no plenário do Senado Federal. 

Os relatores admitem que há tópicos polêmicos que precisam de especial atenção para que haja um consenso. “O que foi combinado com o Pacheco é que nós daremos um parecer técnico. Depois, a matéria vai ser alterada conforme o Legislativo julgar melhor”, afirmou o presidente da comissão.

Aborto não está sendo tratado

Um dos pontos que mais tem causado reação negativa entre religiosos diz respeito ao direito do nascituro e define o feto como “potencialidade de vida humana pré-uterina ou uterina”. O senador espírita Eduardo Girão (Novo-CE) criticou o texto em discurso no plenário do Senado. Para ele, o artigo introduz no Código Civil a noção de que o bebê, antes de nascer, não teria vida humana. “É uma verdadeira aberração! Querem por uma perspectiva que afronte a biologia, ao definir que o bebê antes de nascer não é humano. E, como também não é animal, então passaria a ser apenas uma coisa descartável. É o sonho dos abortistas que defendem a legalização do assassinato de crianças no ventre materno”, disse Girão aos seus pares, o que foi reproduzido em veículos que propagam notícias da direita extremista.

Imagem: reprodução do jornal Gazeta do Povo

O trecho ao qual Girão se refere é o primeiro parágrafo do Art. 1.511-A:§ 1º A potencialidade da vida humana pré-uterina e a vida humana pré-uterina e uterina são expressões da dignidade humana e de paternidade e maternidade responsáveis”. A expressão que aparenta limitar o alcance dos direitos do feto foi usada para alimentar notícias falsas, em alguns sites cristãos e da extrema direita. 

“Eu queria esclarecer que até aqui nós não temos nenhum tratamento sobre aborto no projeto, nenhum tratamento com família multiespécie, nós não temos nenhum tratamento sobre incesto no projeto, nós não temos nenhum tratamento a respeito de famílias paralelas. Não há nada no código a respeito desses assuntos, e isso vai ser percebido pela própria votação”, explicou um dos relatores da CJCODCIVI Dr. Flávio Tartuce

O jurista acrescenta, ainda, que o Código Civil sempre motiva debates, porque lida com a vida do cidadão desde antes do nascimento até depois da morte. “É normal haver discordâncias. Mas há também as polêmicas promocionais, de pessoas que querem se promover, e entre essas a grande maioria não leu nada”, lamenta.

De acordo com o artigo Fake news sobre a reforma do Código Civil: a quem interessa a desinformação?”, de autoria dos advogados Gustavo de Castro Afonso e Laura de Moraes Lima e do professor de Direito pela USP, doutor e mestre em Filosofia do Direito pela PUC-SP Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy, publicado na revista eletrônica Consultor Jurídico (ConJur):

A realidade do debate no Congresso conduzido por gente séria e comprometida, (…) está bem distante das teorias dos moralistas de plantão, que vivem uma realidade transcendente, que nem mesmo Platão saberia onde fixar na imaginária caverna. Chamemos de metaverso

“O texto ainda em discussão, longe de pretender a legalização do aborto, alarga a proteção ao nascituro, prevendo, inclusive, a necessidade de intervenção do Ministério Público nos procedimentos extrajudiciais em que presentes seus interesses”, explica o texto da Conjur.

O presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG) ressaltou em entrevista à Agência Senado que a sociedade deve se tranquilizar em relação à Comissão de Juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil. “O objetivo do grupo não é elaborar um novo Código Civil, mas sim suprir lacunas de normas que foram criadas há 20 anos”. 

Pacheco afirmou que está ciente da preocupação das comunidades católicas e evangélicas em relação aos temas que envolvem a família. “Todos esses temas, independente de como venham da Comissão de Juristas, obviamente, terão aqui um amplo debate com a sociedade e uma decisão que será do Parlamento”. O presidente do Senado explica, desta forma,  que o que for indicado pela comissão de juristas não exclui o Congresso nem vira força de lei, ao contrário do que os sites e parlamentares citados fazem crer.

“O colegiado promoveu verdadeiro debate democrático acerca de quais avanços e alterações precisam ser promovidos para que a nossa legislação de direito civil seja adaptada às demandas sociais dos tempos em que vivemos. Para que o Código Civil continue a perpetuar seu compromisso de garantir segurança jurídica e promover justiça em nossa nação, contribuindo para a edificação de uma sociedade mais justa e democrática, é chegado o momento de atualizá-lo”, declarou o senador Rodrigo Pacheco no requerimento que fez para determinar a discussão do anteprojeto em sessão temática no Plenário, em 17 de abril.

Sobre definições de família

Outro ponto que tem causado confusão entre gruposcristãos é a divulgação do texto do artigo 19: “A afetividade humana também se manifesta por expressões de cuidado e de proteção aos animais que compõem o entorno sociofamiliar da pessoa”. Para parte da comunidade cristã, esse texto elevaria o status jurídico da relação entre pessoas e animais. “… Abrindo espaço para o reconhecimento legal do que tem sido chamado de família multiespécie”, alega uma carta aberta divulgada por entidades cristãs da Paraíba, assinada pela Associação dos Pastores Evangélicos da Paraíba, Núcleo de Estudos em Política, Cidadania e Cosmovisão Cristã, Missão Juvep e VINACC. 

O texto se baseou em denúncias do site alinhado a grupos extremistas  Gazeta do Povo, para compor seu manifesto. Além das organizações paraibanas, a União Nacional das Igrejas e Pastores Evangélicos (UNIGREJAS) que diz em seu site ter reunido mais de 20 mil pastores pelo Brasil, também divulgou nota de repúdio ao anteprojeto se baseando em matérias do mesmo jornal, já desmentidas pelo relator da comissão de juristas

Imagem: reprodução do site Gazeta do Povo

Imagem: reprodução do site Gazeta do Povo

O presidente da comissão rebateu as críticas e disse não haver no anteprojeto nada sobre aborto ou qualquer menção a relações entre espécies. “O Código Civil não trata de aborto, nem tampouco da relação entre humano e animal. São notícias estapafúrdias. Imaginamos que isso seja fruto desse fenômeno moderno das notícias falsas que inclusive está sendo tratado pelo texto. Estamos tratando de coibir essas notícias falsas por intermédio de plataformas digitais”, ressaltou o ministro do Supremo Tribunal de Justiça Luis Felipe Salomão.

Sobre a questão do casamento, o texto remove menções a “homem e mulher”, reconhecendo o casamento civil e a união estável para casais homoafetivos, ampliando a definição de família para incluir vínculos conjugais e não conjugais, abrindo caminho para proteger, no texto da lei, o direito de homossexuais ao casamento civil, à união estável e à formação de família. 

Nessa linha, sem ingressar em debates ideológicos, primando pela absoluta cientificidade, respeitando jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, baniu-se, nas normas disciplinadoras do casamento e da união estável, referências a “homem e mulher” ou “marido e mulher”, optando, precisa e objetivamente, pela expressão “duas pessoas”, o que contempla, em perspectiva constitucional e isonômica, todo e qualquer casal, seja heteroafetivo ou não”, diz o relatório final no trecho em que a comissão explica as mudanças sugeridas no Código. 

Neste caso, os sites religiosos não incorreram em divulgação de informação falsa. E, como descrito, os casais heterossexuais estão incluídos na definição, sem excluir as demais formações familiares que já existem, na prática.

Divórcio também foi tema

O divórcio unilateral também é abordado pelas notas de repúdio e reportagens nos sites questionados nesta matéria. O artigo 1.582-A traz conteúdo sobre esta questão: O cônjuge ou o convivente, poderão requerer unilateralmente o divórcio ou a dissolução da união estável no Cartório do Registro Civil em que está lançado o assento do casamento ou onde foi registrada a união, nos termos do § 1º do art. 9º deste Código

No entanto, o Anteprojeto do Código Civil reforça logo em seguida, no segundo parágrafo, que o outro cônjuge deve ser notificado imediatamente: § 2º Serão notificados prévia e pessoalmente o outro cônjuge ou convivente para conhecimento do pedido

Outra proposta abordada no direito de família foi a mudança de nomenclatura de família para “das famílias”, no plural, e a criação de uma nova figura jurídica, chamada de “convivente”, além do “cônjuge”, para descrever as uniões estáveis. 

Além das entidades cristãs da Paraíba e da UNIGREJAS, a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (ANAJURE) e a União de Juristas Católicos também lançaram notas de repúdio e preocupação com o texto da reforma do Código Civil. 

“Sem qualquer diálogo público efetivo, nem mesmo com uma consulta ao mundo jurídico em geral (apenas 3 audiências públicas), o texto apresentado sugere reformas fundamentais em diversas matérias, com especial destaque para a personalidade civil e o direito de família (que sugere-se renomear de direito “das famílias”)”, diz a nota que se equivocou quanto ao número de audiências públicas, foram quatro e não três. (23/10/2023; 20/11/2023; 07/12/2023 e 26/02/2024), segundo o site da comissão.

Além disso, Bereia checou que, ao contrário das críticas dos juristas católicos, a comissão constituída no Senado ouviu a população e recebeu 280 sugestões para elaboração do texto. 

Código Civil no Brasil: breve histórico

O Código Civil é um conjunto de normas que impactam o dia a dia dos cidadãos brasileiros, e regula a vida do cidadão desde antes do nascimento, com efeitos até depois da morte do indivíduo, passando pelo casamento, regulação de empresas e contratos, além de regras de sucessão e herança. Ele reúne as normas que determinam os direitos e deveres das pessoas, dos bens e das suas relações no âmbito privado.

 Embora tenha sido elaborado em 2002, o Código Civil não foi o primeiro regulamento criado no país.

Nos séculos 17 e 19 havia a preocupação de neutralizar o Poder Judiciário através da criação de normas que o limitassem. Desta forma, foi outorgado em 1804 por Napoleão Bonaparte o Código Civil francês, revolucionando o Direito na Idade Contemporânea, cristalizando o conceito de Direito Civil, segregando as normas chamadas de Direito Público.

Com a conclusão de seu processo de independência, em 1823, o Brasil quis se inserir no concerto das nações e para isso era apropriado que o país se organizasse de acordo com uma legislação seguindo os moldes de então. Ainda naquele ano se discutiu a rápida confecção de um Código Civil. A lei foi votada na Assembleia Geral e Constituinte e Legislativa do Império do Brasil, determinando a recepção de todo ordenamento jurídico português enquanto não fosse redigido “um  Código Civil” próprio, promessa reiterada na Constituição Imperial de 1824, em seu art. 179, XVIII (“Organizar-se-á quanto antes um Código Civil e Criminal, fundado nas sólidas bases da Justiça e Equidade”). 

A vontade de ter um Código Civil próprio não foi suficiente e somente em 1916 foi criado o primeiro documento responsável por instituir regras para as relações civis: o Código de Bevilacqua, idealizado pelo jurista Clóvis Bevilacqua (Lei 3071/1916). Antes de sua criação as Ordenações Filipinas, de 1603, que Portugal havia substituído em 1867, quando publicou seu próprio Código Civil.

As bases doutrinárias do Código Civil de 1916 eram assentadas em conceitos do século 19 que logo foram superados no século 20, a exemplo de patriarcalismo pronunciado nas relações de família e liberalismo, por esta razão passando por diversas reformas pontuais.

Durante o governo do ditador general Castelo Branco, na segunda metade do século 20, iniciou-se um movimento de reforma profunda da sociedade brasileira, o que implicou em uma tentativa de atualização da legislação civil. Devido a esse movimento de reforma, em 1969, durante a administração do ditador general Costa e Silva foi constituída a Comissão Miguel Reale, cujo objetivo era atualizar, reformar e recodificar o Direito Civil brasileiro. O novo Código Civil iniciou sua tramitação no Congresso Nacional, em 1975. 

O texto final foi aprovado em 15 de agosto de 2001, quando começou o período de transição fixado em lei. Após 32 anos de discussão, o novo Código Civil foi sancionado em janeiro de 2002 (Lei n° 10.406/2002), tendo entrado em vigor em 2003. 

Direito digital

Enfrentar a desinformação é um dos pontos que a comissão de juristas adicionou ao texto final do anteprojeto da reforma do Código Civil. A novidade é a criação do Direito Civil Digital, como Livro autônomo do Código Civil

“Fica evidente que as relações e situações jurídicas digitais já fazem parte do cotidiano do brasileiro e tornaram premente o delineamento do Direito Civil Digital, em face da evidente virada tecnológica do direito, de modo a agregar inúmeras interações de institutos tradicionais e de novos institutos, relações e situações jurídicas neste ambiente digital”, diz o relatório final da comissão. “O Livro de Direito Civil Digital ilumina a necessidade de atualizar a legislação brasileira para abordar os desafios e oportunidades apresentados pelo ambiente digital. A lei é meticulosamente estruturada em capítulos que abrangem desde disposições gerais até normas específicas para atos notariais eletrônicos”, explica ainda o relatório

O texto trata de assuntos como o direito digital à intimidade, liberdade de expressão, patrimônio e herança digital, proteção à criança, inteligência artificial, contratos e assinaturas digitais.

“A nossa grande inovação é a criação de normas gerais, criando um livro próprio sobre direito digital. Estamos propondo questões como a moderação de conteúdo das plataformas, avanços no neurodireito digital. São vários temas que estão sendo tratados e que vão conversar com outros pontos. Um exemplo é a herança digital e os bens digitais: moedas eletrônicas, mas também patrimônio que está em redes sociais, fotografias, os dados colocados nas redes, perfis”, diz Salomão.

A Inteligência artificial não ficou de fora. A regulamentação de ferramentas do tipo também faz parte do projeto. Segundo o presidente do colegiado, a proposta do anteprojeto traz linhas gerais sobre a necessidade de autorização do uso da imagem gerada por IA e outros temas para não ficar defasado em relação a inovações tecnológicas. “A ideia é fazer uma regulamentação geral, sem amarrar. Ninguém vai  segurar a evolução das tecnologias”, destacou.

O novo Livro representa um passo significativo, colocando o Brasil na vanguarda do tema e alinhando o direito brasileiro com as realidades do mundo digital, garantindo proteção, transparência e segurança nas interações online, enquanto promove a inovação e respeita os direitos fundamentais no ambiente digital”, argumentam os autores do anteprojeto no relatório final. 

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Bereia conclui que  as matérias do site religioso Pleno News, da Gazeta do Povo entre outros veículos e grupos que criticam o relatório final da Comissão de Juristas criada no Senado para elaboração de um anteprojeto de lei para a reforma do Código Civil Brasileiro são ENGANOSAS. Estes espaços digitais usam títulos com conteúdo falso e sensacionalista para confundir leitores e levá-los a conclusões erradas sobre o trabalho da comissão. 

As notícias refutadas nesta matéria são enganosas porque, apesar de terem conteúdo verdadeiro, os títulos e alguns trechos confundem leitores e os levam a acreditar em falsidades, uso de pânico moral, assunto já abordado por Bereia. Também instigam o público a fazer julgamentos equivocados sobre o anteprojeto e a Comissão de Juristas formada para a elaboração e reforma do Código Civil no Senado.

Em nenhuma das 311 páginas do relatório final fala-se sobre aborto, ou relação entre humanos e animais, ou sobre direito de pessoas que mantenham uma união extraconjugal. 

Entretanto, é verdadeiro que o texto suprime as palavras “homem e mulher” ou “marido e esposa” para definir as relações familiares. O intuito é garantir os direitos e deveres de famílias que não se encaixam nessa nomenclatura. Entre elas estão as formadas por casais do mesmo sexo, mas também aquelas formadas por parentes ou pessoas agregadas, sem necessariamente haver algum tipo de relacionamento amoroso entre os integrantes. Por exemplo, famílias cujos pais faleceram e um irmão mais velho passou a exercer o papel de chefe daquele núcleo. 

Referências de checagem:

Agência Senado

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/09/04/instalada-comissao-de-juristas-para-atualizar-o-codigo-civil Acesso em 15 ABR 24

https://legis.senado.leg.br/comissoes/comissao?codcol=2630 Acesso em 15 ABR 24

https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento/download/3f08b888-b1e7-472c-850e-45cdda6b7494 Acesso em 15 ABR 24

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/04/05/juristas-concluem-anteprojeto-de-codigo-civil-direito-digital-e-familia-tem-inovacoes Acesso em 15 ABR 24

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/03/07/pacheco-afasta-preocupacoes-sobre-atualizacao-do-codigo-civil Acesso em 15 ABR 24

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/04/11/anteprojeto-do-novo-codigo-civil-sera-apresentado-na-quarta-17 Acesso em 15 ABR 24

https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento/download/3f08b888-b1e7-472c-850e-45cdda6b7494 Acesso em 15 ABR 24

Estadão 

https://www.estadao.com.br/politica/reforma-codigo-civil-familia-uniao-homoafetiva-casamento-gay-pets-inteligencia-artificial-senado-congresso-nacional-nprp/ Acesso em 15 ABR 24

CONJUR 

https://www.conjur.com.br/2024-mar-16/fake-news-sobre-a-reforma-do-codigo-civil-a-quem-interessa-a-desinformacao/ Acesso em 15 ABR 24

EBC 

https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2024-03/comissao-de-juristas-vota-relatorio-final-da-reforma-do-codigo-civil Acesso em 15 ABR 24

CNN Brasil

https://www.cnnbrasil.com.br/blogs/caio-junqueira/politica/juristas-catolicos-criticam-novo-codigo-civil-proposto-pelo-senado/ Acesso em 15 ABR 24

Assembleia Legislativa do Espírito Santo

https://www.al.es.gov.br/Noticia/2022/01/42426/codigo-civil-brasileiro-completa-20-anos.html Acesso em 15 ABR 24

Politize

https://www.politize.com.br/novo-codigo-civil/ Acesso em 15 ABR 24

Câmara dos deputados

https://www2.camara.leg.br/a-camara/visiteacamara/cultura-na-camara/copy_of_museu/exposicoes-2012/10-anos-do-codigo-civil Acesso em 15 ABR 24

https://www.camara.leg.br/noticias/24906-historia-do-novo-codigo-civil/#:~:text=O%20novo%20C%C3%B3digo%20Civil%20come%C3%A7ou,de%20transi%C3%A7%C3%A3o%20fixado%20em%20lei Acesso em 15 ABR 24
https://www2.camara.leg.br/a-camara/visiteacamara/cultura-na-camara/copy_of_museu/exposicoes-2012/10-anos-do-codigo-civil Acesso em 15 ABR 24

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Foto de capa: Waldemir Barreto/Agência Senado

Publicação sobre intolerância religiosa gera polêmica nas mídias sociais

* Matéria atualizada em 06/03/2023 às 15:21 para acréscimo de informações

Uma publicação nas páginas oficiais do Governo da Bahia nas mídias sociais, em referência ao Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa (comemorado em 21 de janeiro), causou grande polêmica, principalmente entre internautas cristãos.

Portais de notícias gospel como Pleno News e Folha Gospel noticiaram o incidente virtual e, em 23 de fevereiro, a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), enviou um ofício para a Ouvidoria Geral do Estado da Bahia solicitando a remoção da publicação alegando que esta tinha “tom preconceituoso contra cristãos”. No dia seguinte, a publicação tornou-se indisponível nas mídias sociais do governo baiano.

Imagem: reprodução site Folha Gospel

Imagem: reprodução site Pleno News

Bereia recebeu de leitores solicitações de checagem sobre a veracidade das críticas que circulavam em torno das postagens do governo da Bahia.

O que dizia a publicação

A publicação veiculada nas mídias digitais do Governo da Bahia era do tipo conhecido como “carrossel”, uma sequência de imagens que formam um único post. No caso em questão, a publicação tinha como título “Você acha que não, mas é Intolerância religiosa, sim”, e a frase “Você precisa encontrar Jesus” estava entre as listadas como crime de intolerância religiosa. Como justificativa para o enquadramento da frase como intolerância, lia-se os dizeres “não é só Jesus”, acompanhado, ao lado, de um símbolo alusivo ao coração.

Imagem: reprodução do Instagram

A justificativa para embasar a pretensa intolerância foi de que a necessidade das pessoas não seria suprida unicamente através de Jesus, mas por meio de qualquer religião escolhida”,  diz o texto da Anajure. Outras frases como “É de gesso não vai te ouvir”; “Macumba é coisa do Satanás”; “Crente ou quente?”; “Isso lá é religião”; foram indicadas pelo portal Folha Gospel como conteúdo da mesma publicação.

Reação da comunidade cristã

Segundo a Anajure, os autores da postagem confundiram o proselitismo e a intolerância. Para a associação, a tentativa de convencimento não constitui uma intolerância e é preciso considerar que faz parte da fé cristã acreditar que todos são necessitados de Cristo, e somente dele. “O abuso desse direito (…) teria lugar apenas em ocasiões nas quais o discurso fosse utilizado de forma coercitiva ou em meio a agressões ao ouvinte. Afirmar que alguém precisa de Jesus não é uma ameaça, uma agressão nem um menosprezo”, diz o texto da organização.

A entidade reforçou a laicidade do Estado brasileiro, baseada no artigo 19 da Constituição Federal, que o obriga a não impossibilitar as atividades religiosas, afirmando que não cabe ao Estado deliberar a validade das crenças. O ofício enviado pelo departamento jurídico da Anajure foi dirigido ao governador da Bahia Jerônimo Rodrigues Souza.

Imagem: reprodução site Anajure

Segundo fonte ouvida por Bereia, que prefere não ser identificada, “muitas pessoas se sentiram ofendidas ao verem expressões e símbolos da sua fé serem criminalizados, principalmente o ato de apelo que faz parte da liturgia da maioria dos cultos evangélicos, o que não aconteceu com os demais credos”. Ainda, segundo a mesma fonte, o card que aparentava ser uma defesa do credo evangélico apresentava a figura de um um terço, símbolo da fé católica, “soando assim como zombaria”.

Histórico de intolerância religiosa na Bahia

O Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa é celebrado em 21 de janeiro em memória de Mãe Gilda de Ogum, ialorixá e ativista social baiana morta na mesma data, no ano 2000. Em 1999, a Folha Universal, jornal sustentado pela Igreja Universal do Reino de Deus, acusou as religiões de matriz africana de charlatanismo, ilustrando a publicação com uma foto de Mãe Gilda. Pouco tempo depois, a casa e o terreiro de Mãe Gilda foram invadidos e depredados, episódio que deteriorou a saúde da ialorixá, tendo, possivelmente, contribuído para sua morte por infarto em 21 de janeiro de 2000.

Imagem: reprodução de print da Folha Universal no site Brasil de Fato

Busto em homenagem a Mãe Gilda é reinaugurado após vandalismo, em 2016. Imagem: reprodução G1

O tema da intolerância religiosa é, por esse e outros episódios, candente na Bahia, motivo pelo qual há um esforço por parte deste estado em promover ações em prol da tolerância. Desta vez, porém, parece ter havido, ao menos, um descuido. A professora associada do Departamento de Sociologia e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal Fluminense (UFF) Christina Vital da Cunha, consultada pelo Bereia, afirma que “a tentativa do governo da Bahia de proteger a sociedade contra essas ações é legítima, mas o desafio é abordar a questão sem incorrer em uma acusação ao mesmo tempo direta e generalista sobre um grupo religioso em especial sob o risco de ser tomado como intolerante”. 

O que explicaria o teor da postagem por parte do governo baiano é a existência de um histórico de violências morais e físicas praticadas em relação a religiosos de matriz afro-brasileira, principalmente na Bahia e no Rio de Janeiro, num processo que se desenvolve a partir dos anos 1990 tendo como principais algozes alguns líderes evangélicos. 

“O Estado e o movimento social sempre precisarão atuar lembrando aos grupos religiosos monoteístas de perfil mais exclusivista que a diversidade nas formas de viver a espiritualidade tem que ser resguardada. A liberdade de culto é cláusula pétrea em nossa Constituição. Outra questão é o conflito em torno da identidade religiosa. Ou seja, há uma pluralidade de grupos religiosos que, pela lei, deve ser garantida pelo Estado, e uma diversidade interna nos modos de experimentar a fé em cada um desses grupos.  Neste caso, trata-se de uma disputa interna por legitimidade e, às vezes, poder, cabendo alguma interferência estatal somente em caso de algum crime ou impasse judicializado”, afirma Christina Vital.

Enfrentamento ao racismo religioso

O racismo religioso, termo que se refere ao conjunto de práticas violentas direcionadas às religiões de matriz africana e seus adeptos, vem ganhando visibilidade no debate sobre intolerância religiosa no Brasil. Em entrevista ao Bereia, a assessora para Ecumenismo e Diálogo Inter-religioso da CESE (Coordenadoria Ecumênica de Serviço), reverenda Bianca Daébs, afirma que “é preciso implementar uma campanha nacional contra o Racismo Religioso em diálogo com entes públicos, escolas e movimentos sociais, (…) e fortalecer as organizações baseadas na Fé de caráter ecumênico e Inter-religioso”.

Daébs discorda quanto ao teor ofensivo da publicação por parte do Governo da Bahia: “as pessoas não estão acostumadas a serem confrontadas com suas atitudes racistas e com a falta de respeito à fé do outro. Uma campanha como essa é importante porque educa o povo ao tempo que sinaliza para a sociedade que o Estado, que tende a reproduzir práticas racistas de modo sistêmico, também está repensando suas práticas.”

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Após realizar checagem do conteúdo publicado pelo governo da Bahia, bem como da repercussão que a publicação gerou, Bereia considera o episódio em tela inconclusivo. O post, removido pelo governo baiano, parece ter sido um deslize na tentativa de conscientizar a população sobre a intolerância religiosa.

A publicação até apresenta alguma substância informativa, mas não contém todos os elementos necessários para ser classificada como informação verdadeira. Além disso, traz outros elementos que corroboram para classificá-la também como desinformação. 

Por outro lado, as acusações de que o governo baiano teria cometido crime também carecem de substância ou interpretação mais abrangente do fenômeno, principalmente à luz do histórico de episódios de intolerância na Bahia. Estas acusações podem servir para alimentar a desinformação que vem sendo alvo de uma série de checagens do Bereia desde 2020: a suposta perseguição sistemática a cristãos no Brasil, com o nome de “cristofobia”.

Referências de checagem:

Folha Gospel. https://folhagospel.com/governo-da-bahia-diz-que-a-frase-voce-precisa-encontrar-jesus-configura-crime/ Acesso em: 1 mar 2023

Pleno News. https://pleno.news/fe/frase-voce-precisa-encontrar-jesus-e-vista-como-intolerancia.html Acesso em: 1 mar 2023

Rádio 93. https://radio93.com.br/noticias/giro-cristao/governo-da-bahia-aponta-frase-sobre-jesus-como-intolerancia-religiosa/ Acesso em: 1 mar 2023

Jus Navigandi. https://jus.com.br/artigos/102500/governo-da-bahia-e-a-polemica-frase-voce-precisa-encontrar-jesus Acesso em: 1 mar 2023

ANAJURE. https://anajure.org.br/anajure-solicita-remocao-de-publicacao-preconceituosa-em-perfil-institucional-do-governo-baiano-sobre-dia-nacional-de-combate-a-intolerancia-religiosa/ Acesso em: 1 mar 2023

Gazeta do Povo. https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/guilherme-de-carvalho/campanha-governo-bahia-intolerancia-religiosa/ Acesso em: 1 mar 2023

Pleno News. https://pleno.news/brasil/governo-da-bahia-exclui-post-sobre-intolerancia-religiosa.html Acesso em: 1 mar 2023

Conselho Nacional de Justiça. https://www.cnj.jus.br/ministerio-publico-da-bahia-desenvolve-acao-de-combate-a-intolerancia-religiosa/ Acesso em: 1 mar 2023

Bahia Notícias. https://www.bahianoticias.com.br/artigo/1529-mae-gilda-presente-hoje-e-sempre Acesso em: 1 mar 2023

G1. https://g1.globo.com/bahia/noticia/2016/11/busto-de-mae-gilda-e-reinaugurado-apos-ser-alvo-de-vandalismo.html Acesso em: 3 mar 2023

Coletivo Bereia. https://coletivobereia.com.br/?s=cristofobia Acesso em: 3 mar 2023

Vídeo de Marisa Lobo desinforma sobre perseguição religiosa

Circula nas mídias sociais um vídeo em que a presidente do partido Avante no Estado do Paraná, Marisa Lobo, apresenta uma operação policial na Igreja Assembleia de Deus Madureira em Curitiba. No material, é possível ver nove veículos policiais de diferentes forças de segurança e um guincho. No entanto, Marisa Lobo desinforma ao classificar o ato como “intolerância religiosa”, ao dizer que atividades religiosas eram serviço essencial e ao mostrar o vídeo como sendo recente.

A operação policial ocorreu em 12 de julho de 2020 na capital paranaense, quando então vigorava o Decreto Municipal nº 870/2020, que determinava que se mantivessem as medidas estabelecidas no artigo 5º do Decreto no 470/2020, publicado em 26 de março. O documento elenca as atividades essenciais no município, e cultos religiosos não estavam inclusos. Foram listadas 51 atividades, como serviços médicos, de transporte e de mercados/feiras, mas celebrações religiosas não foram consideradas essenciais.

Além disso, a operação não pode ser classificada como “intolerância religiosa” ou “perseguição a cristãos” pois para se caracterizar como tal uma situação deve conter ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo, escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar com a intenção de deliberadamente inviabilizar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso (Código Penal art. 208). Mesmo a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) emitiu em seu “caso 33” nota informando que a denúncia de aglomeração no culto tinha sido anônima e que não se perpetuaram violações ou danos à igreja.

“Após o ocorrido, o Prefeito de Curitiba, o Governador do Paraná e o Comandante da Polícia Militar do Estado buscaram contatar a liderança do Ministério Madureira, para obter mais informações e esclarecer o ocorrido. Tendo conhecimento das circunstâncias, as autoridades se desculparam pelo transtorno gerado pela denúncia falsa e reafirmaram o direito das igrejas de realização das cerimônias virtuais”

Comunicado da ANAJURE

O vídeo voltou a circular com frequência em mídias digitais religiosas no fim de fevereiro e início de março deste ano, porém não se refere a uma ação ocorrida em 2021. Foi exibido originalmente no perfil do YouTube de Marisa Lobo, que era então pré-candidata à Prefeitura de Curitiba-PR pelo Avante. A publicação foi feita em 13 de junho de 2020, e pode-se observar que a gravação que passa na TV às suas costas tem 20 segundos de duração, com repetição automática, dando a impressão de um vídeo mais longo. Marisa Lobo não foi eleita, tendo recebido apenas 0,51% dos votos válidos.

Em 26 de fevereiro de 2021, a Resolução nº 221 da Secretaria de Saúde do Estado do Paraná classificou as atividades religiosas como essenciais desde que haja o cumprimento das medidas sanitárias determinadas por ela. A resolução está em vigor hoje no município, e pode ser conferida na íntegra aqui. Portanto, à época em que o vídeo foi produzido, celebrações e cultos religiosos não figuravam como atividade essencial.

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O Coletivo Bereia classifica como falsas as afirmações de perseguição religiosa e de culto porque igrejas não foram classificadas como atividade essencial pela Prefeitura de Curitiba em 2020: não há perseguição religiosa, tal como tipificado na lei brasileira nesse caso. Na ocasião do vídeo as igrejas estavam fechadas como medida de saúde pública (prevenção da contaminação por covid-19). A igreja Assembleia de Deus Madureira em Curitiba foi autuada porque estava funcionando, desrespeitando o decreto municipal. O vídeo publicado em 13 de junho de 2020 não representam o momento atual da cidade, que permite as atividades essenciais, desde que cumpridos os protocolos de segurança.

O vídeo a que se refere esta verificação chegou até o Coletivo Bereia por meio de seu WhatsApp oficial e de parceiros da Rede Nacional de Combate à Desinformação. Sempre que você encontrar um conteúdo suspeito, envie para WhatsApp ou Telegram do Coletivo Bereia – (38) 98418-6691.

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Referências

Prefeitura de Curitiba, https://mid.curitiba.pr.gov.br/2020/00295866.pdf. Acesso em: 11 mar. 2021.

Anajure, https://anajure.org.br/caso-33-curitiba-pr-denuncia-falsa/. Acesso em: 11 mar. 2021.

Youtube, https://www.youtube.com/watch?v=ihVyivqIFLE. Acesso em: 10 mar. 2021.

Legisweb, https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=410133#:~:text=Disp%C3%B5e%20sobre%20as%20medidas%20de,05%20de%20fevereiro%20de%202021. Acesso em: 11 mar. 2021.