Ex-senador da Bancada Evangélica e site gospel divulgam revogação de prisão de blogueiro de extrema-direita

O ex-senador da Bancada Evangélica no Congresso Nacional Magno Malta (ES) publicou dia 10 de setembro em seu perfil no Instagram a seguinte mensagem: “A prisão de Oswaldo Eustáquio é revogada!”.  Magno Malta tem 1,2 milhões de seguidores no Instagram. A publicação apresentava quase 50 mil curtidas e 4,5 mil comentários até o fechamento desta matéria

A prisão do blogueiro bolsonarista Oswaldo Eustáquio foi determinada  pelo ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal (STF). Eustáquio é investigado no inquérito que apura práticas antidemocráticas no último dia 7 de setembro. 

Reprodução do Instagram

Na mesma data, a esposa de Oswaldo Eustáquio, Sandra Terena, que é evangélica e ex-secretária de Igualdade Racial do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, fez a seguinte publicação em seu perfil no Twitter:

Reprodução do Instagram

Apoiadores atribuíram a suposta revogação do pedido de prisão como resultado das manifestações de rua em 7 de setembro passado, em apoio ao governo do presidente Jair Bolsonaro e contra ações do STFl. A publicação contava com 2.768 compartilhamentos, 305 comentários e 12,9 mil curtidas até o fechamento desta matéria.

Reprodução do Instagram

Inquérito e prisão anterior por atos antidemocráticos 

O blogueiro já havia sido preso pela Polícia Federal, em 26 de junho de 2020, a pedido do ministro Alexandre de Moraes com base nas investigações no âmbito do Inquérito n. 4828 que apura manifestações antidemocráticas contra poderes da República. O trecho da decisão que prorrogou a prisão do blogueiro afirma que “há indícios do envolvimento do ora custodiado em fatos que estão sob apuração e que guardam relação com ações de potencial lesivo considerável, considerando que as manifestações promovidas por OSWALDO EUSTÁQUIO, tanto em mídias sociais, quanto fisicamente, em movimentos de rua, têm instigado uma parcela da população que, com afinidade ideológica, tem sido utilizada para impulsionar o extremismo do discurso de polarização e antagonismo, por meios ilegais, a Poderes da República”. 

Além disso, o ministro afirma em sua decisão que “o cidadão preso se inclui tanto no núcleo produtor de conteúdo, como se relaciona com os operadores de pautas ofensivas ao Estado Democrático de Direito, sendo imprescindível diminuir o risco de atos de interferência ou prejudiciais à investigação que Oswaldo Eustáquio Filho, uma vez solto, possa realizar”. 

No mês seguinte, nova decisão do ministro Alexandre de Moraes substituiu a prisão do blogueiro por medidas cautelares, como “não manter contato com outros investigados, frequentar as redes sociais apontadas como meios da prática dos crimes sob apuração e não se aproximar menos de um quilômetro da Praça dos Três Poderes ou das residências dos ministros do STF”. 

Sites religiosos como Pleno.News repercutiram a postagem de Magno Malta:

Reprodução do Instagram

Apenas sites e perfis nas redes sociais digitais de ativistas ligados ao governo federal divulgaram a suposta revogação da prisão do blogueiro, sempre com base na publicação de Magno Malta, ou seja, sem apresentar nenhuma fonte segura, como o site do STF, declaração do ministro Alexandre de Moraes ou nota oficial da assessoria do ministro. 

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Bereia avalia a postagem do ex-senador Magno Malta e dos espaços religiosos que a repercutiram como  notícia falsa. O pedido de prisão feito em 7 de setembro pelo Ministro Alexandre de Moraes não havia sido revogado. 

Os perfis e páginas de Eustáquio nas redes sociais digitais foram bloqueados a pedido de Alexandre de Moraes desde 6 de setembro. Neste momento, Eustáquio é considerado foragido da justiça. 

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Referências de checagem:

O Globo. https://oglobo.globo.com/politica/moraes-determina-nova-prisao-de-blogueiro-bolsonarista-que-encontrou-ze-trovao-no-mexico-25191295 Acesso em: [13 set 2021]

STF. http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/DecisoRenovatemporriadeOES.pdf Acesso em: [13 set 2021]

STF https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5895367 Acesso em: [13 set 2021]

STF https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=446954&ori=1 Acesso em: [13 set 2021]

Pleno.News. https://pleno.news/brasil/politica-nacional/prisao-de-oswaldo-eustaquio-foi-revogada-afirma-magno-malta.html Acesso em: [13 set 2021]

Interferência de missionários ligados a igrejas evangélicas prejudica vacinação de indígenas

No dia 7 de junho foi divulgado pela imprensa que um ofício da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas foi encaminhado à Procuradoria-Geral da República. O ofício retrata que missionários da igreja Assembleia de Deus estariam propagando desinformação junto aos povos indígenas a respeito da vacinação contra a Covid-19.  Segundo a reportagem da Folha de S. Paulo,

Outra questão levantada é a dificuldade de vacinar a população indígena. Um ofício encaminhado à PGR (Procuradoria-Geral da República) revelou a influência negativa que missionários estavam exercendo sobre comunidades indígenas, infundindo temor por meio da propagação de fake news sobre a vacinação contra a Covid 19. A campanha de desinformação seria difundida via áudios e vídeos pelo celular, pelo sistema de radiofonia entre as aldeias e por cultos presenciais. No estado do Maranhão a maior influência seria da igreja Assembleia de Deus.

Trecho da reportagem da Folha de S. Paulo

O  Jornal do Almoço, da rede RBS, emitiu no dia 9 de fevereiro uma reportagem sobre a baixa movimentação dos indígenas em busca por vacinação, evidenciando a dificuldade com os povos da Reserva do Guarita, em Tenente Portela, e também na cidade de Redentora. Segundo o jornal, cerca de 1000 indígenas deveriam ser vacinados, mas nem metade compareceu. De acordo com a Secretária de Saúde, essa ausência ocorreu devido a influências religiosas  e líderes das  próprias comunidades indígenas, que fez com que muitos optassem por não tomarem a vacina.

Print da página da Globoplay

Bereia entrou em contato com Sandro Luckmann, coordenador da COMIN (Conselho de Missão entre Povos Indígenas, da Igreja Evangélica de Confissão Luterana) que denota como verdadeira a interferência e a propagação de fake news sobre a eficácia e importância da vacina entre os povos indígenas, causada por missionários fundamentalistas. Segundo Luckmann, foi necessário intensificar as campanhas de vacinação para combater a desinformação. A Amazônia é um exemplo onde  há a forte presença dessa desinformação disseminada por missionários. É explícita a rejeição de algumas lideranças religiosas em relação à vacina. “Referente ao estado de Rondônia foram diversos relatos em que  presente esse tipo de situação, e também no sul do Amazonas onde foi necessário intensificar campanhas de informação, intensificar relatos em que a vacina é eficaz e ela ajuda no enfrentamento da covid”, disse Luckmann. 

Em Lábrea, sul do Amazonas, circulou entre o povo Jamamandi um vídeo do pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, questionando os resultados do que chama de vacina “chinesa” e recomendando o uso de ivermeticina. O mesmo povo expulsou com arco e flecha profissionais de saúde que chegavam à aldeia. Líderes indígenas e também evangélicos confirmaram que as aldeias mais resistentes à vacina são as que têm presença de missionários.

“Há pastores orientando os parentes [como indígenas se chamam] para que não tomem a vacina, porque ‘não é de Deus”, afirmou Nara Baré, coordenadora-geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab). Ela relatou casos em Itacoatiara, região do rio Urubu, Manaus, Xingu (Mato Grosso) e Rondônia. Em Santa Catarina, os indígenas da Terra Laklãnõ chegaram a participar de cultos presenciais com o pastor tocando a testa das pessoas durante as orações.

O alinhamento do discurso entre evangélicos e governo

Outra característica em comum entre as aldeias resistentes à vacina e às medidas de saúde é uma referência à postura e discursos do Governo Federal, semelhante ao dos missionários, frente ao tema. Em Dourados (MS), indígenas justificavam não querer tomar a vacina diante da declaração do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em fazer o mesmo ou de que quem tomasse a vacina poderia “virar jacaré”.  

Em fevereiro o The Intercept Brasil apontou que uma universidade privada do Paraná, que passou a receber verba do ProUni após ser credenciada pelo Ministério da Educação na gestão Abraham Weintraub, formava missionários para atuar junto aos povos indígenas.

Em Faxinalzinho, outra cidade do Rio Grande do Sul, houve denúncia sobre o uso de cloroquina para tratamento de mulher indígena na TI Kandóia, conforme Carta de Repúdio do Conselho Estadual dos Povos Indígenas do Rio Grande do Sul. A cloroquina não é recomendada pela Organização Mundial de Saúde por não ter eficácia comprovada cientificamente contra a COVID-19. E é defendida como tratamento precoce contra a COVID-19 por Bolsonaro.

A carta de repúdio foi distribuída às instituições, lideranças políticas e organizações  que trabalham com povos indígenas. Nela o Coordenador Kaingang do Estado do Rio Grande do Sul reivindica medidas cabíveis às autoridades responsáveis, para que essa população não vire cobaia do governo brasileiro.

Print da carta

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Bereia classifica as notícias como verdadeiras. De fato, ocorreram  interferências na vacinação de povos indígenas da região do Amazonas e Rondônia, causadas por influências religiosas, principalmente líderes negacionistas evangélicos, que por meio de vídeos no Whatsapp com disseminação de desinformação, intervinham de maneira incorreta  nas campanhas sanitárias. O conteúdo que circula nas aldeias apresenta ideias fraudulentas, enganosas e equivocadas diante das orientações oficiais de enfrentamento da pandemia.

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Foto de Capa: Anne Vilela EBC/Reprodução

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Referências

Folha de S.Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/06/documento-na-cpi-da-covid-aponta-troca-de-vacinas-por-ouro-em-terras-indigenas.shtml Acesso em: 21 jun 2021.

RBS, https://globoplay.globo.com/v/9252614/?s=0s Acesso em: 21 jun 2021.

BBC Brasil, https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56433811 Acesso em: 21 jun 2021.

Repórter Brasil, https://reporterbrasil.org.br/2021/02/indigenas-recusam-vacinas-da-covid-a-flechadas-e-exigem-presenca-de-missionario/ Acesso em: 21 jun 2021.

O Globo, https://oglobo.globo.com/sociedade/vacina/missionarios-espalham-medo-da-vacina-contra-covid-19-em-aldeias-dizem-liderancas-indigenas-24881049 Acesso em: 21 jun 2021.

DW Brasil, https://www.dw.com/pt-br/pastores-afastam-ind%C3%ADgenas-da-vacina%C3%A7%C3%A3o-relatam-lideran%C3%A7as/a-56380498 Acesso em: 21 jun 2021.

Diário do Alto Vale, https://diarioav.com.br/indigenas-desrespeitam-recomendacoes/ Acesso em: 21 jun 2021.

YouTube Uol, https://www.youtube.com/watch?v=lBCXkVOEH-8 Acesso em: 23 jun 2021.

The Intercept Brasil, https://theintercept.com/2021/02/22/prouni-formacao-missionarios-evangelizar-indigenas-unimissional/  Acesso em: 22 jun 2021.

Organização Pan-Americana de Saúde, https://www.paho.org/pt/covid19#cloroquina-hidroxicloroquina Acesso em: 23 jun 2021.

YouTube Uol, https://www.youtube.com/watch?v=gSSvnV9ksUE