Líderes políticos propagam conteúdo enganoso e falso sobre queimadas na Amazônia e em São Paulo
Publicações com informações imprecisas sobre as queimadas que atingem diversas regiões do país, incluindo a Amazônia Legal e o Estado de São Paulo, circulam nas redes digitais. Postagens de líderes políticos e religiosos questionam, sem evidências, a atuação do governo federal no controle dos incêndios e atribuem responsabilidade pelos focos de fogo a grupos como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) revelam aumento de 78% no número de queimadas em relação a 2023, com mais de 109 mil focos registrados até 26 de agosto.
Situação atual das queimadas no Brasil
De acordo com o Inpe, até 26 de agosto passado, o Brasil tinha registrado 109.943 focos de queimadas em 2024. Esse valor representa 178,11% do ano de 2023, um aumento de 78,13%.
Os estados mais atingidos foram Mato Grosso com 21.694, Pará com 14.794 e Amazonas com 12.696. Somente em agosto, esses três estados registraram 27.838 focos de incêndio, o que corresponde a aproximadamente 25% do total registrado no país em 2024.
O Estado de São Paulo também enfrenta uma situação crítica. Entre os dias 23 e 25 de agosto, quase 30 cidades paulistas estavam em alerta devido às queimadas. Segundo o governo estadual, os incêndios consumiram mais de 20 mil hectares e obrigaram mais de 800 pessoas a abandonar suas residências.
Imagem: Reprodução: Brasil de Fato
Segundo o Inpe, a Amazônia e o Cerrado são os biomas mais afetados pelas queimadas em 2024. Até julho, a Amazônia Legal registrou o maior número de focos de fogo em 19 anos, representando 47,4% do total de ocorrências no país. O Cerrado, por sua vez, correspondeu a 31,9% dos focos registrados.
O uso do fogo na agricultura, uma prática antiga, contribui significativamente para os incêndios na região. Embora seja um método rápido e barato de preparar o solo, o engenheiro-agrônomo e pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Raimundo Nonato Brabo Alves, adverte que esta técnica, quando realizada sem os devidos cuidados, tornou-se um problema ambiental, não sendo mais considerada sustentável pois contribui para o aquecimento global.
Porém, investigações recentes sobre incêndios em São Paulo sugerem ações criminosas coordenadas. Análises do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) revelaram um aumento dramático de focos de calor em um único dia, com 81,29% concentrados em áreas agropecuárias. A simultaneidade dos focos é considerada pelos especialistas indício de interferência humana, levando à prisão de cinco pessoas até 27 de agosto. Os incêndios consumiram mais de 20 mil hectares e deslocaram mais de 800 pessoas, reforçando as suspeitas de atividade criminosa.
Repercussão nas redes de religiosos
Nas redes digitais, informações imprecisas sobre as queimadas no país estão sendo publicadas por parlamentares e líderes religiosos. O deputado federal presbiteriano José Medeiros (PL-MT) utilizou seu perfil no X para sugerir, sem provas, que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) seria responsável pelos focos de incêndio.
Imagem: Reprodução: X
Em 26 de agosto, o MST publicou uma série de postagens em seu perfil oficial no X para afirmar que a notícia sobre sua responsabilidade pelas queimadas no interior de São Paulo, especificamente na região de Ribeirão Preto, é falsa.
O movimento afirmou que as queimadas são reflexo dos problemas do modelo de agronegócio, que envolve concentração de terras, uso excessivo de agrotóxicos e degradação ambiental. Ademais, reafirma seu compromisso com uma Reforma Agrária Popular focada na agroecologia, com o objetivo de converter latifúndios improdutivos e áreas impactadas por crimes ambientais em terras para trabalhadores sem terra.
Imagem: Reprodução: X
O deputado federal cristão evangélico Helio Lopes (PL-RJ) também utilizou seu perfil no X para questionar a atuação do governo federal e da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, em relação às queimadas. Em 26 de agosto, o parlamentar fez duas publicações sobre o tema.
Na primeira postagem, Lopes compartilhou uma notícia do Correio Braziliense sobre a declaração de Marina Silva a respeito da origem da fumaça no Distrito Federal. O deputado sugeriu, em tom crítico, que a pauta ambiental foi utilizada apenas como discurso eleitoreiro.
Imagem: Reprodução: X
Em uma segunda publicação no mesmo dia, o parlamentar compartilhou uma manchete da Revista Oeste que reproduz um editorial do jornal O Estado de São Paulo, publicado em 26 de agosto, que questiona a capacidade do governo Lula de lidar com as queimadas na Amazônia.
O editorial do Estadão, opinião dos proprietários do veículo, compartilhado pelo deputado, reflete uma tendência observada nos posicionamentos do jornal em 2023. Segundo levantamento realizado pelo Ranking dos Políticos, dos 152 editoriais do Estado de São Paulo analisados naquele ano, 75,6% foram críticos ao governo Lula.
Imagem: Reprodução: X
Em 26 de agosto, a deputada federal católica Carla Zambelli (PL) usou o caso das queimadas na publicação de seu perfil no X para criticar o governo federal.
Ela afirmou que o governo Lula deveria aprender com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, a melhorar as ações de combate a esses incêndios e punição dos responsáveis.
Imagem: Reprodução: X
O vídeo é um trecho do noticiário Edição do Meio Dia, da GloboNews, de 25 de agosto, no qual o governador de São Paulo, no exercício de suas responsabilidades, afirma que as forças de segurança pública estão mobilizadas para investigar os incêndios no estado. Ele enfatizou que os responsáveis pelos crimes relacionados aos focos de incêndio serão punidos e levados à justiça.
Imagem: Reprodução: X
Do lado governista, o deputado federal católico Airton Faleiro (PT-PA) também publicou nas mídias digitais sobre os incêndios que atingem São Paulo, combinando informações confirmadas e alegações não comprovadas. A afirmação de que a Polícia Federal abriu investigações sobre os focos de queimadas é correta. De fato, a PF instaurou dois inquéritos para apurar possíveis ações criminosas relacionadas aos incêndios no estado.
Faleiro também compara a situação atual ao “Dia do Fogo”, evento em que foram registrados diversos incêndios criminosos, orquestrada por empresários, fazendeiros e produtores rurais, ocorrido no Pará em 2019. Essa comparação ecoa uma declaração similar da ministra Marina Silva, ao comentar sobre as suspeitas de ações criminosas coordenadas.
O parlamentar ainda sugere motivações políticas para os incêndios atuais, mencionando ‘figuras da extrema-direita’, como o pastor líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia. O deputado se refere a um vídeo que circula nas redes em que o pastor fala que “o Brasil vai pegar fogo”. No entanto, esta alegação carece de evidências concretas, uma vez que o vídeo em questão, diz respeito à convocação para uma manifestação planejada para o feriado do Dia da Independência, 7 de setembro. Não há elementos factuais que indiquem uma conexão direta da convocação com as queimadas.
De quem é a responsabilidade?
Bereia verificou que a responsabilidade pela proteção e preservação do meio ambiente no Brasil é compartilhada por todos os níveis de administração pública: municipal, estadual e federal. De acordo com o Art. 225 da Constituição Federal de 1988, todos têm direito a um meio ambiente saudável e equilibrado, e é dever do governo e da sociedade protegê-lo para o bem de todos agora e no futuro. Segundo a doutora em Gestão Sustentável/Ambiental, Márcia Dieguez e o doutor em Políticas Públicas Marcelo Varella, a Constituição de 1988 criou a função ambiental para obrigar o Estado e a sociedade a preservar o meio ambiente. “O Art. 225, como meio de assegurar a efetividade do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, exige prestações materiais e atuação legislativa que envolvem os três entes federativos, no âmbito de suas respectivas competências”.
De acordo com o Art. 2, da Lei nº 6.938, a Política Nacional do Meio Ambiente visa garantir a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental necessária para a vida, promovendo o desenvolvimento socioeconômico, a segurança nacional e a dignidade humana. O Artigo 23 da Constituição estabelece que a responsabilidade pela gestão ambiental é compartilhada entre a União, os Estados e o Distrito Federal. Cada estado e município no Brasil tem seus próprios órgãos ambientais, que criam políticas, resoluções, licenciam e fiscalizam questões ambientais. Estes órgãos podem criar leis e normas mais rigorosas do que as federais, desde que estejam dentro da Constituição.
Os estados escolhem a estrutura de gestão ambiental mais adequada, como departamentos, fundações ou secretarias, enquanto os municípios seguem os padrões estabelecidos em nível federal e estadual. Assim, todos os níveis de governo devem trabalhar para reduzir os danos ambientais.
No nível estadual, a responsabilidade inclui coordenar com os municípios e implementar políticas para combater crimes ambientais e proteger os recursos naturais. Nessa esfera, os estados contam com corpos de bombeiros e polícias especializadas. No nível federal, ministérios como o Ministério do Meio Ambiente e a Polícia Federal lidam com políticas nacionais e investigam crimes ambientais de maior escala. Além disso, a proteção do meio ambiente é responsabilidade não apenas do governo, mas também de indivíduos e das empresas.
A Lei 6.938/81 criou também o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) para coordenar a proteção ambiental no Brasil. O Sisnama é composto por:
- Órgão Superior: O Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que auxilia o Presidente na formulação das diretrizes ambientais.
- Órgão Central: A Secretaria Especial do Meio Ambiente (Sema), vinculada ao Ministério do Interior, responsável por promover e avaliar a Política Nacional do Meio Ambiente.
- Órgãos Setoriais: Agências e fundações federais associadas à preservação ambiental e ao uso dos recursos naturais.
- Órgãos Seccionais: Órgãos estaduais que executam programas, projetos e fiscalização ambiental.
- Órgãos Locais: Órgãos municipais que controlam e fiscalizam atividades ambientais em suas áreas.
Além disso, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) do governo federal, tem formado, ao longo dos anos, brigadistas florestais para ajudar na atuação durante o período seco. O Programa Brigadas Federais protege diretamente cerca de 14 milhões de hectares de Terras Indígenas e 153 mil hectares de territórios quilombolas, enquanto o Prevfogo cuida de aproximadamente 19,1 milhões de hectares em Unidades de Conservação em todo o Brasil. As Brigadas Indígenas desempenham um papel crucial na prevenção e combate a incêndios florestais na Amazônia, combinando conhecimentos tradicionais indígenas com técnicas modernas de manejo do fogo, conforme o acordo entre a Funai e o Ibama.
Desde 2013, o acordo prevê a seleção, capacitação e contratação de brigadistas indígenas, além do fornecimento de equipamentos e veículos. Em 2014, foram estabelecidas 30 brigadas com 519 brigadistas, e em 2015 o número de brigadistas aumentou para 608, expandindo a área coberta para 17,126 milhões de hectares.
Atualmente, há 39 brigadas em operação. A Associação dos Brigadistas Akwe Xerente, uma das mais ativas, desenvolve um viveiro para reflorestamento e plantio de árvores frutíferas e teve papel importante no combate ao incêndio da Serra do Lajeado em 2017.
Ações públicas em curso
A diretora do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador Agnes Soares detalhou medidas em andamento para reduzir os impactos causados pelo aumento dos focos de incêndio. Ela destacou que, desde 26 de julho, o Ministério da Saúde criou a Sala de Situação Nacional de Emergências Climáticas em Saúde, um mecanismo para coordenar a resposta a emergências climáticas como queimadas, enchentes e secas.
“O monitoramento visa identificar as populações mais vulneráveis e orientar as secretarias estaduais e municipais de saúde, que relatam periodicamente a situação e ajudam no preparo e na mitigação dos efeitos conhecidos, como a inalação de fumaça” , informou a diretora.
O governo federal, por meio do Ministério do Meio Ambiente, está apoiando o combate e monitoramento das áreas atingidas pelas queimadas com seis aeronaves, incluindo um avião KC-390 com sistema para lançamento de água. Além disso, o Ministério da Defesa mobilizou 600 militares para auxiliar nos esforços.
A ministra do Meio Ambiente Marina Silva ressaltou que ações criminosas serão punidas com rigor e que é preciso parar de atear fogo, mesmo com todos os recursos disponíveis, dado o período de alta temperatura, baixa umidade e ventos fortes.
Segundo a ministra, a situação de fumaça na capital federal é atribuída a dois fatores: incêndios nas proximidades de Brasília e fumaça proveniente de outras regiões. Equipes técnicas estão avaliando as correntes de ar para identificar a origem exata da fumaça.
A ministra ressaltou que a preparação iniciada em 2023 foi fundamental para o enfrentamento da situação atual. Ela também destacou que a redução do desmatamento na Amazônia, de 50% em 2023 e 45% em 2024, evitou um cenário ainda mais crítico para o país.
De acordo com dados do sistema Deter-B do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a taxa consolidada de desmatamento na Amazônia caiu 45,7% entre agosto de 2023 e julho de 2024, somando 4.315 km², em comparação com 7.952 km² no período anterior. Essa redução representa a maior queda proporcional histórica já registrada.
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Bereia observa que a série de postagens feitas por líderes políticos nas redes apresenta informações falsas e enganosas sobre a atuação do governo no combate aos incêndios. A disseminação de alegações falsas, como a responsabilização do MST pelos incêndios e críticas infundadas à gestão do governo federal e da ministra do Meio Ambiente, contribui para uma percepção negativa e distorcida das ações governamentais e dos deveres das diferentes instâncias da administração pública. O uso do vídeo do pastor Silas Malafaia para acusar apoiadores da extrema direita de terem incentivado os incêndios também se caracteriza como especulação e fonte de engano.
Bereia reforça aos leitores sobre a importância de verificar a veracidade das informações antes de compartilhá-las. Recomenda-se consultar fontes oficiais e confiáveis, como o site do Inpe e os canais oficiais dos órgãos governamentais responsáveis pelo meio ambiente. Além disso, é fundamental questionar conteúdos que pareçam sensacionalistas ou que atribuam culpa a opositores sem evidências explícitas. Ao se deparar com informações duvidosas sobre queimadas ou outros temas ambientais, busque a confirmação em agências de checagem de fatos e evite compartilhar conteúdos não verificados.
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Foto de capa: Wikimedia Commons