Pautas nada laicas e processos legislativos de baixa qualidade
Às vezes tenho a impressão de que o Brasil esta se convertendo em uma teocracia disfarçada de Estado Laico. A laicidade, principio da sociedade moderna, que longe de ser a negação do direito da liberdade de fé, reafirma a legitimidade da autonomia do Estado tornando-o garantidor da liberdade religiosa.
Diferentemente de sociedades teocráticas, onde determinada religião tinha o poder de se impor sobre as mesmas, controlando todas as suas manifestações culturais e comportamentais, o Estado Laico é a garantia da liberdade religiosa e dos direitos dos cidadãos e cidadãs viverem entre si pautados, única e exclusivamente, por princípios racionais e universais, respeitado o princípio do bem-comum.
No entanto, a despeito de nosso Estado se firmar neste principio, temos visto uma avalanche de legisladores que querem estabelecer, de forma vergonhosa, leis que quebram esse princípio e reafirmam a intenção de transformar o país numa republiqueta cristã fundamentalista. Estes legisladores transferem para a arena do parlamento uma agenda muitas vezes pessoal, atendendo a interesses de fé religiosa.
Dessa forma, tais legisladores comprometem o fortalecimento da Democracia e empobrecem o nível da igualdade de direitos, favorecendo determinados grupos religiosos e abrindo, para estes grupos, certos privilégios inadmissíveis. Tem se multiplicado exponencialmente iniciativas de leis, tanto na esfera municipal, quanto estadual e até no Congresso Nacional, que têm trazido a tona propostas normalmente oriundas do fundamentalismo protestante que tentam, por exemplo, criar regras que interferem diretamente em atividades pedagógicas de instituições publicas de educação.
Entre os casos recentes temos uma propositura de lei na ALERJ que estabelece Jesus como guardião do estado do Rio de Janeiro, inclusive com a recomendação de que o Estado realize eventos anuais de promoção dessa homenagem. A referida autora da propositura pertence ao partido Republicanos, apoiado pela Igreja Universal.
Considerando as questões de técnica legislativa, o referido projeto nem podia avançar para votação em plenário devido a sua líquida inconstitucionalidade. Inclusive com a assumida justificativa de que as pessoas cristãs constituem quase 80% da população, sustentando, por falso principio, uma ditadura da maioria, violando assim o principio da isonomia, pelo qual a lei deve servir a todas as pessoas. Outra questão é a previsão de obrigação do Estado realizar atividades de promoção e divulgação da homenagem, o que implica em uso de recursos públicos em favor de uma fé religiosa.
É evidente que esta iniciativa não está desconectada de iniciativas similares como, por exemplo, a realização de intervalos bíblicos nas escolas, ou mesmo a contratação de serviços de educação cristã que envolveriam pastores e educadores cristãos, às custas do erário público.
A laicidade do processo pedagógico deve contemplar um currículo que explore o fenômeno da Religião como parte da evolução humana em seus aspectos históricos e culturais, sem promover qualquer crença especifica em clara ação proselitista. Inclusive respeitando a liberdade do discente em não ser obrigado a participar dessas atividades.
A observância do principio da laicidade do Estado é de fundamental importância para se coibir abusos. Esse é um processo que, no Brasil, historicamente dominado pelo predomínio da religião católica, tem ainda hoje casas legislativas que regulam feriados religiosos.
Outra pauta que atenta contra o principio da laicidade é a tendência de se apresentar projetos de leis referentes a pautas de costumes tão próprias dos segmentos confessionais. Temos tidos múltiplos exemplos em varias partes do Brasil, o que revela que não há preocupação com a formação dos futuros parlamentares sobre técnica legislativa. Isso evitaria muitos problemas e agilizaria a contento a prática legiferante para temas realmente relevantes para o povo brasileiro.
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Imagem de capa: Secom/Alerj