Identidade confessional nas eleições 2024: veja quais candidatos checados por Bereia foram eleitos

Ao menos dez candidatos das eleições municipais de 2024 – dois candidatos a prefeito, quatro candidatos a vereador e quatro candidatas a vereadora – de identidade confessional e perfil desinformativo já tiveram algum discurso checado por Bereia. Entre estes, seis conseguiram eleger-se. Confira quais candidatos foram ou não eleitos, quais tiveram apoio de lideranças religiosas e quais são elas, quantos votos receberam e quais afirmações os tornaram alvo das checagens.

Prefeitos

Rodrigo Manga

Imagem: reprodução TSE

Rodrigo Maganhato (Republicanos), conhecido como Rodrigo Manga, foi reeleito prefeito de Sorocaba com 263.063 votos. Em 2020, Manga, que é missionário da Igreja Mundial do Poder de Deus e próximo do apóstolo Valdemiro Santiago, foi eleito em segundo turno com 153.228 votos. 

O prefeito, que já teve seu nome citado em casos midiáticos como o “resgate” de brasileiros em Israel e a divulgação de um “estudo” preliminar pela Prefeitura de Sorocaba, durante sua gestão, que teria apontado 99% de eficácia do tratamento precoce contra a Covid-19, com o chamado ‘kit Covid’, também já teve afirmações checadas por Bereia.

Bereia conclui que a narrativa de que cristãos estavam sendo perseguidos, propagada pelo prefeito Rodrigo Manga, em vídeos divulgados entre janeiro e março deste ano, é enganosa. As declarações de Manga foram feitas após o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) declarar inconstitucional a Lei Municipal 7.205/04, que torna obrigatória a inclusão de Bíblias nas Bibliotecas Municipais. 

Capitão Nelson

Imagem: reprodução TSE

Capitão Nelson (PL, de identidade confessional católica) foi reeleito prefeito de São Gonçalo(RJ) com 387.914 votos. Antes de se tornar prefeito, foi vereador em São Gonçalo e deputado estadual suplente. Em 2020, venceu a disputa pela prefeitura, pelo Avante, no segundo turno com 189.719 votos. 

Durante a campanha municipal de 2020, Capitão Nelson tinha como principal adversário Dimas Gadelha, candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) em clara vantagem, segundo estudo divulgado à época

Na ocasião, o candidato do Avante estruturou sua campanha sobre o pânico moral de que “a esquerda é contra a família, a favor da ‘ideologia de gênero’ e da erotização de crianças nas escolas”. Segundo checagem realizada por Bereia em novembro de 2020, uma das mentiras propagadas era a de que o candidato do PT iria instalar banheiros unissex nas escolas.

Segundo turno

Cristina Graeml 

Imagem: reprodução TSE

Cristina Graeml (PMB, que se identifica como cristã não determinada) é candidata à prefeitura de Curitiba(PR) e disputa o cargo com Eduardo Pimentel (PSD), atual vice-prefeito do município, no segundo turno, no domingo, 27 de outubro. 

Graeml é jornalista e foi colunista da Gazeta do Povo, portal de notícias alinhado à extrema direita e diversas vezes checado por Bereia, onde também apresentava um programa sobre temas relacionados às Convicções da Gazeta do Povo.

Durante a pandemia da covid-19, Graeml, que se autointitula cristã e direita raiz, publicou um vídeo intitulado “O pico da pandemia no Brasil”, em que manipula números oficiais de cartórios para desvalidar números do Ministério da Saúde e a gravidade da covid-19. Bereia classificou o conteúdo do vídeo da jornalista e candidata como falso.

Em entrevista ao jornal Plural Curitiba, em 24 de junho, a candidata questionou a eficácia da vacina contra a Covid, defendeu os golpistas do 8 de janeiro, se posicionou a favor do voto impresso e disse não se considerar de extrema direita.

Vereadores

Guilherme Kilter

Imagem: reprodução TSE

Guilherme Kilter (Novo) foi eleito vereador em Curitiba (PR). Com 16.664 votos, ele será o quarto vereador mais jovem da capital paranaense e o mais novo da candidatura 2025-2028.

Apadrinhado pelo ex-deputado federal Deltan Dallagnol (Novo) – que teve o mandato cassado em maio de 2023 -, Kilter se denomina cristão, de direita e a favor da família.

Com 228 mil seguidores no Instagram, o futuro vereador costuma publicar conteúdos que reproduzem pautas da direita como armamento de guardas municipais e a enganosa “ideologia de gênero”.

Ele é membro da Primeira Igreja Batista de Curitiba e contou com o apoio do tio e pastor Paschoal Piragine, que se destacou como propagador de pânico moral contra as esquerdas em processos eleitorais anteriores. Kilter já publicou conteúdos mentirosos sobre legalização do aborto e sobre a presença de uma atleta trans nas Olimpíadas. 

Pastor Dinho Souza

Imagem: reprodução TSE

Dinho Souza (PL) é pastor da Igreja Evangélica Povo da Cruz e foi eleito vereador no município de Serra (ES). Evandro de Souza Ferreira Braga teve 5.616 votos e recebeu apoio do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), do pastor Anderson Silva e do padre Kelmon.

Em 2022, no intuito de reformar um cômodo destinado às crianças, Dinho Souza promoveu a venda de rifas cujo prêmio seria uma espingarda calibre 12, polêmica que contribuiu para sua projeção na política.

Além de seu posicionamento a favor das armas, o pastor capixaba promove discurso contra a diversidade de gênero, contra o aborto – mesmo em casos de estupro – e já atacou a própria comunidade evangélica.

Sonaira Fernandes

Imagem: reprodução TSE

Sonaira Fernandes (PL, que se identifica como cristã não determinada) foi reeleita vereadora em São Paulo (SP), desta vez com 33.957 votos. Em 2020, ela havia sido eleita pelo Republicanos, mas, em 2024, filiou-se à legenda do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Desde 2014, Fernandes trabalha junto à família Bolsonaro e, durante a campanha para vereadora em 2024, a candidata ostentou nas redes sociais o apoio do ex-presidente e do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL).

Em 30 de maio de 2024, Sonaira Fernandes participou do evento Marcha para Jesus, organizado pela Igreja Renascer em Cristo, dos pastores Estevam e Sônia Hernandes. Na ocasião, a vereadora repercutiu discurso enganoso sobre perseguição religiosa no Brasil, episódio checado por Bereia à época.

Não foi a primeira vez que a vereadora compartilhou informações falsas. Durante a campanha presidencial de 2022, Fernandes disse que o então candidato Lula (PT) havia vendido a alma para vencer a eleição e compartilhou conteúdo enganoso sobre perseguição a cristãos.

Debora Palermo 

Imagem: reprodução TSE

Débora Palermo (PL) foi reeleita vereadora de Campinas(SP) com 7.690 votos. A vereadora foi eleita em 2020 como candidata do PSC e em 2022 tornou-se presidente em exercício da Câmara Municipal de Campinas, após afastamento do então presidente Zé Carlos (PSB). 

Palermo, que é membro da Igreja do Nazareno, filiou-se ao PL em 2023, depois do PSC ter sido incorporado pelo Podemos. Em 7 de junho de 2024, a vereadora publicou um vídeo em sua página no Instagram sobre uma discussão do Plano Nacional de Educação (PNE) na Câmara Municipal de Campinas, com a chamada “Educação em perigo” e a hashtag “ideologia de gênero não”.

A vereadora de Campinas afirmou que o PNE “é contra as escolas cristãs, é uma ideologia, uma manipulação de nossas crianças e isso não pode ocorrer”.  O discurso de Palermo também associa o termo LGBTQIAP+ a um perigo para crianças. Bereia checou e classificou como falsas as declarações de Débora Palermo (PL) no vídeo. 

Não eleitos

Quatro candidatos com identidade confessional já checados por Bereia não foram eleitos como pessoas que propagam desinformação. Todos eram candidatos a vereador(a). São eles: Alana Passos (PL-RJ, da Igreja Batista Atitude), no Rio Janeiro (11.046 votos); Waguinho Cantor (PL-RJ, da Assembleia de Deus dos Últimos Dias), no Rio de Janeiro (9.523 votos); Dentinho (PL-MG, evangélico de igreja não determinada), em Passos (830 votos); e Marisa Lobo Psicóloga Cristã (PL-PR, da Igreja Batista), em Curitiba (2.517 votos).

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Foto de capa: TSE

Cristofascismo, pandemia e a história das epidemias no Brasil

Do combate à varíola no início do século XIX até as confusões atuais sobre o COVID19, as epidemias são períodos privilegiados para a análise das estratégias de comunicação entre autoridades e a população, especialmente na sua parcela mais fragilizada. Neste artigo, as mensagens de lideranças políticas e religiosas atuais são examinadas à luz de outros momentos históricos marcados pela ameaça de caos social trazida por doenças.

O termo “cristofascismo” foi cunhado pela teóloga alemã Dorothee Sölle em 1970 para descrever as relações entre as igrejas cristãs e o partido nazista, beneficiado pelo apoio de lideranças religiosas. Utilizado no Brasil por Fábio Py (entre outros), o conceito tem se consolidado como uma proveitosa chave de leitura para entender a relação do governo Bolsonaro com sua base de apoio, a qual o enxerga como o Messias que se sacrifica pelo seu povo, em defesa de uma suposta “família tradicional brasileira” cuja saúde física, moral e econômica estaria sob ameaça. A imagem abaixo, postado no Instagram da deputada estadual fluminense Alana Passos no dia 26 de abril de 2020, sintetiza a mensagem:

O post coleciona mais de 14 mil curtidas até o final de maio (e alguns comentários críticos também). Dada a sua popularidade, torna-se urgente avaliar como o discurso cristofascista é recebido dentro de seu público-alvo em tempos de pandemia e levantar hipóteses que conectem esse ideário político a uma história do controle do Estado sobre a população em termos da pauta dos costumes e de sua relação com a saúde pública.

No Brasil atual, a mensagem de que o Covid-19 é uma maldição impetrada pelo pecado pode ser compreendida à luz do discurso moral que dá sustentação política ao grupo no poder. Se o cristofascismo tenta aproxima Jair Messias de Jesus Cristo, seu corolário é que contrariar o primeiro é também chamar para si e para o país a fúria do último, e, portanto, a morte. E que, ao invés das ações recomendadas pelas autoridades sanitárias, o que pode salvar o país da doença é a obediência às lideranças religiosas, especialmente aquelas alinhadas com o discurso do Executivo federal.

Dentro desse quadro, há aspectos de continuidade e de ruptura com outros momentos da história brasileira nos quais as epidemias foram interpretadas como oportunidade de aumentar o controle sobre a população e combater as culturas de resistência ao poder instituído. Em seu livro “Cidade Febril”, Sidney Chalhoub mostra que os cem anos de políticas públicas anteriores à Revolta da Vacina, ocorrida em 1904, são elucidativos. A introdução da vacina antivariólica no Rio de Janeiro em 1804 marca, à primeira vista, uma saudável preocupação em acompanhar a vanguarda mundial da política pública de saúde na época. Entretanto, ela é também o primeiro passo de uma sequência de ações que incluem o combate à epidemia de febre amarela em 1850, do cólera em 1855 e deságuam na Reforma Pereira Passos em 1906.

Estes momentos possuem em comum a retirada do direito de moradia no centro da cidade das parcelas mais pobres da população, conjugada a intervenções violentas sobre os corpos negros agravada pela falta de diálogo com as culturas estabelecidas nestas populações sobre o uso do corpo e os sentidos de doença. Os órgãos de saúde pública não demonstraram nenhuma preocupação em comunicar-se com escravos, alforriados e pobres livres a partir de suas próprias culturas. Se assim tivessem feito, descobririam outras visões para doenças como varíola, cólera ou tuberculose. Teriam de explicar, por exemplo, porque sua preocupação se circunscrevia aos bairros onde a população branca era maioria, se estas enfermidades eram mais mortíferas entre os negros. Descobririam que, por isso mesmo, tais doenças eram vistas como feitiçaria de brancos para matar os negros.

Mas nem tudo era vitória dos “feiticeiros brancos”; o fato de a febre amarela atingir, em 1850, mais brancos do que negros, foi lida como uma vingança de São Benedito ao fato de ele não ter sido levado na tradicional procissão de 4ª feira de Cinzas, no ano anterior, por não ter branco que aceitasse carregar santo preto. A aproximação do santo a Omolu, orixá do candomblé capaz de infligir a doença, conferiu mais plausibilidade a essa interpretação.

Há, porém, novidades significativas para o caso atual. Nos casos antigos, a exclusão social se justificou como uma medida científica, higiênica. As autoridades políticas e científicas atuaram de forma uníssona para comunicar uma mensagem: não era necessário ouvir os pobres para saber que eram eles os responsáveis pela doença e que não deveriam obstruir o Brasil que se civilizava.

No cenário atual, as autoridades científicas, políticas e religiosas assumem papéis radicalmente distintos. Entre os primeiros, um século de estudos em saúde pública dotaram os profissionais da saúde de maior sensibilidade com os problemas sociais. As autoridades políticas e religiosas também inovam na emissão de uma mensagem que dialoga de modo ambíguo com certos preconceitos estabelecidos na população. Ao convocar um jejum no dia 04 de abril em meio à pandemia, o presidente admite que a crise do país é de fundo sobrenatural; ao mesmo tempo, minimiza em seus discursos o efeito do morticínio e oferece saídas milagrosas, como a hidroxicloroquina. Desse modo, dialoga com visões sobre epidemias estabelecidas pela cultura popular na longa duração, mas confere novo sentido a elas dentro de sua lógica totalitária. Posiciona-se em papel messiânico, no sentido de quem traz a cura/salvação através da fé e reserva aos supostos desviantes o justo castigo da morte. A consequência é uma nova forma de eugenia: não se trata de decidir quem deve morrer na câmara de gás, mas quem deve ter acesso ao respirador para sobreviver.

Uma resposta a este procedimento pressupõe uma disputa em diversos âmbitos, inclusive teológicos, sobre como deve ser interpretada a figura de Cristo, entendido como encarnação divina, e da Providência. Exige, portanto, a retomada de uma linhagem de pensamento que enxerga no Jesus de Nazaré uma mensagem pacifista e de propagação dos direitos humanos, que a impeça de ser retomada como fiador da legitimidade de atos de violência. De modo semelhante, exige compreender que afirmar que a vontade divina pode ser a responsável pela morte de alguém implica em uma contradição com os valores historicamente assumidos pelos Evangelhos, no Cristianismo Primitivo.

Foto de Capa: Pixabay/Reprodução