Vídeo viralizado: em julgamento, André Mendonça repetiu falsidade que culpa governo Lula pelo 8 de janeiro
Voltou a circular nas redes digitais nas últimas semanas vídeo com uma discussão travada em 14 de setembro de 2023, entre os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e André Mendonça. A peça é trecho de gravação de sessão de julgamento dos primeiros réus envolvidos nos atos criminosos de 8 de Janeiro daquele ano, quando e apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro invadiram e vandalizaram as sedes do Congresso Nacional, do STF e do Palácio do Planalto.
A discussão exposta no vídeo começou quando Mendonça apresentava seu voto em relação ao réu Aécio Lúcio Costa Pereira, primeiro condenado no STF pelos atos golpistas. Na ocasião, o ministro insinuou que o Ministério da Justiça do recém empossado presidente Luiz Inácio Lula da Silva, alvo do ataque, teria sido negligente e, portanto, responsável pelos atos terroristas.
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Relatório da Polícia Federal sobre a tentativa de golpe remeteu ao vídeo
Várias pessoas compartilharam o vídeo nas redes digitais nos últimos dias de novembro, no contexto da divulgação do relatório da Polícia Federal (PF), que se encerrou no último dia 21 de novembro. O documento indicia o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais 36 aliados por tentativa de golpe de Estado e atentado contra o Estado Democrático de Direito. Foram levantadas ações do grupo contra o processo que elegeu Lula presidente da República em 2022, que culminaram nos atos de 8 de Janeiro de 2023.
Entre as provas detalhadas no relatório apresentado pela Polícia Federal, constam anotações do general da reserva Mário Fernandes, que integrou o Ministério da Casa Civil durante o governo de Jair Bolsonaro. As anotações indicam a criação de uma estratégia para responsabilizar o então ministro da Justiça Flávio Dino, pelos atos golpistas de 8 de janeiro.
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Essa estratégia de comunicação tem sido vinculada em publicações nas redes a iniciativas posteriores como as cobranças feitas por senadores a Dino durante audiências no Senado e propostas apresentadas Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Atos Golpistas com o intuito de atribuir a ele a responsabilidade pelos ataques e eximir Bolsonaro e seus aliados.
Durante a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre o 8 de Janeiro, enquanto a relatora, senadora Eliziane Gama (PSD-MA) defendeu o indiciamento de Bolsonaro e mais de 60 pessoas, parlamentares da oposição apresentaram votos em separado, argumentando que os ataques aos prédios públicos federais não configuraram tentativa de golpe, mas depredação que poderia ter sido evitada.
Além de críticas a Dino por supostas falhas no uso da Força Nacional, em 2023, a oposição convocou uma audiência no Senado sobre o assunto, onde foram feitas acusações ao presidente Lula e ao ministro da Justiça de omissão deliberada, sugerindo que não agiram para proteger os edifícios e até “facilitaram” os ataques para fins políticos.
Publicações a partir desta estratégia de culpabilizar Dino foram amplamente difundidas e ecoadas nas redes digitais e em veículos de notícias alinhados à extrema direita durante 2023. Montagens de vídeos com falsos registros do ministro da Justiça conspirando a favor dos ataques foram produzidas para viralizar nas redes, como a agência Aos Fatos verificou.
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Estas acusações foram repetidas nas suspeitas levantadas pelo ministro André Mendonça durante o julgamento no STF, ao sugerir negligência do Ministério da Justiça no episódio. Bereia checou o conteúdo do vídeo com este registro.
O que o vídeo mostra
Durante a sessão de julgamento no STF, o ministro André Mendonça mencionou que não conseguia entender como o Palácio do Planalto teria sido invadido. Ele questionou onde estava o efetivo da Força Nacional e da guarda do prédio, e recordou que foi advogado-geral da União e ministro da Justiça e Segurança Pública no governo de Jair Bolsonaro. O jurista disse que na época que atuava na Esplanada dos Ministérios costumava ficar de plantão com equipes prontas para agir, incluindo a Força Nacional em episódios como o ocorrido naquele 8 de Janeiro .
André Mendonça, que também é pastor presbiteriano, e foi indicado por Bolsonaro ao STF como um ministro “terrivelmente evangélico”, manifestou desconfiança em torno da atuação do Ministro da Justiça na época. Ele ressaltou a rigidez usual da segurança da sede do Poder Executivo Federal e apontou ter havido a possibilidade de o governo intervir diretamente na proteção de edificações federais, mesmo sem a necessidade de autorização do governo distrital. “Como que o Palácio do Planalto foi invadido da forma como foi invadido? Vossa Excelência sabe o rigor de vigilância e cuidado que deve haver lá”, afirmou na sessão de julgamento, dirigindo-se ao relator do processo, ministro Alexandre de Moraes.
Na sequência, Moraes interrompeu o colega de toga e ressaltou ter havido omissão da Polícia Militar do Distrito Federal, naquele 8 de Janeiro. “As investigações demonstram claramente por que houve essa facilidade: cinco coronéis, comandantes da PM [Polícia Militar do Distrito Federal], estão presos, exatamente porque, desde o final das eleições, se comunicavam por ‘zap’ dizendo exatamente que iriam preparar uma forma de, havendo manifestação, a Polícia Militar não reagir. Então, claramente a Polícia Militar, que é — eu também fui ministro da Justiça [do governo de Michel Temer] e sabemos nós dois que o ministro da Justiça não pode utilizar a Força Nacional se não houver autorização do governo do Distrito Federal, porque isso fere o princípio federativo”.
Moraes mencionou ainda a ausência do ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro Anderson Torres, que havia sido nomeado secretário de Segurança do DF, em viagem para os Estados Unidos no dia do ataque, como um elemento que corrobora para a comprovação de responsabilidade do governo distrital.
Em desdobramento do debate, André Mendonça interrompeu Alexandre de Moraes e disse que, em relação aos prédios federais, estaria dentro da lei acionar a Força Nacional. Moraes, de imediato, apontou que tal procedimento não caberia, pois a Praça dos Três Poderes na alçada da polícia do Distrito Federal, Mendonça insistiu: “Mas em relação às edificações federais ele pode e deve conter”.
Afinal, quem pode acionar a Força Nacional?
A CPMI sobre o 8 de Janeiro se debruçou no levantamento sobre a responsabilidade da convocação da Força Nacional no caso.
Segundo o Decreto nº 5.289/2004, que regulamenta a atuação da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP), ela pode ser mobilizada pelo Ministério da Justiça nas seguintes situações:
- Grave perturbação da ordem pública, quando houver necessidade de restaurar ou preservar a ordem pública em situações que ultrapassem a capacidade das forças de segurança locais;
- Calamidade pública, para atuar em situações de desastres naturais, acidentes ou outras emergências que exijam assistência para garantir a segurança pública;
- Emergências de segurança pública, quando houver riscos ou situações excepcionais que demandem reforço ao trabalho das polícias locais, como grandes eventos ou crises específicas de segurança; apoio em atividades de segurança pública para auxiliar as polícias estaduais em operações específicas ou programas de combate ao crime, mediante solicitação;
- Garantia da lei e da ordem (GLO), em casos de grave ameaça à ordem pública ou à paz social. Aqui, a FNSP pode ser empregada, desde que autorizada pelo presidente da República, em articulação com o Ministério da Justiça.
Além disso, os artigos 21 e 144 da Constituição Federal, embora não tratem especificamente da FNSP, estabelecem competências da União sobre bens e prédios públicos federais. Por fim, a Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999 estabelece normas gerais sobre a organização, preparo e emprego das Forças Armadas e também serve de base para a atuação coordenada de forças federais em situações de grave perturbação da ordem.
Essas normas garantem ao Ministério da Justiça a prerrogativa de acionar a Força Nacional diretamente em situações que envolvam a proteção de bens da União ou a manutenção da ordem pública de competência federal. Portanto, o Ministério da Justiça pode acionar a FNSP para proteger prédios públicos federais sem necessidade de autorização prévia de governos estaduais ou municipais, entretanto, apenas em situações excepcionais, e depende de autorização do presidente da República.
Em situações que envolvam segurança pública local, como é o caso da Praça dos Três Poderes, sob jurisdição do Distrito Federal, ou ações em estados e municípios, o acionamento da Força Nacional requer uma solicitação formal do governador ou de autoridades competentes do estado ou do distrito federal. Isso ressalta a necessidade de coordenação entre as esferas de governo, salvo casos específicos que envolvam diretamente responsabilidades do governo federal.
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É verdadeiro o vídeo que voltou a circular que mostra o ministro do STF André Mendonça em julgamento no STF referente aos atos de 8 de janeiro, repetindo o conteúdo que circulou entre apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro em 2023 que culpabiliza o então ministro da Justiça por ter permitido os ataques.
O ministro do STF afirmou na ocasião que o governo Lula poderia ter acionado a Força Nacional de Segurança Pública para proteger os prédios públicos federais sem a necessidade de autorização do governo do Distrito Federal. Mendonça argumentou que, em relação às edificações federais, seria possível conter os ataques, afirmando desconhecer como o Palácio do Planalto foi invadido de maneira tão fácil. André Mendonça replicou debates e discursos da oposição que ganharam destaque desde a divulgação do relatório do inquérito da PF sobre a “minuta do golpe”.
Já a réplica de Moraes tem fácil comprovação nas inúmeras provas apresentadas nas investigações, de que fato houve a tentativa de golpe e que havia sim uma trama para tentar impedir a posse e manutenção do governo de Luiz Inácio Lula da Silva recém eleito à época. Leia mais sobre a trama golpista nesta checagem do Bereia.
Portanto, a fala do ministro Mendonça pode ser classificada como enganosa, pois usa parte do Decreto nº 5.289/2004, que indica, de fato, que o ministro da Justiça poderia solicitar a Força Nacional de Segurança Pública para a proteção de prédios federais. Porém, é sabido pela Administração Pública, que os prédios que compõem a Praça dos Três Poderes pertence ao Distrito Federal. Nesse sentido, cabe, por lei, ao governador do DF a responsabilidade para acionamento da Força.
Após amplo conhecimento do relatório da PF sobre os atentados contra o Estado Democrático de Direito, divulgado em novembro passado, são públicas as provas das articulações golpistas dos 37 indiciados, que incluem os planos de disseminação de conteúdo manipulado para responsabilizar do novo governo pelo 8 de janeiro de 2023 e eximir o anterior de culpa. A exposição do ministro André Mendonça na gravação em vídeo do julgamento no STF naquele ano, indica uma repetição do argumento inventado pelos estrategistas do plano de golpe de Estado. A contraposição do relator do processo ministro Alexandre de Moraes recorreu à legislação que rege a Administração Pública e às provas coletadas que apontam os responsáveis do Distrito Federal que foram presos.
Referências de checagem:
Revista Fórum
https://revistaforum.com.br/politica/2024/11/29/alexandre-de-moraes-detona-andre-mendona-por-tentar-defender-golpistas-170089.html – Acesso em 05 dez 2024
Uol
https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2023/09/14/mendonca-e-moraes-batem-boca-em-julgamento-de-reu-do-81-e-um-absurdo.htm – Acesso em 05 dez 2024
Carta Capital
https://www.cartacapital.com.br/politica/bate-boca-entre-mendonca-e-moraes-sobre-o-8-de-janeiro-teve-provocacao-contra-dino/ – Acesso em 05 dez 2024
Veja
https://veja.abril.com.br/coluna/radar/moraes-e-mendonca-batem-boca-ao-julgar-reu-do-8-de-janeiro-tenha-do – Acesso em 05 dez 2024
Correio Brasiliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2023/09/5125346-8-de-janeiro-moraes-e-mendonca-batem-boca-no-stf-em-julgamento-de-reu.html – Acesso em 05 dez 2024
G1
https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2023/09/14/quem-e-aecio-pereira-primeiro-reu-condenado-no-stf-por-atos-golpistas-de-8-de-janeiro.ghtml – Acesso em 05 dez 2024
YouTube – STF
https://www.youtube.com/watch?v=-dReKZYKYtc – Acesso em 05 dez 2024
Bereia
https://coletivobereia.com.br/politicos-apoiadores-de-padre-indiciado-em-trama-golpista-usam-falsa-acusacao-de-perseguicao-religiosa/# – Acesso em 05 dez 2024
Planalto
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5289.htm – Acesso em 05 dez 2024
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm – Acesso em 05 dez 2024
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp97.htm#:~:text=LEI%20COMPLEMENTAR%20N%C2%BA%2097%2C%20DE%209%20DE%20JUNHO%20DE%201999&text=Disp%C3%B5e%20sobre%20as%20normas%20gerais,o%20emprego%20das%20For%C3%A7as%20Armadas.&text=Par%C3%A1grafo%20%C3%BAnico.,subsidi%C3%A1rias%20explicitadas%20nesta%20Lei%20Complementar – Acesso em 05 dez 2024
Aos Fatos
https://www.aosfatos.org/noticias/video-dino-planalto-8-de-janeiro-apos-ataques-golpistas/ Acesso em 6 dez 2024
G1
https://g1.globo.com/politica/noticia/2024/11/26/militar-tentou-criar-narrativa-para-culpar-flavio-dino-por-8-de-janeiro.ghtml Acesso em 6 dez 2024
Agência Senado
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/10/17/oposicao-pede-responsabilizacao-de-lula-dino-e-g-dias-por-omissao-no-8-de-janeiro Acesso em 6 dez 2024
Senado Federal
https://legis.senado.leg.br/atividade/comissoes/comissao/2606/mna/relatorios Acesso em 6 dez 2024