Caso Londrina: Bereia fala com advogado e sociólogo sobre campanha para Bolsonaro dentro de igreja evangélica

Na última segunda, 27, Bereia recebeu um pedido de checagem sobre uma foto do ônibus do novo partido de Bolsonaro – Aliança do Brasil, dentro do estacionamento da Igreja Presbiteriana Central de Londrina.

Após publicar checagem, afirmando sua veracidade, Bereia entrevistou o advogado e professor de Direito Eleitoral, Guilherme Gonçalves, e o sociólogo Paul Freston, professor de religião e politica na Balsillie School of International Affairs e na Wilfrid Laurier University, em Waterloo, Ontário, Canadá

APOIAMENTO DENTRO DE IGREJA É LEGAL?

O advogado Guilherme Gonçalves, que também é membro fundador da ABRADEP – Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político e ex-presidente do IPRADE – Instituto Paranaense de Direito Eleitoral, esclareceu que o apoiamento é algo lícito do ponto de vista estritamente jurídico, mas da ótica moral, é algo discutível. .

Pr. Emerson Patriota durante culto na IPB Londrina.

Bereia – Há algum tipo de irregularidade por parte do líder religioso em coletar assinaturas dentro da igreja?

Guilherme GonçalvesDo ponto de vista jurídico, especificamente sobre a ótica da validade ou não desta forma de colher assinaturas, de fato, não há nada que proíba o pastor de fazer esse movimento. No limite, do ponto de vista estritamente jurídico, o que poderia acontecer seria, dependendo de um contexto, alguns fiéis se sentissem constrangidos a assinar o apoiamento e depois revelassem terem se sentido coagidos e retirassem a assinatura do apoiamento. Isso, eventualmente podia gerar uma desistência de apoiamentos que poderia invalidar essas assinaturas e, consequentemente, influenciar no atingimento dessa premissa para obtenção do registro do partido que está sendo liderado pelo presidente Bolsonaro. O apoiamento, do ponto de vista eleitoral não é ilegal, ainda que se possa discutir se isso é moralmente correto. Se é possível fazer esse uso da igreja para essa finalidade.

Para tirar o Aliança do papel, Bolsonaro precisa de aproximadamente 492 mil assinaturas em apoio à criação da legenda. O processo precisa ser validado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) até 4 de abril, caso participem das aleições deste ano

RELIGIÃO E POLÍTICA, SIM; IGREJA E ESTADO, NÃO.

A nossa equipe também entrevistou o sociólogo anglo-brasileiro Paul Freston, professor de religião e política na Balsillie School of International Affairs e na Wilfrid Laurier University, em Waterloo, Ontário, Canadá. Freston também é autor do livro: ‘Religião e Política, sim; Igreja e Estado, não’, publicado pela Editora Ultimato.

Bereia – Como o senhor enxerga o discurso político/partidário dentro da igreja por meio de lideranças evangélicas? 

Paul Freston – Uma igreja defender determinado candidato ou determinado partido é deplorável, independentemente do candidato ou partido. É questão de princípios e não de preferência ideológica. A igreja enquanto instituição (seja congregação local ou denominação nacional), e sobretudo os pastores, devem ficar distantes dos embates partidários. Isso não é só para o bem do país; em primeiro lugar, é para o bem da igreja e do evangelho. É para preservar a autoridade pastoral, para não deixar que o discurso religioso, baseado na Bíblia, se contagie com contingências partidárias volúveis e incertas. O pastor que mobiliza a sua igreja em função da viabilização de determinado partido está pondo em perigo a autoridade do seu discurso religioso, rebaixando-o ao nível de seus compromissos políticos pessoais. Isso já é ruim; e pior ainda, se houver alguma recompensa pelo apoio prestado. Devemos ter um cuidado em não absolutizar nossas posições políticas. Como se diz, “a política é a arte do possível”. Portanto, pode-se concordar sobre certos princípios bíblicos acerca do que deve ser feito, mas deve-se pensar no que é possível ser feito hoje no Brasil. Além disso, há muita distância entre a Bíblia e a sociedade de hoje. Não devemos tratar a Bíblia como uma receita política pronta para ser implementada hoje. Isso é ridículo. Não podemos ter o mesmo grau de certeza das nossas posições políticas quanto temos sobre as doutrinas da salvação e o cultivo das virtudes cristãs.

Bereia – Qual o problema ético/teológico de se fazer campanha para um determinado partido dentro da igreja?

Paul Freston – Acredito, como o grande sociólogo Tocqueville no começo do século XIX, que o cristianismo tem papel importantíssimo na era democrática, mas somente quando está na relação certa com a política democrática (separado do estado e do partidarismo, mantendo o clero longe das disputas eleitorais, mas fundamentando a atividade política). É extremamente importante defender a pluralidade política cristã. Como alguém que estuda e gosta de conversar sobre política, eu tenho as minhas próprias opiniões e, às vezes, gostaria que todo mundo pensasse igual a mim. Mas reconheço que isso nunca acontecerá; e, no fundo, nem quero isso, porque defendo, como algo não só inevitável, mas desejável, a pluralidade política da comunidade cristã. Isso não significa abdicar do debate político sério e intenso; mas significa defender o direito das pessoas discordarem. A pluralidade política da comunidade cristã é fundamental e quando se tenta abolir essa pluralidade quem sai perdendo é a própria igreja, e quem se danifica aos olhos da sociedade é a própria fé. Se internamente devemos defender o direito à discordância política, externamente devemos conscientizar a sociedade a respeito da existência dessa diversidade, contestando aqueles líderes eclesiásticos oportunistas que dizem o contrário. Boa parte da sociedade tem a impressão de que “todos os evangélicos são eleitores de fulano” e que “na política os evangélicos só se preocupam com tais e tais questões”. Combater essa ideia errônea é importante por várias razões, inclusive porque a impressão de falta de diversidade política no meio evangélico impede o crescimento numérico das igrejas, principalmente em certos meios sociais. A comunidade cristã deve dar exemplo para a sociedade de como lidar com a diversidade. Não seria bom que a sociedade olhasse para as igrejas e pensasse: “vocês todos pensam igual”; mas que olhasse e dissesse: “vocês discordam politicamente uns dos outros tanto quanto nós, mas vocês conseguem lidar melhor com isso do que a gente”. Se a igreja pudesse dar exemplo nesse sentido, seria um testemunho forte para a sociedade. Podemos pensar, por exemplo, no papel das igrejas, tanto em épocas eleitorais como fora das épocas eleitorais. Um elemento nisso é o ensino consistente das dimensões políticas do discipulado. Além disso, a igreja não deve se comprometer com candidaturas, nem se envolver na disputa partidária. Mas algo que a igreja pode fazer, e que seria um exemplo para a sociedade, é promover debates sérios com representantes de todas as candidaturas, sejam de dentro da igreja, de outras comunidades cristãs ou de fora, mas representantes sérios expondo os melhores argumentos dos seus candidatos, em um ambiente de seriedade e de paixão, mas também de respeito e paciência para ouvir o outro, numa postura de “eu acho que eu tenho razão, mas preciso ao menos ouvir os melhores argumentos do outro lado, tentar ver o mundo através dos olhos do outro, entender por que o outro vota diferentemente de mim”.

Em nota, via Facebook, a Igreja Presbiteriana do Brasil, se posicionou a respeito do caso:


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