É imprecisa a notícia sobre demissão de professores cristãos na China

O portal CPAD News (Casa Publicadora das Assembleias de Deus) publicou no dia 20 de maio a notícia “China demite professores cristãos que não renunciarem sua fé em Jesus”.

Na matéria são indicadas, entre outras situações, a suposta coação de professores por colegas de trabalho e perdas de benefícios para a instituição escolar quando membros da escola, incluindo alunos, fossem ligados ao cristianismo. São citadas possíveis demissões nas províncias de Heilongjiang, Liaoning e Shandong.

O texto da CPAD cita como uma das fontes a missão Portas Abertas, famosa por seu trabalho de apoio ao que é denominado “igreja perseguida”. Bereia não encontrou qualquer notícia sobre demissão de professores na China no site da Portas Abertas.

Verificou-se que a matéria trata da tradução parcial de um texto publicado no site Bitter Winter

Bereia buscou outras informações que validassem as afirmativas apresentadas na notícia. Não há relatos específicos das demissões em qualquer outro veículo. Pelo contrário, todos os textos com essa informação tomam como fonte primária o texto do Bitter Winter.

O site da organização Bitter Winter parece ser a única fonte de informação de sites religiosos brasileiros quando se trata de notícias a respeito da China. As matérias publicadas nele são simplesmente reproduzidas por aqui sem que nenhuma outra fonte de informação ou ponto de vista seja apresentado. Como já foi checado pelo Coletivo Bereia em outra matéria sobre aquele país.

As publicações de Bitter Winter sobre perseguição religiosa na China seguem sempre o mesmo formato: não são assinadas por qualquer jornalista, nomes de fontes nunca são divulgados por supostas questões de segurança, fotos que acompanham as matérias são retiradas da internet e nenhuma evidência, além de hipotéticos relatos e declarações serem apresentados. 

Trecho da matéria sobre perseguição a professores cristãos traz a seguinte informação:

“Enquanto isso, a China também está apagando a religião da literatura escolar. Por exemplo, todas as referências ao cristianismo foram excluídas do romance de Daniel Defoe, do século 18, ‘Robinson Crusoe.”

Nenhuma evidência é apresentada para corroborar esta alegação. Assim como qualquer outra alegação feita pela matéria. 

Além disso, nenhum grande veículo de comunicação brasileiro reproduz ou tem como fonte de informação o site da organização.

Matérias reproduzidas do Bitter Winter em sites brasileiros

Uma vez publicada em site religioso brasileiro, outros sites gospel reproduzem a mesma notícia. Em poucas horas a informação está em dezenas de outros espaços digitais e compartilhada nas mídias – Twitter, Facebook e Whatsapp, em movimento aparentemente articulado. 

Segue o exemplo da notícia “Cristão são presos em hospitais psiquiátricos por causa da sua fé”, propagada em dezembro de 2019.

Veículo de comunicaçãoData de publicação
Guia-me10/12/2019
Folha Gospel12/12/2019
Melodia News13/12/2019
YouTube – Canal Atalaia de Yeshua15/12/2019

A agência Bitter Winter iniciou suas atividades em maio de 2018 e declara ter seu conteúdo voltado para a liberdade religiosa e direitos humanos na China. Segundo o site, o diferencial do portal é uma rede com centenas de correspondentes na China, que normalmente fornecem fotografias e vídeos sobre os casos retratados no portal. No entanto, na notícia destacada nesta checagem, as únicas fontes citadas são uma professora cuja identidade não é registrada.

A relação entre a China e o Cristianismo

Apesar de a liberdade religiosa ser um princípio garantido pela constituição chinesa, os habitantes do Estado sofrem intensas restrições quanto ao exercício deste direito. Nesse sentido, são indicadas pelo próprio governo as atividades religiosas normais (quando legalizadas) e anormais (quando se práticas proibidas).

Existem evidências da presença cristã na China desde o século VII, através do trabalho desenvolvido por jesuítas da Igreja Católica. Enquanto o Protestantismo se fez presente no país a partir do século XIX, com a ida de missionários dos Estados Unidos, Alemanha e Inglaterra.

As três décadas que se seguiram à Revolução Chinesa, em 1949, transformando o regime político em comunismo, trouxeram dificuldades aos cristãos chineses. Com o intuito de diminuir a interferência estrangeira, missionários foram expulsos e foram rompidos os vínculos com o Vaticano, que, para o governo, representava o imperialismo e o colonialismo europeu.

A Igreja Católica Chinesa oficial é controlada pelo governo e não é vinculada ao Vaticano. Para que a prática dos cultos relacionados a cada religião seja considerado legal, a igreja deve ser previamente autorizada pelo governo.

Apenas do ano de 2019, pela primeira vez desde quebra de relações entre a China e a Santa Sé em 1950, houve consagração de sete bispos da Igreja Católica da China pelo Papa. A medida ocorreu por meio de um acordo provisório, consolidado à partir de diálogos que vêm acontecendo desde os anos 1990.

Segundo dossiê elaborado pela Human Rights Watch Brasil (HRW) em 2019, a China se constituiu como uma das principais ameaças aos direitos humanos no mundo. Situação agravada com a administração do atual presidente Xi Jinping, que tem atitudes de opressão sobre organizações da sociedade civil, o jornalismo, monitoramento do espaço virtual, além de perseguições às minorias étnicas e religiosas, havendo substituição do Estado de Direito pelo Estado por Direito.

Mesmo diante deste conturbado contexto a China possui milhões de adeptos ao cristianismo.  Segundo os registros do Conselho Mundial de Igrejas, as estimativas variam amplamente, de cerca de 22 milhões de cristãos (protestantes e católicos) a 100 milhões (ou seja, de 1,5% a 8,5% da população). O número maior inclui mais de 40 milhões de carismáticos em igrejas domésticas, 14 milhões em igrejas domésticas não registradas, cinco milhões de movimentos de “Novo Nascimento”, entre outros.

A estimativa do WCD de cristãos que se auto-identificam é a mesma de 16 milhões registrada no Conselho Cristão da China. As instituições de pesquisa chinesas estimam o número total em cerca de 65 milhões. Há uma pequena minoria de cerca de 60 mil cristãos ortodoxos chineses.

Conclusão

Bereia classifica a matéria publicada por Bitter Winter e reproduzida por CPAD News como imprecisa. Mesmo com um histórico de conflitos entre o governo chinês e o cristianismo, não é possível confirmar a veracidade das informações publicadas. Como observado, as publicações da Bitter Winter não têm autoria identificável, apresentam fontes desconhecidas e apenas relatos sem comprovação possível.

Todas as matérias de sites religiosos no Brasil sobre a China seguem o mesmo padrão e não encontram respaldo em qualquer grande grupo de mídia ou agências de notícias brasileiras e estrangeiras. Cabe destacar que a perseguição a cristãos e a outros grupos religiosos é uma realidade em alguns países e deve ser enfrentada com seriedade, responsabilidade e, portanto, sem desinformação, que acabe por servindo como promoção da intolerância e da simples oposição.

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Referências de Checagem:

BITTER WINTER. Teachers Forced to Renounce Faith, Become CCP’s Political Pawns. https://bitterwinter.org/teachers-forced-to-renounce-faith-become-ccps-political-pawns/. Acesso em: 21 maio 2020.

CONEXÕES POLÍTICAS. Partido Comunista Chinês continua a reprimir cristãos, com ataques, remoção de cruzes e desmantelamento de igrejas. https://conexaopolitica.com.br/ultimas/partido-comunista-chines-continua-a-reprimir-cristaos-com-ataques-remocao-de-cruzes-e-desmantelamento-de-igrejas/. Acesso em: 21 maio 2020.

HUMAN RIGHTS WATCH. A ameaça global da China aos direitos humanos. Disponível em: https://www.hrw.org/pt/world-report/2020/country-chapters/337660. Acesso em: 27 maio 2020.

JELB. O Cristianismo na China – 1a parte. http://www.jelb.org.br/projetos/relacoes-internacionais/o-cristianismo-na-china-1a-parte. Acesso em: 21 maio 2020.

NEXO JORNAL. O projeto chinês de ‘retraduzir’ a Bíblia. E o cerco às religiões. https://www.nexojornal.com.br/expresso/2019/05/15/O-projeto-chin%C3%AAs-de-%E2%80%98retraduzir%E2%80%99-a-B%C3%ADblia.-E-o-cerco-%C3%A0s-religi%C3%B5es. Acesso em: 21 maio 2020.

REVISTA DO CAAP. Liberdade Religiosa na China: Estudos de Casossobre o País Socialista sobre o País Socialista. https://revistadocaap.direito.ufmg.br/index.php/revista/article/view/404/370. Acesso em: 27 maio 2020.

UOL. Onde o papa é clandestino. https://www.uol/noticias/especiais/catolicos-na-china.htm#onde-o-papa-e-clandestino?cmpid. Acesso em: 21 maio 2020.

HUMAN RIGHTS WATCH BRASIL. A ameaça global da China aos direitos humanos. https://www.hrw.org/pt/world-report/2020/country-chapters/337660. Acesso em: 21 de maio 2020.

Conselho Mundial de igrejashttps://www.oikoumene.org/en/member-churches/asia/china-people-s-republic-of

Fake News: “Educação é a chave” do combate à desinformação

Publicado originalmente no Mundo ao Minuto.

A educação é a chave” do combate à desinformação, habitualmente referida como ‘fake news‘, disse Delphine Colard, durante uma conversa virtual com jornalistas sobre a luta da Europa contra a desinformação em tempos da covid-19.

Deve ser muito claro para todos que a informação veiculada por ‘bloggers’ ou influencers’ não tem a mesma credibilidade da dos media tradicionais”, defendeu.

A grande dificuldade em perceber a “fina linha” entre opinião e ‘fake news’ complica a situação, como considerou a diretora da agência Lusa, Luísa Meireles, sublinhando que “a desinformação tem sido uma preocupação nos últimos anos, mas, na atual pandemia, é crítica porque a saúde é um bem precioso para todos“.

Segundo Delpfhine Colard, como a informação sobre a covid-19 tem monopolizado a atenção nos últimos meses, as histórias sobre a sua origem têm proliferado.

Na rádio belga deram notícia de duas narrativas, uma das quais diz que tudo isto foi criado por Bill Gates para implantar ‘microships’ e controlar a população e outra que refere que [a quinta geração de telemóveis] 5G está a espalhar a covid-19, o que levou várias pessoas a destruírem antenas de telecomunicações em vários países. Estas histórias têm consequências para a nossa saúde e segurança, sublinhou a porta-voz do Parlamento Europeu.

Para combater isto, é preciso cooperação, nomeadamente com as plataformas de redes sociais, como por exemplo o Facebook.

Também a assessora de imprensa do Parlamento Europeu, Sara Ahnborg, considerou que é preciso cuidados extra quando se lida com estes temas, sobretudo os que estão ligados à saúde.

Há neste momento 514 histórias [iniciadas pelo] Kremlin a circular sobre a covid-19, avançou Sara Ahnborg, reconhecendo que as acusações a Bill Gates “são muito populares“, mas também há várias com fins políticos.

A Rússia espalhou que não há solidariedade entre os Estados da União Europeia e que a UE está a desmoronar-se” ou que “a democracia nunca funcionará e a covid-19 prova-o, sendo que o que é preciso é um regime de ditadura“, referiu, admitindo que algumas histórias podem fazer-nos rir, mas outras são mais preocupantes.

Portugal tem uma tradição muito forte de cruzar fontes e fazer ‘fact cheking’, mas isso não acontece em todos os países, lembrou.

De acordo com esta responsável da comunicação do Parlamento Europeu, “decorre [atualmente] uma discussão sobre o que as redes sociais podem fazer, nomeadamente em relação a pessoas que se fazem passar por outras, ou por quem usa algoritmos para mudar as perceções e talvez haja legislação sobre isso ou um acordo em breve“.

Por enquanto, secundou a porta-voz do Parlamento Europeu, o importante é “expor os casos e aumentar a consciencialização. É importante investir na literacia e que as crianças comecem, desde cedo, a detetar elementos” e a verificar as histórias antes de decidirem partilhá-las ou não.

Se algo é demasiado feliz ou demasiado triste ou se nos afeta demasiado os nervos, deve pensar-se duas vezes antes de partilhar: provavelmente foi fabricado para nos provocar uma reação, alertou Delphine Colard.

Por outro lado, as plataformas de distribuição, como as redes sociais, têm um código de conduta, uma espécie de autorregulação, que “está atualmente a ser revisto, depois das eleições europeias. Deveremos ter mais regras em outubro“, disse.

O debate Desinformação em tempos de covid-19 foi realizado no âmbito do Dia da Europa, comemorado em 9 de maio, e do Dia da Liberdade de Imprensa, que se assinala em 3 de maio.

A porta-voz adjunta do Parlamento Europeu, Delphine Colard, e a assessora de imprensa do Parlamento Europeu, Sara Ahnborg, foram entrevistas pela diretora da Lusa, mas também pela jornalista e presidente do Sindicato de Jornalistas Sofia Branco, tendo contado com questões colocadas por que estava a assistir.

Na semana passada, centenas de médicos e enfermeiros de vários países, entre os quais Portugal, assinaram uma carta a exigir que as principais redes sociais e plataformas digitais combatam a desinformação sobre a covid-19, retificando notícias falsas e tornando-as menos visíveis.

A petição, divulgada pela plataforma Avaaz e dirigida aos gestores do Facebook, Twitter, Google e YouTube, assegura que a pandemia de coronavírus também é uma infodemia global na qual a desinformação viral põe em perigo vidas em todo o mundo através de mensagens falsas.

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Imagem destaque: http://blog.educawise.com.br/fake-news-como-orientar-os-alunos/